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As redes sociais se alinham com a extrema-direita: o que isso significa para a democracia?

Especialistas da área de tecnologia explicam que os interesses econômicos das big techs estão unidos com os interesses políticos da direita radical. Entenda a ligação e como isso pode afetar a sociedade dentro e fora do ambiente digital.

A aliança das grandes plataformas digitais com a extrema-direita está cada vez mais explícita. Em uma época em que o populismo digital se tornou uma “arma letal”, há quem encontre o cenário perfeito para manipular a opinião pública, promover discursos de ódio na internet e desestabilizar a democracia.  Especialistas da área da tecnologia alertam que o pacto ideológico que envolve as big techs e a direita radical no Brasil e no mundo pode causar consequências gravíssimas. 

No dia 7 de janeiro, Mark Zuckerberg, dono da Meta – empresa controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp – anunciou mudanças nas políticas de moderação de conteúdo de suas plataformas. Em sua declaração ao mundo, Zuckerberg disse que os moderadores profissionais utilizados até agora são “muito tendenciosos politicamente” e que era “hora de voltar às nossas raízes, em torno da liberdade de expressão”.

Onda conservadora, liberdade de expressão e Trump

As mudanças nas políticas da Meta, empresa de Zuckerberg, têm o objetivo de eliminar ou alterar a política de combate à desinformação promovida pela empresa a partir de pressão de governos e setores da sociedade civil, nos últimos anos. O anúncio ocorreu dias antes da posse de Donald Trump e também destaca o seu posicionamento de alinhamento com o presidente dos Estados Unidos e com a extrema-direita internacional. 

Além de Zuckerberg, Sundar Pichai (CEO do Google) e Elon Musk (CEO do X – antigo Twitter) participaram da posse de Trump no dia 20 de janeiro. A presença dos CEOs das big techs na cerimônia de um extremista escancara que essas plataformas são geridas por pessoas que têm um lado. Na posse, Elon Musk, que agora também integra o governo Trump, fez uma saudação nazista. O bilionário caminha na mesma direção de Zuckerberg, sendo contrário à ideia de regulamentação das redes sociais para defender uma “liberdade de expressão absoluta e o fim da censura” e ao mesmo tempo a radicalização, o extremismo, os discursos de ódio e o alto risco para a democracia.

O fim do programa de checagem dos fatos ainda está restrito aos EUA, mas outros mecanismos do Programa de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), promovido pela empresa, que dizem respeito à moderação de conteúdo que violem direitos humanos já estão em vigor no Brasil. Com as mudanças nas diretrizes, a Meta agora permite, inclusive, que publicações que reforçam preconceitos raciais, religiosos, de gênero e contra outros grupos minorizados sejam feitas. As novas regras terão impacto devastador para a vida das pessoas, em especial no Brasil, país que mais mata transexuais no mundo, tem alto índice de intolerância religiosa e está entre os primeiros em assassinato de mulheres.

Risco à democracia

Além de ataques contra pessoas, grupos e comunidades, as plataformas de Zuckerberg e Musk representam alto risco para processos democráticos. Sem regulação, as principais redes sociais são frequentemente utilizadas para espalhar desinformação que confundem o público e influenciam decisões políticas e até processos eleitorais legítimos.  E a direita radical tem consciência de que é beneficiada.

A coordenadora executiva do Intervozes, Ana Mielke, explica que as redes sociais sem regulação podem enfraquecer os processos democráticos. Mas nem sempre foi assim. Há alguns anos o uso de redes sociais impactou a democracia de forma positiva, provocando a diversidade de vozes e atuando em torno de assuntos de interesse público.

“A internet já teve papel fundamental na luta contra as desigualdades econômicas e sociais da globalização no movimento Occupy Wall Street e também nas diferentes manifestações que englobam a chamada Primavera Árabe. Porém, a segunda década dos anos 2000, após a crescente privatização do ambiente digital, com o crescimento de grandes big techs como Google (Alphabet) e Facebook (Meta) produziram um fenômeno inverso ao da democratização, circunscrevendo os debates públicos a circuitos específicos, bolhas informacionais, que por sua vez, são mediadas por interesses privados e comerciais, pois visam lucro”. 

 

 Ana Mielke – coordenadora executiva do Intervozes l Foto: Arquivo Pessoal

Ana explica que essas mudanças recentes conversam muito com o alinhamento evidente entre os interesses econômicos das plataformas digitais e os interesses políticos da extrema direita. 

“Para a extrema-direita, a regulação das plataformas implica pôr freio à disseminação massiva de desinformação, principal método utilizado por este segmento para difundir seus ideais e conquistar mentes. A desinformação é a principal estratégia da extrema direita nos tempos atuais. Combatê-la é criar barreiras para o crescimento deste campo. Aqui vale destacar que esta estratégia da extrema direita cresceu e se desenvolveu em função do modelo de negócios das próprias plataformas, que privilegiam conteúdos que geram cliques e engajamentos, não importando se tais conteúdos são corretos, factuais ou respeitem os direitos humanos”, afirmou. 

Ana, que também integra o grupo de pesquisa ‘Violência em tempos sombrios’, ligado ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP), que pesquisa temas como desinformação, novas tecnologias e autoritarismo algoritmo, explica que os usuários radicais utilizam as ferramentas beneficiando o lucro das mesmas. Como o modelo de negócio das plataformas é baseado em cliques e engajamento –  mais fértil ao polemicismo, especulação, sensacionalismo e desinformação – as informações íntegras e credíveis do campo progressista não têm espaço para competir com o mercado do sensacionalismo. 

Paulo Faltay, coordenador do Estopim – Laboratório em Tecnopolítica, Comunicação e Subjetividade na UFPE –  e pesquisador das relações entre tecnologia, comunicação e sociedade, afirma que essas plataformas agem ideologicamente de uma maneira deliberada fazendo com que o algorítmico privilegie certos discursos.  

“São privilegiados os discursos sensacionalistas, discursos de ódio, discursos racistas, misóginos, xenofóbicos, lgbtfóbicos ou teorias da conspiração, discursos muitas vezes dúbios. Como forma de capturar a atenção, de manter as pessoas engajadas nessas plataformas. Essas medidas de checagem e de moderação, elas foram um certo band-aid que essas plataformas passaram a construir por uma pressão do povo e da sociedade civil organizada, de movimentos sociais”, disse Paulo.

Ambientes digitais inseguros e desregulados promovem o lucro acima dos direitos fundamentais. Tanto a extrema direita quanto os CEOs das plataformas são beneficiados. Faltay acredita que essa aliança cada vez mais forte deve piorar o ambiente informacional em que estamos inseridos.

“A gente está mais vulnerável quanto à integridade informacional desse ecossistema de informação. Da internet que perde qualquer tipo de anteparo, barreira que impedia esses discursos, sejam discursos discriminatórios, violadores de direitos, discursos mentirosos que agem para confundir, desinformar, ter uma informação que não é inteira. Então todo esse cenário de integridade informativa, de boa informação no ecossistema midiático de plataformas da internet, ele perde, ou tende a perder, aponta para um horizonte em que essas grandes companhias, essas big techs vão estar desligando, destruindo pequenos anteparos que fizeram”, explica. 

Paulo Faltay pesquisa as relações entre tecnologia, comunicação e sociedade. Foto: Arquivo Pessoal

O pesquisador diz que, como as plataformas são estadunidenses, existe uma aliança forte de extrema-direita capitaneada por Trump, que é de não impor qualquer tipo de freio, limite e regulações. “Isso eu acho que está muito evidente no discurso do Zuckerberg. Ideologicamente, esses grandes executivos do Vale do Silício, das Big Techs, estão indo nessa dimensão ideológica, mesmo subjetiva e masculinista. Então, existe uma adesão, não só oportunista, mas existe uma adesão de valores também”.

Viés estadunidense

A jornalista e Educadora Popular em Cuidados Digitais da Escola de Ativismo, Nirvana Lima, afirma que todos os acontecimentos nos mostram que a internet não é neutra. “A internet, enquanto uma vasta rede global, coexiste de maneira intrínseca com a soberania digital dos Estados Unidos. Está cada vez mais evidente que a relação entre tecnologia e política é indissolúvel. E que a política utiliza a tecnologia como um instrumento para consolidar seu poder, ultrapassando limites comerciais e invadindo o campo geopolítico”.

Nirvana Lima é educadora popular em Cuidados Digitais da Escola de Ativismo l Foto: Arquivo Pessoal

Esse favorecimento algorítmico a determinados grupos de usuários em detrimento de outros acontece no Brasil. A eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro foi amplamente marcada pelo uso intenso e indevido das redes sociais. Em 1º de janeiro de 2019, na posse de Bolsonaro, seus apoiadores gritavam “WhatsApp” e “Facebook”. A manifestação mostra que os eleitores viam essas plataformas como fundamentais para o crescimento do bolsonarismo e para a eleição do extremista.

Enfrentar monopólios

Diante desse cenário, Ana Mielke, do Intervozes, pontua que é preciso enfrentar o monopólio privado no campo das tecnologias. “Isso é possível apostando na construção de políticas públicas de desenvolvimento tecnológico, o que envolve, por exemplo, plataformas públicas, soberanas e de códigos abertos, especialmente quando falamos de aplicativos de mensagem, como o Whatsapp, fundamentais para o direito à comunicação no Brasil. Isso também e, por exemplo, implica proibir que serviços públicos estejam vinculados à obtenção de perfis (cadastro) em plataformas privadas. Esta proibição poderia ser realizada de imediato, por meio de legislação, e poderia se estender, por exemplo, à recusa do uso de plataformas com o Google para acessar serviços educacionais públicos”, disse. 

Paulo Faltay acredita que no campo mais coletivo temos que lutar por regulamentações. “É a ferramenta que a gente tem. Veja que a justiça é uma ferramenta que eles estão atacando. As legislações, as cortes constitucionais dos outros países, enfim, uma certa ideia que está girando em torno da soberania digital. Então, é preciso lutar por uma regulação e lutar por uma soberania. Na disputa que a gente tem hoje, pragmática, concreta, acho que a forma de combater esse retrocesso é tendo legislações. Falando que essas empresas estrangeiras, americanas, norte-global, obedeçam às legislações dos países, pensando aqui do Brasil”. 

A educadora popular em Cuidados Digitais da Escola de Ativismo, Nirvana Lima, diz que para não adoecermos diante desse cenário, um bom ponto de partida é entender exatamente o que estamos enfrentando. “Desenvolver competências e habilidades digitais é essencial para um bem-viver na internet, o que inclui a capacidade de avaliar criticamente não só o nosso consumo online, mas também as lógicas sociopolíticas das plataformas. Também é crucial reconhecer que a atenção e o tempo que dedicamos ao ambiente digital são uma valiosa moeda. É preciso desenvolver um relacionamento menos nocivo com as telas que nos cercam, priorizando o autocuidado não apenas no ambiente online, mas, sobretudo, no offline. A desconexão, mesmo que temporária, é essencial para alcançar um equilíbrio entre tais mundos cada vez mais difíceis de separar”, conclui.

O que fazer?

Diante desse cenários, nos perguntamos: de que forma podemos continuar na internet? Existe uma forma de enfrentar esse retrocesso de forma segura? Especialistas acreditam que soluções para esses problemas sejam difíceis, mas há alguns caminhos. Afinal, as redes sociais alcançaram um papel fundamental na vida digital das pessoas e a internet também é uma ferramenta de luta de milhares de movimentos que cobram melhores condições de vida para diferentes frentes.  

Um dos caminhos para o campo individual e coletivo é ter sempre cuidados digitais ao usar todas as plataformas, exigir regulação e medidas para evitar qualquer tipo de discriminação e cobrar que o parlamento brasileiro que legisle para a proteção de direitos. E enquanto cobramos, podemos optar pelo uso de aplicativos alternativos. 

Embora não estejam em evidência, como as redes sociais aliadas à extrema-direita, há outros aplicativos com as mesmas ferramentas, funcionalidades e layouts semelhantes disponíveis para download. 

  • Signal, ao invés de Whatsapp
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O Signal possui vantagens se comparado com alguns outros mensageiros e é usado predominantemente por pessoas que se preocupam com segurança online. O aplicativo móvel oferece serviço de envio de mensagens instantâneas e chamadas protegidas com um protocolo de criptografia extremamente seguro.  Por oferecer privacidade e baixíssima (quase nula) possibilidade de invasões, a recomendação é que ativistas, comunicadores e defensores de direitos humanos que trabalham com informações sensíveis e confidenciais ou apenas pessoas querendo mais privacidade nas suas comunicações.

O Mastodon é livre de algoritmos e possui moderação autogestionada. Na plataforma é possível construir um público de confiança, com possibilidade de gerenciá-lo sem intermediários e controlar sua própria linha do tempo. O aplicativo suporta mensagens de áudio, vídeo e imagem, descrições de acessibilidade, enquetes, avisos de conteúdo, avatares animados, emojis personalizados, controle de corte de miniaturas e muito mais, para ajudá-lo a se expressar online.

O aplicativo possui layout semelhante ao Instagram, mas está livre dos algoritmos tóxicos. Com o Pixelfed é possível explorar  e compartilhar fotos e vídeos. O aplicativo oferece mais privacidade e segurança e pode ser usado para interação e troca de mensagens instantâneas. Já o Loops, criado pela Pixelfed, é focado em publicação de vídeos curtos, similar aos stories e à plataforma chinesa TikTok.

Friendica (antes conhecido por Friendika) é um software de código aberto que implementa uma rede social distribuída. Tem uma ênfase em opções avançadas de privacidade e uma fácil instalação. Objetiva a comunicação com tantas outras redes sociais quanto forem possíveis.

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