Por Vitória Rodrigues de Oliveira*

Desenho do Palácio do Planalto

Aulas perdidas, momentos interrompidos, notas tristes. O início do meu ensino médio na Escola Politécnica da Fundação Oswaldo Cruz, localizada em Manguinhos, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, foi um tanto conturbado. Imaginei, de início, que por ser uma escola federal difícil de ser admitida, problemas externos também não chegariam até lá tão facilmente. A tola Vitória de 14 anos de idade estava completamente enganada, isso por dois motivos: (1) acreditei que pela escola ter uma infraestrutura excelente, a violência não seria uma questão; (2) pensei que os problemas lá de fora não fossem uma questão por passar o dia inteiro lá, de 8h às 17h.

O triste dessa história é que não rolou apenas uma ou duas, mas várias vezes das minhas aulas serem interrompidas por conta de operações policiais contra o tráfico de drogas da região. A coisa é que 2019 não foi nem o pior ano de interrupções de aulas lá na escola, mas o choque foi grande, já que foi o ano que entrei. Logo no meu primeiro dia, durante a Semana dos Calouros, a gente teve que ficar no auditório para além do esperado para ninguém acabar ferido por bala. Ao menos duas vezes um ônibus da Fundação levou eu e meus colegas para a estação de trem mais próxima, visto que a gente não poderia pegar o trem em Manguinhos. Isso porque, além do ramal Gramacho ter as suas operações paralisadas, a estação é elevada e toda aberta. Até julho, Manguinhos foi a parada que mais sofreu com tiroteios, contando com 18 paralisações.

Naquele ano, segundo o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, 74% das escolas públicas da rede municipal de educação do Rio de Janeiro tiveram ao menos um tiroteio em seu entorno, todos estes com o envolvimento de agentes de segurança pública. Estava tudo muito difícil e eu sentia que pouco poderia mudar, só que vi um bonitão (um alô para o Tiago Lopes Marques caso ele esteja lendo isso) da minha escola, em pleno segundo ano do ensino médio, fazer um Projeto de Lei (PL) que definia requisitos básicos para que alguém assumisse o cargo de gestor de uma unidade do Sistema Único de Saúde. Aquilo fez muito sentido pra mim, ainda mais se tratando de alunos do curso técnico de Gerência em Saúde, uma área tão necessária, mas tão desvalorizada.

Sabendo daquilo, eu resolvi que era hora de eu também tentar fazer um projeto e, como o Tiago, ser deputada jovem. O Parlamento Jovem Brasileiro (PJB) seleciona jovens de todo o Brasil, de escolas públicas e privadas, para vivenciar uma jornada parlamentar de uma semana. Tudo o que precisava para passar era redigir um Projeto de Lei e fazer ele ser bom ao ponto de representar o meu estado lá. Demorou um tempo pra me tocar, mas percebi que a violência não poderia continuar daquele jeito. Por isso, procurei meus professores do ensino técnico de Direito Administrativo e Legislação, e até mesmo uma galera do Ministério Público e do Fundo das Nações Unidas para a Infância. Essa procura também me levou a ser ativista.

Foi assim que eu me tornei parlamentar jovem. Cinco meses antes do processo seletivo ser aberto, o meu Programa de Redução dos Impactos da Violência Urbana nas Escolas já estava rolando e foi selecionado. Por conta da Covid-19, não viajei, mas fui selecionada por algo que escrevi. A ideia era trabalhar o socioemocional de jovens que, como eu, fossem afetados pela violência urbana ao redor das nossas escolas. Hoje em dia, com toda a certeza, eu não acho que essa seja a solução porque trata a consequência e não a causa. Por causa disso tudo, quero falar do que aprendi até agora e porque isso é importante para se firmar enquanto ativista.

O que deve-se levar em consideração ao fazer um projeto de lei federal, afinal?

vista do alto de uma sessão da câmara dos deputados

1. Não faça o que já existe

Se você quer gastar a sua energia ativista fazendo um Projeto de Lei, certifique-se de que não existe nada parecido. Através do site da Câmara dos Deputados você consegue pesquisar o que já está em vigor ou em processo de tramitação filtrando o tema, autor e até mesmo o ano. Detalhe: está atualizado com tudo que veio depois de 1946. Através do e-Cidadania (agora falando do Senado), também é possível verificar o banco de Ideias Legislativas, que acontece para você propor e apoiar ideias para novas leis. Ao receber 20.000 apoios, a ideia se tornará uma Sugestão Legislativa, e será debatida pelos Senadores. Se o seu rolê já é real, investigue a não-execução disso ou se não cabe uma emenda, beleza?

2. Lembre-se que não é um projeto municipal ou estadual

Nem sempre o que acontece na sua cidade acontece em outras partes do seu estado e em outras regiões. É sempre importante refletir sobre a territorialização do seu projeto. Para ele acontecer, precisa ser exequível e ter relevância nacional, ou seja: precisa atender as necessidades da população brasileira, e não carioca, por exemplo. Para que você não caia no erro, lá vem o próximo ponto!

3. Dados são importantes

Não é possível escrever um PL tendo como referência as vozes da sua cabeça. Por isso, faça uma pesquisa e análise prévia sobre o que você deseja fazer. Quando o seu texto da lei está redigido, ainda é preciso defender a sua proposição através da justificativa. No momento em que decidi o tema do meu projeto para o PJB, por exemplo, não imaginava que um pouco mais da metade dos alunos do nono ano de escolas públicas brasileiras estudam em locais considerados como de risco de violência armada. Se não existem dados sobre o assunto, é válido formular uma pesquisa. Quando eu era presidente do Girl Up Nise da Silveira, protocolamos um PL na Assembléia Legislativa do Rio sobre assédio sexual nas escolas. Fizemos uma pesquisa para descobrir mais sobre essa realidade e o resultado foi usado na nossa justificativa.

4. Etapas com boa estruturação

A eficácia do seu projeto também depende da abrangência alinhada com a especificidade dele. É um problema que vai além do seu estado? Ótimo. Agora, é hora de pensar como ele vai funcionar depois da aprovação. É necessário incluir quem vai fiscalizar a sua lei, quem vai executá-la, incentivos ou punições, especificar se precisa ou não de recursos financeiros e de onde essa grana vai ser obtida e em quantos dias são necessários para que entre em vigor. Se você está sem tempo, é possível aprender com a própria Câmara dos Deputados de forma bem rápida.

5. Converse com atores da sociedade ativista-civil

É importante validar a necessidade de resolução do problema que está sendo tratado junto com junto com as pessoas impactadas. Além disso, quando você não chega com tudo pronto e aberta ao diálogo, promove a construção coletiva dessa ideia e assim gera um sentimento de pertencimento. Não é possível fazer um PL acontecer sem essa articulação e colaboração. Assim como toda solução é coletiva, o problema que você trata não foi gerado por uma pessoa ou uma organização só. Quanto mais gente você envolve, melhor.

6. Só contar com o que você já sabe não ajuda

Mas Vitória, o que você quer dizer com isso? Que você tem que estudar, oras. Ativismo não é bagunça, muito pelo contrário: por isso escrevo para a Escola de Ativismo. Aqui tem muito conteúdo legal para você aprender a se organizar. Praticar incidência política (também conhecido como advocacy) também requer que você leia, escreva, estude, escute. Quando você se educa e começa a entender o que funciona e o que não funciona, consumindo conteúdo ativista, percebe que a aprendizagem teórica é fundamental. Na escola aprendi o que é práxis, que é a união entre a teoria e a prática. É importante nas nossas iniciativas de impacto social também, viu?

7. Convencer é vencer

Tudo que eu tô falando aqui se conecta. Se você aprende que é importante estudar, também vai ver como a negociação importa. Além de articular uma rede de pessoas que apoiam a sua ideia, a parte principal é ter parlamentares junto contigo para defenderem o teu rolê dentro do Congresso. Por isso, busque ter contato com aqueles que têm ideais e causas que se conectam com a sua. Mas para além disso, busque conhecer como aquele gabinete funciona. Existem declarações de apoio que, por falta de transparência e colaboração, acabam indo para o ralo. É importante manter-se em constante contato com os parlamentares que estão contigo, visto que tem muita coisa rolando pra eles também. Pense também que é fundamental para ações futuras!

8. Comunicar é alcançar

Para além de contar com a sua rede de apoio ativista, você também precisa de atenção. Seja através de audiências públicas, eventos gratuitos ou lambe-lambes, é necessário sensibilizar a sociedade como um todo para que ela se preocupe com o seu tema. Na conversa no metrô ou no pingado diário consumido na padaria da esquina, a galera precisa estar atenta e preparada para saber sobre a sua causa. Confie no olho a olho, principalmente: desde que o mundo é mundo, é o que fazemos de melhor.

9. Prepare-se para os flashes

Quer amplificar ainda mais? Desenvolva uma apresentação para a mídia de forma convincente e rápida. Não tenha medo de pegar o telefone para uma ligação ou enviar e-mails com o intuito de fazer com que a sua pauta seja vista por muita gente em um alcance grande. É importante ressaltar que qualquer forma de mídia importa. Seja a tradicional ou a alternativa, o jornal de circulação diária ou a página de notícias do Facebook, conte com quem está disposto a te amplificar.

 10. Bota a ideia pra jogo!

Como você vai fazer com que essa construção chegue ao Congresso Nacional? Da Comissão de Legislação Participativa?  Através de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular? Veja o que pode ser mais fácil, mais agregador, urgente e necessário para a sua causa como um todo. Um projeto de lei a nível federal não é uma coisa pequena: é grande pra caramba! Utilize desta ação para gerar oportunidades para a sua iniciativa, viu?

A minha paixão por política começou a partir de um problema na minha escola e, desde então, não me vejo fazendo outra coisa senão a promover ativismos. Esse texto pode ter ausência de muita coisa importante, mas só tenho 18 anos: por isso seguirei estudando e colocando em prática. Ao longo do tempo, quanto mais for aprendendo, mais vou compartilhando, ok? Com 15 anos fiz isso por conta de um programa da Câmara, mas existem outros que você pode e deve ocupar e explorar, além de exercer o seu direito de participar da atividade legislativa.

Adianto que o meu projeto de lei não rolou e atualmente digo que não deveria mesmo ter sido, já que não o enxergo mais como uma solução. Entretanto, a escrita dele fez com que eu me apaixonasse tanto pelo interesse de ajudar a lidar com a segurança pública usando Políticas Informadas por Evidência, que agora termino o meu ensino médio com uma iniciação científica sobre a expansão das milícias no Rio de Janeiro e a sua relação com o direito à cidade, capitalismo, racismo e necropolítica. Começar a investigar problemas como esse certamente vão me ajudar no futuro a ter o estado que sempre sonhei ver pra viver.

Fazer esse texto também só me deixa ainda mais apaixonada pela possibilidade de algum dia atuar na política institucional. Espero que você tenha curtido essa ideia de fazer um projeto porque, afinal, muita coisa pela qual a gente luta já deveria existir e estar aí para a gente. Sigamos, então, construindo redes, se educando e revolucionando como sementes da justiça social.

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*Vitória Rodrigues (18) é estudante do ensino médio técnico de Gerência em Saúde na EPSJV e estagiária do Instituto do Fernandes Figueira, ambos da Fiocruz. É do Grêmio Politécnico há 3 anos e representou a instituição no modelo diplomático da Harvard University. Pesquisou com o professor da UFRJ Daniel Campos os caminhos para o fortalecimento econômico das milícias no Rio de Janeiro com olhar para a necropolítica. Fundou o projeto de educação de impacto social Ini.se.ativa, constrói a A(tua) Meriti e já foi orgulhosamente de muitos outros projetos, como o Engajamundo, Girl Up e da campanha Cada Voto Conta do NOSSAS. Foi Parlamentar Jovem Brasileira, Jovem Embaixadora dos EUA e vencedora do Prêmio Mude o Mundo como uma Menina. Atualmente é bolsista do Opportunity Funds Program do EducationUSA, do Departamento de Estado dos EUA. É, acima de tudo, colunista e poeta, porque lutar tanto sem se expressar é impossível.

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