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Luh Ferreira

Educadora Popular, ativista, doutora em Educação

Encantada com o mundo, indignada com a situação dele

Ativistas protestam em aniversário dos bombardeios atômicos por não-proliferação nuclear

Por Sara Herschander,  para o Waging Nonviolence

No 77º aniversário dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, japoneses realizaram protestos criativos, vigílias e ações diretas demandando a eliminação das armas nucleares.

“Nagasaki nunca mais!”, disse Takashi Miyata, um sobrevivente da bomba nuclear. l Foto: Otosection/Reprodução

Lutadores e lutadoras anti-nucleares em todo o mundo marcaram o 77º aniversário dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki esta semana, enquanto líderes mundiais se reuniam este mês para discutir o estado do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, ou TNP.

Durante uma vigília no Parque da Paz de Nagasaki na terça-feira, o hibakusha de 82 anos – o termo japonês para sobrevivente de bombardeios atômicos – Takashi Miyata criticou a invasão russa da Ucrânia e implorou ao Japão e a outros países que trabalhassem juntos em prol da não-proliferação nuclear.  

“Eu vivo estes 77 anos perseverando contra a dor”, disse Miyata. “Continuaremos a perseverar e cooperar juntos com a sociedade civil global, acreditando em um futuro brilhante, esperançoso e livre de armas nucleares”. 

Miyata tinha cinco anos de idade quando os EUA lançaram a primeira bomba atômica sobre Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, matando cerca de 140.000 pessoas. Uma segunda bomba foi lançada sobre Nagasaki três dias depois, matando 70.000 pessoas. Ambos os bombardeios deixaram centenas de milhares de sobreviventes, muitos dos quais morreram de doenças relacionadas.  

Em junho, Miyata se manifestou fora de uma reunião discutindo o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, ou TPNW, em Viena, na Áustria.  

“Por favor, visite Nagasaki. Ver é acreditar”, gritou Miyata fora da reunião, usando um colete que dizia hibakusha. “Nagasaki nunca mais! Acabem com a violência na Ucrânia!”, protestou. 

Os Estados Unidos e os outros oito países com armas nucleares do mundo se recusaram a assinar o tratado, o primeiro acordo juridicamente vinculativo do mundo para proibir de forma abrangente as armas nucleares. O TPNW foi adotado pela ONU no ano passado e já foi ratificado por mais de 50 países. 

Em todo o mundo, os ativistas antinucleares também marcaram o aniversário dos atentados atômicos com protestos criativos, vigílias e ações diretas apelando para a eliminação das armas atômicas.  

Na segunda-feira, cerca de 40 ativistas no estado de Washington, nos EUA, bloquearam o tráfego durante uma demonstração relâmpago da multidão na Base Naval Kitsap-Bangor, lar da maior concentração de ogivas nucleares nos Estados Unidos.  

Enquanto isso, milhares de pessoas em todo o mundo compartilharam fotos de cegonhas de origami – os tsuru, um símbolo de paz – e postaram mensagens antinucleares nas mídias sociais. 

Em Nova York, no segundo dia do mês de revisão do TNP nas Nações Unidas, cerca de 200 manifestantes antiguerra marcharam para a missão dos Estados Unidos, onde realizaram um protesto contra a proliferação nuclear.  

Dentro da conferência, o Secretário Geral da ONU. António Guterres emitiu um alerta sobre os riscos da proliferação nuclear em meio à invasão russa da Ucrânia — que alimentou novos temores sobre a possibilidade de uma guerra nuclear. 

“Temos tido uma sorte extraordinária até agora”, disse Guterres. “Mas, a sorte não é uma estratégia. Nem é um escudo contra tensões geopolíticas que se transformam em conflito nuclear”.

“Hoje, a humanidade está a apenas um mal-entendido, um erro de cálculo, da aniquilação nuclear”. disse. 

Os críticos do tratado, incluindo aqueles reunidos fora da conferência, observaram que desde sua implementação em 1970, o número de países com armas nucleares ainda aumentou de cinco para nove, e o desarmamento total continua muito fora do alcance.  

Embora o TNP tenha sido amplamente bem-sucedido na redução dos arsenais nucleares de seus picos durante a Guerra Fria, as tensões entre os Estados nucleares mais poderosos do mundo continuam altas.  

“Queremos perturbar a diplomacia nuclear”, disse Ed Hedemann da Liga Resistente à Guerra, que organizou uma ação de desobediência civil que levou a 11 detenções. 

Sara Herschander é uma jornalista freelancer e produtora de áudio baseada em Nova York. Tem trabalhos publicados em The American Prospect, Documented NY, e Univision, entre outras publicações.

(Publicado originalmente em 11 de agosto de 2022 no site Waging NonViolence)

 

Protestos massivos dobram o governo do Panamá que adota medida contra alta dos preços

Por Sara Herschander,  para o Waging Nonviolence

Após um mês de manifestações lideradas por professores, o governo anunciou medidas de controle de preços que ajudaram a mediar uma paz frágil no país

Centrais sindicais se juntaram aos protestos para demandar medidas anti-desigualdade e contra a inflação l Foto: People’s Dispatch

Os professores panamenhos voltaram à sala de aula no começo de agosto depois de uma greve de um mês que impulsionou as maiores manifestações de massa do país desde a queda do ditador Manuel Antonio Noriega em 1989.

Embora a intensidade dos protestos pelo país tenha diminuído desde que o governo do presidente Laurentino “Nito” Cortizo anunciou uma série de medidas de controle de preços em julho, as tensões permanecem altas durante as negociações entre grupos da sociedade civil e o governo. As tratativas buscam planos para enfrentar questões arraigadas na sociedade, como desigualdade, corrupção e o alto custo de vida. 

“As pessoas estão nas ruas e estão cansadas de estarem com os bolsos vazios”, disse Luis Arturo Sánchez, secretário geral da associação de professores da província de Veraguas, antes de declarar uma greve por tempo indeterminado em 4 de julho.

Ele vocalizou a insatisfação de trabalhadores da construção civil, grupos indígenas e da maioria da sociedade panamenha, que estão frustrados com o aumento do preço de bens básicos como alimentos e gasolina. A frustração se transformou em unidade e eles se juntaram aos professores em manifestações por todo o país. Os ativistas ergueram barreiras em algumas das principais estradas do país, incluindo a Rodovia Pan-Americana, causando enormes bloqueios no trânsito e escassez de combustível e alimentos.   

Manifestantes no Panamá também expressaram indignação por causa de um vídeo viral que mostrava legisladores do Partido Revolucionário Democrático celebrando o início da legislatura com garrafas de uísque de US$340.

“Servem-se de suas bebidas e esperam que o povo não repare”, cantavam nas ruas.

Em um esforço para acalmar a agitação, o governo negociou uma série de medidas de controle de preços com os sindicatos do país. As medidas congelaram o preço da gasolina a US$ 3,25 por galão e objetivavam também reduzir o custo de uma cesta básica de alimentos em 30%.

No entanto, o descontentamento popular é mais profundo do que aquele que vem da raiva em relação à crescente taxa de inflação no país dolarizado, que acelerou para 5,2% em junho. Apesar de alta, a taxa é pequena em comparação com a inflação global em lugares como Sri Lanka e Argentina, onde o alto custo de vida também provocou protestos nos últimos meses. 

“No Panamá, por trás de cada decisão técnica, há uma decisão política para favorecer aqueles que mais ganham”, disse o economista Maribel Gordon no primeiro dia de negociações. “O nível de evasão ao imposto de renda é superior a 64%. E essa cobrança recai então sobre os trabalhadores”. 

Embora o Panamá seja um dos países mais ricos da América Latina, ele tem um dos mais altos índices de desigualdade da região. Mais de um em cada cinco panamenhos vive na pobreza – e o desemprego no país está em quase 10%. A corrupção também está alta: o Panamá ocupa o 105º lugar de 180 países no Índice de Percepção da Corrupção.

Por enquanto, a Igreja Católica tem mediado as negociações entre funcionários do governo e grupos da sociedade civil, que delinearam oito prioridades para a reforma, incluindo medidas para mitigar o alto custo dos bens, financiamento da educação e transparência governamental.  

“Precisamos nos congratular por termos demonstrado mais uma vez que o diálogo é o caminho para encontrar soluções”, disse José Domingo Ulloa Mendieta, arcebispo do Panamá. “Juntos, restabelecemos a paz social”.

No entanto, mesmo quando os protestos recuaram, as rodovias reabriram e os professores voltaram à sala de aula, analistas como Carlos Barsallo — ex-presidente do capítulo panamenho da Transparência Internacional — expressaram ceticismo quanto ao potencial de mudança real.

Em entrevista à EFE, Barsallo disse que imagina que as negociações irão “apagar o fogo temporariamente” e que a crise provavelmente “se repetirá se os problemas mais profundos não forem resolvidos”.

Sara Herschander é uma jornalista freelancer e produtora de áudio baseada em Nova York. Tem trabalhos publicados em The American Prospect, Documented NY, e Univision, entre outras publicações.

(Publicado originalmente em 5 de agosto de 2022 no site Waging NonViolence)

 

Comunicar para mobilizar: 10 passos rápidos para comunicar seu projeto ou campanha

Comunicar para mobilizar: 10 passos rápidos para comunicar seu projeto ou campanha

A comunicação é parte fundamental no desenvolvimento de projetos e campanhas; preparamos um passo a passo

Imagem: Reprodução

Na hora de pensar em um projeto ou campanha, normalmente ficamos preocupades com a articulação, materiais, cronogramas — e a comunicação acaba sendo deixada de lado. Mas isso é um erro! A comunicação importa e ela deve fazer parte da estratégia central de qualquer projeto ou campanha e ser desenvolvida junto com os outros processos. A comunicação precisa ser clara, objetiva, consistente e mostrar para o público todas as coisas interessantes que o projeto ou campanha têm a oferecer.  

Por isso, fizemos este guia chamado “Comunicar para Mobilizar”. Ele é um passo a passo com algumas dicas para fazer uma comunicação eficaz. Vamos nessa?

Passo 1: Saiba o que você quer comunicar

Hoje em dia, com tantas ferramentas e conteúdos rolando o tempo todo em todos os lugares, é muito importante que a comunicação vá direto ao ponto! Primeiro, pergunte o que você quer comunicar? Para quem? De qual maneira? 

Faça um planejamento respondendo às perguntas: 

  1. 1) Qual mensagem quero passar? 
  2. 2) Com quem quero falar? 
  3. 3) Qual impacto quero causar? 
  4. 4) Por que isso é importante? 

 

Anote as respostas a estas perguntas em um papel ou documento e, em seguida, siga os próximos passos. 

Passo 2: Conheça o seu público-alvo

É muito comum acreditar que uma mensagem irá alcançar um “público em geral”, mas isso pode ser muito genérico. Por isso, é importante que em um primeiro momento você escolha um público-alvo mais específico. Ainda que ele seja diverso, sempre há aquelas pessoas que estarão mais interessadas na sua causa e irão se conectar ao seu projeto ou campanha com mais facilidade. Identifique e vá atrás dessas pessoas!   

Você pode encontrá-las fazendo uma busca por #hashtags temáticas nas redes sociais, buscando em grupos de Facebook ou Telegram, grêmios de escola, sindicatos, coletivos locais, ONGs… Faça contato com alguns grupos e explique o que é seu projeto ou campanha e deixe claro como essas pessoas podem te ajudar! 

Dica: Em geral as pessoas são muito ocupadas com suas demandas, então quanto mais específica você for com seu pedido, maior a chance de receber ajuda. Ao invés de dizer “preciso de ajuda para lançar o meu projeto”, peça “você pode divulgar nas redes do seu coletivo três vídeos sobre o lançamento do meu projeto?”.

É claro que seu conteúdo pode viralizar e chegar a um público muito mais amplo, diferente do foco que você pensou inicialmente. Mesmo assim, procure priorizar aqueles que de alguma forma já se identificam com sua causa. 

Sobre uma superfície cinza, peças de madeira contêm desenhos de alvo em seu centro. Uma delas tem um dardo fincado no centro.

Passo 3: Crie uma narrativa poderosa

Como você conta uma história? Um projeto ou campanha necessita de uma narrativa poderosa tanto para chamar as pessoas a se mobilizarem quanto para convencer algum tomador de decisão a acatar o pedido que está sendo feito. 

Busque elementos de força, como personagens, resultados, objetivos claros, teoria da mudança e prazos para que a mudança que você está pedindo ocorra. Não é necessário criar narrativas mirabolantes, que tornam o entendimento difícil. Faça uma tradução simples do problema que está acontecendo e escreva em um papel ou documento. O importante é que tanto o público quanto os tomadores de decisão saibam onde você quer chegar! 

Sua narrativa precisa ter um início (contar brevemente o contexto), meio (explicar a teoria da mudança) e fim (falar sobre prazos e resultados esperados).

Exemplo:

Início: 

A reserva ambiental de Cachoeirinha corre o risco de ter o terreno cedido para uma mineradora. Tudo isso porque a prefeitura da cidade de Itapema do Norte autorizou a exploração de minério na região alegando “desenvolvimento econômico e geração de empregos”. Porém, o impacto ambiental da mineração para os moradores da região, que consomem a água do local, é inimaginável. 

Meio: 

Além da ameaça da contaminação da água, há também o risco da mineradora causar desequilíbrio na fauna e na flora locais. Por isso, um grupo de moradores e ambientalistas se reuniu e lançou uma campanha para barrar este projeto absurdo – eles já se reuniram com o Ministério Público local e com parlamentares para embargar o projeto na Justiça. 

Final: 

Mas temos pouco tempo! De acordo com o projeto da prefeitura, as obras podem começar dentro de um mês. Por isso precisamos reunir 1.000 assinaturas até esta sexta-feira! Este abaixo-assinado será apresentado durante audiência pública que acontece na segunda-feira. Até lá, precisamos reunir o máximo de assinaturas e mostrar que somos contra mais um projeto predatório em nossa cidade! Assine agora!

Pronto! Agora você tem uma narrativa! Sempre que possível, procure personagens, fatos concretos e deixe explícito para o seu público como ele pode atuar nesta ação. A gente desenvolveu essa metodologia em outro guia da Escola de Ativismo, focado em te ajudar a construir narrativas para engajar.

Passo 4: Seja consistente

Após consolidar uma narrativa, seja consistente. Não dá para ficar mudando de opinião o tempo todo ao longo da campanha ou projeto. Crie outras oportunidades de comunicação utilizando a mesma narrativa: faça vídeos, utilize memes do momento, procure outros personagens para endossar a sua história. 

Seja coerente com a narrativa, mostre porque o projeto ou campanha é relevante e insista sempre nos seus valores.

Passo 5: O uso das redes sociais

Cada rede tem um propósito e um tipo de estratégia, então invista naquele que você terá mais condições de produzir conteúdo. 

Hoje em dia existem o Facebook, InstagramTwitterLinkedInTikTokWhatsappTelegramYouTube e outras redes disputando a atenção das pessoas 24h por dia. Geralmente queremos produzir conteúdo para todas elas de maneira desordenada ou, ainda, replicar o mesmo tipo de conteúdo em diferentes redes – isso não dá certo! 

Primeiro, procure saber qual é a rede mais eficaz para seu público-alvo e invista nela! Estude as tendências de cada rede e veja qual tipo de conteúdo é o mais adequado para seu projeto ou campanha. 

Exemplo: O Instagram tem várias ferramentas dentro dele, como feed, stories, reels, carrossel. Dentro do stories dá pra fazer caixinha de perguntas, enquetes, colocar música, geolocalização. Se seu projeto ou campanha for utilizar o instagram como ferramenta principal, procure explorar todas as ferramentas disponíveis para disponibilizar o seu conteúdo!

E lembre-se: números não são tudo! 

Sua campanha ou projeto não flopou só porque não alcançou números exorbitantes. O importante é o impacto que sua mensagem causa no mundo! Se ela fez história na sua cidade ou no seu bairro, já tá valendo. Use sempre essas experiências para fazer ainda melhor na próxima vez. 

Passo 6: Não abandone seu público

Muitas vezes o resultado demora a chegar, seja na consolidação de um projeto ou seja na vitória ou derrota de uma campanha. Mesmo assim, seu público precisa estar informado! À medida que seu projeto ou campanha for tendo desdobramentos, vá informando as novidades a todo mundo que se engajou. 

Também procure interagir nas respostas dos posts, as pessoas gostam muito de se sentir ouvidas e reconhecidas pelo engajamento! 

mãos levantada para o alto indicam uma multidão em um evento

Passo 7: Sonho que se sonha junto…

Não adianta fazer nada sozinha! Por mais que muitas vezes as melhores ideias partam de uma só cabeça, é fundamental ter mais gente por perto para fazer o sonho acontecer! 

Reúna seu grupo de amigos, colegas de trabalho, da escola, da academia para tocarem esta empreitada com você. As trocas e construção coletivas são sempre muito produtivas. Respeite os diferentes pontos de vista, escute o que as pessoas têm a dizer e aproveite as diferentes ideias na hora de construir seu projeto ou campanha. Sonhar junto é melhor do que sonhar sozinha! 

Passo 8: Levante as métricas

Ao final de um projeto ou campanha, é normal estar cansade! Mas ainda tem uma etapa final: recolher as métricas e avaliar o que deu certo e o que não deu! Então esta é a hora de checar seus números — seja nas curtidas e compartilhamentos nas redes sociais, dados do Google Analytics sobre o número de cliques em um site, número de assinaturas, pessoas mobilizadas, reuniões realizadas. 

Tudo isso é importante para que você tenha parâmetros para quando quiser fazer tudo de novo. Todos estes processos servem de aprendizado e, ao colocar tudo no papel, você vai ver o quanto você e seu grupo caminharam até aqui. Não pule esta etapa.

Duas telas sobre fundo azul mostram gráficos coloridos

Passo 9: Comemore as conquistas

“Que sentido tem a revolução se não podemos dançar?”, a frase de Jane Berry traduz muito o que muitos ativistas passam ao longo de um projeto ou campanha. É tanto trabalho e empenho para fazer as coisas darem certo que às vezes as comemorações acabam sendo deixadas de lado! 

Por isso, comemore cada primeiro avanço. Reúna o grupo para celebrar, agradecer pelo que foi legal e também tirar aprendizados do que não deu cert

Passo 10: Espalhe este guia pra todo mundo!

Gostou das dicas? Então espalhe este pequeno guia para todas as pessoas que você conhece que estejam querendo começar um projeto ou campanha! Quanto mais gente colocar suas ideias na rua, melhor 🙂 

Muita tecnologia para pouco futebol

A colunista Luh Ferreira mostra como a camisa azul da seleção, o VAR e novas ferramentas de vigilância tem mais em comum do que poderíamos supor à primeira vista

na imagem, o jogador de futebol felipe coutinho aparece com a camisa azul da seleção dentro de um quadrado pontilhado

A camisa reserva da seleção brasileira de futebol se esgotou em apenas dois dias após o seu lançamento no site oficial. Sim, me refiro à camisa azul.

Que tempo esquisitos hein, camaradas? Essa camisa azul nunca teve nenhum charme, quase ninguém tinha. Toda vez que alguém aparecia com essa camisa azul no jogo era uma tiração de sarro só:

— E aí vai ficar na reserva? Cadê? Não tinha a camisa verdadeira na loja, não?

Já a amarelinha guardava ainda a simbologia da sorte. Com ela nos sentíamos mais seguros para entrar em campo com a seleção.

O livro “Maracanã: quando a cidade era terreiro” (2021) de Luiz Antonio Simas nos diz:

‘A camisa da seleção brasileira de futebol – que já foi branca, é amarela e vez por outra azul – pareceu ser em outros tempos, não tão distantes um exemplo daquilo que o romeno Mircea Eliade, filósofo e mitólogo, chama de hierofonia: a percepção da existência do sagrado manifestada em um objeto material. A camisa uma vez trajada pelos deuses do gramado, parecia virar manto de santo, vestimenta de orixá, cocar de caboclo, capa de Exu, terno de malandro, roupa de marujo; estandarte de aldeia que buscou definir-se a partir das artes de drible e gol’ (p. 9)

Simas nos confirma a força de uma vestimenta, de uma indumentária histórica, que carrega consigo um povo e uma cultura. Ok, isso foi antes do 7×1, quando parece que a gente entrou em campo sem camisa, sem cabeça, sem corpo, sem Brasil… Bom, pulemos essa parte.

Fato é que a camisa de um time, a camisa da seleção brasileira, apesar de capturada pelos fanáticos bozónaristas, segue sendo um manto sagrado e profano aqui no Brasil, e a nossa expressão não combina com censura da patrocinadora. Esta semana recebemos a noticia da proibição de nomes nas camisas em homenagens à orixás como Ogum e Exu, sendo liberado a opção Jesus Cristo. Essa patrocinadora pensa que é quem, minha Genty?

Para ler mais: A democracia securitária em meio à pandemia e uma nota sobre a revolta e o militantismo 

O próprio Simas, o autor que nos inspira a escrever este texto, realiza toda uma investigação da história, da cultura, da geografia dos encantados que convivem e dão vida, graça à mistica futebolistica brasileira, Exu e seus compadres e comadres se fazem presente e dentro e fora de campo, algo que o mercado, o capital que se engendra em tudo quanto é espaço, busca acabar. Mas a verdade é que “sorte não se compra”, então sai pra lá marca estrangeira rica, que aqui tu não se cria!
Censura, perseguição religiosa, não combina com futebol. 

Censura e perseguição religiosa não combinam com futebol.

Voltemos então para a tal da camisa azul, a mais nova queridinha dos brasileiros. Aquela azulzinha besta já era! A nova camisa reserva tem status de oficial, minha genty!! Carrega um azul vivo, mais que anil, e uma estampa de onça pintada fluorescente nas mangas, bem mais animada que a amarela que ficou com a marca d’água estampada em toda a camisa. Os patrocinadores investiram na onça como simbolo de sua luta e da garra, coisa bemmmmm necessária nos tempos atuais.

A seleção brasileira vai à campo vestida de Juma Marruá, trabalhada na réiva?!

A patrocinadora que sempre lucrou muito com as vendas de camisa, ainda mais nessa fase bozónarista, busca atingir agora o público mais progressista? O animal print fresh pode dar alguma vida, tanto à desenxabida seleção brasileira, quanto à camisa reserva.

Pois bem, falando em futebol… confesso, sempre gostei muito! De jogar e de acompanhar os campeonatos, de ir ao estádio, de assistir pela TV. Torço ou já torci muito para o time do Palmeiras (que nos últimos anos vêm fazendo bonito até…) mas a presença do VAR me afastou do futebol e da torcida. Não consigo acompanhar e nem entender porque uma coisa destas apareceu no esporte. O VAR tornou-se o verdadeiro juiz do jogo. O juiz, que sempre foi aquela pessoa com a qual todos eram obrigados a lidar, porque estava em suas mãos a definição das jogadas, e portanto para lidar com ele e suas intervenções tinha que ter a ginga, sabedoria brasileira, arte de fazer sem ter feito… Juiz passou a ser um moribundo, desconsiderado, chutado mais que a bola, que corre de lá pra cá em campo só esperando o momento polêmico acontecer, para gesticular o perverso quadrado com as mãos que aponta “é lance para o VAR” e aí tudo pára. As câmeras entram em cena e ali se vão os segundo mais enfadonhos de todo o jogo… enquanto se espera o momento em que a maldita da câmera vai dizer se foi ou não pênalti, se o gol valeu ou não, se foi mão na bola ou bola na mão.

Se o VAR estivesse presente na copa do mundo de 1986, Dieguito Maradona teria seu famoso gol “mano de Dios” invalidado e o que seria do futebol sem esse lance? E quantos lances incríveis vêm sendo impedidos, corrigidos, massacrados por conta dessa tela vigilante que vêm orientando e até mesmo paralisando o futebol brasileiro nos últimos anos?

É tanta paralisia, é tanta pressão, é tanta desconfiança e preocupação com o que acontece fora de campo, uma vez que a vigilância está ali presente, que a coisa só poderia descambar para onde? Em violência. É impressionante a quantidade de xingamentos, de pontapés, de descontentamento expressos em um jogo. Até técnico agora quer entrar em campo pra tretar com juiz, que situação… A brincadeira, a alegria acabou.

O livro de Simas (2021) nos apresenta a história da construção do estádio do Maracanã e as reformas que mudaram completamente a experiência de quem o frequenta, transformações que vêm acontecendo em todo o mundo futebolístico, que podem mudar completamente a maneira como enxergamos o esporte e cultura que ele carrega.

Tais mudanças, que vão desde a destruição da geral, que trazia todo um misticismo, toda uma cultura das periferias para o centro, onde torcer não significava apenas comprar um ingresso e incentivar o seu time, mas marcar presença em um lugar, num espaço-tempo do encantado, onde tudo no mundo poderia esperar, pois ali no gramado, quando o juiz apitasse o início do jogo, coisas inacreditáveis, sagradas e profanas poderiam acontecer. Dependia mais da fé e da sorte do que da competência da turma.

Hoje, como alerta Simas, não há mais estádio, mas arena. Não existe mais manto sagrado, mas uma camisa que mais parece um outdoor. Não existe mais torcedor, e sim clientes.

O VAR, a vigilância e o mercado da bola não combinam com o futebol.

Nos anos 2000, quando acompanhava os campeonatos e jogava futebol na escola, aparecia vez ou outra uma expressão que circulava entre os boleiros famosos e, obviamente chegava na nossa vila:

“É muita tecnologia para pouco futebol”

Lembro bem que nessa época chegavam nas quadras, nos campinhos, aquelas chuteiras coloridas, com travas incríveis, tinha também as camisas de tecido dry fit, os jogadores patrocinados pelas marcas… enfim… tudo isso aí a turma dizia que era tecnologia. Mas o que importava mesmo era se a pessoa jogava bola, se tinha aquele cacoete no modo de andar que nem o Pagão, se trançava as pernas do adversário no elástico, se tinha estilo na cobrança de falta – que era gol na certa do Zico, se driblava com a alegria do Garrincha. Eram essas tecnologias que realmente importavam, que todo mundo que curte futebol se esforça para fazer e ver.

Essas tecnologias combinam demais com o futebol.

Outra coisa que me fez lembrar esta expressão entre tecnologias e capacidades nessa semana, foi a notícia de que os milicos adquiriram um software que tem a capacidade de capturar e analisar dispositivos celulares smartphone, extraindo dados de e-mails, nuvens, redes sociais e aplicativos de mensagem, mesmo de conversas apagadas. A empresa que vendeu a tecnologia, sem licitação, já lucrou mais de R$ 70 milhões de reais em equipamentos de vigilância, todos com dispensa de licitação com a justificativa de que não existem empresas habilitadas a oferecer este serviço. Tudo à serviço da segurança cibernética. Será?
Segundo matéria publicada na Folha de S. Paulo, os responsáveis pela compra deste e de outras tecnologias são os mesmos milicos aliados de Bozó que questionam a lisura do processo eleitoral e das urnas eletrônicas! Vejam só…Quando a gente acha que já viu de tudo da prática vigilantista…. chega um VAR para pegar geral.

Afinal, são os mesmos milicos, que compõe o governo federal e recentemente gastaram outros milhões em próteses penianas e caixas e caixas de comprimidos viagra.

É muita tecnologia pra pouco futebol mesmo, né?

Quem tem o direito de sonhar?

por Marcele Oliveira*

A ativista Marcele Oliveira conta sobre a resistência climática que vêm das favelas, periferias e subúrbios fluminenses e se pergunta como sonhar em conjunto é possível

Uma mulher negra gesticula com um fundo preto

“O clima hoje é de mudança. É da ousadia de querer justiça e uma vida digna para todos, todas e todes.” l Foto: @luannevesph via Instagram de Marcele Oliveira

Eu me chamo Marcele Oliveira, tenho 23 anos, sou uma jovem preta e periférica que integra a construção de uma Agenda 2030 no território de Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Falante desde pequena, minha formação acadêmica e profissão em atuação é em torno da Produção Cultural e da Comunicação. A Cultura, em um momento duro da vida após a ocupação das escolas em 2016, foi uma alternativa de horizonte importante para curar a tristeza de perceber que nem sempre as ações mais radicais irão surtir os efeitos que a gente deseja. Ainda assim, não abri mão de seguir radicalizando e sonhando futuros e presentes possíveis – e hoje não dá pra falar nem de cultura, nem de futuro nem de presente sem falar de questões socioambientais e justiça climática.

Nasci em 1999 e cresci na periferia. Graças ao incentivo nos estudos e um bom ensino médio público, tive acesso ao direito do passe livre secundarista e foi ele quem me apresentou a cidade para além das ruas da minha infância e do turismo dos cartões postais. O trem lotado, a lagoa entre prédios, o mar de gente, os cortejos entre sinais, os prédios históricos, o metrô gelado, o ônibus engarrafado na Avenida Brasil que corta do Centro até Santa Cruz te mostrando quantas cidades cabem em uma só…

Tudo isso eu observava enquanto circulava entre museus, teatros, jazz e sambas que me faziam feliz – mas nunca me faziam sentir em casa. Eu nunca me senti em casa na Zona sul. Hoje, reconheço que o direito de poder ocupá-la e conhecê-la, inclusive em seus defeitos. Foi isso que me despertou a curiosidade de entender como a minha e todas as outras periferias do Rio se adaptam aos desafios colocados quando ousavam existir para além dos impedimentos da mobilidade, da  violência e da falta de futuros possíveis. 

Leia mais: O que é resistência climática?

No meu território, situado numa origem de contexto militar, um possível Parque Verde está há anos sem garantias de sua implementação por conta da especulação militar-imobiliária que não arreda o pé de fazer de qualquer metro quadrado um negócio lucrativo. O Movimento 100% Parque de Realengo Verde denuncia esse caso e apresenta soluções práticas, como a Ocupação Parquinho Verde, localizada na calçada do terreno em disputa. A ocupação construiu uma horta comunitária, teto verde, composteira e um espaço para realização de eventos e encontros formativos. No espaço de eventos, tivemos um curso de Políticas Públicas de Realengo no primeiro semestre de 2022 e gerou as propostas que constroem a Agenda Realengo 2030.

Se em 8.000 metros quadrados já inventamos novos futuros, imagina com 142.000? 

Fato é que um espaço público verde e de convivência traria muito mais desenvolvimento sustentável para o nosso território do que mais prédios de concreto e muros ao invés e árvores.

Avisa lá pra POUPEX!

Cartaz de papel pardo com post its pergunta o que é justiça climática em realengo

Justiça Socioambiental foi um dos principais temas durante o curso de políticas públicas em Realengo. Além da ameaça de destruição do Parque – última área verde da região – o bairro vem sofrendo com constantes enchentes, fruto do descaso dos governos com a pauta da emergência climática. l Crédito: Marcele Oliveria/Reprodução

Resistir e sonhar

Ainda do lado de cá, a Teia de Solidariedade, organização de mulheres da Zona Oeste do Rio, se destaca pela proteção da identidade das mulheres negras quilombolas, indígenas, agricultoras e artesãs das Vargens e demais extremidades. Entre elas, o debate sobre empreendedorismo, empoderamento e tecnologias ancestrais de sobrevivência através de rodas de conversa, do reiki, da boa alimentação e da garantia do bem viver. 

Em Sepetiba, o Instituto Arayara denunciou e, com muita luta, impediu junto ao Ministério Público a instalação de termelétricas flutuantes na baía. A baía, vale lembrar, é viva e meio de sustento de muitas famílias que são diretamente afetadas pelos efeitos colaterais da utilização de uma fonte de energia não renovável. Infelizmente, a decisão judicial já está sendo desrespeitada. Na Zona Oeste, tudo pode, não é mesmo?

Do outro lado da cidade, em Belford Roxo, a ONG Sim Eu Sou do Meio, aponta que, além de “nada de nós sem nós”, a justiça social precisa ser uma premissa essencial para a construção de uma sociedade igualitária. 

Em Queimados, a Visão Coop constrói, junto a outros movimentos, a Agenda Queimados 2030 e se consolida como um laboratório de inovação cívica que organiza redes de cooperação e trabalha tecnologias sociais, digitais e verdes para a Baixada Fluminense. Em Caxias, o Movimenta Caxias e o Artivismo BXD incidem nas ruas com rodas de rima, sopão e distribuição de cestas vinculadas à proposta de construção de uma “Câmara dos Vereadores Popular” para fiscalizar e reivindicar direitos.

No Jacarézinho e na centralidade do debate de segurança pública, o Labjaca se coloca enquanto instituição que pode e vai também debater arte, cultura, esporte, educação e tudo mais o que for essencial para o desenvolvimento das favelas além do cessar fogo.

No Complexo da Maré, o data_labe é uma organização de mídia e pesquisa que realiza um projeto fixo chamado Cocozap, onde os moradores podem enviar denúncias de violações em relação ao saneamento básico do território via whatsapp, promovendo uma geração cidadã de dados que podem contestar dados oficiais que não condizem com a realidade do território.

Tempos de ousadia

Em reuniões nacionais e conferências mundiais sobre Clima, como a COP27 que esse ano rola no Egito e a Rio+30, que foi cancelada no Rio, é importante que  instituições e coletivos que apresentam tecnologias verdes, sociais e faveladas com aplicações tão concretas para o enfrentamento das consequências das mudanças climáticas, tenham espaço. 

Essa inserção se dá não só pela relevância dos seus trabalhos, mas também porque ocupar espaços como esses é importante para garantir, dentro das nossas condições políticas atuais, uma inserção de urgência e alerta vermelho para o Rio de Janeiro dentro da pauta Sul Global. É lá que nossas articulações de terceiro setor que pautam Justiça Climática tem uma chance real de garantir a visibilidade que pode atrair o tão necessário financiamento para alavancar seus impactos.

Essas ações e medidas urgentes, vale dizer, só são necessárias visto a ausência do Estado, que deixa lacunas e sangue nas periferias como medida de contenção da crise social vigente. Se quem cuida ou deveria cuidar não o faz, a gente se cuida, se reinventa e se propõe. 

Mas, muito trabalho, vez ou outra, tira a nossa capacidade de seguir sonhando e sendo inventivo para além de apagar incêndio e salvar móveis de enchentes. Com o aumento dos preços, do trânsito, do intervalo dos trens, das injustiças e do caos, eu me pergunto: quem tem o direito de sonhar? A concretude da tragédia, da violência e do sofrimento já nem nos assustam mais. O massacre, sistemático, de corpos e corpas vulnerabilizados por suas cores, territórios e identidades é televisionado e a Justiça, aquela que deveria equilibrar a balança, não é capaz nem de descobrir onde estão os corpos.

O sonho, princípio básico da vida e da relação com a natureza e com o ancestral, como afirma Ailton Krenak, líder da União das Nações Indígenas, se torna, assim como a arte se tornou pra mim em 2016, estratégia de defesa. As tecnologias de resiliência nós já temos e aplicamos. O que queremos agora é tornar nossos sonhos mais utópicos de justiça social, de gênero, econômica e climática realidade de Leste a Oeste fluminense. A utopia, nesse caso, é viável, possível e urgente — como apontam as propostas da Agenda Rio 2030 construída pela Casa Fluminense.

O clima hoje é de mudança. É da ousadia de querer justiça e uma vida digna para todos, todas e todes da Cidade Maravilhosa e do Brasil. É da insistência em não deixar que desrespeitem a história, memória e patrimônio de nossos territórios. É das ocupações em espaços públicos e privados e principalmente dos espaços de decisão e de financiamento. É do compartilhamento da tecnologia mais milenar e ancestral que conhecemos: a capacidade de sonhar! Sonhar e acreditar que nada precisa ser como é, tudo sempre pode mudar, afinal, quem dita nossos caminhos somos nós. Precisamos, em geral, fazer parte da mudança e parar de acreditar naquilo que dizem ser “só” o que podemos. A gente pode muito, pode mesmo, pode mais e pode mais ainda quando se permite, se coloca e, em coletivo, SONHA.

Referências:

Agenda Rio 2030 – @casafluminense

Agenda Realengo 2030 – @agendarealengo2030

Movimento 100% Parque Realengo Verde – @parquederealengo

Ocupação Parquinho Verde – @parquinhoverde

Labjaca – @labjaca

Visão Coop – @visaocoop

data_labe – @data_labe

Teia de Solidariedade de Mulheres da ZO – @teiasolidariedadzo

Instituto Arayara – @arayaraoficial

Movimenta Caxias – @movimentacaxias

Artivismo BXD –  @artivismo.bxd

*Marcele Oliveira é cria da Zona Oeste, produtora, comunicadora e ativista climática. Graduanda em Produção Cultural pela UFF – Niterói, mestre de cerimônias do Circo Voador e integrante da Agenda Realengo 2030 pautando políticas públicas para o território. Apresentadora, mediadora, facilitadora, produtora de conteúdo e praticante do exercício de comunicação popular e comunitária – onde a sensibilidade e o papo reto dominam e facilitam o entendimento. Pesquisa Justiça Climática e Racismo Ambiental vinculado às pautas de ocupação dos espaços públicos e direito à cidade. Mobilizadora popular no Movimento 100% Parque de Realengo Verde. O clima é de mudança! Instagram: @marceleolivv

 

 

5 passos para criar um coletivo de comunicação comunitária

5 passos para criar um coletivo de comunicação comunitária

Criar espaços de comunicação também é pensar na formação de comunicadores. Conversamos com Énois – Laboratório de Jornalismo, a Abaré – Escola de Jornalismo e o Coletivo Jovem Tapajônico para saber mais

Coletivo de Jovens Tapajônicos fazem reunião em uma escola

Foto: Divulgação

Com o objetivo de fortalecer a comunicação e a informação nas periferias, aldeias e quilombos, coletivos têm criado oficinas e cursos para que moradores, principalmente jovens, possam contar as histórias dos seus próprios territórios. A Énois – Laboratório de Jornalismo, a Abaré – Escola de Jornalismo e o Coletivo Jovem Tapajônico são três exemplos disso. A  primeira atuando nas periferias de São Paulo, a Abaré trabalhando em escolas públicas de Manaus e, por último,  o Coletivo Jovem Tapajônico, formando jovens de Santarém.

Entre estas organizações, a mais antiga entre elas é a Énois que já acumula mais de 10 anos de trajetória. Fundada pelas jornalistas Amanda Rahra e Nina Weingrill, a Énois é um laboratório de jornalismo que trabalha com três grandes frentes: jornalismo e territórios, diversidade nas redações e o projeto Prato Firmeza, um guia gastronômico das quebradas. 

Atuando de forma horizontal, a organização criou a Caixa de Ferramentas que contém manuais, modelos de pauta e outros materiais que podem ser utilizados por qualquer coletivo ou comunicador que deseje estruturar um espaço de formação.

Conversamos com estas três iniciativas que nos ajudaram a listar, a partir das suas diferentes vivências, cinco dicas de como criar espaços de formação em comunicação.

“Procure quem são as pessoas que querem lutar por algo com você”, diz Jullie Pereira, da Abaré

Foto: Divulgação

Passo 1: Olhe ao seu redor

Antes de tudo, é importante que você e seu grupo identifiquem os seus incômodos, quais são os desafios e problemas do seu território mas, principalmente, observem e ouçam os moradores. Walter Kumaruara, do Coletivo Jovem Tapajônico, lembra que ele e os demais fundadores do grupo decidiram fazer uma pesquisa com professores, estudantes e pais das escolas da região. A pesquisa foi feita antes de o coletivo realizar a sua primeira oficina. 

“Nós queríamos que os jovens aprendessem mais sobre as histórias e  políticas das comunidades locais e pudessem repassar isso através da comunicação. Recebemos vários áudios e textos dos moradores e a partir daí montamos as nossas formações”, conta Walter.

Com atuação na cidade de Santarém, mais precisamente nas aldeias, comunidades e quilombos da região do Rio Arapiuns, o Coletivo Jovem Tapajônico trabalha com educação e comunicação popular promovendo oficinas de audiovisual, política, meio ambiente e território. “Só é visto como educador quem tem diploma, nós não temos e queremos valorizar a educação popular. Queremos incentivar que as pessoas reflitam sobre o seu próprio território”, diz o fundador do coletivo.

A mesma orientação é dada por Isabela Alves, articuladora de comunicação e gestão de comunidades da Énois, que aponta o Mapa Afetivo como uma ferramenta que pode ser usada para quem quer criar seu projeto de comunicação. Ele pode ser utilizado para mapear o quanto você conhece o território e quais são as necessidades dele. “É muito importante ouvir a sua comunidade. Às vezes a gente quer trabalhar com organizações gigantescas e esquece que a gente tem vizinho”, afirma Isabela.

“Queremos incentivar que as pessoas reflitam sobre o seu próprio território”, diz Walter Kumaruara, do CJT

Foto: Divulgação

Passo 2: Crie uma rede

Segundo Isabela, após identificar as necessidades daquele território, o próximo passo é procurar pessoas que querem o mesmo que seu grupo. Busque contatos e monte uma rede de pessoas que tenham denominador comum e que possam trabalhar juntos, cada um com a sua habilidade e função, na produção e execução das atividades. 

Sobre essa rede de contatos, Jullie Pereira, diretora administrativa da Abaré – Escola de Jornalismo, lembra que ao idealizar a escola ela refletiu sobre o que mais a indignava no cenário jornalístico do Amazonas e quem eram as pessoas à sua volta que tinham a mesma reivindicação.

“No caso da Abaré, pensamos ‘O que mais me revolta é a transfobia no jornalismo local’ e ‘Os ataques sofridos por jornalistas no Amazonas’, por exemplo. Falamos sobre educação, mas também estamos falando de ativismo. De uma revolta. Procure quem são as pessoas que querem lutar por algo com você”, ressalta Jullie.

Abaré – Escola de Jornalismo é um coletivo de jornalistas e comunicadores que atua no combate à desinformação no Amazonas e na promoção do jornalismo local por meio de oficinas e palestras sobre educação midiática. “Nós trabalhamos de forma voluntária há dois anos e o nosso maior desafio tem sido a questão administrativa e financeira. Mas queremos avançar e atender os jovens de outros municípios do estado”.

Passo 3: Esteja atento a linguagem e crie estratégias

Com oficinas sobre política, o Coletivo Jovem Tapajônico enfrenta o desafio de apresentar para o público das comunidades conceitos e termos técnicos de forma mais simples e de fácil compreensão. Para Walter Kumaruara, estudar e pensar como e para quem o conteúdo é um exercício de criatividade que precisa ser feito. “Pensar a linguagem é importante e é necessário ter paciência e tempo para fazer isso”, ressalta.

Muitos desses trabalhos se dão inicialmente de forma voluntária, como é o caso do  Coletivo Jovem Tapajônico e da Abaré. Ambos têm buscado recursos financeiros e lutado para manter as ações dos coletivos. Jullie afirma que com o trabalho voluntário a organização precisa desenvolver atividades que os integrantes gostem de trabalhar, além de estabelecer estratégias que facilitem a execução dessas ações. O objetivo é facilitar a rotina dos integrantes e engajar mais pessoas na realização das oficinas. 

“A Abaré tem oito pessoas que fazem um trabalho voluntário fixo, mas é complicado fazer isso sem recursos. Por isso é importante começar a fazer pelo o que você faz e que tem um déficit na sua cidade. Nós temos um planejamento pedagógico e planos de aula que vamos adaptando de acordo com o público, isso tem ajudado”, disse Jullie.

Passo 4: Defina Metas

Para criar um coletivo ou organização, é essencial que você liste quais são os desafios a serem enfrentados durante a execução do projeto. Faça perguntas como: “Quantas horas diárias eu posso me dedicar a este trabalho?”, “Quais são habilidades que eu e meus colegas não possuem e que serão necessárias?”, “Que ferramentas serão indispensáveis nas formações?” e “Como será feita a captação de recursos?”. 

Com os desafios listados, reflita sobre como eles podem ser enfrentados e quais são as metas da organização. Pense o que você quer para o coletivo a curto, médio e longo prazo, dessa forma, você poderá visualizar e planejar cada passo do grupo. Não deixe também de definir prazos, pois irá ajudar a pensar como cada objetivo estabelecido será alcançado.

Para Pereira, da Abaré, um planejamento financeiro e pedagógico é essencial para a viabilidade do projeto à longo prazo

Foto: Divulgação

Passo 5: Estabeleça um canal de comunicação

Com a equipe formada, estabeleça um canal de comunicação. Liste e apresente para o grupo quais são as opções, seja ela e-mail, grupo no Telegram e Signal ou outra ferramenta de comunicação. Reflita qual canal faz mais sentido para a organização e não deixem de considerar qual deles é mais seguro. Também esteja atento na criação de senhas e etapas de segurança para as redes sociais e canais de comunicação do coletivo.

Nas reportagens “Meu perfil nas redes foi invadido. E agora?’’ e “Como usar o Signal”, ambas publicadas na Escola de Ativismo, veja como você pode se proteger na internet. 

Além disso, combine com os integrantes do coletivo reuniões periódicas onde as formações podem ser construídas. Estas reuniões podem ser online ou presenciais e são fundamentais para o grupo ter uma comunicação mais próxima e clara.  

Saiba como abrir uma associação comunitária de bairro

Saiba como abrir uma associação comunitária de bairro

Burocracias envolvendo o procedimento costumam desestimular ativistas a constituir personalidade jurídica para representar interesses comunitários

A Defensoria Pública pode ajudar na fundação de uma associação

Foto: Associação Três Carneiros/cortesia

No Brasil, o surgimento do associativismo comunitário costuma ser atrelado ao final dos anos 1920, embora sua nacionalização por meio de uma entidade central só tenha se dado em janeiro de 1982, quando mais de 5 mil delegados de diversas regiões se reuniram no 1º Congresso Nacional da Associação de Moradores (Conam), no Ginásio do Pacaembu, em São Paulo. Fundamentais para garantia de direitos e o exercício da cidadania dos mais pobres, as associações comunitárias são o principal canal entre as demandas populares e o poder público. Apesar disso, muita gente ainda desiste de criar uma organização desta natureza em razão de seu processo de constituição jurídica, tido como caro e moroso.

“Sem o CNPJ, você é um movimento social, que vai ser respeitado e terá um trabalho efetivo, porém com uma associação você passa a, por exemplo, poder concorrer a editais de financiamento com maior aporte financeiro. A formalização é importante e menos burocrática do que se imagina”, garante Anna Paula Salles, diretora e fundadora da Associação de Mulheres de Itaguaí – Guerreiras e Articuladoras Sociais (Amigas), na Baixada Fluminense.

De acordo com Anna Paula, a organização surgiu depois que ela venceu cinco anos de violências física, moral e psicológica praticadas por seu ex-marido. “Ele me ameaçava. E eu morava num território instável onde a polícia não chegava por causa do tráfico, então me virava sozinha com meus filhos. Em junho de 2015, ele foi preso e em setembro do mesmo ano, a gente começou a associação para amparar outras mulheres vítimas de violência. O que eu passei sozinha, não admito que nenhuma de nós passe”, conta.

Apesar da rápida articulação na formalização da organização, Anna Paula reconhece que o procedimento pode se prolongar em razão da escassez de informações que ainda envolve o associativismo. Por esta razão, a ativista passou a oferecer orientações e consultoria para outras lideranças comunitárias interessadas em constituir personalidade jurídica.

“Muita gente desiste de fundar uma associação por achar que vai gastar rios de dinheiro com uma assessoria jurídica, o que não é necessário. O primeiro passo é procurar a Defensoria Pública mais próxima da sede de sua futura associação. A instituição oferece, através de seu núcleo de Direitos Humanos, toda a assessoria para os grupos comunitários, bem como para ONG’s e cooperativas. A Defensoria Pública pode orientar a abertura do CNPJ, bem como ajudar na elaboração do estatuto”, aconselha Anna Paula.

Um bom time é essencial

O Código Civil, que rege as organizações da sociedade civil formalizadas, não delimita quantidade mínima de pessoas necessária para a constituição de uma associação. A legislação, contudo, define-lhes como instituições necessariamente coletivas, organizadas “para fins não econômicos”.

“Somos seis mulheres na direção, mas temos 200 associadas em Itaguaí e uma rede de atendimento que chega a mais de 2 mil pessoas. Hoje, sei que, se a gente receber um chamado de uma mulher em situação de risco, alguém da nossa direção vai parar o que estiver fazendo para atender. Uma equipe de uma associação precisa passar confiança e se concentrar em torno de um objetivo comum, que é o trabalho voluntário”, pontua.

O Ministério Público é o órgão responsável pelo controle social das associações comunitárias, atuando para garantir o cumprimento da lei e do estatuto social, podendo solicitar a dissolução em caso de inatividade ou mesmo desvio de finalidade. Segundo a representação da instituição em Minas Gerais, ela “atua, portanto, para assegurar o direito de livre associativismo para fins lícitos, sem interferir na gestão ordinária, e sempre de forma subsidiária, quando os órgãos de controle interno (p. ex., Assembleia Geral e Conselho Fiscal) não apresentarem solução adequada para as irregularidades apuradas”.

Para Levi de Oliveira, presidente da Associação de Moradores de Três Carneiros, no Recife, uma das grandes barreiras encontradas pelo movimento comunitário é justamente a cooptação política de lideranças. “Entre nossas maiores dificuldades está o aparelhamento político de espaços que eram para atender aos interesses da nossa comunidade. Embora muitos transformem as associações currais eleitorais, essa não é nossa índole. Assumimos a associação para fazer a diferença”, afirma. 

Nascido e criado em Três Carneiros, Levi passou a ser bem quisto pela comunidade em razão de seu envolvimento com os jovens. Produtor cultural e arte educador, ele também atua como B-boy, conforme são conhecidos os praticantes de breakdance, dança que acompanha o hip-hop. “Nossa associação foi fundada em 1980, mas passou um tempo fechada. Nossa gestão existe desde 2015, quando a comunidade pediu que a gente ficasse à frente do processo. A gente presta todo tipo de serviço, como abertura de contas, emissão de declaração de residência e apoio junto aos CRAS [Centros de Referência da Assistência Social]”, explica.

A atuação do grupo, composto por uma diretoria de sete pessoas e um total de 12 voluntários, inclui ainda a distribuição de alimentos e material de higiene, bem como a promoção de cursos profissionalizantes, aulas de inglês, caratê, capoeira e hip-hop. Embora as atividades funcionem a todo vapor, Levi comenta que o grupo luta para tirar o CNPJ da situação de inatividade, que, segundo ele, se deu em razão de descuidos financeiros de gestões anteriores.

 “A gente tem uma dificuldade muito grande para saber quais são nossas pendências e não temos um setor financeiro fixo. Estamos buscando que nosso CNPJ não seja excluído, para que a gente garanta parcerias, participações em editais públicos, dentre outras coisas”, comenta. 

De acordo com o MPMG, é obrigatório que as associações comunitárias prestem contas tanto do objeto da relação jurídica quanto dos recursos oferecidos pelo Poder Público. “Para evitar prejuízos possivelmente irreparáveis, procede-se ao acompanhamento periódico do cronograma preestabelecido, exigindo-se, ainda, prestação de contas, na forma contábil”, diz a instituição.

O descumprimento da prestação de contas pode acarretar na suspensão do CNPJ da instituição. Quando uma entidade de tal natureza permanece inativa por muito tempo, “a retomada de suas atividades possivelmente dependerá da regularização de seus atos registrais perante o Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, diante da vacância dos órgãos de direção”, explica o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Levi Carneiro, presidente da Associação de Moradores de Três Carneiros, alerta contra o aparelhamento político das associações.

Foto: Associação de Moradores de Três Carneiros/Cortesia

Sustentabilidade financeira

De acordo com Rafael Urbano, representante da associação comunitária de Dois Unidos, no Recife, a principal dificuldade enfrentada pelo movimento comunitário é a sustentabilidade financeira. “Somos um bairro multicultural, com gente de maracatu, de afoxés, blocos carnavalescos e forró, mas com grandes desigualdades sociais. Nosso bairro fica em uma região bem carente, em que as pessoas não tem muitas condições de contribuir financeiramente com a associação”, ressalta. 

Urbano conta que a organização coletiva, fundada em 1985, foi responsável por diversas melhorias na qualidade de vida da comunidade, a exemplo da conquista da iluminação pública, uma luta histórica dos moradores. Agora, a associação concentra parte de seus esforços na reivindicação de melhorias de infraestrutura, que garantam, dentre outras coisas, segurança para a população, que vive em uma área caracterizada pela presença de morros. 

“Estamos em defesa de melhorias para o bairro e para as pessoas, como barreiras, encostas e transporte público, mas encontramos uma grande dificuldade em reformar e reestruturar nossa própria sede. É antiga e ainda está no tempo do barro e da taipa”, lamenta. 

Além do poder público, diversas instituições e fundações oferecem editais de incentivo para projetos desenvolvidos pela sociedade. É possível localizar tais oportunidades em plataformas digitais gratuitas, a exemplo do site Prosas, que funciona como uma central de editais de investimento social. “Ali, você encontra uma série de oportunidades para captação de recursos focada em projetos sociais, o que inclui as associações, mas não apenas elas. Dentro do prosas, é possível filtrar as oportunidades por local de atuação, área de interesse, público-alvo e fontes de financiamento. Então, por exemplo, se sua organização é voltada para cultura, você já pode fazer um filtro para entender quais as oportunidades abertas para projetos culturais”, explica a gerente de desenvolvimento territorial da plataforma, Adriana Mitre. 

De acordo com Mitre, é indispensável que os interessados analisem os editais atentamente. “Ler quais são as diretrizes, para quem é aquele edital. Então, embora a gente tenha oportunidades diversas, de perfis diferenciados, a gente tem editais que são focados em um tipo de perfil. Principalmente na parte de elegibilidade, para entender quem é elegível e quais são os objetivos daquele edital: quem ele quer aprovar? O que ele quer financiar? Eu Você tendo esse cuidado, o seu tempo é melhor direcionado para as oportunidades que fazem sentido”, aconselha.

Saiba como abrir uma associação de moradores:

Passo 1: Abrindo a associação

O Código Civil não estipula uma quantidade mínima de pessoas necessárias para abertura de uma associação, mas preconiza que elas são instituições necessariamente coletivas. Assim, é importante ter uma boa equipe, com o interesse alinhado em torno do trabalho voluntário. 

Vale lembrar que o procedimento de abertura de um associação é considerado relativamente simples pelos juristas e funciona da mesma maneira para associações temáticas, como aquelas centradas na pauta feminista, quanto para aquelas que representam bairros. 

Passo 2: Consultas prévias

Verifique se os futuros associados possuem impedimentos legais para participar do Conselho de Administração ou Conselho Fiscal da Associação na Receita Federal. Um exemplo de impedimento é o cometimento de irregularidades ou crimes administrativos, que pode dificultar a participação da futura associação em editais públicos ou privados os quais levem em conta o histórico dos associados em seu processo de escolha das instituições beneficiadas. 

Além disso, é importante lembrar que uma associação, obrigatoriamente, precisa estar vinculada a uma sede física. Assim, antes de comprar ou alugar um espaço, pesquise se ele possui alguma pendência junto à prefeitura de sua cidade. Também é importante consultar, junto ao cartório de Registro Civil de Pessoa Jurídica, se há alguma instituição com o mesmo nome que sua associação terá.

Passo 3: Registro em cartório

Apresentar em cartório a seguinte documentação:

Estatuto (original e cópias; confira modelo aqui), assinado e datado pelo representante legal da entidade e visados por advogado, contendo nome e número da inscrição na respectiva seccional da OAB. O estatuto é obrigatório para criação de uma associação e seu conteúdo é regulamentado pelo Código Civil, segundo o qual o documento precisa conter informações como a denominação da associação, os objetivos e o local de sua sede, os requisitos para admissão e exclusão de associados, bem como seus direitos e deveres;

-Livro contendo ata (confira modelo aqui), ou atas separadamente, de fundação, aprovação do estatuto, eleição e posse da primeira diretoria e respectivas vias digitadas (original e cópias). No final do documento, é preciso que o presidente ou secretário responsável pela entidade faça e assine uma declaração, que precisa estar datada, informando que as vias conferem com o original lavrado em livro próprio.

-Declaração de desimpedimento dos sócios diretores, caso não conste no Estatuto Social. O documento precisa ser assinado e pode possuir o seguinte texto: “Eu, (nome), declaro sob as penas da Lei, que não estou impedido de exercer a administração da da (denominação da associação), por Lei especial ou em virtude de condenação criminal”; 

-Cópia autenticada do CPF e dos Documentos de Identidade dos sócios.

Passo 4: Registro na Receita Federal

Após registro da associação em cartório, é preciso registrar o CNPJ. Para isto, é necessário, primeiro, gerar um Documento Básico de Entrada no CNPJ (DBE), por meio do site da Receita Federal (https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/redesim/abra-sua-pessoa-juridica/passo-2-informacoes-para-registro-e-inscricoes-tributarias). Duas vias dele precisam ser assinadas pela pessoa física responsável, seu representante legal anteriormente indicado ou procurador constituído por instrumento público (registrado em cartório) ou particular (firma reconhecida).

Uma das vias deverá ter firma reconhecida, mas ambas devem ser entregues à Receita Federal (do município sede da associação), junto com a DBE e o ato registrado em cartório. Com a documentação toda correta, é possível retirar o CNPJ via internet. 

Oficialmente regularizada a associação, fica mais fácil abrir contas institucionais, participar de editais e prestar serviços. As prerrogativas da prestação de contas de uma associação são definidas por seu estatuto e precisam ser obedecidas pelas administrações eleitas. 

É preciso que tais entidades, periodicamente, apresentem seu balanço patrimonial. Como não possuem fins lucrativos, caso as associações apresentem superávit, é preciso indicar de que forma o recurso extra foi direcionado para cumprir as finalidades estabelecidas em seu ato de fundação.

 

TEXTO

Marília Parente

PUBLICADO EM

02/08/2022

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Pistas em linha – Formas de fazer processos dinâmicos de aprendizagem online

Queremos experiência reais, mas os tempos atuais insistem em nos manter na virtualidade. Confira pistas para atividades seguras e dinâmicas on-line 

A vacina chegou, a pandemia amenizou, mas nem todas as atividades presenciais retomaram à normalidade. Será que estamos preparades para realizar atividades de forma segura e proveitosa? Preparamos algumas pistas para conduzir dinâmicas em linha. 

Parece que o online veio para ficar. Já antes da pandemia, os conglomerados de tecnologia, a vigilância praticada por Estados e corporações e a expansão da nossa vida no universo digital já vinham redesenhando a presença humana no mundo. Agora as adequações feitas pela necessidade do isolamento indicam um caminho sem volta. Estamos cansados das telas, saudosos de presença e sedentos por experiências, mas a realidade insiste em nos manter em linha

Em um encontro da Escola de Ativismo, um participante comentou: “Acaba a semana e a gente fica com a sensação de que falou com tanta gente mas, muitas vezes, não passamos do portão de casa”. Eu mesma sinto que fiquei mais silenciosa e sensível ao som, mesmo que tenha vivido esses dois anos com algum trabalho de campo e dinâmicas online bem interessantes — propostas pela galera do teatro-educação que teve que rebolar pra trazer para os encontros em linha a presença exigida pela atividades. 

E você, já parou pra pensar em como você e as pessoas ao redor mudaram ao longo desses dois anos?

É pensando nessa presença e aproximação que acontecem no momento do café, nos intervalos ou na própria dinâmica presencial, que a Escola de Ativismo preparou dois materiais para guiar atividades online (ou em linha). Eles são resultado da experiência com grupos de ativistas na prática e trazem, inclusive, relatos e contribuições pessoais, além de um cardápio de possibilidades de ferramentas baseadas em cuidado digital. 

A ideia é politizar a tecnologia. Nós a inventamos, não o contrário. Por isso, reinventaremos os modos de usá-la, reconhecendo seus limites, capacidades e vieses. Além de descolonizar as linguagens que afirmam uma certa hegemonia. Tomar as ferramentas em nossas mãos passa também por utilizar termos que possamos compreender. Queremos descolonizar, tropicalizar, tupiniquinizar, aquilombar estes termos e seus conceitos. Por isso, chamamos de atividade “em linha”, não online, e propomos uma desburocratização de métodos, através dos métodos-processo.

Veja algumas pistas para os seus processos de aprendizagem

Aquecimento

Momento para as pessoas contarem um pouco de si, uma mania, uma história da infância, um aprendizado, trazer uma receita, algo relacionado ao tema do encontro que possa depois ser resgatado durante as atividades. É diferente da checagem que se assimila ao “oi, tudo bem?” do dia a dia onde corre-se o risco da pessoa falar qualquer coisa de forma mecanizada.

 

Trazer sentidos fora da tela

Apesar de termos muitas atividades focadas na visão nos processos “em linha”, temos percebido a importância de criar atividades que envolvam outros sentidos, criando estímulos para que as pessoas experimentem algo com o corpo, com a audição, com as mãos fora do teclado e das telas, produzindo uma relação outra com o encontro e com o conteúdo. Que tal cantar juntos uma canção? Esculpir algo com argila? 

 

Problematizar ferramentas e o mundo online

Muitas vezes, acreditamos que todas as ferramentas são iguais quando na verdade existem muitos mundos no espaço tecnológico. Reserve um tempo para problematizar questões politico-econômicas que envolvem a aquisição e compartilhamento das ferramentas. Busque informações complementares sobre sistemas de código aberto e fechado e a diferença entre ambas. E crie uma linha de recomendações. As pessoas precisam saber porque você escolhe uma e não outra, qual o histórico para a escolha, enfim: são diversos fatores que podem contribuir para que mais e mais pessoas descubram o potencial das ferramentas à serviço das pessoas, e não o contrário. 

E por falar em problematização….  educação em linha para quem?

É importante lembrar como a conexão com a internet é racista, colonial e não inclusiva. As estruturas favorecem determinados grupos, segmentam setores e multiplicam desigualdades. Quem tem a possibilidade de estar conectada e participar de encontros online? Algumas comunidades ainda estão sem acesso à energia elétrica. Algumas pagam mais caro pela conexão que também não chega a determinados territórios. Ao promover e fomentar encontros em linha, vale a pena mapear e compreender a estrutura disponível ao público que se quer atingir e tentar garantir alguma estrutura.

Por fim, vale lembrar que não existe manual para atividades de aprendizagem. As pistas, como a própria palavra indica, são parte do caminho. É preciso refletir com elas e levar em conta as peculiaridades e características de cada território onde se propõe a atividade. Fazer com as pessoas e não para elas. Aprender fazendo é viver o método e não falar sobre. 

Veja aqui o PDF completo com outras pistas para os seus processos de aprendizagem

Y hay también una versión en español 

 

Como descobrir se sua senha foi vazada

Como descobrir se sua senha foi vazada

Listamos serviços e cuidados para te ajudar a se proteger do vazamento de senhas online

As senhas podem ser alvo de vazamentos, mas é possível descobrir se você está vulnerável

Foto: Pixabay

Existem diversos sites que indicam que sua senha foi vazada, no entanto, o que os especialistas recomendam como mais seguro é o “have I been pwned”. O objetivo do HIBP é ajudar pelo menos a entender o que vazou, de onde e quais medidas de precaução podemos tomar diante do fato.

Apesar de ser em inglês, é bastante intuitivo. Nele, você pode pesquisar por um e-mail, número de telefone, senha ou domínio – para este último, é necessário ter acesso a um endereço padrão como security, hostmaster, postmaster ou webmaster ou ao código fonte do site. 

Para checar o e-mail, o telefone e é simples. Na home do site, você checa e-mail e telefone. Uma mensagem em vermelho indica que o dado foi vazado e em verde o contrário.

IMPORTANTE: O site também dá um serviço de checar se sua senha vazou, na aba “password”. Porém, não recomendamos a pesquisa com uma senha ainda em uso, uma vez que isso pode ficar armazenado no próprio site. Se você fizer essa pesquisa, o ideal é modificá-la logo em seguida.

Ao criar qualquer conta na internet, é preciso ter uma senha para acessá-la. Mas você já parou para pensar se ela continua sendo segura? Pode ser que tenha se tornado frágil a partir de vazamentos, quando os dados são expostos. 

O incidente pode acontecer por causa de um sistema vulnerável, com controles de acesso insuficientes ou falhas de segurança. Com isso, criminosos podem vender o banco de informações para diversos objetivos, inclusive ameaçar usuários.

Como explica o site “have I been pwned”, uma ferramenta para detectar se sua senha foi vazada, “nossos dados são vazados, vendidos, redistribuídos e abusados em nosso detrimento e fora de nosso controle”. 

Usando navegadores

Para aumentar a proteção dos usuários, atualmente os próprios navegadores avisam quando uma senha que foi salva possivelmente foi vazada. Firefox, Chrome e Safari emitem um alerta para mostrar que aquele login foi exposto.

O Chrome usa uma lista de cerca de 20 sites para checar se a senha está comprometida, o Safari usa uma lista que diz ser continuamente atualizada e o Firefox parte do banco de dados de vazamento do “have I been pwned”. 

Para checar se sua senha foi vazada no Chrome, é só acessar o site passwords.google.com com a sincronização de senhas ativada. No caso do Safari, esse monitoramento pode ser feito na área de Preferências e depois na aba Senhas. No Firefox, é só acessar o Firefox Monitor através do ícone da conta.

O navegador da Mozilla explica como essa checagem funciona. Ele compara a data do vazamento de um site com a data em que você salvou uma senha naquele mesmo site. Se houve vazamento de dados, após você salvar sua senha, aparece o alerta.

O Firefox também verifica se o usuário reusou essas senhas vulneráveis em outras contas salvas nele. O navegador cria uma lista criptografada das senhas vazadas e compara com as salvas. 

Usando o have i been pwned

Passo 1: clique em Have I been pwned?

 Clique em https://haveibeenpwned.com/ e digite seu e-mail, conforme mostramos abaixo

Passo 2: Entenda como ler o resultado

O resultado vem abaixo com a quantidade de vazamentos, a data e breve descrição de cada um deles, ordenado do mais antigo ao mais recente. Em cada um, você também pode saber quais dados foram vazados. Por exemplo, nome de usuário, senha, e-mail, telefone, data de nascimento, gênero, localização geográfica e até o IP.

O site ainda informa se você foi vazado em uma pasta, um site público projetado para compartilhar conteúdo. Esses serviços são preferidos por hackers devido à facilidade de compartilhar informações anonimamente e são frequentemente o primeiro lugar em que uma violação de privacidade aparece. As pastas são importadas automaticamente e geralmente removidas logo após serem postadas, explica o HIBP.

Passo 3: O que fazer em caso de vazamento

Se alguma conta sua aparecer vazada, é importante modificar as senhas desses serviços e, mais ainda, verificar se você não usou a mesma senha em mais de um serviço.

Caso você use a mesma, qualquer pessoa com acesso a esse banco vazado pode entrar no teu e-mail, por exemplo. E já que você vai mudar a senha, aprenda aqui como construir uma de forma segura, assim como aprenda uma forma prática e também segura de guardar dezenas de senhas diferentes. 

Passo 4: Como acompanhar os vazamentos

Também é possível acompanhar os casos informando o seu e-mail ao site em “notify me”. Eles prometem avisar de futuros vazamentos e quando sua conta for comprometida, mas não pedem mais dados do que o seu endereço. 

O site permite que os usuários monitorem os vazamentos para que possam tomar medidas de segurança. Na aba “Who’s been pwned”, é possível checar todos os sites que já foram vazados com um resumo do caso, a data do ocorrido, quando foi adicionado ao HIBP, quantas contas foram impactadas e quais dados.

Ao rolar até o final da home, é possível ver quais são os vazamentos mais recentes e os maiores até o momento. Também há uma espécie de placar que informa quantos sites, contas, pastas e contas de pastas foram alvo de vazamentos e constam no banco de dados do site.

De Jesus a Bolsonaro – Por que as histórias de jornadas funcionam e como podemos utilizá-las ao nosso favor

De Jesus a Bolsonaro – Por que as histórias de jornadas funcionam e como podemos utilizá-las ao nosso favor

“Não se conta uma história sobre uma disputa. Se disputa a história que está sendo contada”. Essas frases, que ajudam a ilustrar esse texto, dizem muito sobre como nós, ativistas, devemos pensar na construção das nossas pautas e na forma que vamos comunicar o que queremos. Pode parecer algo simples, porque estamos acostumados a utilizar a linguagem para construir narrativas desde que nascemos. Mas o que faz uma grande diferença é entender que a forma como escolhemos contar uma história faz parte de uma longa tradição, tão antiga quanto o domínio das ferramentas e do fogo. Especialmente quando você quer contar uma história que toque aqueles que estão lendo/vendo/ouvindo, é importante entender mais sobre essa tradição e como ela segue sendo usada — e funcionando muito bem — nos dias de hoje. 

Essas histórias usam elementos que chamamos de arquétipos. A palavra, que talvez você já tenha ouvido, remete a ideias que começaram a ser gestadas na Grécia Antiga, por Platão. Porém, foi no século XX que o termo ganhou a relevância que tem hoje, especialmente pelo trabalho do psicoterapeuta Carl Jung. 

Ele afirmava que pessoas diferentes, de culturas e lugares bem distantes entre si, compartilham certas formas de ver, interpretar e lidar com suas experiências. As pessoas, então, têm esses arquétipos que atravessam sua existência e dos outros e moldam nossas atitudes em relação ao mundo. É importante salientar que, para Jung, esses arquétipos são infinitos, mas, de todo modo, há alguns que são considerados os principais. 

Alguns desses arquétipos receberam nomes meio autoexplicativos: Sábio, rebelde, tolo, herói, mago etc. Esses arquétipos estão presentes não a apenas em nós, mas também nos nossos mitos — e atualmente em diversas histórias da cultura pop.

O QUE AS HISTÓRIAS ABAIXO TÊM EM COMUM?

Deslize para ver as imagens

A Jornada do Herói

A partir da influência dos estudos de Jung, o mitologista Joseph Campbell realizou uma ampla pesquisa sobre mitos e religiões de diversas culturas. O trabalho dele, “O Herói de mil faces” foi publicado em 1949, se tornando um marco para o campo da mitologia comparada. 

O estudo de Campbell, todavia, extrapolou bastante o campo acadêmico, sendo referência para a construção de histórias de Hollywood, além de base para muitos cursos de publicidade e marketing. Uma vez que estamos acostumados, ou nas palavras de Jung, uma vez que esses elementos fazem parte do nosso inconsciente coletivo, eles podem ser utilizados para sensibilizar, mudar opiniões, trazer apoiadores para o lado de quem escolhe contar essa história desse modo. 

Para Campbell, essas histórias apresentam como elementos comuns, que resumimos aqui:

Alguém simples que se tornará o herói

O chamado à aventura

O encontro com o mentor

A travessia do primeiro limiar

Provas, aliados e inimigos

A grande provação

A ressureição/ A recompensa

Se você olhar atentamente essas histórias das imagens mais acima, perceberá que todas têm boa parte desses elementos. Em muitos casos, como o de Star Wars, deliberadamente escolhidos para fazer parte. Em outras, essa já é meio que a forma “natural” de como se conta uma história. 

A pesquisa inicial de Campbell seguiu rendendo inspirações para outros pesquisadores se aprofundarem mais em narrativas. Em 1995, o escritor  Kurt Vonnegut, autor do ótimo livro Matadouro 5, fez uma apresentação sobre como há oito formas básicas de contar uma história, que podem ser adaptadas de formas distintas. A ideia do escritor havia sido apresentada décadas antes como tema de mestrado da Universidade de Chicago, mas foi rejeitada “porque era muito simples e também parecia muito divertida”, segundo Vonnegut descreveria décadas depois. 

Outra contribuição importante para essa forma de descrever e entender como as histórias funcionam foi o livro “The seven basic plots”, de Christopher Booker, que partiu das influências das pesquisas dos arquétipos de Jung para um trabalho no qual ele descreve essas sete formas de contar uma história. Foram 31 anos de pesquisa que levaram às seguintes formas, das narrativas históricas cujos autores se perderam no tempo até as novelas mexicanas e os animes: Superação do monstro (como Beowulf, Perseu e a Medusa, Drácula, Naruto); Da miséria até a riqueza (Cinderela, Alladin, Maria do Bairro); A busca (Senhor dos Anéis, A Divina Comédia, indiana Jones); Comédia (Big Lebowski, Diário de Bridget Jones); Tragédia (Cidadão Kane, Macbeth, Anna Karenina); Renascimento (Orgulho e Preconceito, O Conde de Montecristo, Tieta); Viagem e Retorno (Odisseia, O Rei Leão, O épico de Gilgamesh).

 

Uma história patriarcal e heteronormativa

Um elemento importante que o trabalho de Campbell e outros teóricos deixaram de fora é o corte sobre gênero e sexualidade. Especialmente quando se fala das culturas de bases monoteístas, os protagonista das histórias costumam ser sempre homens heterossexuais. Nas últimas décadas surgiram autoras dedicadas a falar sobre o papel das mulheres nas narrativas clássicas. Podemos destacar os trabalhos de Maureen Murdock e de Victoria Lynn Schmidt, que trabalham sob a perspectiva de criar a “Jornada da Heroína”. Para Murdock, “a jornada feminina é sobre ir fundo na alma, curando e recuperando, enquanto a jornada masculina é para cima e para fora, para o espírito”. O trabalho das duas, ainda que possam trazer também um outro debate sobre o que é feminilidade, serviu como referência e um contraponto ao trabalho de Campbell.

 

Os computadores entram na história

Os trabalhos desses pesquisadores que citei aqui antes tinham um perfil mais “solitário” e se debruçavam apenas sobre as obras mais conhecidas do cânone clássico; em especial, para as obras publicadas em inglês — que é a língua deles. Com o avanço da tecnologia, surgiu uma forma que permitiu testar essas teorias ampliando seu espectro para incorporar diversas outras línguas e suas culturas. O professor de inglês Matthew Jockers, da Universidade de Nebraska, usou a matemática e os computadores para tentar desvendar a estrutura das histórias. Com esse apoio computacional, sua base de dados foi muito maior: 50 mil livros.

Foi o uso do que hoje chamamos comumente de big data que permitiu essa pesquisa. Só que no lugar de fazerem o que grandes empresas fazem — que é coletar as palavras faladas nas redes sociais para determinar o sentimento que uma história está causando na sociedade —, Jockers e sua equipe do Laboratório de História Computacional da Universidade de Vermont utilizaram isso nos textos dos livros. O nome da técnica inclusive se chama “Análise de sentimento” e pode ter certeza de que, se você tem uma vida ativa e pública em uma rede social, é bem provável que já virou dado nesse tipo de pesquisa. 

A pesquisa de Jockers chegou a uma conclusão muito próxima da que os estudos anteriores demonstravam. “Há seis (tipos de história) em 90% das vezes. Em 10% das vezes, o computador diz que há um sétimo tipo”, afirmou Jockers. Para quem tiver mais interesse em se aprofundar nesse estudo, o próprio pesquisador disponibilizou as ferramentas usadas na pesquisa. Assim, você pode analisar algum livro que não estava na base de dados original. O uso de computadores partiu da presença de palavras específicas e suas repetições durante o livro. O sistema, é claro, tem certas vulnerabilidades, especialmente se usado para trabalhar somente em cima de trechos, mas por meio de um volume grande de dados, pode-se dizer que os resultados são mais confiáveis.  

E o que o ativismo e a política tem a ver com isso?

A afirmação de que nossas ricas e tão diversas histórias ao fim são tão poucas causa sempre um desconforto. Afinal, é importante dizer que por mais que essas estruturas básicas possam se repetir, haverá sempre questões mais subjetivas, como o contexto social em que a história foi lançada, o tempo histórico e outras mais, que vão afetar o impacto direto que a narrativa terá naquele momento. Assim, um grande livro não será um grande livro só porque tem os mesmos elementos dos anteriores. Porém, quando nosso objetivo não é criar o novo grande romance que vai ser diferente de tudo e capturar o zeitgeist, mas sim contar uma história que vá gerar identificação rapidamente, saber utilizar essas ferramentas e fazer as pessoas torcerem para nosso “herói/heroína” faz uma enorme diferença. Compreender que o uso desses símbolos de identificação, desafio, inimigos, vitória final etc. tem um impacto imediato nas pessoas com quem você quer falar é importante para conseguirmos apoiadores para nossas causas.

Essa informação, que já é antiga no mundo da publicidade e na indústria cinematográfica, também ocupa um espaço importante no universo político, especialmente quando falamos de política institucional. Aquelas histórias de marqueteiros contratados por milhões para fazer campanhas, sabe? Eles entendem bem o uso dessas ferramentas. Dentro do campo do ativismo, por outro lado, muitas vezes não pensamos de forma estruturada na hora de contar nossa história. E também que ela não precisa ser aplicada apenas na individualização. Um povo, uma comunidade ou um grupo menor pode ocupar esse lugar de protagonista, de ser aquele por quem as pessoas vão torcer. 

Mas quer ver como ela funciona bem até os dias de hoje?

Vamos a um exemplo das últimas eleições

Aqui é importante  salientar que por mais que seja possível ter um controle sobre a narrativa, não se pode afirmar que todos os fatos são premeditados.

A “Jornada de Bolsonaro” em 2018 teve vários elementos que tentaram  — e conseguiram — colocá-lo nessa posição de herói, daquele com o qual vamos nos identificar. Mesmo sendo político há mais de 30 anos e ocupando o cargo mais importante do país, ele ainda tenta se vender como o anti-sistema, aquele que é “um de nós” que está batalhando contra um “império do mal”. A chegada de Paulo Guedes, lá em 2018, foi o mentor que precisava para que o mercado financeiro confiasse a apostasse em seu nome. O atentado mostra sua fragilidade, seu drama e superação para seguir na luta. Seus inimigos, a esquerda e qualquer um que tenha um pensamento mais progressista, precisam ser eliminados, pois esse é o caminho que o “escolhido” precisa seguir, sua missão sagrada.

É interessante, contudo, ressaltar que a História, ao contrário das estórias, segue caminhos muito tortuosos e surpreendentes. Se a “Jornada de Bolsonaro” funcionou em 2018 — porque, apesar de suas próprias críticas, ele realmente teve mais votos naquela eleição — o papel que ele ocupa em 2022 já é diferente. O mesmo pode-se dizer de Lula, cuja história poderia terminar como uma tragédia se fosse contada no contexto do golpe contra Dilma Rousseff e sua prisão. Em 2022, ela já pode ser interpretada como uma história de ressurreição, o homem inocente que foi preso injustamente e volta a ser presidente (ao que tudo indica, caso a tentativa de golpe não seja bem-sucedida).   

 

Como aplicar essas ferramentas nas nossas lutas

Apesar de ter uma escala macro no exemplo acima, o uso estratégico da narrativa é útil em diversos casos. Ela, por si só, não é a solução para a vitória, mas certamente é uma ferramenta que, bem aplicada, pode fazer com que nossas causas ganhem mais relevância e apoio popular.

Antes de mais nada, é importante pensar que praticamente toda história que vivemos pode ser contada dessa forma, especialmente se estamos falando de lutas sociais. Podemos falar de coisas bem simples, como a luta para a preservação de uma pracinha que vai ser destruída num bairro qualquer. Como seria a elaboração dessa história?

A luta pela pracinha

O caso: Moradores se unem em um grupo contra a destruição das árvores e da pracinha no bairro, para a construção de um estacionamento. A prefeitura já cortou quatro árvores (e vai cortar as outras 15 que restam). Foi assim que descobriram a ameaça. A próxima etapa será a retirada de bancos, brinquedos e da iluminação pública.

O desafio: os moradores não sabem como impedir a obra. Já ligaram para a prefeitura, reclamaram com os funcionários, mas a obra está acontecendo de forma arbitrária, sem nenhum tipo de consulta prévia. Não há muitas informações e o tempo é curto para agir.

Os meios: para contar nossa história e conquistar a vitória desejada, devemos pensar também nos meios que utilizaremos para isso. Neste exemplo, vamos nos voltar mais para a elaboração da narrativa do que sobre as formas, mas no caso da pracinha podemos pensar em formas como: uso das redes sociais, denúncia na imprensa, ações de protesto na própria praça ou na prefeitura, faixas, músicas, depoimentos, cartazes e lambes colados na cidade, entre outros.

Definindo os papéis

O herói/heroína: Nesse caso, podemos trabalhar com exemplos de pessoas reais, já envolvidas na luta. As pessoas vão se solidarizar com a história a partir do momento em que veem os rostos, as vidas que “dependem” daquela pracinha. Poderíamos definir dois perfis básicos: o dos pais que estão com seus filhos todos os dias na pracinha, o único espaço que elas têm para brincar com seus amigos; os idosos que usam a pracinha como socialização. É importante que essas pessoas apareçam, que sejam vistas, em postagens nas redes sociais ou na imprensa, por exemplo. Tem sempre pessoas mais hábeis do que outras para serem a cara pública da história. É bom reconhecê-las e trabalhar essa imagem. A identificação surge daí.

O chamado: A vida era boa antes da destruição começar. Usar imagens de como era a pracinha antes da derrubada das primeiras árvores. Crianças brincado, pessoas felizes. “É isso que teremos que preservar, por isso nós fomos para a luta. Nós não queríamos isso. Só queríamos estar tranquilos em nossa praça”.

A primeira prova: Já em relação ao “chamado” e os “heróis/heroínas”, nós mostramos o primeiro ataque, as árvores derrubadas. Ela é a denúncia que a ameaça é concreta, já está acontecendo.

O adversário: Não adianta ficar falando da prefeitura de uma forma genérica. Para que a gente consiga incomodar e fazer com que o outro lado sinta que há uma resistência, é importante nomear. Os jedis, afinal, lutavam contra Darth Vader, por mais que ele fosse representante do Império Galáctico. No exemplo, descobrimos que foi o secretário de obras do município que está por trás da autorização. Seu nome passa a ser vinculado, é dele que vamos cobrar que volte atrás, que mude a decisão, retire a concessão da empresa X (que também passa a ser nomeada) de construir um estacionamento onde fica a pracinha. Seus nomes estarão presentes nas faixas, nos posts nas redes, na entrevista com a imprensa, em todos os lugares. 

Mentores e aliados: Uma luta dessas precisa de apoios de grupos que já estão estrategicamente organizados. No caso da pracinha podemos pensar em diversos grupos que serão nossos aliados: movimentos e organizações que são contra derrubadas de árvores em cidades onde já existem tão poucas; grupos simpatizantes de animais (ali é também espaço para levar os pets); influencers (mães famosas que falam de maternidade nas redes, por exemplo), entre outros. No caso dos “mentores” podemos aqui interpretar como aqueles grupos que trarão um conhecimento técnico ou um alcance que a comunidade envolvida na luta não possui por conta própria: o Ministério Público que vai entrar com um ação ou uma vereadora que é contra a derrubada e vai interferir podem ser exemplos, um advogado que vai processar a empresa.

A grande provação: Já tivemos as primeiras árvores derrubadas e agora sabemos o que vem por aí. Divulgamos a data de quando está prevista a derrubada das árvores restantes e também dos equipamentos de lazer. É preciso criar o sentimento de alerta, uma necessidade de urgência para que tudo não seja destruído. “Uma cidade com tão poucas árvores e espaços de lazer, agora está perdendo mais um se não fizermos nada”. As pessoas já nos conhecem, já sabem quem é o adversário e o que ele fez, agora é preciso agir.

A recompensa: No caso da luta política, a recompensa é algo que atravessa toda a história. Não é algo que as pessoas vão “ler”, mas sim aquilo que entendemos que será o resultado final. No caso, estamos falando da pracinha preservada, as pessoas voltando a ser felizes, as crianças brincando, os cachorros passeando. Essa imagem é que deve ficar na cabeça das pessoas como a meta, aquilo pelo qual elas tão lutando. É essa diferença entre o estado atual (de alerta, de medo) e  a nossa “vitória final” na história, que é o desejo coletivo.

Conclusões

Esses elementos e essa forma de contar a história é mais uma base interna, obviamente. Ao preparar sua estratégia de comunicação, você não se deve colocar em materiais públicos “conheça nossos heróis”, “veja a primeira provação” ou qualquer outra coisa desse tipo. Até porque, na luta real, ao contrário das narrativas ficcionais, os estágios e os papéis podem ser sempre reinterpretados. Pode acontecer, por exemplo, de o secretário ficar tão acuado que volte atrás, tente limpar a imagem com um pedido de desculpas e afirmar que a praça continua, que foi um erro do qual não tem culpa (por mais que isso não seja verdade) e que vai paralisar tudo e rever o contrato com a empresa. Então, na nossa estratégia, o foco pode sair do secretário e ir para a empresa somente. 

Além de poderem ser reinterpretados, esses momentos também não seguem um script, como um filme de Hollywood no qual temos primeiro, segundo e terceiro ato. Aqui as estratégias vão caminhar de alguma forma juntas (Bolsonaro segue tomando café da manhã com camisa de time de futebol, vendendo a imagem de homem comum), pois essa mensagem estará constantemente chegando a novos públicos ou pessoas que já conhecem a história, mas buscam novos elementos para seguir acompanhando — e apoiando.

Se você está em alguma luta, pode ser interessante fazer essa experiência por conta própria. Pense nos elementos já presentes na história, veja o que cria identificação com as pessoas, veja o que estimula nelas o desejo (todos queremos finais felizes). Sabemos que essas estruturas podem simplificar questões complexas, então é sempre preciso ter cuidado. A questão, então, é saber mais estrategicamente com quem e por qual motivo você quer fazer essa comunicação. Um debate dentro da própria comunidade onde fica a pracinha, por exemplo, não pode ser reduzida apenas a esses elementos narrativos, mas como eles podem ser aproveitados para divulgar a um público mais amplo e gerar apoio. No final, cabe mais a você e seu coletivo terem consciência do funcionamento dessa estrutura e utilizá-la da forma como acharem melhor em sua luta.

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