Por Marilia Parente

Instrumento jurídico pode ser aliado de associações e movimentos sociais em defesa de interesses coletivos da sociedade

Mulheres indígenas seguram as mãos em linha - foto em preto e branco

Marcha das mulheres indígenas 2019 | Foto: Douglas Freitas/@alassderivas/Cobertura Colaborativa Apib

É comum que sejam noticiados casos em que órgãos da Justiça recorrem a uma ação civil pública em defesa dos interesses coletivos. Embora nem toda instituição esteja autorizada, por lei, a ingressar com este instrumento jurídico, ele pode ser um grande aliado em diversas lutas de organizações da sociedade civil. Para isso, é importante saber como funciona o dispositivo e quando é pertinente utilizá-lo.

De acordo com o procurador do Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) Bruno Valente, a ação civil pública deve ser utilizada para responsabilizar quem tenha causado danos morais ou materiais contra o meio ambiente, aos consumidores, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. “Regulamentada pela Lei 7.347/85, a ação civil pública só pode ser proposta pelos entes legitimados pelo artigo 5º da norma, que são o Ministério Público; a Defensoria Pública; a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, além de associações constituídas há pelo menos um ano e que tenham finalidade institucional ligada ao assunto da denúncia”, explica.

Assim, uma associação comunitária, por exemplo, só poderia entrar com uma ação civil pública caso o conteúdo do processo esteja relacionado com a função social delimitada em seu ato de fundação. “Ela só poderia ingressar com uma ação civil pública caso tenha essa pertinência temática, como para cobrar que uma prefeitura melhore um hospital que atende a comunidade ou questionar uma empresa que está poluindo um canal de água que passa por sua área”, exemplifica Bruno Valente.

Se possuir função social atrelada à causa, mas não dispuser de recursos financeiros para arcar com os honorários de um advogado, as associações podem procurar um dos entes públicos autorizados por lei a ingressar com uma ACP. “No caso dos movimentos sociais, eles devem procurar essas instituições, como o Ministério Público, para realizar uma ação civil pública”, completa Valente.

De acordo com o advogado indígena Eliesio Marubo, as organizações podem notificar algum dos entes legitimados acerca de suas denúncias por meio de ofício. “Se a organização não estiver entre as legitimadas no artigo 5º, ela vai fazer um breve relato mais detalhado possível de todo o fato e vai encaminhar para a Defensoria Pública ou para o Ministério Público para que a ação civil pública seja iniciada”, comenta.

Bruno Valente é procurador do Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) | Foto: Divulgação

Instrumento nas lutas indígenas

Em razão da função social relacionada à defesa dos povos indígenas e do meio ambiente, as associações indígenas recorrem com certa frequência ao dispositivo da ação civil pública, em defesa de seus territórios e de seus modos de vida. Em agosto de 2020, em meio à fase mais dura da pandemia de covid-19, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava) entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal de Tabatinga, no Amazonas, solicitando que missionários cristãos fossem impedidos de entrar no território.

Assinado por Marubo, o documento ressaltava que os povos indígenas, sobretudo aqueles que vivem isolados, se encontravam numa situação de maior vulnerabilidade durante o período de crise sanitária. “O direito brasileiro inclui os direitos dos indígenas na proteção do meio ambiente e já existiam algumas normativas administrativas da parte da união que estabeleceram uma série de critérios para que certos tipos de trabalhos não ocorressem na pandemia. Isso incluía as atividades que não estivessem enquadradas como ações de assistência aos povos indígenas. Foi com esses fundamentos que puxamos a retirada dos missionários”, explica Marubo.

De acordo com o advogado, a resposta da Justiça foi positiva e, até hoje, os grupos religiosos não foram autorizados a voltar ao Vale do Javari. “Vale lembrar que o artigo 232 diz que indígenas, suas organizações e comunidades, são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses”, acrescenta Marubo.

Direito coletivo

O objetivo de uma ação civil pública, portanto, é defender os direitos difusos e coletivos dos cidadãos. “Na prática, não tem muita diferença entre esses dois direitos. O interesse coletivo seria aquele que engloba um grupo de pessoas ligadas entre si por circunstância jurídica, como no caso dos clientes de uma companhia de fornecimento de energia elétrica. Se eles descobrem que esse contrato, assinado por todos, possui valores abusivos, estamos falando de uma situação de direito coletivo”, comenta Valente.

Segundo o procurador, as situações de direito difuso são ainda mais fáceis de serem identificadas. “Como no caso de vazamento dos poluentes de um rio, em que todas as pessoas em contato com ele podem ser afetadas. O que as conecta é uma circunstância fática, não uma relação jurídica. Muitas vezes, nem é possível delimitar quem são todas as pessoas afetadas”, acrescenta.

Por serem coletivas e, assim, mais complexas, as ACP’s costumam ter maior tempo de espera pela sentença. “O que acontece na prática é que os juízes são cobrados pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça] por uma determinada quantidade de sentenças por mês. Assim, para eles, é muito mais interessante julgar casos de menor complexidade. Uma ação civil pública é muito mais trabalhosa”, coloca Bruno Valente.

Segundo a professora de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Maria Lúcia Barbosa, as sentenças são dadas de acordo com os limites da própria petição inicial da ACP. “Pode ser desde obrigações de fazer, não fazer, até o pagamento de indenizações. É possível recurso em face de sentença condenatória em ação civil pública”, afirma.

Ação popular

É importante lembrar que a lei permite que qualquer cidadão entre diretamente com uma ação popular, em casos em que o réu é um ente da administração pública. “A ação popular prevista, no inciso LXXIII do artigo 5º da CF/88, é uma ação de titularidade de qualquer cidadão que deseja anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural”, explica Maria Lúcia Barbosa.

Desta forma, qualquer cidadão está autorizado pela constituição a defender o erário público contra ações de sua gestão que sejam consideradas lesivas, a exemplo dos casos em que há improbidade administrativa ou licitações irregulares. O objetivo de uma ação popular é o de anular o ato irregular ou ilegal, cabendo apenas ao Ministério Público a tarefa de responsabilizar alguém por eles.

plugins premium WordPress