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Por trás do selo de “Alto em Açúcar Adicionado”: a história da luta pela regulamentação da alimentação

Em entrevista, Ana Paula Bortoletto detalha os perigos dos ultraprocessados, os interesses da indústria e os desafios no avanço do debate sobre alimentação no Brasil

Desde o desenvolvimento do Guia Alimentar para a População Brasileira, há dez anos, e muita coisa mudou no Brasil: saímos e voltamos do Mapa da Fome, a exportação de commodities do agronegócio bateu recordes e o debate sobre insegurança alimentar aumentou. Tanto é que desde outubro de 2022, alimentos e bebidas começaram a contar com um elemento essencial em suas embalagens: o selo frontal que alerta para quantidades alarmantes de açúcar, sódio e gorduras saturadas.

O selo frontal é exibido sempre que o alimento contém ao menos um dos nutrientes em níveis superiores aos preestabelecidos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Atualmente, pessoas publicam memes baseados no selo, refletem sobre a compra de um produto nos supermercados e veem com mais explicitude o que contém no alimento que vão consumir.

Como toda conquista significativa para a população brasileira é gerada a partir de luta e pesquisa, fomos buscar entender onde e porque o selo começou a ser gestado. Também queríamos buscar entender mais sobre a potência dos ultraprocessados, os riscos da insegurança alimentar e como o debate da alimentação se entrelaça com a democracia.

Por isso, conversamos com a Ana Paula Bortoletto Martins, professora doutora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, pesquisadora científica do NUPENS/USP e da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da USP.

Ana Paula foi essencial para a implementação do selo: na época da disputa e do debate com a Anvisa, trabalhava no IDEC (Instituto de Defesa de Consumidores) como Coordenadora do Programa de Alimentação Saudável. Com uma bagagem de enfoque na área de Regulação do Ambiente Alimentar, Bortoletto respondeu às nossas perguntas com entusiasmo e a sabedoria de que a evidência é chave para transformar vidas através de mudanças sistêmicas.

Escola de Ativismo: O ataque aos direitos humanos leva a políticas públicas muito mais frágeis, suscetíveis a desmontes. Os entrelaços da cidadania a com alimentação nem sempre são feitos de uma forma clara no debate público. Como a alimentação se relaciona com a democracia?

Ana Paula Bortoletto Martins: Acho que hoje no Brasil e no mundo, há o reconhecimento de olhar para alimentação como um direito.É fundamental que tenhamos espaços de construção de políticas que favoreçam que esse direito seja alcançado da sua forma mais plena e completa.

Todos os modelos que temos  de implementação de políticas que tiveram algum tipo de restrição à democracia, de ditadura, de totalitarismo, ou seja qual for o modelo, faz com que se tomem decisões muito baseadas em olhares parciais, a fim de não respeitar o culto alimentar. É a falta da diversidade de arranjos possíveis para o sistema alimentar funcionar de uma forma saudável. A democracia é, sem dúvida, fundamental para a garantia da segurança alimentar de uma forma plena e completa.

"A indústria de ultraprocessados é uma grande provocadora da crise climática. Ela demanda matéria-prima de commodities e com isso favorece a produção em larga escala, monoculturas etc. Por si só, a matéria-prima dessa cadeia produtiva já gera um sistema alimentar que impacta o meio ambiente. E para aproveitar essa crise, desenvolve estratégias para fazer parecer que seus produtos são mais sustentáveis".

Você mencionou desafios. Um dos maiores que vivemos é a crise climática. Com que olhar você vê esse aproveitamento, por exemplo, da indústria diante das mudanças do clima?

A indústria de ultraprocessados é uma grande provocadora da crise climática. Ela demanda matéria-prima de commodities e com isso favorece a produção em larga escala, monoculturas etc. Por si só, a matéria-prima dessa cadeia produtiva já gera um sistema alimentar que impacta o meio ambiente. E para aproveitar essa crise, desenvolve estratégias para fazer parecer que seus produtos são mais sustentáveis — o que na verdade não são.

São respostas parciais as que são feitas em relação a produtos ultraprocessados plant-based [feitos com plantas], em relação a selos, embalagens disfarçadas para dizer que eles são sustentáveis e responsáveis em relação ao meio ambiente. A lógica de produção acaba sendo muito mais perversa e com impacto muito mais negativo do que esses produtos que parecem ser sustentáveis. 

Isso atrapalha porque confunde as pessoas. As pessoas acham que estão fazendo uma escolha que é favorável para o meio ambiente, quando o que está por trás é um sistema alimentar que pouco o favorece. Não tenho visto nenhum caminho que a indústria de ultraprocessados tenha desenvolvido para, de fato, se colocar [como mitigadora de impactos].

A indústria vai pelas possibilidades de greenwashing, de parecer que é, mas, no fundo, a forma como eles estão organizados tende a ser muito mais impactante do que essa fachada, em relação a transporte, em relação a embalagem, em relação a como eles lidam com os fornecedores, o respeito aos agricultores, a exploração dos pequenos agricultores para fornecer matérias-primas.

Uma certa vez a gente leu um texto por aqui, da Alessandra Munduruku, em que ela fala que na cidade grande não é possível você andar pela rua e você talvez pegar uma fruta tão facilmente numa árvore. Na aldeia em que ela vive, o alimento que comem é compartilhado, tem ali, está na terra, está no território. A gente não vê mais isso nas nossas cidades. Mudou muito a nossa forma de comer fruta?

Na verdade, pelos dados que temos da pesquisa de orçamentos familiares, o consumo de frutas sempre foi muito baixo. Não podemos  dizer que a mudança da urbanização provocou essa redução no nível populacional. É interessante olhar os dados porque, mesmo com o aumento do consumo de ultraprocessados, não muda tanto o consumo de frutas e hortaliças, que já é baixo. É um dos desafios enormes que a gente tem além de restringir o que é processado, é como poder aumentar o consumo e essa diversificação de alimentos saudáveis.

Eu entendo essa questão que você traz como uma percepção, né? Desse afastamento das pessoas em relação à natureza, à valorizada onde vem o alimento, ou de pensar que pode ter um alimento mais fácil, acessível e barato, sem depender de um grande supermercado. É um impacto que a gente vê nessa memória, das normas sociais que foram mudando.

Hoje, tem lugares no Brasil que ainda tem uma grande disponibilidade de frutas, mas as pessoas também não querem, não aproveitam. Então acho que tem uma coisa aí maior em relação a entender esse acesso a alimentos no quintal e nas ruas, em como alimentos que devem ser valorizados.

"Sempre foi uma construção coletiva. Não foi uma ideia, uma pessoa que veio e falou. Foi uma construção de pessoas, de inspirações e de acúmulos de experiências."

É muito importante para nós, na Escola de Ativismo, entendermos como uma conquista se torna uma conquista. Um dos pontos que eu soube que são muito essenciais na sua luta é o selo alimentar. Como surgiu essa ideia? Por quê?

Eu comecei a trabalhar no IDEC e foi uma experiência muito interessante de reconhecer a conexão do direito da alimentação com o direito do consumidor. As pessoas pensam o consumidor como uma coisa “ah, é consumidor, é consumismo, é quem quer consumir, quer comprar”. Mas a gente tem uma construção bem importante de consumidor no sentido da cidadania, de lutar por direitos coletivos, né?

O Código de Defesa do Consumidor brasileiro é referência. Foi construído na época da redemocratização, junto com o SUS e outras coisas. Ele traz uma lógica de princípios, de como devem funcionar as relações entre pessoas e empresas. Quem detém o poder e a informação do que está sendo ofertado são as empresas, portanto, elas também têm a obrigação de garantir que os consumidores, por estarem mais vulneráveis, recebam todo tipo de informação, de apoio para que essa relação seja o mais justa possível. 

Eu não conhecia tanto o tema da rotulagem, mas lá no IDEC já era uma temática que vinha se valorizando há muito tempo com pesquisas e atuações. Quando cheguei, tive essa oportunidade de discutir sobre a rotulagem nutricional, que era inicialmente apenas a tabela que fica atrás da embalagem.

Logo em seguida surgiu a iniciativa dos octógonos pretos, no Chile. Foi o primeiro país que adotou selos frontais na abordagem de advertência, e ficamos encantados com essa experiência. Nessa época, eu comecei a participar de algumas reuniões do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). Lá, a gente teve uma discussão sobre isso, e falamos, “vamos incitar a Anvisa para começar a discutir sobre o tema.”

Tinha uma abertura política na época, então a Anvisa topou começar a discussão. Nem havíamos feito uma proposta, mas começou-se a discutir o que que ia ser essa rotulagem nutricional e quais eram os problemas. Conseguimos  fazer uma discussão bem aberta com a participação da sociedade civil e da academia. E até com a indústria.

Fui entendendo a lógica, a dinâmica, o que a Anvisa queria propor. Fomos conversar com outros grupos.  E foi assim que eu conheci um grupo que trabalha com design da informação, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) , e junto com eles, desenhamos uma proposta que achamos mais adequada para o Brasil. Eles propuseram o formato dos triângulos, e a gente na parte funcional propôs as regras da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), para dizer o que é alto em açúcar, gordura, sódio. Isso porque a conformação do selo depende das duas componentes: o design e o perfil de nutrientes.

A gente já tinha recomendação da OPAS do que deveria ser o critério para isso. Com essa proposta, a gente conseguiu fazer estudos para validar essa proposta aqui no Brasil. Fizemos um monte de campanha, porque havia a possibilidade de fazer campanha de informação em massa. Foi incrível fazer a articulação direta com diretores da Anvisa.

Quanto à ação de rua, foi uma época muito intensa de mobilização. A gente defendeu o triângulo até o final, tinha ali uma proposta muito consistente. Mas isso acabou se transformando. De todo modo, sempre foi uma construção coletiva. Não foi uma ideia, uma pessoa que veio e falou. Foi uma construção de pessoas, de inspirações e de acúmulos de experiências.

O triângulo foi considerado por eles, mas acabou perdendo pela correlação de forças com a indústria. A Anvisa acabou optando pela lupa, por ser uma mediação com a indústria, mas já foi algo positivo por si só.

Não seria a abordagem no semáforo que a indústria queria: a indústria teve que se dobrar e aceitar essa proposta, bem diferente do que eles queriam. Os critérios para dizer o que é alto [em sódio, açúcar etc.] ainda são muito flexíveis, mas chegamos num reconhecimento da necessidade de avançar com essa agenda. Com a implementação da rotulagem acontecendo, isso muda a norma social, isso muda como as pessoas se relacionam com a alimentação, e a gente quer seguir melhorando.

Você mencionou que houve esse impasse com a indústria. Como lidar com essa resistência da indústria com o que vocês queriam? O que exatamente a indústria queria e que não era conciliável para vocês? Não só para vocês, mas para a sociedade.

Eu acho que a indústria não queria nada, né? Eles queriam manter como estava, uma proposta que afetasse menos a embalagem. Diziam que o triângulo ia causar medo nas pessoas, que as pessoas iam deixar de consumir.

Fizeram previsões econômicas catastróficas, de que o mercado de alimentos ia falir. Eles queriam uma proposta, então defenderam a proposta do semáforo, que a gente já sabe que não funciona por ter impactos bem pequenos.

No começo da discussão eles achavam tudo muito fácil, porque estavam mal acostumados a lidar com a Anvisa e ganhar a causa, sabe? Depois, se assustaram e organizaram a rede de rotulagem, que é uma rede enorme com todas as associações da indústria de alimentos. Virou uma coisa muito grande de posicionamento da indústria.

Eles influenciaram ali. A gente não tem provas, detalhes, mas induziram a indicação do próximo diretor indicado, para que fosse uma pessoa mais alinhada com o interesse do lucro. Muitos conflitos de interesses nesse meio de campo que a gente não sabe…

Os avisos logo ganharam as redes sociais e se tornaram memes.

Foto: Montagem/Escola de Ativismo

 

E como está a luta agora? 

O que está pegando mais hoje na Anvisa são duas discussões. Uma é para melhorar as normas sobre adoçantes, que estão chamadas tecnicamente de edulcorantes, porque a gente já sabe que é um efeito colateral da lupa é aumentar a quantidade de adoçante nos produtos. A reformulação mais fácil feita pelas indústrias é tirar o açúcar e inserir o edulcorante. No Chile aconteceu a mesma coisa.

No Chile, não há advertência para educorante, adoçante. Está sendo uma grande polêmica, porque as pessoas da área da tecnologia de alimentos defendem que os edulcorantes são seguros, que tem toda uma análise toxicológica que é feita. Mas nós, do campo da saúde pública, vemos limitações nessa forma de avaliar a segurança dos edulcorantes, principalmente na forma combinada em que pessoas consomem vários edulcorantes ao mesmo tempo.

Se você observar nos rótulos hoje, não tem um destaque muito grande sobre ter adoçante. A Coca-Cola está reformulando sua fórmula e colocando menos açúcar, mas com um destaque bem pequeno. É com adoçante, mas não é diet, não é light. Acho que tem um grau de enganosidade das pessoas… fora os que são para criança, porque como a dose máxima de consumo de adoçante é de acordo com o peso corporal, essa dose é muito baixa no público infantil.

A outra ideia é melhorar as regras do que é considerado alto em açúcar, sódio e gordura. Talvez seja um pouco mais de médio e longo prazo, mas a gente percebe que tem uma abertura para rever esses valores, para que mais produtos recebam a lupa, e toda essa lógica é pensada em aumentar o alinhamento da norma da rotulagem com o Guia Alimentar [para a População Brasileira], a nossa principal referência de alimentação saudável.

Quanto mais a lupa for capaz de identificar quais são os ultraprocessados, mais fácil vai ser com que as pessoas sigam as recomendações do Guia.

Tem gente que está por dentro do assunto, tem gente que não está. Como que a gente consegue dizer o que é um ultraprocessado?

O jeito mais prático de identificar é ler a lista de ingredientes. Na lista de ingredientes você vai conseguir ler, apesar de aparecer com uma letrinha pequena. Às vezes escondido, mas é onde aparecem todos os ingredientes, todas as substâncias que são incluídas naquele alimento. O ultraprocessado tem lá extratos, xaropes, substâncias que não reconhecemos que a gente usa na nossa cozinha, como maltodextrina, proteína extrusada, gordura de algum tipo. Não tem mais a gordura hidrogenada, mas tem a interesterificada. Ou então aditivos alimentares, como corantes, aromatizantes, emulsificantes, que vão mudar a cor, o cheiro e a textura dos alimentos.

Na prática eu diria que esse é o jeito mais fácil de identificar. Tem que ler mesmo os nomes do que aquele produto compõe. Se ele tiver alimentos e sal, ou gordura, ele vai ser processado. Em geral, alguns dos alimentos in natura minimamente processados nem precisam ter a lista de ingredientes, porque você já olha, já reconhece o açúcar, feijão, arroz, lentilha, e por aí vai.

"Quanto mais a lupa for capaz de identificar quais são os ultraprocessados, mais fácil vai ser com que as pessoas sigam as recomendações do Guia [Alimentar para a População Brasileira]".

 

Recentemente fui ao supermercado e tomei um susto com a quantidade de produtos ultraprocessados, misturados, irreais. As pessoas estavam pegando os alimentos sem ler. Você mencionou que a publicidade tem um papel chave em fazer com que as pessoas consumam esses produtos.

A publicidade tem que ser regulada. A gente tem que proibir publicidade infantil, tem que ter restrições de publicidade para ultraprocessados, nas escolas, nos parques, nos locais públicos em que as crianças frequentam. Tem que seguir mais por esse caminho.

Óbvio que o marketing social é um campo que está se desenvolvendo, de pensar mensagens e ações que estimulem hábitos saudáveis. Isso é bacana, mas vai ser difícil contrapor com essa agressiva estratégia de marketing sem ter algum tipo de regulação mais efetiva.

É uma oportunidade colocada para que produtos que tenham a lupa possam ter algum tipo de advertência depois da publicidade na TV. Como havia com o cigarro. Acho que essa é a lógica.

Tem um grupo da Argentina que faz uma contra-publicidade, digamos assim. Eles pegam em cartazes nas ruas, ou mais de mídia de massa mesmo, e aí fazem colagens, lambe-lambes e tal, é bem legal. E tem também uma, todo um conjunto de marketing social pensado de mídia de massas para avançar com políticas públicas no campo da saúde, né?

Eu não poderia deixar de falar dos 10 anos do Guia Alimentar para a População Brasileira. Após uma década, o Guia é atual. Apesar disso, o cenário que a gente tem hoje não é aquele que gostaríamos, apesar de todas as recomendações que estão escritas por lá. Quais são os caminhos que a gente tem que priorizar para poder fazer com que o Guia seja uma realidade implementada pelos próximos anos?

Temos  muitos desafios para que ele seja implementado, que seja mais divulgado, que seja mais utilizado nas políticas. São muitas frentes de trabalho para que isso aconteça.

Uma delas é investir na incorporação do Guia em todas as políticas públicas de segurança alimentar. Por exemplo, as políticas que vão desde a agricultura familiar até olhar para o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que já tem bastante incorporações do Guia, para políticas de enfrentamento emergencial. A gente avançou com a nova cesta básica, que também prevê que não tenha ultraprocessados. Isso vai começar a ser implementado agora. 

Além disso, um investimento maior é para qualificar os profissionais da saúde para aplicar o Guia Alimentar. A gente tem agora um curso virtual que é o QualiGuia, para que os profissionais de saúde já possam aplicar o Guia.

Ainda hoje a gente vê materiais didáticos nas escolas desatualizados, que não consideram o Guia. Esse é um grande desafio, que eu nem sei muito por onde começar, mas talvez com as editoras e tal, para esse alinhamento.

E acho que cobrindo essas frentes aí, segurança alimentar, saúde, educação, a gente conseguiria aumentar bastante esse alcance. Quanto mais, melhor. Não tenho muita expectativa que a gente consiga ter grandes campanhas massivas de comunicação, porque a indústria pega pesado.

"O aumento da insegurança alimentar no Brasil, que vem de 2016 para cá, fez com que as pessoas tivessem que direcionar suas escolhas pro que é mais barato. Hoje o mais barato é ultraprocessado. As pessoas associam a pobreza com a falta de comida, mas não com a baixa qualidade dos alimentos."

Não dá para listar tudo, mas o que você tem percebido que tem sido mais impactante dos ultraprocessados na saúde das pessoas?

Tem um estudo que fez um compilado de todas as doenças relacionadas com pré-processados: eles foram relacionados com mais de 30 tipos de doenças. As que a gente tem evidência mais forte tem a ver com obesidade, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer, distúrbios de saúde mental, como depressão, ansiedade, distúrbios gastrointestinais e até mesmo doenças respiratórias. 

As pessoas ainda não entendem que, talvez, ter dinheiro para comprar apenas um pacote de biscoito é insegurança alimentar. Ainda são poucas as problematizações diante da realidade de uma pessoa que só tem dinheiro para comprar um suco, que na verdade não é um suco, mas sim alguma outra coisa. Por que você acha que os ultraprocessados entraram com tanta força na nossa casa e na nossa vida?

 

É super importante essa pergunta. Mais recentemente o ultraprocessado está mais barato. Fomos olhar algumas décadas anteriores e a gente via que quem consumia ultraprocessado era a população mais rica, a que tinha acesso financeiro para comprar esse tipo de produto. Para ser mais exata, estamos falando dos 20% da população mais ricos.

Com o passar do tempo, a gente tem visto que a dinâmica de preço de alimentos no Brasil e no mundo tem mudado muito. Todas essas crises, como a crise climática e a de baixos incentivos para os alimentos saudáveis, fazem com que esses alimentos saudáveis estejam aumentando de preço. Isso torna os ultraprocessados mais baratos, que dependem só de monoculturas, poucos ingredientes que não são commodities. Açúcar, trigo, milho, soja… basicamente são esses quatro ingredientes que compõem os ultraprocessados.

O aumento da insegurança alimentar no Brasil, que vem de 2016 para cá, fez com que as pessoas tivessem que direcionar suas escolhas pro que é mais barato. Hoje o mais barato é ultraprocessado. As pessoas associam a pobreza com a falta de comida, mas não com a baixa qualidade dos alimentos.

Isso faz com que apareçam críticas falando que não se pode criticar o que as pessoas estão consumindo porque é o que elas têm acesso. Mas se não é um acesso de qualidade, a pessoa continua em insegurança alimentar. Ela continua com mais riscos de desenvolver doenças. A gente não pode deixar de falar sobre isso. A pessoa tem situação de fome e a gente quer que todo mundo tenha acesso a alimentos de qualidade.

O ultraprocessado tem que ser usado para combater a fome. E se é o que tem para pessoa consumir, claro que numa situação emergencial, é o que ela vai fazer. Mas a gente não pode deixar de considerar que isso não é suficiente, e tanto é que os dados que a gente tem atualmente mostram que aquele pessoal mais rico que está no patamar dos 20% mais ricos desacelerou, não está consumindo mais. 

Tem toda a publicidade envolvida, todo o estímulo ao consumo a esses produtos como um pertencimento a um grupo seleto de pessoas que consegue consumi-los. Como que a gente vai dizer que quem está numa situação com menos renda não pode consumir, se a publicidade coloca todo mundo nessa tensão aí de querer consumir mais esses produtos? Acho que tem muitas coisas em jogo.

 

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