Por Alicia Lobato

Em seu texto, a repórter Alicia Lobato entrevista uma série de ativistas pelo clima da região Norte e Nordeste do país, que falam um pouco de suas trajetórias e como têm feito para mobilizar suas comunidades para resistir.

Quem precisa lutar pelo seu território precisa resistir de várias formas. E isso é o que move pessoas a arriscarem suas vidas para falar sobre a proteção dos seus territórios e lutar batalhas incansáveis. Além de um ativismo, a resistência climática é sobre nascer em um contexto onde se é obrigado a ser ativista, saber usar os meios que lhe foram oferecidos e se apropriar dos que não foram.

Resistir não é apenas se fortalecer como indivíduo, é também se fortalecer coletivamente, seja por meio de organizações estruturadas, artivismo, comunicação popular. É respeitar também quem veio antes e usar esse conhecimento que foi passado para proteger os de agora e os que vem depois. Ou seja, é quando pensamos não apenas nas nossas florestas, mas nas vidas que estão nelas e no entorno, temos a compreensão do que é o meio ambiente e como resistir diante de tantas violências. 

Apesar da pauta climática e ambiental estar sendo reconhecida como um problema a ser discutido, essa evolução precisa se dar junto com os territórios que já abordavam isso na sua própria história. O Brasil é o quarto país do mundo que mais mata ambientalistas, de acordo com relatório divulgado pela ONG Global Witness, em 2021. Defender os biomas e seus territórios no país costuma ter um preço muito alto, que ficou ainda mais caro nos últimos anos por conta de uma política agressiva e de não inclusão de pautas ambientais nos seus projetos.

Por isso, ouvir quem está na luta da resistência é fundamental para não apenas avançarmos nesta agenda, mas também encontrarmos uma solução.

Os Guardiões do Bem Viver atuam para proteger seu territórios das ameaças da mineração l Foto: Divulgação

Conhecimento é resistência

Diante desse cenário de medos e inseguranças, ativistas têm buscado caminhos para continuar na luta e conseguir também fortalecer os coletivos que atuam. Em Rondônia, a solução encontrada por jovens indígenas foi a construção de um coletivo, o “Juventude Indígena de Rondônia”, surgiu pela ausência de um espaço onde jovens lideranças pudessem atuar e contribuir com as pautas nas suas comunidades. Para Marciely Ayap Tupari, uma das coordenadoras da organização, a vontade surgiu depois dela ter participado do Acampamento Terra Livre, em Brasília, no ano de 2018. Ao ouvir vários relatos de participantes, ela se sentiu encorajada para participar de mobilizações.

“Até porque eu falo, principalmente, como mulher indígena, aqui dentro do estado de Rondônia é muito difícil você ver as mulheres atuando e ainda mais jovens, porque muitas vezes a gente não tem espaço”, conta. 

Segundo a jovem, no primeiro encontro da organização eles conseguiram mobilizar representantes de pelo menos vinte povos indígenas. E eles têm se esforçado para alcançar mais jovens. Para resistir e poder ocupar outros espaços, Marciely precisa ir além do seu território, no entanto, esses outros lugares são repletos de violências que surgem de vários lados.

 “A partir do momento que você sai de dentro do seu território e busca ocupar esses espaços você também acaba sofrendo um pouco de preconceito dos próprios parentes porque eles dizem que por ‘a gente não morar dentro do nosso território, nós não temos direito a voz’”. 

“A gente sempre coloca que quando nós nascemos, principalmente povos indígenas, já somos ativistas”, diz Marciely l Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo assim, com a crise climática, ela vê no seu dia a dia mudanças graves que precisam de soluções. De acordo com ela, o calendário tradicional de colheita já não é o mesmo, e além disso ainda tem as queimadas e o desmatamento. Esse conjunto de fatores a obriga buscar outros caminhos fora da sua comunidade, soluções para uma resistência coletiva, que, para ela, se baseia em investir no conhecimento e na comunicação.

“Precisamos sair do nosso território exatamente para buscar essas informações para ver que forma transmitimos para os não-indígenas entenderem qual é a nossa luta. Outra arma que usamos é a comunicação, estamos buscando formar outros comunicadores indígenas para mostrar para o mundo o que está acontecendo”. A resistência para Marciely surge naturalmente, com a luta constante nos  territórios “Na verdade, a gente sempre coloca que quando nós nascemos, principalmente povos indígenas, já somos ativistas”, enfatiza. 

O conhecimento, ou a educação, é um símbolo fundamental quando se fala de resistir, apesar de ser um obstáculo para alguns lugares, a migração obrigatória de sair do seu território em busca de uma formação é resistência. A educação para Emerson ‘Uýra’ Munduruku, bióloga, artista e educadora, também é resistir, principalmente, para jovens e juventudes das comunidades tradicionais.

Também conhecida como Uýra — A árvore que anda —, ela se define como “às vezes gente, às vezes árvore”, e tem atuado em pautas relativas aos territórios amazônicos. Nascida em Santarém (PA) e moradora de Manaus (AM), Emerson busca refletir suas vivências da periferia amazônida nos seus trabalhos. A árvore que anda, é uma maneira também de lembrar às pessoas o que é a natureza que encontramos hoje, como Emerson explica:

“Conta histórias dessas naturezas, das poluições, desmatamento, racismo, de opressões, mas também conta história de esperança de uma natureza das águas, das folhas, do som das nossas vozes”, diz Uýra, que também  afirma ser uma pessoa indígena em diáspora, em retomada ancestral Para ela, se utilizar da arte é um modo de integrar natureza e “gente”, especialmente, quando se fala de Amazônia, com suas diversas causas e territórios.

Nesse sentido, seu trabalho artístico foi a maneira que ela encontrou para resistir como um corpo trans indígena. E, por isso, precisa ser política e um reflexo do que vivemos hoje. “A arte reconta a história, ela pode mudar rumos no futuro, fazer ver, se fazer sentir, pelo local da vida fazer sentir o outro. Quando falo de artivismo falo de fazer sentir, aproximar mundos”.

Intervenções artísticas e oficinas podem aproximar gerações e unir mundos. l Foto: Barbára Alves

A resistência vem da preservação da cultura e das tradições 

Esse aproximar mundos é o que tem movido ativistas ambientais pelo  país em meio aos retrocessos. Quando se nasce sendo quase que obrigado a estar na luta, a única forma encontrada de viver é procurar meios de persistir durante essa jornada. Os Guardiões do Bem Viver, de Santarém (PA), mostram que este aproximar dos mundos pode ser coletivo. Para Ronald Soares, um dos membros do coletivo, resistir é continuar um longo trabalho que começou com seus ancestrais, “para preservar hoje essas riquezas que temos aqui e combater a mineração dentro do nosso assentamento”. Resistir para os moradores do assentamento PAE Lago Grande, é evitar a chegada da mineração que tem tentado invadir suas terras.

Assim como a luta que começou com os seus antepassados, o que move também os moradores a enfrentar diversas violências é o conforto do bem viver, que Ronald resume como “costume, cultura e tradição”, que deve envolver diversas gerações e não apenas os jovens, que ele qualifica como “corajosos” e “vasos ruins de quebrar” na defesa de seu patrimônio social, natural e cultural.

“Todo assentamento tem um bem viver, pelo qual ele preza. A mineração afeta de morte o bem viver, que  é tudo de bom que possuímos no nosso território, o qual não queremos que acabe”, diz.

A educação, segundo Soares, tem sido um bom começo para os ativistas espalharem e fortalecerem suas pautas. A motivação de compartilhar o que sabem e assim contribuir com perspectivas diferentes para suas famílias e amigos é uma aliada importante.

“Nós trazemos essas informações [sobre mineração] para a nossa comunidade, sempre debatendo. Isso é importante, levar esse conhecimento e transmitir ali aquela realidade do que pode causar, quais são as consequências e o que pode vim acontecer se nós como moradores não nos juntarmos”, diz Ronaldo, sobre a ação direta de ir de casa em casa falando sobre os perigos da mineração.

No assentamento não há sequer uma unidade básica de saúde, nem escolas públicas, por isso a resistência também passa por lutar por um futuro próximo em que outros jovens possam ter acesso a atendimento básicos.

“Temos criado projetos, logísticas de como debater esses temas, não só no nosso assentamento mas em qualquer lugar que vamos, o conhecimento é uma ferramenta muito importante que temos em levar essas informações, dá essa visibilidade”, diz.

“A juventude sem terra tem se colocado como sujeito importante até porque nós temos direito ao futuro e a sociobiodiversidade é um patrimônio das futuras gerações”, diz Aline. l Foto: Arquivo Pessoal

O assentamento Lameirão, em Alagoas, no bioma da Caatinga também tem buscado novas formas de resistência. Falamos com Aline Oliveira, do coletivo nacional da juventude do Movimento Sem Terra, que vive no assentamento desde sempre: seus pais se firmaram por lá ainda na década de 90. Para ela, ser ativista nunca foi uma escolha. 

Ela explica que a luta pela reforma agrária tem sido uma luta pela natureza e pela conservação de práticas tradicionais. Nesse sentido, os territórios dos assentados tem potencial de preservação, além de produzirem alimentos sem veneno em um contexto em que o governo tem liberado agrotóxicos constantemente. 

Aline conta que por causa de todo esse potencial destrutivo, o território vive em um estado de insegurança e sofre com ataques diários. “A juventude sem terra tem se colocado como sujeito importante até porque nós temos direito ao futuro e a sociobiodiversidade é um patrimônio das futuras gerações. Agora, isso não vai rolar se continuar nessa mesma forma de exploração”, acrescenta. 

Segundo ela, a crise ambiental pela qual passamos surge de um capitalismo com falsas soluções que apenas encobrem problemas que o sistema mesmo criou. Ela diz que a luta é para que se crie resultados verdadeiros, respeitando os territórios e as pessoas que vivem nele. E isso passa principalmente por resistir ao avanço do agronegócio e das políticas anti- ambientais do governo. Mas como? Para Aline, a resistência dos assentados é continuar produzindo os alimentos saudáveis e reafirmar a identidade comunitária do espaço.

“Resistir perpassa esse processo de cultura, de identidade, mas também de reafirmação que esse território é muito mais do que um processo compensatório, como os capitalistas têm colocado”, analisa. 

Olhando todos esses casos, um fio comum atravessa: a resistência é como cada um enxerga seu território, é sobre um futuro só ser possível se respeitar tradições apesar de um ambiente de luta. Para que as próximas gerações também tenham acesso ao bem viver, é sobre trabalhar o coletivo e entender que a educação e as trocas são peças fundamentais desse processo e da construção desses novos caminhos.

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