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Ameaças contra lideranças, ativistas e defensores: quais cuidados tomar?

Alguns passos e ideias de protocolos para pessoas ativistas e defensoras do meio ambiente em situação de ameaças à segurança e integridade física

Brasil é um dos países mais perigosos para ativistas e defensores do meio ambiente.

Foto: Reprodução

Ameaças, agressões, ataques, situações de risco de vida iminente e exposições a algum tipo de vulnerabilidade física e psicológica. Esse é o cotidiano enfrentado por um sem fim de ativistas, comunicadores, defensores de direitos humanos e lideranças de comunidades originárias e tradicionais. O Brasil é, afinal, o segundo país que mais mata defensores do meio ambiente. Em meio aos episódios de violência, algumas estratégias são importantes para a segurança integral de quem cumpre um papel essencial para o fortalecimento da democracia, a defesa de direitos e a proteção do meio ambiente e de modos de vida tradicionais. 

O crescimento do campo conservador, da extrema direita e dos retrocessos no campo dos direitos humanos nos últimos anos fez crescer também o número de assassinatos, ameaças e incidentes de segurança envolvendo ativistas de diversas áreas. O foco é enfraquecer, despolitizar, deslegitimar, desqualificar e silenciar quem denuncia violações que atingem, principalmente, grupos em vulnerabilidade. 

Comunidades originárias e tradicionais estão entre os principais alvos. Conforme o último levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a violência no campo bateu recorde em 2023, quando 2.203 conflitos foram registrados. Entre as pessoas indígenas o número de assassinatos cresceu. Grande parte dos ataques estão relacionados à busca por regularização de territórios e a exploração de recursos naturais. 

É quem assume papel de liderança atua na linha de frente de diversas lutas e se expõe a múltiplos riscos. Por isso é necessário pensar estratégias e organizar medidas que possibilitem uma atuação com o maior nível de segurança possível para defensoras e defensores de direitos humanos e também para as pessoas que estão à sua volta. Para isso é necessário considerar cuidados digitais, mecanismos diversos e alguns comportamentos diários. 

A segurança em rede tende ser a mais efetiva e diversos saberes locais e pessoais já são colocados em prática intuitivamente por coletivos ativistas. Valorize o que existe no seu território e comunidade. Além disso, uma ação conjunta, que envolve o movimento, um círculo mais próximos de pessoas ou até a comunidade proporciona proteção e reduz a pressão sobre uma única liderança.

A responsabilidade da garantia de segurança às vítimas é do Estado, mas com tantas falhas, é importante que as pessoas que vivem em condições de vulnerabilidade também se auto protejam com uma camada extra de atenção e participem de todo o processo da elaboração da sua própria proteção. Isso mitiga perigos e permite que os grupos possam continuar fazendo seus trabalhos mesmo sabendo que o governo não proporciona toda a segurança esperada. 

Proteção institucional 

 Apesar de insuficiente, ter um plano institucional de segurança pode ser uma das formas de cuidado. A pessoa ameaçada tem direito de ser protegida quando atua para uma organização da sociedade civil e é dever do Estado garantir essa proteção. 

 Lideranças em situação de ameaça, seja ela direta ou indireta, precisam fazer registros formais, uma vez que é tipificada como crime no código penal brasileiro. O Boletim de Ocorrência, realizado em delegacias da Polícia Civil, comprova que uma situação de violência aconteceu e responsabiliza e obriga o Estado a agir. Se a vítima não confiar na polícia local, a recomendação é fazer o BO numa cidade vizinha, sempre que possível, acompanhado de um advogado ou advogada popular. 

 O Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), administrado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, promete oferecer proteção às pessoas que estejam em situação de risco, vulnerabilidade ou sofrendo ameaças em decorrência de sua atuação em defesa desses direitos.

 O PPDDH é executado por meio de convênios, firmados voluntariamente entre a União e os Estados, quando da existência de Programas Estaduais. Atualmente, onze estados fazem parte do PPDDH e são responsáveis pela gestão técnica e política dos Programas Estaduais:  Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Paraíba, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Nos estados em que não existe Programa Estadual, pessoas ameaçadas são acompanhadas por uma Equipe Técnica Federal. 

Mas essa política pode não ser suficiente e eficaz. Há registro de pessoas ameaçadas, incluídas no programa, que foram assassinadas, como é o caso de Maria Bernadete Pacífico – a Mãe Bernadete. A liderança quilombola foi morta violentamente dentro do seu território.

 Mãe Bernadete havia perdido o filho (Binho do Quilombo) de forma semelhante e, quando morreu, era porta-voz de sua comunidade, integrava a coordenação da CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas e exigia justiça pelo assassinato do filho. 

 

 

Comunicação e cuidados digitais 

A comunicação é uma ferramenta importante para lideranças e ativistas, mas é necessário compreender que há situações que a exposição ajuda e outras que transformam as pessoas em alvo. Uma liderança que está em perigo precisa analisar quando é melhor ficar mais retraída, inclusive da mídia ou redes sociais, para sair do foco. Às vezes é melhor deixar de dar entrevistas, de aparecer como liderança principal de determinadas lutas ou embates e evitar aparecer em fotografias. 

É preciso tomar cuidados digitais sempre que utilizar a internet. O uso de senhas fortes, por exemplo, é essencial. Elas devem ser longas, com ícones e sem dados pessoais. Aplicativos seguros para a troca de mensagens também é regra para quem está em perigo. Existem opções, que não são as mais utilizadas, como o Signal, que tem como prioridade a privacidade dos usuários. O uso da tecnologia VPN Rede Virtual Privada (em inglês, Virtual Private Network), por exemplo, aumenta a proteção e privacidade online e é recomendada para ativistas de diferentes áreas de atuação.  

Os celulares são mais vulneráveis a ataques e invasões e é preciso ter cuidado com o que eles podem registrar. Ao falar assuntos sensíveis, é importante retirar dispositivos (telefones e computadores) de perto. Todos os aplicativos instalados devem ser configurados para não acessarem ao microfone em tempo integral. Esse recurso deve ser habilitado apenas durante o seu uso. 

Camadas de proteção

Considere que cada medida de proteção, física ou operacional, adotada é uma camada a mais que pode reduzir as vulnerabilidades da pessoa ameaçada ou ainda dificultar uma possível tentativa de violência por quem realiza a ameaça. Tomando como exemplo uma casa, certamente nenhuma porta ou janela será suficiente para barrar alguém que esteja determinado a arrombá-la, mas a porta com tranca servirá para atrasar a pessoa, vai forçá-la a fazer algum barulho e pode te dar tempo para alguma reação. Na mesma lógica, pode se incluir o uso de cães para alarde ou mesmo proteção, muros e cercas dos mais variados tipos, sistemas de câmeras de vigilância, alarmes sonoros simples (uma garrafa atrás de uma porta) ou sofisticados e assim por diante. O conjunto de práticas, medidas de proteção e/ou equipamentos são camadas que aumentam a segurança.

Estratégias diárias 

Alguns cuidados diários devem ser seguidos pelas pessoas sob ameaça, como não andar sozinha, mudar sempre de rota e não ter uma rotina para dificultar qualquer tentativa de estabelecer um padrão de suas atividades e planejarem um possível ataque. Sair e chegar em casa ou no escritório sempre nos mesmos horários e dias e frequentar sempre os mesmos lugares devem ser evitados nesse contexto. Mudar de endereço, de cidade ou estado por um período pode ser necessário e é um recurso comumente utilizado mas tem uma série de implicações, como deixar a família, parar a luta e dar uma pausa nos cuidados com o território. 

Atenção redobrada pode salvar vidas. Sob ameaça, é prudente estar sempre atento a todos acontecimentos ou mesmo em sinais de que algo não está na normalidade ou pode vir a acontecer, principalmente porque os ataques violentos algumas vezes não seguem um padrão. Alguns grupos têm feito registros posteriores de incidentes, ameaças e ataques e, assim, conseguem debater e partilhar entre outras pessoas como está a situação baseada em fatos.

Incidentes de segurança, que são aqueles acontecimentos que deixam dúvidas, também merecem atenção. Alguns exemplos podem ser, uma visita de pessoas desconhecidas de fora da comunidade perguntando pela liderança, um carro que passa a seguir seus caminhos ou a rondar a casa, a tentativa ou mesmo o roubo do celular, uma invasão ao escritório onde levam pouca coisa.

Além de maior atenção, da possibilidade de fazer e analisar registros formais e mudança de rotinas, quando uma pessoa está sob forte risco de algo acontecer devido a sua atuação política e/ou da defesa de direitos é recomendado adotar um conjunto de práticas que levam em conta o princípio da precaução. Por exemplo, seus deslocamentos, mesmo dentro da cidade ou de seu território, devem ser de conhecimento de pessoas de confiança que sabem onde, como, quais horários e com quem a pessoa estará. Monitorar os deslocamentos e dar pronto apoio quando necessário é fundamental para diminuir riscos e até salvar vidas. 

Ameaças, diretas ou indiretas, configuram um crime e é importante não normalizar a violência. Algumas pessoas recebem ameaças com tanta frequência que, com o tempo, deixam de levar a sério. As ameaças devem ser analisadas e todas elas levadas à polícia.

Proteção coletiva

A proteção não é uma prática individual e isolada de cada defensor, defensora ou liderança, mas um conjunto de ações também executadas por outras pessoas. E neste sentido, a Segurança em Rede tende ser a mais efetiva. Uma ação conjunta, que envolve o movimento, um círculo mais próximos de pessoas ou até a comunidade proporciona proteção e reduz a pressão sobre uma única liderança. Quanto mais conexão com as forças coletivas, sejam elas públicas, privadas ou da sociedade civil organizada, mais a proteção se estrutura a favor da integralidade do cuidado e a autonomia de pessoas ou grupos. 

Reconhecer a insuficiência do Estado Brasileiro, construir estratégias individuais e coletivas de proteção, compartilhar boas experiências e apoiar movimentos de resistência fortalecem a luta de lideranças e das instituições. Lembrando sempre que esses são apenas alguns pontos e que a prioridade absoluta de toda luta passa pela segurança e pela vida dos defensores/as e ativistas! Reconhecer a insuficiência do Estado Brasileiro, construir estratégias individuais e coletivas de proteção, compartilhar boas experiências e apoiar movimentos de resistência fortalecem a luta.

Esse texto foi escrito com colaboração de pessoas da Escola de Ativismo que atuam na área de segurança e proteção física/pessoal e operacional.

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