Luh Ferreira
Educadora Popular, ativista, doutora em Educação
Encantada com o mundo, indignada com a situação dele
Por que é urgente a revogação do novo ensino médio?
Mudança no currículo escolar tem precarizado a formação e focado em um modelo tecnicista de ensino
Por Izabella Bontempo
A reforma tem o objetivo de entregar uma formação técnico profissionalizante ao final da formação | Foto: Pxhere
Fruto do golpe de 2016, a reforma do ensino médio foi convertida na Lei Federal 13.415 em 2017, durante o governo de Michel Temer e seu então ministro da Educação, Mendonça Filho. Conforme a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define os currículos adotados pelas escolas, os únicos conteúdos obrigatórios passam a ser língua portuguesa e matemática, enquanto os demais conteúdos, como história, geografia, sociologia, física e química, por exemplo, aparecem diluídos em áreas de conhecimento e passam a não serem obrigatórios.
A reforma tem o objetivo de entregar uma formação técnico profissionalizante ao final da formação, e de acordo com o então governo, a medida foi proposta alegando que o ensino médio não é atrativo e não dialoga com a realidade dos jovens.
De acordo com Camila Moraes, vice-presidenta da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais (UEE-MG), a reforma é um atentado ao direito dos estudantes e da classe trabalhadora: “Quando você tira o direito de aprender sociologia e filosofia, por exemplo, na verdade você está dizendo que aquele estudante não tem direito de desenvolver uma leitura própria do mundo e nem de participar do processo onde a educação é emancipadora. Como conseguimos conceber a ideia que disciplinas tão fundamentais para a leitura da realidade não são necessárias? Isso tem a ver com uma retirada de direitos da classe trabalhadora de se desenvolver a partir da escola e da educação pública” conclui.
Com a retirada de conteúdos como história, o novo currículo oferece uma formação técnica com a oferta de cursos de marketing e empreendedorismo, por exemplo. Além disso, permite que um professor de qualquer área de humanas, ministre aulas dos outros conteúdos da mesma área, isso significa que um professor de geografia pode dar aulas de sociologia e filosofia, por exemplo.
Para Camila, essas mudanças representam uma ideia mercantilista e privatista da educação. “Entendendo a educação como mercadoria, você precisa gerar lucro, e para isso você precisa sucatear a escola pública e os educadores e profissionais que trabalham nela para lucrar mais com as redes privadas” compara.
Para Camila essas mudanças representam uma ideia mercantilista e privatista da educação. “Entendendo a educação como mercadoria, você precisa gerar lucro, e para isso você precisa sucatear a escola pública, os educadores e profissionais que trabalham nela pra lucrar mais com as redes privadas” compara.
Junior Miranda, professor de Ciências Sociais e mestre em Educação na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) denuncia que esta foi uma “reforma verticalizada, que não dialogou com os profissionais da educação, com os educadores e nem com as escolas”.
“Penso na lei 10.639 que determina o ensino da contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Onde vai entrar a proposição dessa lei que é fruto do movimento negro organizado? Me preocupa perder todos esses direitos que nós conquistamos com muita luta” relembra o professor.
O novo ensino também expõe o debate da generalização da educação sem considerar o estudo territorial e socioeconômico do país. Para Miranda, a padronização dentro de uma perspectiva curricular, visa unificar o ensino como se cada jovem, e cada região fossem iguais. “Nas próprias propagandas do BNCC vendia uma imagem da juventude que não condiz com a nossa realidade” finaliza.
Outro ponto debatido para a revogação do NEM, é a dificuldade do acesso dos jovens ao ensino, já que os alunos terão que mudar de escola ou até mesmo de cidade se quiserem cursar todas as disciplinas.
Paulinha Silva, da Diretoria de Combate ao Racismo da União Nacional dos Estudantes (UNE), defende que a reforma do ensino médio é urgente. “A maioria das escolas não têm estrutura o suficiente para implementar diferentes itinerários formativos, além das emendas inconsistentes”.
Por fim, Paulinha Silva afirma que “o ensino médio anterior não era bom, é necessário pensar uma reforma do ensino médio, mas de forma democrática, com participação da sociedade, dos professores e educadores. Precisamos revogar o novo ensino médio e depois construir uma educação pública que esteja conectada com a realidade brasileira e com os sonhos da juventude” finaliza.
Mobilização nacional
Nesta quarta-feira (15), a União Nacional dos Estudantes – UNE, União Brasileira das/dos Estudantes Secundaristas (UBES) e Associação Nacional de pós-graduandos (ANPG) convocam atos por todo o país contra o novo ensino médio. O local e horário podem ser conferidos nas redes sociais das organizações.
Maternidade e ativismo: reflexões sobre as potências e desafios da mulher-mãe-militante
Bruna Valença escreve sobre maternidade e ativismo e oferece caminhos para se pensar as intersecções e encruzilhadas da mãe-militante
Por Bruna Valença*
Rede Mães de Luta de MG, que luta contra a violência de estado, realiza protesto em frente a um tribunal de Justiça l Foto: Divulgação via Brasil de Fato
“A mãe é aquele bloco informe e sem face, para o qual ninguém olha; ele não assinala nada, não significa nada e apenas tem a função de manter, sustentar, realçar e glorificar a estátua definitiva – o filho. (Heloneida Studart, 1990)”
Ser mãe em uma sociedade patriarcal onde a maternidade é compulsória, não é uma tarefa fácil, mesmo aquelas mulheres que escolhem o maternar tem suas histórias constantemente apagadas ao se tornarem mães.
Venho de uma família majoritariamente cristã, na qual a maior parte das pessoas que a compõe não foram gravidezes planejadas. A maternidade compulsória na minha família tem o nome disfarçado de “Deus sabe o tempo de todas as coisas”.
Minha mãe engravidou de mim aos 21 anos, e teve que abandonar o ensino médio para se dedicar aos cuidados que uma criança com fissura palatina requeriam, mesmo vivendo em um casamento foi mãe solo, devido a ausência paterna ainda que este residisse no mesmo lar.
Por muito tempo esta era minha maior meta da vida, a fuga da maternidade.
Entrei em uma universidade e abri caminhos para pessoas do meu redor.
Porém, faltando um período para a finalização da graduação, um teste positivo de gravidez veio.
Eu vivi o luto da expectativa de uma vida focada na carreira e escolhi a maternidade depois de gestar.
O ativismo já me atravessava antes de ser mãe, por ter nascido com fissura palatina e defender essa causa e posteriormente com o ativismo climático, questionar o “Status quo” sempre fez parte da minha personalidade e com a maternidade não seria diferente.
A maioria das questões que envolvem a maternidade são invisibilizadas, somos forçadas a acreditar que as violências institucionalizadas são naturais e temos nosso direito de escolha manipulado pela mídia e pelo capitalismo.
Quando falamos em ativismo materno, nos deixamos levar pela imagem de uma mulher-mãe com sua cria em algum protesto, mas o ativismo começa a partir do momento em que eu como uma mulher preta decido colocar outra criança no mundo e educá-la com respeito e amor, no momento em que decidi parir, a me informar sobre as violências do sistema obstétrico, quando nas vacinas mensais insisto pelo meu direito de amamentar e de ser chamada pelo meu nome e não de “mãezinha”.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem mais de 11 milhões de mulheres que são as únicas responsáveis pelos cuidados com filhos e filhas. 63% das casas chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza. Diante disto, o peso do rótulo materno reverbera em muitas esferas do cotidiano e passa a se tornar peça chave nas lutas sociais.
No Brasil, as pesquisas sobre maternidade e militância enfocam campos bastante variados, levantando uma diversidade de discussões (1). Uma questão presente nas pesquisas da década de 1980 dizia respeito à militância de mulheres de camada popular, no período da ditadura militar, demandando saúde, educação e melhor infraestrutura em seus bairros. Nos termos de Sonia Alvarez, “maternidade”, e não cidadania, fornecia o principal referencial de mobilização para participação das mulheres na organização dos movimentos sociais urbanos”.()
A construção do conceito de maternidade
O conceito de maternidade foi construído ao longo da história humana, colocando de lado a figura de poder pela qual a mãe da espécie humana era temida e reverenciada pela misteriosa capacidade de engendrar crianças mas também pelo seu saber, o da experiente coletora de alimentos que sabiamente definia os padrões de partilha dos mesmos (3).
Na Grécia Antiga, a representação da mãe estava praticamente afastada da arte e da religião, e até na mitologia são abundantes as maternidades masculinas, cuja prole nasce de algumas partes da autonomia do macho. Vai longe a poderosa deusa-mãe. As suas descendentes, as deusas gregas, são deusas sem mãe e dominadas pelo pai, Zeus (FIDALGO, 2003).
Na Roma Antiga, de forma similar, a função da mãe também é restrita à maternidade. No entanto, face às elevadas taxas de mortalidade de então, as mulheres conquistam um pouco mais de espaço do que as gregas possuiam.
Na Idade Média, entre o começo do século V e meados do século XV, o exercício da maternidade servil é impulsionado pela religião, por meio da representação de Eva e Maria. A primeira, responsabilizada por toda a origem do mal da humanidade em forma de serpente, e, por isso, predestinada a sofrer as dores do parto e a constante submissão ao marido, como forma de punição e de controle. Maria, ao contrário, representa a proposta de uma nova mulher-mãe, feminina e sem pecado, de inteira sujeição voluntária ao marido, devido ao amor incondicional e não mais escravizante (CANANÉA, 2018).
Assim, a imagem da mulher-mãe transforma-se em mito do amor incondicional aos filhos, como instinto materno, justificando-se pelo ato biológico de parir. Sob esta ótica, a mulher abandona seu eu anterior e passa a desempenhar plenamente o papel de boa mãe, com sacrifícios voluntários em nome dos filhos, total abnegação e autoanulação, em prol da harmonia familiar, leiam-se, filhos e marido (CANANÉA, 2018).
Em resumo, todo poder existente na mãe e na capacidade de gestar e parir, foi apagado ao se instituir o patriarcado (FILDALGO,2003).
O movimento feminista e a subversão do ideal materno
Com o movimento feminista em ascenção a maternidade era considerada mais uma forma de opressão da mulher, uma forma de fracasso. Simone de Beauvoir defendia que “enquanto a família e o mito da família e o mito da maternidade e o instinto materno não tiverem sido destruídos, as mulheres ainda serão oprimidas”.
Passado o impacto da recusa da maternidade vieram perguntas dentro do movimento feminista: “nós (as mulheres) queríamos ser definidas sem a maternidade? Aceitávamos ser mutiladas de uma parte de nossa história, de nossa identidade?” A maternidade passa a ser considerada como um poder insubstituível, o qual só as mulheres possuem e os homens invejam. (4)
A autora Andrea O’Reilly (2010) sugere então que se a maternidade patriarcal caracteriza a criação de filhos com um ato privado e apolítico, a agência materna coloca em primeiro plano, a dimensão político-social do trabalho materno (5).
De qualquer forma, devem-se às pioneiras uma série de conquistas atuais que possibilitem condição de vida mais digna para as mulheres, mães ou não, em meio à sociedade patriarcal, detentora do discurso hegemônico machista. Dentre estas vitórias, estão: oportunidades de escolarização mais elevada e, consequentemente, melhores empregos e maior espaço no mercado de trabalho; direito ao voto; acesso ao divórcio; chance de optar pelo aborto; permissão para viver sua liberdade sexual e profissional, mediante a desconstrução de uma cultura masculina (6).
Maternidade e ativismo: uma oportunidade de empoderamento da mulher-mãe
Nas primeiras décadas do século XXI uma dimensão importante na abordagem acadêmica sobre ativismos maternos têm sido os movimentos de mães de vítimas de violências institucionais (LEITE, 2004; BRITES e FONSECA, 2013) e, em particular, da violência policial perpetrada em nome da guerra ao tráfico (VIANNA e FARIAS, 2011).
Mães de LGBTIQ+ brasileiras têm formado malhas de apoio mútuo e mobilizações políticas desde a década de 1990, a exemplo do Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), criado em São Paulo pela psicanalista Edith Modesto em 1997 (Oliveira, 2013).
Ou, ainda, movimentos pela reivindicação de políticas públicas para filhos com diagnósticos de autismo, que têm uma atuação historicamente importante na garantia de direitos sociais desse grupo (LOPES, 2019).
No movimento ambiental também há exemplos, como é o caso do Parents for Future, que tem sua atuação no Brasil denominada de Famílias pelo Clima, onde a principal missão é inspirar e capacitar os pais a usar sua voz na defesa do clima para que as crianças possam crescer em um mundo com valores de justiça social e ecológica.
A autora Lilian Cananéia traz uma importante reflexão sobre como o ativismo digital contribui para a construção da nova identidade dessa mulher-mãe, trazendo a questão da maternidade para o debate político sem precisar passar por instituições.
“Com as redes sociais a mulher-mãe lança mão de uma nova frente para sua atuação múltipla como ser humano, com vida individual e profissional, transformando os novos instrumentos em recursos relevantes para reforçar suas pelejas diárias e trazer novas temáticas para o debate social.
Tais questões resgatam velhas reivindicações e apontam para uma reconfiguração da postura da mulher-mãe, ou seja, para a ressignificação de sua identidade via ativismo digital.
Nesse momento, a problematização da maternidade ganha fôlego e conquista espaço. A mulher-mãe apropria-se do mundo virtual e institui, com força total, um novo espaço de luta para potencializar suas reivindicações não somente na esfera privada. Vai além e coloca no âmbito público, questões antes exclusivas do espaço privado: família, sexualidade, trabalho, divisão de tarefas em casa, cuidado com as crianças, oferta de creches para filhos pequenos, etc. (CANANÉIA. L, 2018).”
A luta por direito à terra, à saúde materna, contra o racismo e a favor das orientações sexuais das mulheres tornam-se efervescentes até atingir o que podemos chamar quarta “onda” do feminismo, desta vez, marcada pelo ativismo digital (CANANÉIA. L, 2018).
A autora Leticia Abella (2016), sugere em seu livro “Redes sociais e empoderamento cidadão” – que surgimento das novas tecnologias de comunicação contribuiu bastante para que os cidadãos que não encontravam espaço nas mídias tradicionais passassem a utilizar tais tecnologias como instrumentos de mobilização social, “sem a necessidade de aprovação dos setores poderosos” (Abella, 2016, p. 93). Dessa forma, abrem-se portas para formas de expressão de caráter mais horizontais, nas quais a informação possa ser circulada “através de um fluxo mais livre entre as diferentes esferas da sociedade” (Abella, 2016, p. 94). Pode-se então concluir que “a evolução das mídias tem colaborado na formação de um novo cenário de mobilizações sociais: aquelas que são geradas a partir de intercâmbios na rede” (Abella, 2016).
Este intercâmbio de rede trouxe Sabrina Cardoso para o ativismo, uma mulher negra, carioca de Irajá, meio paulista, mãe da Maya, formada em Desenho Industrial, com MBA em Design Estratégico pela ESPM. Trabalha como Designer de serviços públicos no Instituto Tellus e atua como mobilizadora voluntária na Embaixada Rio-Niterói na Politize!.
Ela se iniciou no movimento através da Politize e da Casa Fluminense o que acabou reverberando no seu trabalho onde ela passou a fazer parte do Comitê de Diversidade. Para ela estes movimentos foram fundamentais para que a mesma se empoderasse como mulher e entre outros pontos escolhesse a maternidade. A mesma afirma também que:
“A criança com uma mãe ativista, que tem essa concepção clara de como é fazer uma educação antirracista, com todos os pilares, de gênero, classe e o que for para falar de ativismo, tem mais chance de crescer e se desenvolver rompendo o ciclo de violências reproduzido pela sociedade. Falando do meu recorte que possui família e rede de apoio, a gente também trava uma luta familiar, para conseguir convidar a família/rede de apoio a se adaptar e repensar atitudes estruturais que estão impregnadas na nossa cultura …”
O ativismo digital materno vem sendo uma importante estratégia de mudança da imagem da mulher-mãe e sendo um potente recurso de cobranças por políticas públicas, como por exemplo o Projeto de Lei (PL) 2647/2021 que busca incluir o cuidado doméstico como trabalho capaz de contribuir para a aposentadoria.
Porém, o discurso que permeia o ativismo materno das redes sociais ainda é majoritariamente branco, que poderia ampliar seu potencial inclusivo pela incorporação de perspectivas provenientes do feminismo interseccional, por exemplo, reconhecendo a multiplicidade das diferentes realidades de classe, raça, orientação sexual, entre outros elementos envolvidos no ser “mãe”.
“Muitas mulheres, especialmente mulheres brancas privilegiadas, deixaram de considerar as visões feministas revolucionárias à medida em que começaram a adquirir poder econômico dentro da estrutura social existente. Nos círculos acadêmicos, o pensamento feminista foi abraçado e progrediu. Porém, frequentemente, esse pensamento não se tornou disponível para o grande público. Ele se tornou e continua a ser um discurso privilegiado e direcionado a aqueles que são altamente letrados, bem educados, e, de forma geral, privilegiados também em termos materiais” (BELL HOOKS. 2000, p. 5)3.
Enquanto ativistas mães brancas tratam de assuntos como violência obstétrica, licença maternidade e cultura do desmame. Mães pretas, pobres, indígenas têm seus filhos como alvo do Estado, e se tornam ativistas não por escolha mas por fatalidade.
Ela que é mãe do Otto de 7 anos, já viveu uma maternidade solo e hoje vive uma maternidade dupla com sua companheira. Sobre como a maternidade atravessou o ativismo, Bia afirma que intensificou:
“Quando a gente é mãe seja de qual forma, parindo, gestando ou adotando, a gente deseja o melhor para os nossos filhos. Então intensificou aquilo que eu já acreditava e me deu coragem e para botar a mão na massa e ser mais ativa e proativa nas ações e na vida. Na época que meu filho nasceu na maternidade solo e agora em maternidade dupla com a minha companheira Viviane, com duplo ativismo enquanto uma mulher indígena casada com uma mulher negra. A criatura criança filho no meio do ativismo eu acho que dá esse sentido dá sentido, dá significado e caminho e ao mesmo tempo.”
Concluo com a fala de Bia Pankararu que traz uma reflexão importante sobre a rede de apoio da mulher-mãe-ativista ser majoritariamente feminina.
“Para uma mulher mãe ocupar esses espaços, alguém ficou com essa criança e muitas vezes a gente não tem uma rede de apoio que possa que a gente possa contar. Quando se tem essa sorte, geralmente têm uma rede de apoio de mulheres. Então essa criança fica com a avó, com a tia… Enfim, são ciclos de gerações de mulheres que são negados a ocupar espaço de poder, liderança, espaços de protagonismo nos movimentos e nas pautas mais diversas em decorrência da maternidade”.
*Bruna Valença é uma mulher negra de pele clara, nascida e criada em Santa Cruz, na Zona Oeste e periferia do Rio de Janeiro (RJ), tem 23, é mãe do Teodoro e ativista socioambiental. Se formou em Engenharia Florestal pela UFRRJ e em Técnico em Meio Ambiente pelo SENAI.
(1) FINAMORI. S. “ATIVISMO MATERNO E “MATERNIDADE SOLO” Florianópolis, 2021, ISSN 2179-510X
(2) ALVAREZ, Sonia E. Engendering democracy in Brazil. Women’s movements in transition politics. Princeton: Princeton University Press, 1990. 320 p
(3) FIDALGO, L. (Re)construir a maternidade numa perspectiva discursiva. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
(4) SCAVONE. L. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Dossiê: Feminismo em Questão, Questões do Feminismo • Cad. Pagu (16) • 2001
(5) Encyclopedia of Motherhood Sage Publications, Inc., First Edition, April 6 2010.
(6) CANANÉA. LMATERNIDADE EM PAUTA: REFLEXÕES SOBRE ATIVISMO DIGITAL E SUA RELAÇÃO COM A COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO. Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa, v. 8, n. 3, p. 20-39, set./dez. 2018
Referências
BRITES, Jurema; FONSECA, Cláudia. As metamorfoses de um movimento social: Mães de vítimas de violência no Brasil. Análise Social, Lisboa, n. 209, p. 858-877. Dezembro/2013.
BEAUVOIR, Simone de; FRIEDAN, Betty. Sex, Society andtheFemaleDilemma: a Dialogue Between Simone de Beauvoir and Betty Friedan. Saturday Review,(p. 12-21), 14 de junho de 1975. p. 20. Disponível em: <https://bit.ly/2NnOrSI>. Acesso em 13 jan. 2020.
OLIVEIRA, Leandro. 2013. Os sentidos da aceitação: familia e orientação sexual no Brasil contemporâneo. Tese de Doutorado. Museu Nacional, Programa de cialid Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
BONETTI, Alinne. Para Além da “Maternidade Militante”: Mulheres de Base e os Ativismos
Cadernos do LEPAARQ, Pelotas-RS, v. 4, n°7/8, p. 81-102. Jan/Dez 2007.
MEDRADO, Andrea; MULLER, Ana P. Ativismo digital materno e feminismo interseccional: Uma análise da plataforma de mídia. Braz. journal. res., Brasília- DF, v.14, n.1, p.184-211, abril/ 2018.
MEYER, Dagmar E. Estermann. A politização contemporânea da maternidade: construindo um argumento. Revista Gênero, Niterói, v. 6, n. 1, p. 81-104, 2005.
LEITE, Márcia Pereira. As mães em movimento. In BIRMAN, Patrícia & LEITE, Márcia (org). Um Mural para a Dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2004
LOPES, Bruna Alves. Não Existe Mãe-Geladeira. Uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019). Ponta Grossa, 2019. 289 p. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Ponta Grossa (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas).
VIANNA, Adriana; FARIAS, Juliana. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. Cadernos Pagu, Campinas, n. 37, p.79-116, 2011.
Leia o “Dez por Cento”: box com 6 livros debate Paulo Freire, aprendizagens e militâncias
Escola de Ativismo lança box com conversas de seminário celebrando os dez anos da escola e o centenário de Paulo Freire
Os dez anos de Escola de Ativismo, por uma feliz coincidência, foi comemorado no mesmo ano do centenário do nascimento de Paulo Freire, em 2021.
Para celebrar tal coincidência, a Escola de Ativismo promoveu a série de encontros, agora transformadas em livros, batizados de “Dez por Cento – 10 anos de Escola de Ativismo, 100 anos de Paulo Freire”. Neles, convidamos, educadores, pesquisadores e ativistas para pensar as relações entre ativismo e educação. Foram seis conversas, que foram transcritas, revisadas por suas autoras e seus autores e publicadas em um box especial.
Ainda que Paulo Freire tenha sido o motor que dinamizou o processo, as companheiras e os companheiros trouxeram contribuições e perspectivas muito próprias. Com isso, pudemos ouvir um número elevado de referências, de práticas, de pensamentos que multiplicaram, e muito, as nossas formas de pensar e agir.
De forma que é um prazer compartilhar isso com vocês agora. Quem quiser acessar, pode clicar aqui abaixo e fazer o download de cada um dos livros:
- Romualdo Dias, com Influências de Paulo Freire em nossas trajetórias
- Jorge Larrosa, com Educação, Estudo e Ativismo
- Alessandra Munduruku, com Onde tem a sombra de uma árvore, está a Escola de Ativismo
- Madalena Freire, com Entre Escolas e Ativismos, uma aula com Madalena Freire
- Silvio Gallo, com O professor militante
- Dyarley Vianna, com Paulo Freire: por uma pedagogia preta
Ah, e todas estas falas e conversas estão disponíveis no canal do YouTube da Escola de Ativismo (que você pode acessar clicando aqui). Os livros também estão disponíveis para venda online e em livrarias!
Bons aprendizados, boas ensinanças, boas lutas e boas leituras!
Como uma comunidade pode comemorar o aniversário de um rio e impedir sua destruição
Quando morre uma criança — e quando morrem 570
“Se algo der errado com uma criança, a responsabilidade é de todo mundo”, lembra Luh Ferreira, da Escola de Ativismo, ao falar sobre o genocídio Yanomami.
Foto: Leonardo Prado/PG/FotosPúblicas/2015
z tempo que venho querendo escrever sobre esse assunto. Mas, as palavras costumam faltar quando o embolamento no peito, a ausência de compreensão e a indignação são grandes.
Passei este final de semana na companhia de algumas crianças. O mais novo tinha cerca de 9 meses. A do meio seis anos e a mais velha nove.
Brincamos um monte, demos risada, pulamos, cuidamos de um, corremos de outro.
Comemos bala, chupamos sorvete.
Foi uma tarde de tempo suspenso. Digo isso em oposição ao tempo cronológico, parado e dedicado às tarefas que ocupam nossa vida. Um tempo suspenso que faz tudo ser vivência, voltado para a experiência e a amizade entre uma pessoa adulta e três crianças.
Após esse tempo que deve ter durado umas quatro horas de tempo cronológico, retornei a casa e para as minhas atividades, para me dedicar aos velhos problemas que por este tempo ficaram esquecidos, em sobrevoo por entre as bolhas de sabão que a do meio soltava, para encanto do irmão, o bebê.
Retornei aos meus afazeres, mas não consegui voltar a velha Luh de antes…
Uma onda de alegria, de fé na vida, de confiança, de ideias mil invadiram meu corpo e me vi cantando e dançando na sala de casa uma música da banda Gilsons:
Vou levando eu vou, no swing vou levar, espalhando amor, vou já
Anda leve eu vou… caminhando pela cidade, andar leve eu vou sem me preocupar..
E aí me deixei levar por essas sensação por uns instantes.
E percebi que a intensidade da infância que havia me tomado, um devir-infância abriu uma fresta radiante no meu corpo opaco.
A sensação me lembrou das crianças indígenas, que para mim são um sinônimo de alegria sem fim…
Pra quem já foi a alguma aldeia vai saber que é um ambiente dominado por risos e gritarias de crianças. Elas com seus olhos grandes e curiosos, observam tudo, acompanham todos, sabem de quase tudo que se passa, estão ali sempre à espreita em busca do novo!
Em busca da novidade que as alimenta, assim como sobem nos pés de fruta em busca da que está mais distante das mãos, e provavelmente mais saborosa.
Foi observando as crianças de uma aldeia no Mato Grosso que descobri o melhor lugar para se banhar em um rio. Foi andando com as crianças de uma aldeia no Pará que aprendi a observar o rastros dos animais na mata e saber sua localização, a não ter medo deles, mas tê-los como aliados.
Foram as crianças de uma aldeia no Amazonas que me mostraram que a vida é uma brincadeira, e se você não acredita, é um tolo.
Então estar com as crianças significa renovar o sentido, significa deslocar a rota para observar aquilo que realmente importa.
Cuidar de uma criança nos devolve o sentido de humanidade.
A gente se lembra o que veio fazer aqui nesse mundo, se lembra que viemos aqui para apoiar, pra torná-lo melhor, mais vivo…
É por isso que ao me deparar com a situação de extrema calamidade vivenciada pelos Yanomami da região de Roraima, fiquei sem ar. Sem fôlego. Imaginei que as cenas que vimos e vivenciamos ao longo destes quatro anos já teriam sido o bastante. Mas não…
A tragédia estava anunciada, e estamos verificando a concretização deste desespero absurdo que é a perda de 570 crianças, a morte de 570 mundos!
Em outubro de 2021 me recordo da notícia de duas crianças Yanomamis que foram dragadas quando brincavam no rio, nesta mesma região em Roraima. Elas estavam com uma prancha, certamente brincando e aprendendo a nadar, a lidar com as correntezas fortes desde muito cedo, para pescar e se deslocar pelo rio com destreza quando forem adultos.
Tiveram sua brincadeira interrompida, por máquinas que nunca deveriam estar ali, por pessoas que ocupam o território ilegalmente levando doenças, produtos nocivos à saúde e destruição.
É de arrancar o coração do peito ver as crianças Yanomami no estado que estão — e não duvido que outras crianças indígenas estejam também em proporcional vulnerabilidade no Brasil. Infelizmente estávamos sob o comando de um genocida, agora mais que comprovado. O projeto de extermínio foi colocado em prática pelo Estado Brasileiro, não há dúvidas.
Costumo dizer na minha família que se alguma acontece com alguém mais novo que a gente, a culpa é de todo mundo, de todos os mais velhos que estavam ali para cuidar de um mais novo.
Se algo der errado com uma criança, a responsabilidade é de todo mundo.
Espero que o aparato disponibilizado para socorrer os Yanomami funcione e torço para que haja a possibilidade de corrigir o mal feito e que os indígenas possam criar as suas crianças e viver com dignidade e autonomia.
De todo modo, chamo a atenção para as infâncias.
Elas são sim capazes de reencantar o nosso dia, e muito mais do que isso, elas são as responsáveis pela renovação do mundo.
Se não tivermos as crianças por perto e junto conosco, não há mundo porvir — para dialogar com Debora Danowiski e Eduardo Viveiros de Castro no livro que lança esta minha afirmação como pergunta: “Há mundo porvir? Ensaios sobre os medos e os fins” (2014).
Finalizo este texto com Hannah Arendt em “A Condição Humana” (1977), que nos chama a atenção para a responsabilidade com o mundo e com a renovação dele, ao cuidarmos e apresentarmos o mundo às crianças, estando com elas nessa empreitada.
“A educação é a posição em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumir a responsabilidade por ele, e pela mesma razão, salvá-lo da ruína que a não ser pela renovação, a não ser pela vinda do novo e dos jovens, seria inviável. E a educação é também quando decidimos se amamos nossos filhos o bastante para não expulsá-los de nosso mundo e deixar que façam o que quiserem e que se virem sozinhos, nem para arrancar de suas mãos as mudanças de empreender algo novo, algo imprevisto por nós.”, HANNAH ARENDT (1977, p. 196)
—
Por Luh Ferreira, da Escola de Ativismo
E se você quisesse fazer um projeto de lei acontecer?
Aquário
Por Luh Fereira
Tenho neste início de ano e em férias, me dedicado a estudar os astros… não a toa, Chico Buarque e a canção Dueto, têm inspirado esta minha empreitada “Consta nos astros, nos signos, nos búzios…”
Com Sol em Sagitário, e a Lua em Peixes tenho gostado de analisar as imagens a simbologia dos signos e dos planetas regentes. A metade cavalo, metade humano do sagitário, nos inspira a galopar por aí à passos largos, firmes nos propósitos, nada é capaz de detê-lo, exceto ele mesmo… rs!
Pois a metade humana, que confere o centauro, é racional, tende a domar o corpo animalesco, frear sua gana por desbravar o mundo… dilema que nós Sagitarianes vivemos em nosso dia a dia!
Seguindo o mapa descobri o meu ascendente, que é como se fosse a nossa máscara, como a gente se apresenta ao mundo: Aquário.
É também o signo do próximo período de 21 de Janeiro à 18 de Fevereiro, signo de muitos ativistas, os revolucionários, criativos… de uma porção de gente que eu conheço e amo <3!
Mas antes de falar sobre o signo, quero pensar na sua representação gráfica, que sempre achei um tanto curiosa.
O aquário que conhecemos é um recipiente, na maioria das vezes transparente, em vidro, redondo, quadrado ou retangular… cheio de água, as vezes plantas, animais aquáticos quase sempre peixes que vivem ali debaixo d’água, em ritmo de respiração branquial. Isso pra mim, é um aquário.
É possível passar todos os dias por um aquário e acreditar que nada esteja acontecendo. Que tudo esteja muito bem, água, plantas, peixes nadando pra lá e pra cá… bolinhas… movimento.
Tá tudo se mexendo, mas dá a sensação de que está tudo parado.
Até que um dia, aparece um sujeito boiando lá dentro.
Ele o aquário está ali recebendo a vida, tentando organizar tudo para que as coisas fiquem bem. Acolhe, dá aconchego e mantém o meio liquido minimamente equilibrado para seus habitantes.
Eita, mas e aí ninguém cuidou do aquário…
Aí a gente se dá conta de que o aquário exige cuidado.
Então diante da morte de um peixe, a gente passar a cuidar do aquário de maneira diferente, começa a perceber que ele sozinho não vai dar conta de tudo, que ele não é auto limpante, que a água precisa ser trocada de tanto em tanto tempo, realizar a limpeza dos fluídos e dos fluxos é super importante!
Que a temperatura da água influencia na saúde física e mental dos peixes e das plantas. E principalmente que o aquário dá sinais de quando está entrando em colapso… Então é preciso estar atento e agir quando necessário.
A sua transparência serve exatamente para dar a ver, aquilo que não vai bem.
Olhando para esta imagem do aquário, sinto que podemos fazer uma porção de paralelos com diferentes ecossistemas que estão a nossa volta. Uma casa, uma roça, uma horta, um viveiro, o próprio planeta Terra poderia ser visto como exemplos de aquário, não é?
Agora voltemos ao Aquário, signo. E quais paralelos descobri nestes estudos astrológicos…
O signo de aquário é simbolizado por duas ondas paralelas em movimento é diferente do objeto aquário, um recipiente.
Trata-se de um aguadeiro em ondas, o sobe e desce da vida. Uma onda acompanha a outra, como se uma dependesse da outra, como se fosse o sujeito e o coletivo em sincronia com o movimento da vida, no mundo. Um signo que tem o todo, a humanidade como força impulsionadora de suas ações.
São progressistas, contemporâneos, pensam à frente de seu tempo, visionários e principalmente são livres! Presam a sua liberdade de viver e pensar, e a liberdade do outro… as ondas síncronas aliadas da diferença.
Pensam em tantas coisas que até esquecem de si mesmos… né?
Então pessoas de aquário, são atentas ao coletivo, ao cuidado com o mundo, talvez por isso tantos ativistas sejam de Aquário – ô sorte!
Acho que gente nunca esteve tão necessitado de pessoas de Aquário como agora. É tempo de revolução, de visão de futuro, energia, de invenção, de reconstrução!
Tudo o que a gente mais precisa nesse inicio de ano.
Esse é o toque, o chamado pra que a gente cuide desse nosso aquário em colapso chamado planeta.
O aquário precisa de Aquários! Aquarianes, uni-vos!
Não pode haver anistia aos crimes contra o povo
“Ao atingir o coração da república, suas obras de arte, seus símbolos, que a sociedade branca hipócrita perceba o quão injusta e racista é”, diz Luh Ferreira, da Escola de Ativismo.
Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Estava na rua com amigos quando soube que estavam quebrando os prédios da Esplanada.
Primeiro pensei: uai?
Mas será que o Lula fez alguma coisa e tá rolando jornadas de junho replay?
Será que ocorreu alguma morte na favela?
Qual criança, jovem, mulher, cadeirante morreu para causar essa revolta?
Será alguma liderança indígena ou quilombola?
Algum Sem Terra?
Terá algum pobre, preto portando um vidro de pinho sol, confundido com algum liquido inflamável, sido violentado e morto?
Será que foi um motoboy asfixiado no porta malas de uma viatura policial?
Não, em nenhuma dessas situações ocorreu um quebra quebra nos prédios da Esplanada.
Mas, penso “Com certeza deve estar rolando uma guerra lá, pois é muito difícil chegar perto desses prédios”.
Frequento Brasília há muitos anos. E a única vez que vi uma galera chegar até a cúpula do Congresso Nacional foi em 2013. Eram muito mais de quatro mil, eram cerca de duzentas mil pessoas e a polícia seguia ali protegendo os prédios que são também obras de arte, símbolos da democracia e da ordem institucional.
O Congresso foi tomado aquele dia, ocupado. Mas nem de longe os que lá estiveram queriam destruí-lo.
Também acompanho o Acampamento Terra Livre (ATL), atividade que ocorre todos os anos em abril no Distrito Federal, organizado pelos povos indígenas, articulações e organizações indigenistas. E independentemente do governo, sendo ele progressista ou não, à direita ou a esquerda, é sempre muito complicado se aproximar destes prédios. Entrar, então… é quase impossível.
Então, as dúvidas que pairavam sobre a minha cabeça quando vi as cenas de invasão nos prédios da Esplanada, me faziam crer, sem ter muitas informações, que aquilo ali era um grande armazelo.
Aquilo ali era o famoso “com o Supremo, com tudo” mas agora “com governo do DF, com polícia, com tudo” acontecendo.
E aí eu só pensava: quero ver como é que o Lula e a Janja (que já estava indignada com a situação pavorosa do Alvorada…) ia fazer. Eu só queria ver o que o Supremo ia aprontar com tamanha desfaçatez, explicitamente conivente dos poderes de governo e de policia do DF.
Bem, me parece que as providencias foram tomadas: intervenção de 30 dias no DF com um pronunciamento firme do Lula; STF pediu afastamento do governador (com cara de mentecapto); pedido de prisão de secretario de segurança pública do DF (em férias juntinho do dementador ex-presidente e futuro presidiário), pedido de prisão de policiais que foram coniventes com o ataque. E… até agora, mais de 400 cabeças de gado devidamente detidas nos currais, também conhecidos como delegacia ali de Brasília.
É o mínimo que se espera.
É o mínimo, pois quero obviamente que esse ataque seja visto como atrocidade, como ato de brutalidade, violência, como ato de barbárie, desumanidade, monstruosidade. A democracia não pode ser atacada com tamanha orquestração por uma minoria, baixa e vil, como esta.
Mas espero que para além disso, reflitamos sobre outros elementos. Ao atingir o coração da república, suas obras de arte, seus símbolos, a sociedade branca hipócrita perceba o quão injusta e racista é. Todas as vezes que reprime violentamente os trabalhadores que reivindicam direitos, ou quando indígenas exigem a defesa de seus territórios, ou quando a favela desce e diz: “Chega! Nós queremos viver” e é alvejado por bombas e tiros.
Chega de hipocrisia e de tratamento diferenciado ao povo deste país.
Não pode haver anistia aos crimes cometidos contra a soberania popular.
—
Por Luh Ferreira, da Escola de Ativismo
2023 é quase 2003
2023 é quase 2003.
Acordei neste 1 de janeiro de 2023, com a sensação de já ter vivido este dia.
Como pode?
Comecei a escavar essa sensação. Talvez por estar aqui na casa da minha mãe, no quarto de cama estreita onde passei boa parte da vida. Talvez por sentir o cheio do café que minha mãe sempre faz antes que eu acorde, não importa o horário, eu acordo e ela está sempre lá com a mesa posta.
Talvez por estar na companhia dos meus livros, dos meus discos, dos meus diários… das coisas e das lembranças que me fizeram.
Não era só isso.
E como uma clarão na memória, me veio o dia 1 de janeiro de 2003.
Tinha acabado de fazer 19 anos, terminei o magistério, formatura, votado pela segunda vez na vida e desta vez em uma eleição presidencial. Eu tinha também meu primeiro emprego.
Na Rádio metropolitana AM 1100, experimentava viver uma vida de “jornalista”.
Infelizmente o locutor e dono da rádio não gostava muito dos meus textos. E não dava muita bola para lê-los durante a programação, era ainda uma aprendiz e naturalmente a rádio tinha muita gente boa e experiente como colunista.
Mas naquele dia 01 de janeiro foi diferente.
O meu pai costumava me levar até a rádio para me ajudar a abrir tudo para o programa que entrava no ar as 4h da manhã. E neste horário a rua ainda estava bem vazia.
Ele tinha o hábito de me deixar lá e voltar escutando a programação para conferir que havíamos preparado, as musicas, as simpatias de ano novo, as dicas de lazer… Ele ficava atento pra ver se algum dia os locutores finalmente leriam meus textos, para além de mais um dia ficar somente ali nos atendimentos ao telefone e na mesa de som.
Meu pai me deixou na rádio, sem saber direito se eu tinha um texto para aquele dia.
E se tinha, qual seria o tema?
Ano Novo vida nova. Esperança de melhores dias. Saúde e paz para a cidade de Mogi das Cruzes e região?
Nada disso.
Naquele dia o texto tinha o titulo “Bandeira vermelha na mão, sorriso branco na cara” e falava sobre o clima da posse do Presidente Lula. E para minha surpresa…
O locutor principal abriu a programação dizendo assim:
“Muito bom dia queridos ouvintes! Feliz ano novo… blá blá blá…
Hoje é um dia especial, pois temos um novo presidente, um presidente do povo, metalúrgico, não é Luciana?
Metalúrgico como o seu pai certo?
A Luciana está aqui nos ajudando com a mesa de som e no atendimento ao telefone que você conhece, e ela escreveu um texto muito especial, que eu vou ler aqui para vocês!”
E aí, foi!
Eu comecei a chorar muito! Fiquei emocionada porque ali naquele texto eu buscava descrever como seria posse do Lula.
As pessoas de bandeira em punho lá em Brasília, muita muita muita gente na rua…
O sorriso no rosto e a confiança de que o governo seria tudo o que a gente queria, o que a gente sonhava. As pessoas se abraçando e cantando as musicas da campanha, o povo tomando conta, ocupando o espaço todo do gramadão.
Imaginava a gente assistindo a posse pela TV muito feliz, pois o meu pai, e meus tios eram companheiros lá do ABC.
A alegria dominava a sala de casa!
Mas a gente também sentia medo.
Será que o Lula vai subir mesmo a rampa? Será que vão matar o Lula? Será que vai ter alguma pataquada?
É minha gente, não era 2023 não… era 2003 mesmo. E isso passava muito por nós.
O meu pai imediatamente depois da leitura do texto, me ligou lá no telefone da rádio:
“Lu, o cara leu o seu texto hein! Parabéns para você e para o Lula!”
Pô e quem era eu né?
O Lula era o Presidente!!!!!! rs…
Mas pro meu pai, eu tinha marcado um gol, e era um gol na copa que o Lula tinha ganhado e tava levantando a taça!!!
Esse dia aí foi bonito demais.
São 20 anos, e nem parece, porque tá tudo igual, mas tá tudo diferente.
Eu, fiz duas universidades, mestrado, doutorado tudo com apoio do governo Lula.
Abandonei a carreira no rádio e me tornei educadora apaixonada…
Nunca deixei de escrever.
Lula esteve presidente por dois mandatos.
Ajudou a eleger Dilma! Primeira mulher presidenta do Brasil, e que mulher!
Em 2013 meu pai faleceu… ô ano complicado tem gente estudando até hoje!
De lá pra cá, foi tristeza a luta.
A Dilma caiu…
O Lula foi preso e o povo não queria deixar! Eu tava lá!
Vi o que parecia ser o fim do PT.
Vi o Brasil eleger um fascista, nojento.
Chorei
Chorei
Chorei
E aqui estamos de pé.
Derrotamos a mediocridade, os inimigos do Brasil, de mãos limpas, olho no olho, na campanha, no voto do povo pobre.
Me lembro do discurso do Lula em 2003:
“O Brasil conheceu a riqueza dos engenhos, das plantações de cana de açúcar, mas não venceu a fome.
Proclamou a independência, aboliu a escravidão mas não venceu a fome.
Conheceu as riquezas das jazidas de ouros em Minas Gerais e da produção de café no vale do Paraíba, mas não venceu a fome”
Se Lula quiser, pode repetir esse discurso nesta posse sem nenhum problema, pois nesses últimos quatro anos voltamos a este Brasil.
Mas o Lula não é o mesmo. O Brasil também não é o mesmo.
Nós também não somos as mesmas, mas seguimos de “Bandeira vermelha na mão e sorriso branco na cara”!
Escrevo nesta manhã acreditando, que é possível que tudo esteja acontecendo novamente, só que muito melhor, pois aprendemos muito de lá pra cá… pois estamos com calos vivos nas mãos.
E prontas para reconstruir tudo!
2023 será ainda melhor do que 2003.
Brumadinho: escolas e o ‘silêncio pedagógico’ da mineração
Por Izabella Bontempo
4 anos depois do rompimento da barragem na bacia do rio Paraopeba, tema da mineração ainda não faz parte do processo pedagógico das escolas
“A partir desse silenciamento pedagógico é necessário a pedagogia da lama, que fala da esperança da reparação integral como essa alternativa de resistência”, dia Ranuzia Netta, coordenadora da AEDAS |Foto: Mídia NINJA
No dia 25 de janeiro de 2023 completam quatro anos do crime da Vale em Brumadinho. O rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão atingiu 25 municípios ao longo da bacia do rio Paraopeba. O crime matou 272 pessoas e, dessas, 3 ainda não foram encontradas. As consequências seguem para todo o município, e nas escolas não é diferente.
As pesquisadoras da Faculdade de Educação da UFMG, Maria Isabel Antunes-Rocha e Adriane Cristina Hunzicker, discutiram o conceito de “silêncio pedagógico” a partir de projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos com professores que atuam em escolas de municípios atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão.
De acordo com Maria Isabel, os pesquisadores observaram que as escolas tinham dificuldades em lidar não só com o tema do rompimento, mas também com o tema das práticas minerárias. “Mesmo nas regiões que são diretamente impactadas com o rompimento até as que podem ser impactadas a longa distância, as escolas discutem o tema da mineração de uma forma muito simplificada, o que não permite que crianças e jovens compreendam suas consequências” afirma. A isso dá-se o nome “silêncio pedagógico”.
A professora titular da Faculdade de Educação explica também que o silêncio pedagógico inclui os fatores antes do rompimento, na abordagem sobre a mineração, no rompimento e depois, no processo de revitalização do desastre. “Em Brumadinho esse problema ainda é agravado pelo luto, então o silêncio pedagógico se reveste em vários fatores” explica.
A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS), Assessoria Técnica dos atingidos pelo crime da Vale na bacia do rio Paraopeba, que atua nas regiões 1 e 2, levantou dados a partir dos espaços participativos com os profissionais da educação, da área temática de Educação e Serviços Socioassistenciais, onde aponta alguns eixos a partir dos danos causados pelo rompimento da barragem. São eles o direito à informação e à reparação justa, dano ao projeto de vida, dano ao ensino e condições de aprendizagem, danos aos usos e estruturas de bens coletivos, danos morais e perdas imateriais.
De acordo com Ranuzia Netta, coordenadora na Região 2 da equipe de Educação e Serviços Socioassistenciais da AEDAS, “a partir desses eixos, fica evidenciada a perda do acesso à escola, aumento do fluxo de caminhões e outros veículos perto das instituições de ensino, falta de estrutura para a educação integral e necessidade de alteração do projeto politico pedagógico”, complementa.
Celeste Miranda, professora do Ensino Fundamental 2, na Escola Municipal Padre Machado, em Brumadinho/MG, conta que em 2019 os educadores tinham que lidar com a dor do crime, de perder parentes próximos, amigos e conhecidos, mas também com os alunos que perderam os pais, por exemplo. “Os alunos tinham acompanhamento psicológico, têm até hoje, mas a gente não podia falar sobre o crime de jeito nenhum, era como se você tivesse revivendo aquilo para esses alunos que estavam lidando com o luto” relembra.
Ranuzia aponta também o conceito da “pedagogia da lama”, do poema “As professoras e a Pedagogia da Lama” autoria de Alessandra Bernardes Faria Campos, professora que atua com a temática da educação e mineração. “A pedagogia da lama faz relação com a Pedagogia da Indignação e a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, e reconhece e denuncia as situações que negam a relação humana a partir do modelo de mineração no Brasil. A pedagogia da lama é um ato de resistência e também um ato de esperança” completa.
A partir da compreensão de que processo educativo se dá também nas relações sociais, políticas e econômicas, José Geraldo, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Brumadinho, afirma que um crime dessa proporção afeta todas as relações daqueles municípios que foram atingidos ao longo da bacia, e por isso afeta diretamente os processos educativos. “A população ali tinha uma relação de lazer com o rio, indo no final de semana nadar e pescar, tinham uma relação com a água que vinha direto irrigar a horta, e vários outros pontos como saúde e renda. Com todos esses eixos abalados, como não ter um processo educativo atingido?” indaga.
Além disso José Geraldo lembra as relações das empresas com as escolas: “é muito comum que grandes empresas tenham relações diretas com as escolas dos municípios onde elas estão, na maioria das vezes o município inteiro depende das atividades da mineração. Emprega a maioria das pessoas e também participa do processo de educação nas escolas com exposições sobre educação ambiental, sempre de forma muito favorável, é claro. Infelizmente, essa é a realidade da maioria dos municípios mineriodependentes em Minas Gerais” relembra.
A coordenadora da AEDAS, Ranuzia Netta, comenta que o que o ficou muito destacado nos espaços participativos são vítimas cuidando de vítimas. “O silêncio pedagógico perpassa todo o processo escolar. Pensar uma metodologia para a aula, uma atividade nova para os alunos, em tudo há esse silenciamento em relação à prática minerária e seus impactos como um todo. A partir desse silenciamento pedagógico é necessário a pedagogia da lama, que fala da esperança da reparação integral como essa alternativa de resistência” relaciona.
“Eu acho que Brumadinho nunca mais será o mesmo, nós não conhecemos ninguém, a cidade está cheia e ao mesmo tempo não preenche. Os meninos sentem isso também, o não pertencimento à cidade, é como se ela não fosse mais nossa. Onde você anda, vê resquícios da barragem” finaliza a professora Celeste Miranda
