Luh Ferreira

Educadora Popular, ativista, doutora em Educação

Encantada com o mundo, indignada com a situação dele

Brasileiros estudados

Por Luh Ferreira*

A inventividade e resiliência do brasileiro sempre mereceu as vistas que nem a filosofia explica. Mas à beira da ameaça de golpe, Luh Ferreira se pergunta: quem precisa ser estudado?

Bolsonaro mostra um remédio não efetivo contra a Covid-19 para uma ema. Foto: Reprodução

Sempre achei engraçada a frase “o brasileiro precisa ser estudado”, como se ela falasse de situações que nos colocam como um povo de feitos inéditos e que exige, portanto, algum tipo de estudo para entender o porquê de alguns comportamentos e atitudes nossas se dão.

De fato, nosso povo merece estudo e aplausos, merece carinho, pois toda semana quando a gente abre as redes sociais a gente se depara com uma coisa mais graciosa, criativa, e até mais doida que outra! 

As pessoas por meio do Tiktok, por exemplo, nos trazem um dia a dia cheio de invenções, que vão desde a ensinar dancinhas da moda à inserir palavras desconhecidas em nosso vocabulário – aqueles que fazem um glossário de expressões locais são os meus preferidos! – mas também gente que mostra jeitos múltiplos de fazer coisas – receitas, arrumações, explicações de fórmulas, desvelamento de segredos cosméticos – antes a gente ia pro Google perguntar como faz? Como é? Agora o Tiktok mostra. E com performance!

Até aqui estou tentando crer que o brasileiro precisa ser estudado pela sua capacidade inventiva, pela sua expressão singular, por uma certa engenharia de ações que não se vê por aí, que a ciência desconhece, a filosofia nem tenta explicar — e o santo ajuda por amar esse povo!

Mas, ando desconfiada de algumas coisas que a gente anda fazendo. Me coloco a repensar esta expressão.

Por exemplo, assisti um vídeo esta manhã em que um senhor aparece num posto de gasolina. Ele está abastecendo o seu carro e diz algo do tipo “a gasolina abaixou graças ao Bolsonaro! Pode encher tudo! Pode colocar!” e aí retira a mangueira de abastecimento das mãos do frentista e começa a jorrar gasolina pra todo lado, lavando a roda, lavando o para-choque do veículo. 

Ô gente? 

Mas o que é isso? 

Eu me perguntava…

E comecei a me lembrar de diversos casos em que brasileiros foram à frente das câmeras exacerbar o seu fanatismo por esse sujeito que organiza orçamentos secretos e todo tipo de conchavos, inclusive decretar a exposição dos valores de ICMS sobre os combustiveis pelos postos de gasolina até o mês de DEZEMBRO, furar pela milésima vez o teto de gastos para aumentar o auxilio às famílias de baixa renda, apenas para reverter seu péssimo desempenho nas pesquisas eleitorais.

É… esse tipo de brasileiro, pra mim, precisa ser estudado!

Outro exemplo e este está me deixando mais encafifada, é uma falta de percepção dos riscos, do perigo, que certamente nós brasileiros temos em nosso DNA. 

Se de um lado temos aí uma espécie de cegueira dominando brasileiros que não enxergam o quão nocivo é o governo bozó. Temos de outro lado, brasileiros que não enxergam os movimentos golpistas que assolam o nosso país. Brasileiros que dizem que “as coisas vão se resolver nas urnas”.

Oras, e quem disse que está tudo garantido?

Que vai ter resolução de urna?

Nós imaginávamos que as coisas seriam difíceis, não? 

Mas, imaginávamos que a capacidade de destruição seria tão grave e tão profunda em apenas quatro anos de mandato?

Não. Nós não imaginávamos o quão destrutivo ele seria.

Não prevemos por exemplo que aumentaria em 300% o número de registros de arma de fogo, num país com uma política de desarmamento presente. Hoje temos mais armas nas ruas nas mãos de civis do que nas mãos das forças armadas.

Temos visto na TV, nas redes sociais, nas entrevistas, diferentes declarações de insatisfação tanto do bozó quanto dos milicos, com o processo eleitoral do país. Obviamente sem nenhum precedente — algo típico deste governo. Mas não é isso que preocupa e sim a maneira como esse descontentamento se apresenta — com um tipo de ameaça, com um tom de quem pode sim repetir o que já foi feito no passado.

Ah, mas o bozó não tem apoio da mídia, e o golpe de 1964 tinha mídia e a população com eles.

Ok, brasileiros! 

Record e SBT estão com o governo desde o início. E vimos aumentar as verbas para a Rede Globo de televisão em 75% neste ano. 

Uai? Mas a globo não é lixo? 

Sim! A globo é golpista. E se é golpista bozó quer por perto…

E aí tem duas coisas que poderão nos ajudar ainda mais nessas análises. 

Veremos se depois disso nosso povo que não liga muito pra esse negócio de “sinais” se mantém na mesma. Aí sim, o brasileiro definitivamente precisa ser estudado!

Atenção ao dia 07 de setembro de 2022. 

Quem esteve nas ruas de Brasília ano passado viu a força (e a tragédia estética) e fanatismo do soldados bozónaristas, dispostos a qualquer coisa, foram às ruas como se estivessem indo a uma guerra, para defender os interesses de uma elite e do próprio poder concentrado na imagem do que ocupa a presidência. 

Este ano a convocatória a pretexto de comemorar os 200 anos da independência do Brasil vem com uma proposta de defesa de liberdade que nas palavras de bozó em entrevista ao SBT significa defender o voto em sua reeleição e a audição das urnas. “Eles querem aproveitar a data, do 7 de setembro, pra ter uma grande concentração, por exemplo em São Paulo, nas capitais, aqui em Brasília, que vai ser um 7 de setembro e também um apoio a um possível candidato que esteja disputando”. Na mesma entrevista defendeu que existe uma “sala-cofre” onde o processo eleitoral é definido. 

Inacreditável a confusão que esse sujeito faz com as coisas.

Esse brasileiro precisa sim, ser estudado!

Então querides leitores.

Por favor parem com esse negócio de “ele não é nem louco de me atropelar! Ele está me vendo!”

Sim, o carro vai te atropelar. 

Pare de desconfiar dos sinais, das ameaças. 

Nós brasileiras e brasileiros precisamos ser estudados, precisamos de um pouco de respiro, de vida. E isso não virá sem luta!

A guerra já começou e os alertas estão aí. Bora ver?

 

Nota da autora: Escrevi este texto antes dos eventos da última semana, pois estava aqui matutando sobre a ideia de sinais, de alertas, de intuições, ou apenas de leitura de mundo, de cenários. Muitas vezes quando a gente fala sobre isso, as pessoas nos chamam de paranóicos, de teses conspiratórias. Coisa do nosso povo, são falas do nosso povo, que nós todes já escutamos certamente.

Ocorre que diante deste empasse – ver não ver. Sentir ou não. Crer ou não crer. Posicionar-se pra lá ou pra cá… eis que, uma hora a coisa escancara, chega-se a uma situação limite! 

Situações limites como a morte e omissão do Governo diante da morte de Bruno e Dom, onde todo o desleixo com as políticas públicas de proteção à Amazônia aparecem na cara, em forma de assassinato.

O lamentável e escandaloso assassinato do petista Marcelo Aloizio de Arruda em sua festa de aniversário por um bolsonarista fanático não deixa dúvidas de que não se trata de polarização, discórdia na política ou bebedeira de final de semana como afirmam autoridades do próprio governo brasileiro, não são mais sinais. 

É ódio.

Política de ódio.

É sim estimulo à sociedade de guerra, e não adianta mais uma vez dizer “o que eu tenho a ver”  como na situação do descontrole da pandemia, desta vez, sim, você puxou o pino da granada, bozó!

Os tiros que foram disparados contra a caravana de Lula há quatro anos atrás também no Paraná, podem agora começar a esboçar alguma explicação, são sinais companheirada, e precisamos além de lamentar, estudar tudo isso para que sirva de instrumento pedagógico aos ativismos e a toda militância.

 

marcelovive!

Sim, eu assisto pantanal

Na verdade não só assisto, vivo o Pantanal desde 2017 quando nos somamos à um projeto de defesa dos rios junto aos Comitês Populares da Águas na região do Alto Paraguai.

É uma luta pelas águas, pela existência dos rios como força de vida.

É uma luta por permanência, a mesma que orienta as chuvas, a seca, que localiza os ninhais para os milhares de pássaros se reproduzirem.

É uma luta para afirmar um modo de existência humano e não humano.

Neste final de semana assisti a uma live organizada pelos Comitês Populares que formam a Escola de Militância Pantaneira e o Fórum de Mudanças Climáticas chamada “Direitos da Natureza”.

Professores, pesquisadores, gente com formação em direito apresentaram uma diversidade de declarações, leis, minutas, políticas públicas que colocam o rio, a natureza como um “sujeito de direitos”.

No meio da live comecei a pensar, se a turma dos comitês estava captando a mensagem como eu, e como penso em verso, a coisa saiu assim:

Direito companheirada

não é coisa simples, mas aqui tá dando pra compreender:

É instrumento pra transformar, pra regular a sociedade

pra garantia de um bem-viver!

É jurídico é político

pra gente usar junto com a luta

Tem um montão de textos e declarações

tem letra que não acaba mais nessas minuta…

Mas tudo isso,

todas essas letra do direito à natureza

vale mesmo pra reconhecer

coisas que a gente aqui já sabe, e já põe na mesa!

Que ela, a natureza é soberana

que ela não é objeto e deve ser respeitada

Fica esperto sujeito homem

Capitalismo e agronegócio, tá na hora da virada!

Nós dos comitês populares

reunidos aqui para estudar

para com ações

ao Rio Paraguai nos somar

Nós fazemos isso porque

compreendemos o rio e a natureza

como se fossem um de nós

Um ambiente vivo

e se é vivo tem direito!

Chega de usar

o Rio Paraguai para ganhar, para explorar!

O Rio Paraguai e todos os rios têm direito

estão aqui para reivindicar

Atenção Comitês Populares, convoco todos vocês

a partir deste encontro pensar:

Rio Paraguai é nosso companheiro de luta!

Direitos à vida ele têm.

E assim temos que chamar

Viva o companheiro Rio Paraguai!

Minha intuição primeira é de que o rio nessa perspectiva humanizadora, quando transformado em “sujeito de direitos” precisa ser chamado de companheiro! Pois luta, resiste, insiste em seguir correndo, fazendo curvas diante da imposição, ultrapassando barreiras, quando tentam lhe impor. O rio doa sentido à militância! Dele advêm o alimento e o sustento, nele nos inspiramos, e junto dele, lutamos!

 Longe de querer transformar o rio em um humano para ter direitos, logo me vêm a cabeça o modo como as sociedades indígenas e os povos mais ligados à terra, à floresta nos ensina. Que as fronteiras entre natureza e cultura não existem, todos os seres vivos independentemente de sua forma física compõe e participam da vida social estabelecendo alianças, mas também relações de competição ou hostilidade.

 Não foram poucas as vezes em que ouvi nas aldeias e comunidades ribeirinhas, rurais conversa sobre um ganso que gostava mais de uns do que de outros, um sapo que expressava sentimentos por certa moça… um boi que se abaixava para receber afago de um amigo…

Li recentemente, em um livro do Phillipe Descola, uma história incrível contada por um missionário do Vietnã, de uma senhora que pilava o arroz no quintal de sua casa quando ouviu os rugidos de um tigre se aproximando. O pobre estava com um pedaço de osso entalado em sua garganta e aos pulos tentava se livrar, indo parar na porta da senhora. Ela assustada, largou o pilão que caiu bem na cabeça do tigre, fazendo com que o mesmo num sobressalto, se livrasse do osso que o estrangulava.

Na noite seguinte a senhora reviu o tigre em sonho, que disse a ela “nós teremos uma amizade de pai para filha” ao que a mulher exitou dizendo que não seria digna de tal relação. O tigre insistiu e disse que “não aceitaria um não como resposta!”, trocaram cortesias.

Alguns dias depois, caminhando pela floresta a mulher deu de cara com o tigre carregando um javali. Na mesma hora em que o tigre bateu os olhos na senhora, largou a presa, rasgou-a em dois, lançou-lhe uma metade e seguiu seu caminho. E assim à senhora nunca mais lhe faltou caça, pois o tigre mantinha vivo seu contrato de parentesco com aquela que salvou sua vida.

Também já ouvi de um senhor que mora muito próximo de uma enorme montanha que nos dias em que ela amanhece coberta de neblina, significa que ela não está muito feliz, e por isso melhor evitar subi-la.

Existem pescadores que conhecem muito bem o humor dos rios e do mar e não se arriscam a medir força quando está brabo!

Sem contar as diferentes maneiras de cumprimentar florestas, igarapés, rios, montanhas, arvores, peixes que encontramos Brasil afora!

 Mas tá parecendo conversa de velho do rio?

E é!

 

A novela remake dos anos 1990 (se não assistiu, assista!) está nos conduzindo à este espaço.

Ao invés de carregarmos a natureza pra dentro do campo dos “sujeitos de direitos” os personagens nos apontam o caminho inverso: à experiência de sermos natureza.

Curvando-se à sagacidade de um boi alongado, conhecer seus desejos, entender seus anseios, pressentir com eles a necessidade de liberdade. De uma onça arrodeando uma tapera afim de protegê-la, avançar sobre os agressores instintivamente para defender sua vida e a vida dos seus. De experimentar virar uma sucuri de olhos justiceiros, capaz de engolir alguém e não deixar rastros.

Constituir alianças com o tempo, com o vento, com as águas que sobem e descem.

“A coisa não é de explicar, é de se entender!” Disse o Zé Leôncio, encantado no Guimarães Rosa em uma certa cena, porque o povo da cidade quer explicação pra tudo!

Tem ali os encantados e tem o crambulhão, que no ouvido do Trindade sopra coisa boa… orienta o rumo.

O paradoxo de desenvolver e envolver.

 O velho do rio que vira sucuri, a cobra grande daquelas bandas pantaneiras, é didático em sua abordagem: “Somos filhos de uma mãe gentil e generosa, a quem tentamos há muito tempo escravizar.” “Liberdade é entender que se não tem vento, não tem semente, e se não tem terra ela não finca.”

 O velho é um encantado? Ou seria o pedaço de natureza que habita cada um de nós?

 Nas palavras do poeta português Fernando Pessoa, vemos com nitidez as montanhas, vales, planícies, florestas, flores, riachos, mato, pedras, mas temos dificuldade em perceber que há um todo a qual tudo isso pertence, afinal conhecemos o mundo por partes, jamais como um todo. Mas a partir do momento que nos habituamos a enxergar a natureza como um todo, ela se torna por assim dizer um grande relógio, como qual podemos compreender sua engrenagem, montar, desmontar, acompanhar, aprender e nos somarmos à sua luta por existência.

 

E sendo assim…

 A Juma Marruá que habita em mim, saúda a Juma Marruá que habita em ti!

 Quem nunca sente réiva, só quer ir pra casa, é de poucas palavras e poucos amigos?

Juma é simbolo da autodefesa.

Sente cheiro de gente boa e ruim. Não confia nos homens.

 Aponta a espingarda para a devastação.

 

Dica

O livro: Outras naturezas, outras culturas. Phillipe Descola, 2016. Editora 34

Lambeção

Estive em São Paulo neste final de semana. Fazia um frio impressionante. Vivo há algum tempo numa região de ar quente e úmido, me sinto desacostumada com as temperaturas baixas e com a frieza dos centros urbanos.

Passei pelo centro da cidade e o choque com a quantidade de pessoas dormindo em barracas tipo iglu ou armações de sacos de lixo e lonas foi imensa. Uma armação muito pouco protetiva do frio que fazia, apesar de parecer tudo muito bem feito pelas pessoas que ali estavam. Alguns aglomerados possuem filtros d’água, tapetes, flores e estantes para armazenamento de brinquedos e objetos.

Distribuí nessa caminhada tudo o que tinha nos bolsos, porque também nunca fui tão abordada na rua. Crianças aos montes. Mulheres. Homens. Velhos, jovens. Todo o tipo de gente, na rua. E não era pra se divertir, e não era pra protestar.

Eu só pensava no destrato. Como é que a gente pôde chegar nesse ponto, nesse nível de descaso, de não se importar. Onde é que estava o estado, os direitos humanos, o papa, o diabo?!

Uma instituição se via e muito, a polícia.

Essa não faltava.

Essa ali, estática, armada, cheia de carros, de escudos, estilo robocop – pronta para sei lá o que.

Descendo um pouco mais e buscando algum tipo de proteção do frio, tentando lidar com a indignação, olhava pro alto, tentava encontrar o mundo que tanto me encanta. Buscava ouvir as conversas das pessoas pra ver se encontrava a cidade, alguma cidade que não estivesse enterrada no descaso, no sofrimento, no congelamento.

Lembrei de um texto, A Conversa da Mesa do Lado, de Santiago Alba. Nesse texto ele conta que estava em um restaurante em Barcelona escutando uma conversa na mesa ao lado da sua, um grupo de jovens falava sobre nada. Ele analisa esta pequenez da conversa, achava tudo meio pobre, mas sentia que era algo que movimentava a vida das pessoas. Diz Alba: “a pequenez quase autista do mundo no qual se moviam as suas vidas e as suas conversas”. O mundo para Alba então seria exatamente isso, o que tem significado para nós, para o que nos marca, o que tem significado, o que nos implica, nos complica, faz com que tenhamos sensibilidade para algumas coisas e para outras, não. O mundo então seria o que nos marca, o que marca nossas conversas e o que compartilhamos.

Mundo é isso.

Com este texto em mente, fui olhando, fui explorando as mensagens, as partilhas nas paredes, as conversas entre as pessoas e o que aqueles mundos de um centro urbano, naquela tarde, diziam.

Me chamou atenção a quantidade de lambes que vestia a cidade.

Milhares de mensagens partilhadas: de “trago seu amor…” à “voto antirracista”, anúncios, comércios, serviços… me fez parar.

Nas pilastras do minhocão vi de longe um lambe gigante, muito bem feito, uma foto, ou quase uma miragem, trazia em letras pretas na parte de cima a expressão FODA-SE e mais abaixo, em clima de férias, temperatura alta, um sujeito montado em um jet ski, com o sorriso de quem está quite com suas tarefas, com a tranquilidade de quem mesmo fazendo as maiores atrocidades com a população, com a economia, com a saúde, com a educação, com a politica pública, com a vida, seguia solto e sem risco de ser preso ou pego. O sujeito que está em segundo lugar nas pesquisas para presidente, mesmo com uma lista imensa de denúncias e crimes não apurados.

O lambe se repetia por varias pilastras do minhocão.

Como um filme daqueles quando o diretor quer fixar uma ideia, dar-te uma pista da história, quando ele quer te enredar sobre algo. A foto horrível repetida com as frases em preto traduzia o acontecimento:

CRISE, FOME, TA TUDO CARO, FODA-SE.

Os lambes e as barracas enfileiradas abaixo do viaduto não deixavam duvidas do que acontecia.

Pra bom entendedor meia palavra basta, um risco é francisco.

Não é descaso. Não é pequenez. É projeto de destruição dos mundos.

de.sa.pa.re.cer, verbo intransitivo

Luh Ferreira, da Escola de Ativismo, reflete sobre esse verbo tão ecoado dentro do meio ativista, à sombra da ausência de Dom Phillips e Bruno Pereira

de.sa.pa.re.cer

“verbo intransitivo, deixar de ser visível, sumir”

Sentimento que se repete no meio ativista, entre professores, entre trabalhadores, escuto cada dia mais gente dizendo – quero sumir daqui.

Talvez por termos vivido situações tão difíceis nos últimos anos? Talvez porque as coisas vão mal no país? Violência, crise econômica, fakenews, polarização, morte, mortes, pandemia que não passa… excessos, insônia, ansiedade…

Tudo isso fazendo parte da nossa vida.

E viver ainda é o que nos resta.

Mas e quando você não quer sumir?

E quando você quer permanecer, lutar. Quando você quer comunicar, dizer ao mundo que algo precisa ser feito por um território e isso se torna um impulso para viver.

Aqui ao contrário de sumir, de desaparecer, se quer afirmar, permanecer. Lutar.

Bruno Araújo, indigenista e Dom Phillips, jornalista. Parceiros de expedição pelo Vale do Javari, segundo maior território indígena do país, mais de 8 milhões de hectares DE.MAR.CA.DOS; maior concentração de povos isolados – isolados minha gente, é por opção! Indígenas que preferem não fazer contato com essa coisa que chamamos de civilização -; acesso extremamente restrito, pelo rio Javari ou Jutaí e pelo ar; território riquíssimo de isolados, marubos, korubos, kanamaris, matis, e tantos mais, fronteira com o Peru e Colômbia. É palco de diferentes conflitos, tráfico, desmatamento, pesca e caça ilegal, invasões de terras indígenas. Conflito armado.

Então onde estão Bruno e Phillips? É o que nos perguntamos desde domingo, quando soubemos que eles não haviam retornado de mais uma expedição para que Phillips pudesse concluir seu livro sobre ideias para salvar e proteger a Amazônia.

Governo Federal? Ministério da Justiça? Funai?

Este lugar está ou deveria estar sob a vossa proteção!

Não podem simplesmente de.sa.pa.re.cer.

Vocês são sim responsáveis por tudo o que acontece em uma região de fronteira e nos territórios indígenas.

A pergunta segue no dia de hoje:

Onde estão Bruno e Phillips?

Onde está o Governo Federal?

É guerra! Não leitoras-es, não aquela constitutiva dos povos indígenas, a guerra que forma um guerreiro, que luta pelo seu povo, pela sua cultura, por seu território, para ser indígena e assim seguir.

A Amazônia vive uma guerra armada, desigual, suja. É pelas costas, é com aliciamento, na base da ameaça, é imagem e semelhança do sujeito, que governa pelo medo, pela confusão, do banditismo.

Sabemos nesta batalha quem precisa desaparecer. Não sabemos?

Ilustração de @crisvector

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