Por Izabella Bontempo

4 anos depois do rompimento da barragem na bacia do rio Paraopeba, tema da mineração ainda não faz parte do processo pedagógico das escolas

Casa amarela destruiída em meio à lama e entulhos

“A partir desse silenciamento pedagógico é necessário a pedagogia da lama, que fala da esperança da reparação integral como essa alternativa de resistência”, dia Ranuzia Netta, coordenadora da AEDAS |Foto: Mídia NINJA

No dia 25 de janeiro de 2023 completam quatro anos do crime da Vale em Brumadinho. O rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão atingiu 25 municípios ao longo da bacia do rio Paraopeba. O crime matou 272 pessoas e, dessas, 3 ainda não foram encontradas. As consequências seguem para todo o município, e nas escolas não é diferente.

As pesquisadoras da Faculdade de Educação da UFMG, Maria Isabel Antunes-Rocha e Adriane Cristina Hunzicker, discutiram o conceito de “silêncio pedagógico” a partir de projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos com professores que atuam em escolas de municípios atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão.

De acordo com Maria Isabel, os pesquisadores observaram que as escolas tinham dificuldades em lidar não só com o tema do rompimento, mas também com o tema das práticas minerárias. “Mesmo nas regiões que são diretamente impactadas com o rompimento até as que podem ser impactadas a longa distância, as escolas discutem o tema da mineração de uma forma muito simplificada, o que não permite que crianças e jovens compreendam suas consequências” afirma. A isso dá-se o nome “silêncio pedagógico”.

A professora titular da Faculdade de Educação explica também que o silêncio pedagógico inclui os fatores antes do rompimento, na abordagem sobre a mineração, no rompimento e depois, no processo de revitalização do desastre. “Em Brumadinho esse problema ainda é agravado pelo luto, então o silêncio pedagógico se reveste em vários fatores” explica.

A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS), Assessoria Técnica dos atingidos pelo crime da Vale na bacia do rio Paraopeba, que atua nas regiões 1 e 2, levantou dados a partir dos espaços participativos com os profissionais da educação, da área temática de Educação e Serviços Socioassistenciais, onde aponta alguns eixos a partir dos danos causados pelo rompimento da barragem. São eles o direito à informação e à reparação justa, dano ao projeto de vida, dano ao ensino e condições de aprendizagem, danos aos usos e estruturas de bens coletivos, danos morais e perdas imateriais.

De acordo com Ranuzia Netta, coordenadora na Região 2 da equipe de Educação e Serviços Socioassistenciais da AEDAS, “a partir desses eixos, fica evidenciada a perda do acesso à escola, aumento do fluxo de caminhões e outros veículos perto das instituições de ensino, falta de estrutura para a educação integral e necessidade de alteração do projeto politico pedagógico”, complementa.

Celeste Miranda, professora do Ensino Fundamental 2, na Escola Municipal Padre Machado, em Brumadinho/MG, conta que em 2019 os educadores tinham que lidar com a dor do crime, de perder parentes próximos, amigos e conhecidos, mas também com os alunos que perderam os pais, por exemplo. “Os alunos tinham acompanhamento psicológico, têm até hoje, mas a gente não podia falar sobre o crime de jeito nenhum, era como se você tivesse revivendo aquilo para esses alunos que estavam lidando com o luto” relembra.

Ranuzia aponta também o conceito da “pedagogia da lama”, do poema “As professoras e a Pedagogia da Lama” autoria de Alessandra Bernardes Faria Campos, professora que atua com a temática da educação e mineração. “A pedagogia da lama faz relação com a Pedagogia da Indignação e a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, e reconhece e denuncia as situações que negam a relação humana a partir do modelo de mineração no Brasil. A pedagogia da lama é um ato de resistência e também um ato de esperança” completa.

A partir da compreensão de que processo educativo se dá também nas relações sociais, políticas e econômicas, José Geraldo, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Brumadinho, afirma que um crime dessa proporção afeta todas as relações daqueles municípios que foram atingidos ao longo da bacia, e por isso afeta diretamente os processos educativos. “A população ali tinha uma relação de lazer com o rio, indo no final de semana nadar e pescar, tinham uma relação com a água que vinha direto irrigar a horta, e vários outros pontos como saúde e renda. Com todos esses eixos abalados, como não ter um processo educativo atingido?” indaga.

Além disso José Geraldo lembra as relações das empresas com as escolas: “é muito comum que grandes empresas tenham relações diretas com as escolas dos municípios onde elas estão, na maioria das vezes o município inteiro depende das atividades da mineração. Emprega a maioria das pessoas e também participa do processo de educação nas escolas com exposições sobre educação ambiental, sempre de forma muito favorável, é claro. Infelizmente, essa é a realidade da maioria dos municípios mineriodependentes em Minas Gerais” relembra.

A coordenadora da AEDAS, Ranuzia Netta, comenta que o que o ficou muito destacado nos espaços participativos são vítimas cuidando de vítimas. “O silêncio pedagógico perpassa todo o processo escolar. Pensar uma metodologia para a aula, uma atividade nova para os alunos, em tudo há esse silenciamento em relação à prática minerária e seus impactos como um todo. A partir desse silenciamento pedagógico é necessário a pedagogia da lama, que fala da esperança da reparação integral como essa alternativa de resistência” relaciona.

“Eu acho que Brumadinho nunca mais será o mesmo, nós não conhecemos ninguém, a cidade está cheia e ao mesmo tempo não preenche. Os meninos sentem isso também, o não pertencimento à cidade, é como se ela não fosse mais nossa. Onde você anda, vê resquícios da barragem” finaliza a professora Celeste Miranda

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