Escola de Ativismo

Luh Ferreira

Educadora Popular, ativista, doutora em Educação

Encantada com o mundo, indignada com a situação dele

Por uma comunicação que construa novos mundos: a identidade como estrutura e o papel do jornalismo de causas

Por Mario Campagnani – 23/09/2025

Ana Flor Fernades, Raquel Kariri, Cristian Góes e Rosane Borges durante a roda de conversa / Foto: Nayara Almeida

Escrever sobre o que acontece no mundo, definir que informações são importantes de serem divulgadas não é apenas reportar, mas também alterar, construir a realidade. A opção adotada pela imprensa comercial na construção da imagem do que é o Brasil, o brasileiro, chegou a um momento de colapso, tanto na questão da credibilidade como também na dificuldade de se adaptar às novas formas de se comunicar. Se a partir daí vemos uma possibilidade de construir algo novo por meio do jornalismo de causas, da comunicação ativista, há também a imensa responsabilidade de não acabar perpetuando esses antigos valores.

Porque ao falar dos problemas estruturais, o jornalismo de causas também precisa se identificar como parte dessa estrutura, e pode acabar reformulando, mas mantendo as opressões se não houver um incômodo, uma vontade de construir novas formas de pensar, ressaltaram os participantes do debate “Questões identitárias ou estruturais? O que pode o jornalismo de causas”, realizado durante o Fala! Festival de comunicação, cultura e jornalismo de causas.

Para Raquel Kariri, da Escola Livre de Ancestralidades Kariri, é necessária uma reconfiguração do jornalismo a partir do debate da ancestralidade, o debate que os povos indígenas vêm trazendo. A primeira questão, segundo ela, é a necessidade de reconhecer que o mundo, a biosfera, está em colapso.

“Ou eu falo para comunicar outro mundo, ou eu falo para reativar minha rede de magia e encantaria para fazer frente ao esvaziamento neoliberal ou não estamos fazendo nada. Ou reativamos a magia a partir do nosso território, ou então a gente vai passar pelas ruínas desse planeta de forma indigna. Que tenhamos a capacidade de nos unir, mas também para a anunciação de outros mundos, outras vidas de encantaria”, afirmou a ativista.

Dentro desse esvaziamento nada é por acaso, lembra o jornalista Cristian Góes, coordenador na Mangue Jornalismo. O projeto político de construção do Brasil precisou de uma forma de ver o mundo onde o diferente, o inimigo, foi um papel imposto a todos aqueles que não eram homens brancos.

“Tudo que não era o ‘nós’ eram os outros, os de fora, dentro dessa ideia europeia de estado nação. Os outros eram invasores nessa concepção europeia. Aqui no Brasil, onde a configuração é diferente, esse papel do outro foi colocado nas populações negra, nos povos tradicionais”, afirmou Góes, acrescentando que discutir o jornalismo de causas é discutir a questão de estrutura do Brasil.

“Pensar o jornalismo de causas sem meter o dedo na estrutura, mobiliza mas não transforma. Não é apenas trazer a cultura só pela cultura, não é só trazer as questões da identidade para cima da estrutura, mas é pensar essas questões mexendo nela. Inclusive, é preciso libertar o jornalismo aprisionado nas instituições. Esse modelo está falido, em parte pelo trabalho das mídias independentes, mas precisa ser radicalizado, para que não fiquemos numa espécie de superfície do campo jornalístico. Eu quero que façamos jornalismo identitário, com ancestralidade, mas indo a fundo, sem ficar só na superfície”.

 

Os caminhos da invisibilização

A comunicação hegemônica, que é parte desse projeto estrutural que vem levando o mundo ao colapso, atua de formas perversas com esses corpos que lutam por reconhecimento. No debate foram apresentados os conceitos de invisibilidade pela ausência e pela presença. A primeira é aquela que apenas ignora, que não abre espaço para essas histórias, como se elas não existissem. A outra é quando a própria representação é feita de uma forma que não está interessada na descrição, no aprofundamento dessas vidas e histórias, mas sim na construção dessas figuras como inimigos, sujeitos matáveis, como ocorre com a população negra, os sem-terra e as travestis, por exemplo.

A educadora Ana Flor Fernandes, pesquisadora de gênero, sexualidade e política, lembra quando era criança e voltava da praia com sua família em Recife e, ao passar por uma avenida que era ponto de trabalho sexual de travestis, as pessoas fechavam as janelas dos carros, havia um medo daquelas pessoas que ela também sentia. Ao escrever sobre isso, sobre ter se tornado algo que ela mesma inicialmente tinha medo, ela também começou a pesquisar sobre o papel da imprensa na construção desse sentimento.

“Meu trabalho costura de alguma forma o que o jornalismo foi capaz de fazer com essa identidade. Não foi apenas a polícia durante a ditadura militar que fez com que as travestis fossem presas. Foi também pelo o que o jornalismo é capaz de subjetivar, quando você assiste ou lê sobre aquela determinada identidade, sobre quais vidas são passíveis de luto”, citando o trabalho de jornais como a Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo, que na década de 1970 publicava manchetes como “Perigo! As travestis estão à solta”.

Ana Flor, contudo, afirma que o caminho para que o jornalismo de causas não perpetue essas mesmas práticas da mídia hegemônica é dar mais atenção e abrir espaço, lembrando que essas histórias e vidas não são apenas sobre violência e dor.

“Eu escolhi algo que é muito difícil para uma travesti negra, eu escolhi ser feliz. Hoje temos visto as travestis disputando a política, nós queremos estar nesses espaços. Nós queremos e precisamos estar em espaços como este festival falando de construir outras propostas de mundo, sobre o que é importante para o Brasil. Porque, se o país é bom para as travestis, não tenho dúvidas que será bom para quase todas as pessoas” disse Ana.

A professora Rosane Borges, que mediou a mesa, trouxe como conclusão que a luta política no jornalismo está na bandeira de defesa do que é humano. “Precisamos defender a humanidade do outro, não se trata de ser um bom ou mau jornalismo, mas que tipo de humanidade queremos construir”.

Quer ler mais? Confira a nossa cobertura do Festival Fala! no Instagram da Escola da Ativismo ou leia nossas matérias especiais sobre o encontro: 

> “A história oficial do brasil é desinformação” — indo além do trauma bolsonarista para pensar sua superação
> Festival Fala! alia cultura, ancestralidade e comunicação como ação política

 

 

Línguas, grafismos, pinturas e cantos: a importância do simbolismo na resistência indígena

Línguas, grafismos, pinturas e cantos: a importância do simbolismo na resistência indígena

Além de serem expressões marcantes da cultura indígena, os simbolismos também são fortalezas para os povos que resistem enquanto cuidam dos biomas.

Pinturas corporais, grafismos, os cantos, as tradições, a língua originária… O modo de viver dos povos indígenas, com seus símbolos e simbologias, são formas potentes de resistência. Nas aldeias do Maranhão é possível perceber que, em meio à destruição dos biomas e das ameaças aos territórios, essas expressões cotidianas se transformam em atos políticos que reafirmam a luta pela vida.

“A pintura para nós traz energia, força, espiritualidade da natureza. Eu gostaria que a população não indígena entendesse que nossa pintura é nossa cultura”, disse Frederico Pereira Guajajara, que é pintor corporal, artesão, coordenador de caciques e liderança da região de Araribóia.

O cacique da etnia Tetehar Guajajara é também atual presidente da associação comunitária Zyhatyw, na Aldeia Juçaral, e articulador político da região sul do estado na Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA). A liderança explica que os grafismos pintados nos corpos com jenipapo têm ligação com espiritualidade e proteção e possuem significados diferentes. 

“Eu gosto de fazer pintura de jiboia, símbolos do rios, pintura de tamanduá, pintura de guerreiros”, conta Tetehar. E explica que “os povos Guajajara usam jenipapo para pintar desde criança. Quando se completa um ano de idade, já realiza o primeiro processo de ritual. Isso diz muito sobre a transmissão de saberes dos povos indígenas”. 

O Guajajara explica que as pinturas não são só estética. Elas são importantes para a proteção física e espiritual. “A pintura, para nós, traz energia, força, espiritualidade da natureza. E através dela também a gente confunde os inimigos”, disse.

Frederico Guajajara, liderança indígena do Maranhão, é pintor corporal

A cultura indígena se sustenta em práticas que atravessam gerações. Cada gesto, cada canto e cada traço no corpo carregam memórias da ancestralidade. Por isso, a liderança indígena destaca a importância da preservação cultural. “Nós valorizamos os saberes tradicionais, a língua materna, as pinturas corporais, os rituais, as tradições, como valorização da nossa cultura, festas tradicionais como festa da menina moça festa dos rapazes, ritual do mel”, disse. 

Resistência nos territórios

Os povos indígenas são guardiões da natureza e, por causa da profunda conexão e conhecimento tradicional sobre a fauna e a flora, têm papel fundamental na preservação ambiental do Brasil. No entanto, a lógica do lucro e a força dos inimigos dos biomas em diferentes partes do Maranhão tem modificado as paisagens: onde antes havia coco babaçu, fonte de vida e sustento para comunidades inteiras, hoje predominam extensas plantações de eucalipto, que sufocam a biodiversidade e ameaçam práticas de subsistência ancestrais.

A aldeia de Frederico fica em Amarante, no sul do Maranhão – região muito desmatada para cultivo de eucalipto. Perto de Açailândia, os “desertos verdes” ameaçam a sobrevivência dos povos originários e tradicionais e a segurança alimentar no campo. 

Entre os impactos mais graves dessa prática estão o desaparecimento de fontes de água nas áreas de plantio e a desestruturação das formas de subsistência. Instalada na região, a Suzano – fabricante de celulose e uma das maiores produtoras de papéis da América Latina – recorre ao greenwashing para sustentar um discurso de sustentabilidade que não corresponde à realidade vivida pelas comunidades locais. Para quem permanece nesses territórios, as práticas tradicionais se tornam cada vez mais inviáveis diante da perda de recursos naturais, da erosão cultural e da pressão econômica. Quando empresas como essa se instalam, tudo muda e em muitos casos, a situação é tão crítica que famílias rurais acabam sendo forçadas a migrar em busca de condições mínimas de sobrevivência.

  • O termo greenwashing, em tradução livre significa “lavagem verde” ou “maquiagem verde” e  é uma prática que tem como objetivo passar uma mensagem falsa sobre sustentabilidade para parecer ambientalmente responsável, mas na verdade a estratégia esconde ações graves e prejudiciais para o meio ambiente. A ação pode acontecer com ocultação de dados, informações inverídicas, construção de imagem diferente da realidade, ou dando ênfase em alguma característica que pode ser considerada sustentável no lugar de produtos ou ações que são prejudiciais. Afinal, gastar milhões nas campanhas para criar uma imagem positiva não é um peso no orçamento bilionário dos atores que praticam essa farsa.

Mas a população do Maranhão tem resistido. E dentro das aldeias. Dados do censo do IBGE apontaram que o Maranhão é o segundo estado brasileiro com maior população indígena vivendo em seus territórios.  Mas, para enfrentar os inimigos, é preciso adotar estratégias que expressam resistência e poder coletivo. Para os povos indígenas, a verdadeira força está na ancestralidade. E é dessa força que brotam os cantos.  

Cantos ancestrais

Daiana Bento Sansão Gavião, da etnia Gavião Pyhcop Catiji, em aldeia Nova Marajá, no Maranhão, é cantora. Para ela, os cantos são muito mais do que melodia.  

“A música pra mim é força, é coragem, é resistência, além de ser alegria, união e coletividade nas nossas festas”, disse Daiana.

Daiana Gavião, da etnia Gavião Pyhcop Catiji, aprendeu cantar com a mãe

A cantora, que é técnica em enfermagem, conta que muitas dessas canções estão profundamente ligadas à natureza. Os cantos são entoados por indígenas em línguas originárias. Daiana canta na língua Jê.  “Nós cantamos vários tipos de canto. Tem cantoria de beija-flor, arara, papagaio. Tem da anta, capivara, veado e também dos peixes como  piranhas e arraias”.

Essas canções são muito mais que som e ritmo: carregam saberes, histórias e valores transmitidos de geração em geração. Cada melodia é um aprendizado que é compartilhado a cada geração. 

“Eu aprendi com a minha mãe que é uma cantora anciã que vem me incentivando a cantar. Ela canta para mim desde os meus 15 anos. Eu pretendo aprender muito mais para poder ensinar para os jovens que vão passando de geração em geração para que nunca acabe essas cantorias que trazem a paz, alegria e a união pro nosso povo”, disse Daiana. 

Língua originária como força

A manutenção da língua é mais uma das fortalezas dos povos indígenas no Maranhão. Em todo o Brasil, mesmo após séculos de duros processos de apagamento linguístico, os povos indígenas mantêm vivas e fortes diferentes línguas. 

Para fortalecer a manutenção das línguas indígenas, há projetos liderados por indígenas. Mairu Hakuwi Kuady Karajá, indígena do povo Iny Karajá, é idealizador e coordenador do Projeto Inyrybé – projeto que tem a missão de garantir a manutenção permanente da língua Inyrybé para o povo Iny. Nos territórios, ele dá aulas de Inyrybé para crianças, jovens, adultos e idosos. 

“É através da língua que entendemos que somos diversos. Possuindo formas de expressões próprias e sons únicos. É uma riqueza e raridade linguística que precisa ser vista como um importante patrimônio imaterial”, disse Mairu. 

Procurado pela Escola de Ativismo para falar sobre a importância da manutenção da língua para os povos indígenas, ele explicou que as centenas de línguas presentes no Brasil possuem diferentes troncos e famílias linguísticas e mostram a riqueza linguística e cultural do país e também revelam a profundidade e a diversidade dos povos originários e de suas expressões.

“As línguas indígenas são a afirmação da nossa identidade e das nossas histórias. A história é essencial, pois é por meio dela que descobrimos nossas origens. E ela é contada através da nossa língua. E a língua tem papel fundamental na manutenção e no fortalecimento de nossas raízes, além de preservar a memória coletiva”, disse Mairu.

Mairu Kuady dá aulas da língua Inyrybé – foto: Marcus A. S. Wittmann 

Para Mairu, a língua é muito além do que apenas uma ferramenta de comunicação. “É a transmissão do saber. Por isso, hoje reconhecemos o quão importante é mantermos nossas línguas fortalecidas e vivas. Ela faz com que tenhamos o conhecimento sobre quem somos, nossas histórias, tradições, contos, cantos e origens. É o pilar da identidade de um povo”, explicou.

O professor informou que a língua é uma fortaleza para os povos indígenas. Ela também é uma aliada quando o assunto é comunicação estratégica e segura, podendo ser usada como código estratégico quando é necessário tratar de assuntos sensíveis ou sigilosos.  

A língua é um componente da identidade dos povos indígenas crucial para que a atual e a futura geração saibam da sua existência enquanto pertencentes a um povo. “Ela é a raiz da transmissão dos conhecimentos e orgulho de pertencimento étnico. Mais do que isso, é a memória daqueles que resistiram e mantiveram”, finalizou Mairu. 

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Comboio: programa em transição energética para comunicadores e jornalistas abre inscrições

Comboio: Programa formativo em transição energética para pessoas comunicadoras abre inscrições

Bem-vinda, Bem-vinde, Bem-vindo!

Justiça Climática não é opção: é a flecha que guia a resistência e o futuro. Por isso, acreditamos que só é possível uma transição energética justa acontecer se ela for inclusiva, conduzida e protagonizada pelas mãos de todo mundo. 

Não adianta trocar energia gerada por petróleo pela gerada pela energia eólica, se ela devasta comunidades tradicionais e a biodiversidade. Não basta eletrificar sem pensar nos impactos da mineração nos povos. E daqui parte o Comboio. 

O Comboio é um programa formativo online para pessoas comunicadoras que buscam unir suas vozes e aprimorar seus conhecimentos sobre transição energética justa e popular enquanto transformam saber em prática e prática em novas narrativas potentes. Será uma jornada de aprendizado e produção de conhecimento e divulgação sobre os desafios, dilemas e oportunidades que envolvem a agenda da transição energética justa através de lentes como a eletrificação, a mobilidade e o transporte de cargas.

Ao longo de outubro de 2025 até janeiro de 2026, durante 4 meses, os participantes farão um percurso de criação de narrativas e elaboração de práticas, nos moldes de uma redação de produção de conteúdo, associado à aulas teóricas que visam fornecer um panorama crítico, analítico e baseado em evidências sobre transição energética justa, crise climática, transportes, mobilidade, mineração e temas ainda pouco explorados como eletrificação da frota de caminhões pesados.

O processo formativo irá envolver os participantes em um percurso de criação de narrativas e elaboração de práticas, nos moldes de uma redação de produção de conteúdo, associado à aulas teóricas que visam fornecer um panorama crítico, analítico e baseado em evidências sobre transição energética, crise climática, transportes, mobilidade, mineração, eletrificação da frota de caminhões pesados e boas práticas comunicacionais. 

A carga horária prevista do curso é de 6 horas semanais, incluíndo teoria, prática e muito aprendizado. 

O programa conta com uma bolsa para os aprovados no valor de R$1.200 reais mensais para garantia da dedicação das pessoas participantes e aulas de inglês focada na temática do curso. 

Nesta edição, serão selecionadas 10 pessoas comunicadoras que atuam com produção de conteúdo para redes sociais e produção de textos e tenham vontade de aprender mais sobre transição energética e contar histórias e construir novas narrativas a partir de uma perspectiva ativista, territorializada e crítica sobre transição energética. 

Sobre a Escola de Ativismo

O Comboio é uma Iniciativa da Escola de Ativismo. 

A Escola de Ativismo é um coletivo independente constituído em 2011 com a missão de fortalecer grupos ativistas por meio de processos de aprendizagem em estratégias e técnicas de ações não-violentas e criativas, campanhas, comunicação, mobilização e segurança e proteção integral, voltadas para a defesa da democracia e dos direitos humanos.

O coletivo é formado por um grupo multidisciplinar de ativistas, que se organiza de maneira distribuída e não hierárquica, por meio de princípios orientadores em diversas regiões do Brasil.

Esse programa é para mim?

Você atua como comunicador em um veículo ou canal? Cria e divulga saberes, tecnologias sociais, conteúdos informativos ou atua em redes ou coletivos? Você tem interesse em saber mais sobre transição energética e crise climática? Em se conectar com outras pessoas comunicadoras e profissionais da áreas para socializar histórias, trajetórias, vivências e aprendizagens?

A formação tem o objetivo de contribuir para a formação de comunicadores em todo o país, além da articulação de redes e produção de materiais. Se você enxerga sua vida nesse percurso, esse programa é para você.

Você pode estar num começo de jornada na comunicação ou com uma carreira mais estabelecida, o importante é que esteja vinculado à organizações e/ou coletivos de comunicação ou produza conteúdo para redes sociais. 

É essencial que os participantes tenham 6 horas disponíveis por semana para às atividades do programa, como aulas e momentos coletivos, além de tempo para se dedicar à criação e estudo. Possivelmente as atividades irão ocorrer das 19h às 21h (Horário de Brasília) em ao menos dois dias por semana.

Se você é uma pessoa que:

– Compreende o que é a mudança Climática e deseja aprofundar os conhecimentos em temas relacionados à crise climática, transição energética, boas práticas comunicacionais, eletrificação, transporte e mobilidade;

– Faz parte de comunidades e territórios atingidos por problemáticas provenientes da poluição, mineração, empreendimentos energéticos, indústria petroleira, agronegócio e que queiram fazer parte da elaboração de soluções para essas questões;

– É comprometida com o antirracismo, anti-LGBTQIAPN+fobia, anticapacitismo, o combate ao machismo e às demais formas de opressão;

Tenha criatividade e vontade de produzir materiais que tragam novos olhares e narrativas para novos problemas e velhas questões;

– Tenha senso crítico e  esteja aberta a pautar a temática de transição energética justa e popular em seus coletivos, veículos, meios de comunicação e perfis em redes sociais

– Esteja disposta à entrar numa jornada de aprendizagem que envolva participação e curiosidade, buscando sempre colaborar com participantes diversos de todo o país;

O Comboio tem um compromisso com a diversidade e por isso incentivamos que pessoas negras, de comunidades tradicionais, mulheres, jovens e povos LGBTQIAP+ se inscrevam no processo seletivo.

Como eu faço para me inscrever?

Para se inscrever acesse o formulário, clicando aqui.

As inscrições vão até meia-noite do dia 21/09/2025. 

Se tiver qualquer dúvida pode escrever para contato@ativismo.org.br

Resumindo

O que é? É o Comboio – Programa em transição energética para comunicadores e jornalistas

Quanto custa?
Nada!

Quanto você vai receber de apoio? Bolsa: R$ 1200 por mês por quatro meses

A formação é focada em que?
Transição energética justa e popular, transportes pesados, mobilidade, eletrificação de frota, mineração, salvaguardas
ambientais.

Qual a carga horária?
6 horas semanais

Quais os resultados esperados? Aprendizagens sobre transição energética, criação de redes, produção de materiais para redes sociais e site.

Tá, mas quando?
Entre outubro de 2025 e janeiro de 2026!

E o link do formulário? Tá aqui!

Cronograma

Período de Inscrições: 09 até 21 de setembro

Contato com pessoas selecionadas: 26 de setembro

Período do programa: 29 de setembro até  31 de janeiro (com recesso).

Divulgação dos conteúdos online: à combinar em conjunto com a Escola de Ativismo

Bem-vinda, Bem-vinde, Bem-vindo!

Pistas para identificar, enfrentar e denunciar injustiças climáticas

Pistas para identificar, enfrentar e denunciar injustiças climáticas

As injustiças resultantes das questões climáticas amplificam desigualdades sociais, mas a luta coletiva é capaz de defender os territórios e a vida.

Pistas para identificar, enfrentar e denunciar injustiças climáticas

O agravamento das  mudanças climáticas vêm causando impactos profundos em todo o mundo, mas não afeta todas as pessoas da mesma forma. A intensidade dessas consequências é marcada por fatores como região, território, cor da pele e classe social. 

As injustiças resultantes das questões climáticas amplificam as desigualdades sociais que atravessam a sociedade. Mas como identificar essas desigualdades e saber quando há injustiças no território? Como entender se alguma situação que ocorre na minha comunidade pode ser decorrente das mudanças climáticas? E como enfrentar esse problema para garantir o direito à vida digna e para assegurar que comunidades historicamente vulnerabilizadas permaneçam em seus territórios?

A Escola de Ativismo ouviu duas especialistas nesta área para que nos ajudem a procurar pistas para identificar, enfrentar e denunciar injustiças climáticas. Ambas concordam que nessa discussão é necessário ouvir e envolver as comunidades tradicionais e seus saberes ancestrais antes de considerar tomadas de decisão que impactam o meio ambiente.  

Mudanças de humor do tempo

Se nas cidades os efeitos mais trágicos são sentidos em desastres, enchentes e deslizamentos, os problemas enfrentados pelas comunidades originárias e tradicionais são ainda mais constantes devido à forte conexão das pessoas com o meio ambiente. Essas comunidades, historicamente excluídas das decisões políticas e ambientais, seguem resistindo diante de ameaças constantes à sua existência e aos seus modos de vida. Um dos caminhos para a promoção da justiça climática, segundo especialistas e ativistas, é justamente garantir que esses grupos estejam no centro do debate e da construção de soluções.

Mas muitos fatores tornam injustiças climáticas invisíveis. Um deles é a naturalização da desigualdade. Nos territórios que sempre viveram com ausência de políticas públicas, esses problemas acabam sendo vistos como “normais” e não como uma violação de direitos.

A liderança quilombola e agricultora agroecológica Nilce Pontes, do Quilombo Ribeirão Grande /Terra Seca, no município de Barra do Turvo (SP) é  integrante da Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras (RAMA),  militante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e acompanha os movimentos agroecológicos a nível nacional e internacional, defendendo a importância da conservação dos territórios quilombolas e colaborando na elaboração de técnicas agrícolas.

Vivendo no meio da Mata Atlântica, ela afirma que os territórios quilombolas estão sendo impactados e é possível perceber as alterações nos ambientes e nos modos de vida das comunidades. As mudanças climáticas têm deixado o solo mais ressecado, as águas mais escassas e mudado até os hábitos de cultivo para a produção de alimentos – uma injustiça com quem cuida do meio ambiente. 

“Antes a gente percebia que tinha época certa de plantar as coisas. Hoje a gente planta, mas não é aquele mesmo formato de produção. A gente plantava, por exemplo, feijão, arroz, milho, mandioca, banana, hortaliças, entre outras variedades aqui no território. Hoje a gente não consegue mais respeitar os ciclos lunares, uma vez que tem chuva quando deveria ter sol e tem sol quando era pra ser época de chuva. Essa alteração, essas mudanças de humor do tempo, a gente percebe que têm impactado também no processo de conservação das nossas sementes, das nossas mudas e raízes. O formato com que o solo tem respondido a essas mudanças, com secas excessivas, com enchentes, ou mesmo  na forma como o vento afeta o território. Para nós é perceptível essa alteração. Eu sinto uma confusão enorme com relação ao clima e se para a gente é complexo, para as plantas é ainda mais”, explicou. 

Essa alteração e adaptação forçada, imposta a quem sempre preservou e manteve os biomas em pé, é uma das diversas formas de injustiça e de violação de direitos.  

“Eu identifico as injustiças no meu território quando eu deixo de viver o meu modo de vida e passo a viver as práticas impostas por pessoas que não vivem o dia a dia da comunidade. Seja no modo de me alimentar, no de comunicar, no modo de vestir. Ensinar tecnologia para nós é nos ensinar a fazer adaptação dos nossos modos de vida. Então quando não tem essa interação para mim é uma violação de direito”, afirmou Nilce .

Para ela, outra injustiça climática presente nos territórios quilombolas está ligada aos processos de licenciamentos e a forma com que a legislação ambiental trabalha o seu conceito de preservação.  O Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação” tem preocupado indígenas e quilombolas de todo o Brasil.  A decisão pode marcar o maior retrocesso ambiental em décadas. 

Entre as propostas do PL, já aprovado no Senado, está a restrição da necessidade do licenciamento ambiental para áreas que ainda não tiveram o processo de regularização territorial finalizado. Com isso, essas comunidades deixam de ser ouvidas, sendo deixadas de fora de decisões que impactam diretamente os territórios que ocupam e preservam. Nas redes sociais, povos tradicionais, ativistas, ambientalistas, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, defensores do meio ambiente e dos direitos humanos se mobilizam com a campanha #VetaLula. A articulação pede o veto integral do presidente ao PL. 

Para Nilce, os saberes técnicos não são suficientes e, sozinhos, podem permitir que injustiças aconteçam.  “É preciso respeitar os  modos e práticas de vida das comunidades. Não associam o conhecimento técnico com o saber tradicional, o saber ancestral. O campo tecnológico tem desenvolvido tecnologias e não tem levado em consideração o território e as práticas dos territoriais”, disse. 

Quilombolas, indígenas e populações extrativistas são, e devem ser reconhecidos por sua contribuição para o equilíbrio climático. São essas comunidades que, com sabedoria ancestral e resistência diária, indicam os reais caminhos para a sustentabilidade e para um equilíbrio entre sociedade e natureza, através de suas vivências com a terra, com as águas e com o fogo

Nilce Pontes é liderança quilombola e atua na defesa do meio ambiente e dos territórios quilombolas / Foto: arquivo pessoal

Desigualdades sociais e práticas possíveis

A bióloga, educadora ambiental e mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Sarah Lima, participa da construção do movimento socioambiental cearense e coordena o programa Clima de Urgência do Instituto Verdeluz. Ela explica que as injustiças climáticas referem-se à distribuição desigual das consequências das mudanças climáticas, especialmente sobre povos indígenas, comunidades tradicionais e periféricas, que são as que menos contribuem para o problema e as que menos estão preparadas para enfrentá-lo.

Eventos extremos estão cada vez mais intensos e frequentes. Alguns exemplos são: alagamentos após chuvas torrenciais, que inundam as casas; deslizamentos de terra, que destroem a vida de quem mora em zonas de risco; ondas de calor que afetam a saúde; escassez hídrica, que atinge principalmente grupos e territórios vulnerabilizados; dentre outros. 

“Se pararmos para pensar nos territórios que sofrem injustiças climáticas, perceberemos que as pessoas têm uma cor de pele específica. No geral, são grupos sociais que já enfrentam diversas outras violações socioambientais, como ausência de saneamento básico, de áreas verdes, de corpos hídricos limpos e de acesso à saúde, à educação de qualidade, à mobilidade e ao lazer. As desigualdades sociais aprofundam a injustiça climática”, informou Sarah. 

Mas há ações possíveis para mitigar os efeitos das mudanças climáticas nesses territórios. A educadora ambiental afirma os desafios são imensos e que é necessário haver políticas públicas comprometidas, desenvolvimento de tecnologias, incentivos fiscais, educação ambiental e governança participativa. 

“Precisamos zerar as emissões de gases de efeito estufa, não só a nível local, mas também a nível global, afinal vivemos no mesmo planeta. Essas emissões só serão zeradas com uma transição energética justa, popular e inclusiva, que abandone todo e qualquer tipo de combustível fóssil, com a proteção dos biomas brasileiros, zerando desmatamentos e queimadas e com a gestão adequada de resíduos sólidos e líquidos”, explicação 

Para adaptar territórios, também há práticas possíveis, especialmente soluções baseadas na natureza. “Algumas medidas são: melhoria da infraestrutura de drenagem das chuvas, como pavimentação permeável, telhados e jardins verdes; criação e conservação de áreas verdes; reflorestamento; recuperação de corpos hídricos poluídos; recuperação de encostas; painéis solares em casas e espaços comunitários; mapeamento de áreas de risco e remanejamento adequado de famílias em zonas de risco; agroecologia e hortas urbanas. São muitas as possibilidades, que devem ser feitas respeitando os territórios e as pessoas”, pontuou Sarah.

Como denunciar

No campo ativistas vemos, com frequência, denúncias após violações de direitos humanos e dos direitos da natureza. Manifestações contra a devastação dos territórios mostram ao governo, empresas e ao mundo que existem caminhos melhores, mais justos e sustentáveis, pensando no presente e no futuro. Esse movimento vai na contramão do lucro e considera o bem viver dentro das comunidades ameaçadas. 

Sarah Lima diz que ao notar violações ambientais é importante acionar os órgãos públicos de cada localidade, seja em nível municipal, estadual e federal. “Órgãos de fiscalização ambiental, polícia ambiental, Ministério Público, Defensoria Pública da União, Comissão de Direitos Humanos e parlamentares comprometidos com a justiça socioambiental. Além disso, é essencial a formação de uma rede com coletivos e organizações do movimento socioambiental, que possam pressionar as denúncias”, explicou. 

Mas enfrentar as injustiças socioambientais e denunciá-las pode potencializar a insegurança de quem já enfrenta outras vulnerabilidades. Denunciar requer cuidados principalmente no Brasil, que é o segundo país mais perigoso do mundo para ativistas ambientais. Diariamente, ativistas ambientais e lideranças territoriais enfrentam a insegurança e a violência ao corajosamente decidirem expor situações e realizar denúncias.  

Por isso, busque uma rede de apoio e se proteja se realizar ações. Conte com canais de confiança, organizações ambientais e redes de ativismo que atuam na defesa dos direitos territoriais e da justiça climática. O descaso e a invisibilização também são desafios dentro da agenda climática. Muitas vezes as denúncias não recebem a devida atenção por parte do poder público, o que reforça a sensação de impunidade e desamparo.

Também é possível contar com as redes sociais como instrumentos importantes para fazer com que as denúncias alcancem mais pessoas. Muitas vezes, os impactos ambientais não são expostos e documentados de forma fidedigna, com recortes por território, etnia, classe ou gênero. Isso invisibiliza as desigualdades e dificulta o reconhecimento de que há injustiça. 

Luta contra o sistema e respeito aos modos de vida

Em um cenário marcado por profundas desigualdades sociais, raciais e ambientais, as vozes das comunidades são resistência e construção de futuros possíveis. A luta por justiça climática exige o reconhecimento e o respeito aos modos de vida tradicionais, à autonomia dos territórios e à força coletiva de quem cuida da terra. 

Nilce destaca que a verdadeira preservação passa pela valorização das práticas e saberes das comunidades. Sarah aponta a urgência da organização coletiva e da ocupação de espaços de decisão como estratégia. Ambas mostram que a transformação só é possível quando feita a muitas mãos, coragem e esperança.

“Cada comunidade tem a sua expertise de conservação do território, conservação da vida, as suas relações políticas, sociais, culturais e étnicas, desde que não haja interferência, não já respeitam o modo de vida das pessoas no quilombo. Isso já contribui com a justiça climática e com a preservação do meio ambiente”, afirma Nilce.

“Lutar contra um sistema que não nos quer vivos é um grande desafio, mas é o único caminho possível. Lutar coletivamente é o meio mais potente de conseguirmos mudanças na sociedade, de defender os territórios e a vida. Então, encorajo as juventudes a se mobilizarem e se organizarem, porque só assim podemos transformar a realidade! Temos uma enorme capacidade, força e criatividade para adiar o fim do mundo. Não dá para deixar que discutam sobre as nossas existências e o nosso futuro sem nós, precisamos ocupar esses espaços e ecoar as nossas vozes! Como diz Paulo Freire, é preciso ter esperança, do verbo esperançar; e esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”, finaliza Sarah Lima. 

Sarah Lima é bióloga, educadora ambiental e participa da construção do movimento socioambiental cearense 

Organização promove formação em comunicação estratégica em redes sociais para quilombolas​

Organização promove formação em comunicação estratégica em redes sociais para quilombolas

Estão abertas as inscrições para o processo seletivo do ECOAR Quilombola. O projeto oferece uma formação voltada para o fortalecimento da presença e a potência de comunicadores e influenciadores quilombolas nas redes sociais.

Voltado para quem já atua na criação de conteúdo digital e deseja aperfeiçoar sua estratégia de comunicação, o ECOAR Quilombola é um espaço de troca, aprendizado e construção coletiva. Entre os objetivos da iniciativa está alavancar os perfis de micro-influenciadores / comunicadores quilombolas para que haja uma representação maior e mais diversificada de vozes quilombolas no ambiente digital. 

Entre os critérios necessários para participar estão: ter uma conta no Instagram e/ou TikTok e/ou YouTube, criar conteúdos que tratem de algum aspecto da luta e/ou da cultura quilombola e fazer publicações há pelo menos dois meses, com periodicidade mínima quinzenal, em pelo menos uma destas plataformas. Também é preciso estar disponível para seis encontros online em setembro, nos dias 08, 11, 12, 22, 24 e 26/09, na parte da manhã, entre 8h e 12h, horário de Brasília e ter disponibilidade para viajar de 10 a 21 de Novembro, para uma possível atividade presencial (ainda não confirmada). 

As pessoas selecionadas receberão uma bolsa no valor de R$ 5.000,00 para a participação no programa e um kit suporte com itens que possam ajudar na criação de conteúdo, como um celular, luzes e acessórios, ou pacote de internet, de acordo com avaliação prévia da equipe. 

O projeto é organizado pela Pulso Conteúdo e pela Pajubá, duas empresas de comunicação focadas em causas progressistas e de impacto social,  em conjunto com iniciativas nacionais e internacionais que atuam pela conservação das florestas tropicais e pelos direitos de comunidades tradicionais do Brasil.

Para saber sobre o programa, sobre os critérios de participação, atividades, resultados esperados e cronograma de atividades, acesse ecoar.me. No site também está disponível o formulário de inscrição.

Chamada de Artigos: Edição especial da Revista Tuíra “Educação e Ativismos”

Chamada de Artigos: Edição especial da Revista Tuíra “Educação e Ativismos”

Montagem com quatro capas das edições da revista tuíra

Prezados(as) pesquisadores(as), educadores(as) e ativistas,

A Revista Tuíra anuncia uma chamada de artigos e ensaios para sua próxima edição especial, dedicada à crucial interseção entre Educação e Ativismo. 

Em um cenário global cada vez mais marcado por crises complexas – da emergência climática às profundas desigualdades sociais – o papel da educação e do ativismo como catalisador de mudança se mostra mais vital do que nunca.

Buscamos contribuições que explorem as múltiplas formas pelas quais a educação, em seus diversos formatos e espaços (formais, não-formais e informais), pode nutrir o engajamento, fomentar a consciência crítica e capacitar indivíduos e comunidades para a ação. Igualmente, queremos artigos que analisem como o ativismo, em suas diversas manifestações, pode informar e ser informado por práticas educativas, gerando aprendizado, mobilização e impacto real.

Estamos particularmente interessados em trabalhos que abordem, mas não se limitem a, os seguintes eixos temáticos:

  • Pedagogias do Ativismo: Como a educação pode ser um espaço para o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos para o ativismo, incluindo educação para a justiça climática, direitos humanos, equidade racial e de gênero.
  •  
  • Ativismo como Ferramenta Educativa: Estudos de caso e análises de movimentos sociais e ativismos que utilizam estratégias educativas para engajar o público e disseminar conteúdos contra hegemônicos.
  •  
  • Educação para a Resistência: O papel da educação na construção de capacidades de resistência frente a desafios socioambientais e ordem neoliberal.
  •  
  • Diálogos Intergeracionais: A transmissão de conhecimento e experiências entre gerações no contexto do ativismo e da educação para a ação.
  •  
  • Desafios e Oportunidades: Análises críticas sobre os obstáculos e as potencialidades da articulação entre educação e ativismo em diferentes contextos geográficos e políticos.
  •  

Convidamos acadêmicos(as), pesquisadores(as) independentes, educadores(as) e ativistas a submeterem artigos originais, ensaios teóricos e revisões de literatura que contribuam para aprofundar o debate e fortalecer as pontes entre esses campos essenciais para a construção de um futuro mais justo e sustentável.

Acesse aqui todas as edições da Revista Tuíra – ISSN 2675-9047

 

Prazos e Normas:

  • Prazo final para submissão: 05 de setembro de 2025
  • Notificação de aceite: 30 de outubro de 2025
  • Publicação da edição: entre novembro de 2025 e primeiro trimestre de 2026

Para diretrizes detalhadas sobre formatação e processo de submissão, por favor, entre em contato no e-mail: velot_wamba@riseup.net

Contamos com suas valiosas contribuições para enriquecer este debate fundamental e inspirar novas práticas na intersecção entre educação e ativismo.

Atenciosamente,

A Equipe Editorial da Revista Tuíra

Tuíra foi uma ativista e liderança indígena que ficou conhecida como a mulher que parou a construção do Belo Monte com um facão

“Eu sou feliz é na comunidade” – um olhar sobre a luta pelo bem viver coletivo nos territórios

“Eu sou feliz é na comunidade” – um olhar sobre a luta pelo bem viver coletivo nos territórios

A felicidade nas comunidades se manifesta como uma forma de resistência coletiva mesmo diante dos desafios diários. O cuidado, a união, a fé e a força são os pilares que sustentam essa alegria compartilhada como ato político.

Montagem com quatro fotografias feitas em comunidades tradicionais mostram cocos babaçu, tambores, casa feita de barro perto das árvores e bandeira com a mensagem “Cuidar da terra, alimentar o povo”. – Fotos: Letícia Queiroz

“Eu sou feliz é na comunidade, na comunidade eu sou feliz”, diz uma canção muito conhecida e cantada nos encontros em comunidades tradicionais… Assim foi também ao fim do mês de junho, quando ela foi entoada com muita emoção na Comunidade Alegria, em Timbiras, no interior do Maranhão, na região dos Cocais. O território que carrega o sentimento de felicidade no nome tem a alegria da união, de estar em contato com a natureza, de dormir com o céu estrelado e acordar com o canto dos passarinhos.

No Maranhão a região dos cocais abrange 17 municípios. Caracterizada por uma formação vegetal dominada por palmeiras como o babaçu, a paisagem é encantadora. As palmeiras, em diferentes tamanhos, formam o que de longe parece com elevações que se movimentam com a força dos ventos. 

Na região é possível perceber a alegria das comunidades, mesmo diante dos desafios diários. É que a felicidade se manifesta como uma forma de resistência. É sobre sorrir sem esquecer de lutar e lutar de forma coletiva para a construção do bem viver.  O que pode explicar isso é justamente a coletividade. A alegria é coletiva porque a luta também é. Nas comunidades, ninguém luta por si só. As aspirações em um território tradicional não são individuais e o que se busca são vitórias coletivas.  Sendo assim, as alegrias também são de um grupo.

Um trecho da música “Eu sou feliz é na comunidade” diz:

A nossa comunidade luta por libertação,
para formar uma corrente e quebrar a opressão.
Com o trabalhador unido as coisas vão melhorar.
Luta por Reforma Agrária para na terra plantar.
Tantos pobres sem a terra, sem ter casa pra morar.
Lutam pelos seus direitos para a vida melhorar.
A nossa comunidade se reúne todo dia.
A nossa comunidade se transforma em alegria”.

Comunidades tradicionais no Maranhão preservam o meio ambiente e resistem ao avanço do MATOPIBA –

Foto: Letícia Queiroz

Nas comunidades, a felicidade é construída nos saberes compartilhados, na terra cultivada, nos cantos, nas rezas, nos festejos, no reencontro com a ancestralidade. O fato de pertencer a um território tradicional, com autonomia e identidade, é uma fonte de felicidade. É saber quem se é, de onde se vem e por que se luta. A felicidade também está na partilha de alimentos, nos trabalhos em mutirões, nas celebrações, nos cuidados entre gerações. 

É lindo perceber que o cuidado com as outras pessoas é muito presente nas comunidades originárias e tradicionais. É sobre compreender que para cuidar de si é preciso cuidar das pessoas da comunidade porque elas também fazem parte de quem você é. Nos quilombos, entre os e as indígenas, nas comunidades camponesas, ribeirinhas, ciganas e tantas outras, cuidar do outro é cuidar de si mesmo e do território, da memória e da cultura de onde se vive.

O cuidado coletivo é parte do modo de viver. Esse cuidado, que fortalece o todo, também é um ato político e contribui para a alegria em forma de autoestima e autoconfiança. Com afeto e ativismo ancestral, mulheres negras dentro dos seus territórios e dos movimentos sociais consolidaram redes para fortalecer a identidade e reafirmar orgulho pela negritude.  

Alegria que brota da terra

Coco babaçu e suas palmeiras são usados de váriadas formas, seguindo os saberes e tecnologias ancestrais – Foto: Letícia Queiroz

Olhar para a chuva caindo sobre as árvores verdinhas dá uma paaaaaz! Ter a certeza de que vai saborear frutos das estações, contar com a pesca, com as roças, as criações soltas que garantem comida na mesa é alegria! A infinidade de sabores que refletem a diversidade e a riqueza da vegetação nativa são riquezas, assim como a variedade de ervas medicinais no quintal de casa.

Cuidar da natureza como tratamos nosso próprio corpo é um ato de amor e cuidado.  

Acompanhar o tamanho das pindobas – palmeiras de Babaçu em fase de crescimento – também é felicidade. Principalmente na região dos Cocais. E só de pensar em uma palmeira de babaçu e na sua serventia integral dá uma felicidade. Isso porque as árvores são tão ricas e o seu aproveitamento é uma prática sustentável que contribui para a economia local e preservação do meio ambiente. 

Nos cocais, os cocos que caem são coletados por quebradeiras de coco para extração do azeite e leite de coco – muito usados na culinária tradicional. A farinha produzida a partir do mesocarpo do coco de babaçu é remédio para imunidade. A casca do coco, quando não é transformada em artesanato, vira carvão dentro das caeiras para serem usados nos fogareiros. A palha é manuseada com cuidado e transformada em formatos mais variados possíveis de cofos, cestos, abanos, esteiras, telhados de casas… Um tronco que cai, vira adubo orgânico, o paú. É incrível como nada se perde. 

As tecnologias ancestrais e os saberes populares são riquezas e pontos fortes das comunidades. Essa felicidade pode não contagiar quem não compartilha as mesmas vivências. Mas quem vive sabe. E se alegra!

Felicidade como espiritualidade

Manifestações de fé fazem parte do cotidiano das pessoas em comunidades tradicionais – Foto: Letícia Queiroz

É muito comum o apego à fé nas comunidades tradicionais e a alegria que pulsa nesses espaços também pode ter relação com a espiritualidade. Os rituais e as festas tradicionais fortalecem a esperança em dias melhores. E isso alimenta a alegria, mesmo diante da dor. 

A espiritualidade pode ser mais do que crença. Tem relação com o sagrado, com a terra, com os ancestrais, com os encantados e com o tempo da natureza. A espiritualidade está no toque dos tambores, nos sons das rezas, nas orações silenciosas ou só no pensamento. No banho de rio que limpa o corpo e a alma. 

Para muitas pessoas, a espiritualidade oferece força, sentido e esperança. E é por isso que nos encontros que reúnem as comunidades tradicionais para tratar de determinados assuntos, sempre é esperado um momento espiritual. E geralmente acontece antes da abertura de qualquer evento, durante as místicas. Um momento de expressão de fé, de poesia, de expressão corporal, de palavras de ordem, de canto, dos símbolos, das ferramentas de trabalho.  

A mística com espiritualidade nas comunidades é também sobre o pedido de licença antes de iniciar qualquer atividade. Essa prática é comum em diversas culturas e religiões e demonstra reconhecimento da presença de forças ou entidades espirituais que habitam o espaço. 

Certa vez, na comunidade Alegria, uma liderança chamou atenção de visitantes no início de uma atividade com a presença de ativistas e movimentos sociais quando discussões importantes começaram sem um momento de espiritualidade. Isso diz muito sobre a importância da religiosidade para as comunidades. Para quem tem fé e acredita, pedir proteção é essencial. 

A canção sobre felicidade na comunidade também fala sobre fé. “Nós cantemos um bendito, depois um “pelo sinal”, uma lê o Evangelho e todos vamos comentar”. E uma das estrofes fala sobre conquistas de direitos. “Os pobres fizeram um plano, isto eles querem ganhar, lutar pelos seus direitos para a vida melhorar”. 

E dá pra melhorar e ser ainda mais feliz! Com os territórios livres de invasões e com lideranças livres de ameaças por defenderem seus territórios. Nas comunidades, queremos viver longe das cercas, da mineração, de plantações de eucalipto e do agronegócio. Distante das violações de direitos e sem nenhuma proximidade com agrotóxicos e pulverizações aéreas. Queremos viver com território titulado, ter segurança, água de qualidade, moradia digna e educação e saúde para o povo. 

Dizer que é feliz na comunidade não é sobre aceitar as coisas como elas estão. É sobre reafirmar que a alegria está dentro do território, e não fora dele. É sobre saber que não está sozinho e ter certeza que vale a pena a luta e o esperançar.

É não conhecer individualismo e rejeitar muros altos que afastam a vizinhança. É  uma alegria que resiste, que encontra beleza nos vínculos e na certeza de que há chão firme onde pisar, terra boa pra plantar e água limpa pra beber e pra banhar. 

“Cuidar da terra, alimentar o povo” estão entre as prioridades das comunidades tradicionais – Foto: Letícia Queiroz

Navegar pelas águas do rio às margens de uma comunidade tradicional também é felicidade – Foto: Letícia Queiroz

Eu sou feliz é na comunidade. Na comunidade eu sou feliz. (bis) - A nossa comunidade luta por libertação, pra formar uma corrente e quebrar a opressão. O trabalhador unido as coisas vão melhorar. Luta por Reforma Agrária para na terra plantar. Tantos pobres sem a terra, sem ter casa pra morar. Lutam pelos seus direitos para a vida melhorar. A nossa comunidade se reúne todo dia, a nossa comunidade se transforma em alegria. Nós cantemos um bendito, depois um "pelo sinal", uma lê o Evangelho e todos vamos comentar. Os pobres fizeram um plano, isto eles querem ganhar, lutar pelos seus direitos para a vida melhorar.

(Esse texto foi escrito por Letícia Queiroz, comunicadora quilombola, após o Encontro de Segurança Integral para comunidades tradicionais na região dos Cocais. O encontro aconteceu em junho de 2025 e contou com a participação de integrantes da Escola de Ativismo

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Bença, Seu Antônio: a vida rio, território e sonho de um quilombola do Vão Grande

Bença, Seu Antônio: a vida rio, território e sonho de um quilombola do Vão Grande

No quilombo de Vão Grande, o quilombola é exemplo de como lutar e se organizar, mas também de como sonhar e plantar rezando o que se colhe sorrindo.

Essa matéria faz parte do especial “Onde nasce o fogo: conhecimento ancestral e brigadas anti-incêndio” feita em parceria pela Escola de Ativismo e Fundo Casa. Confira mais matérias clicando aqui.

Ilustrações: Ana Clara Moscatelli

Em toda virada de 18 para 19 de março, a casa de Seu Antônio já amanhece em festa. É a celebração anual de São João, tradição que embala a história de sua família há décadas. “[Meu pai] adoeceu muito e minha avó prometeu para o santo que se ele curasse, faria festa. Ele melhorou. Ele se chamou José. E foi assim até ele morrer”, conta o quilombola de Vão Grande, no interior do Mato Grosso. Agora, essa tradição sagrada continua através de suas mãos. 

Para ele, é impossível dissociar a fé do seu cotidiano. “Nossa devoção é muito grande aqui, através de nós sermos quilombolas e de nós recebermos aquilo que nossos pais ensinaram pra nós”. Filho caçula, ele nasceu e cresceu no quilombo aprendendo os ritmos da terra e das águas. Vive da pesca artesanal e da agricultura de subsistência, modos de trabalho e vida compartilhados pela maioria dos quilombolas da região. 

Conheça mais sobre essa história de luta

+JAUQUARA VIVO – Um rio é muito mais que suas águas para as comunidades quilombolas do Mato Grosso
+Tio Antônio do Vão Grande
+Como uma comunidade pode comemorar o aniversário de um rio e impedir sua destruição

Seu orgulho é poder receber todo mundo em seus aposentos, fazendo festa – seja para os santos, seja para o rio. “A casa da cidade é tudo murada, e aqui é aberto, vendo a natureza, vendo as plantas, os matinho aí, os bambu, tudo verdinho… Como diz o ditado: aqui até onde não chove a mata é verde”, diz ele.

Figura querida e respeitada em Vão Grande, Seu Antônio é aquela pessoa que todos cumprimentam com afeto. “Bença, tio”, pedem todos que passam por ele. Isso foi observado por Silvio Munari, professor e integrante da Escola de Ativismo que desenvolve projetos com o quilombo desde 2019. “É uma pessoa que conhece todas as pessoas ali da comunidade e tem muito respeito pelas outras lideranças”.

Seu Antônio à beira do rio Jauquara

Foto: Escola de Ativismo

Orgulho ancestral

Assim como hoje ele é inspiração para muitos moradores, seu pai também já foi um dia – e segue sendo. “Meu pai não sabia ler, não sabia escrever, mas de experiência não tinha professor que derrubava ele”, relembra Seu Antônio sobre o sonho do seu genitor de ter uma escola no quilombo. O desejo se materializou na Escola Estadual José Mariano Bento, que hoje atende toda a região do Vão Grande e homenageia uma das mais importantes lideranças quilombolas da história local – seu pai, o José. 

Contudo, hoje outra ameaça mobiliza a comunidade: o governo estadual quer municipalizar a escola do quilombo, transferindo sua gestão para o município. Mas o povo de Vão Grande não arreda o pé. “Nós queremos nossa escola, nossa estrutura, tudo o que conquistamos dentro do nosso território. Queremos não apenas manter, mas engrandecer ainda mais o que temos”, defende Seu Antônio.

Encontro das águas

A vida de Seu Antônio flui, ou é, a água. Baixius, comunidade onde vive, fica à margem direita do rio Jauquara, junto de Camarinha e do Morro Redondo. “Nosso rio é a fonte da nossa vida. Foi aqui que nossos antepassados pararam e formaram nossas comunidades”, explica Seu Antônio sobre a importância das águas que garantem não só o trabalho, renda e alimentos do quilombo, mas também a espiritualidade e as memórias da ancestralidade. 

Em 2021, após anos de resistência, os quilombolas de Vão Grande conseguiram barrar na Justiça a construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) que ameaçava devastar o ecossistema local. “O que fizemos? Documentamos tudo, vídeos, fotos, organizamos um baixo-assinado. Graças a Deus, nosso apelo chegou ao Ministério Público e conseguimos proteger nosso território”, relembra Seu Antônio, figura essencial na mobilização.

Essa articulação, que começou em 2018, deu origem ao Comitê Popular do Rio Jauquara, iniciativa criada pelos moradores de Vão Grande e região para defenderem suas águas sagradas, criado com o apoio da Escola de Militância Pantaneira em parceria com a Sociedade Fé e Vida e Escola de Ativismo. Como marco, o dia 28 de abril foi escolhido primeiro como efeméride do protesto, depois como data para celebrar o aniversário do rio Jauquara. “Todo ano, graças a Deus, nós comemoramos com missa e festa o aniversário do nosso rio, porque todos nós sabemos que dependemos dessas águas para viver”, destaca Seu Antônio. 

Silvio, que acompanhou de perto esse processo, não esconde sua admiração. Se quando o professor conheceu o líder quilombola ele era tímido, “ver Seu Antônio se transformar nesse defensor público do rio, enfrentando autoridades com um protocolo de consulta debaixo do braço, foi inspirador”. 

Tal protocolo referenciado por Sílvio está baseado na Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, que garante o direito à consulta prévia, livre e informada sobre qualquer projeto que afete territórios tradicionais. “Junto com a Escola de Ativismo, criamos esse documento para nossa segurança. Ele é nosso instrumento de luta”, explica Seu Antônio com a autoridade de quem conhece cada linha do acordo.

Mas nem só de luta vive seu Antônio. Para ele, a riqueza transcende o significado material. Cada reza a São João, cada peixe pescado no rio Jauquara, cada aula na escola José Mariano Bento, cada roça de mandioca: tudo é um ato de resistência, mas também de celebração da vida e uma afirmação de que um quilombo é mais do que um lugar no mapa. É um modo diferente de existir no mundo.

Por isso, sair do quilombo não é uma possibilidade. “Eu nunca tive vontade de sair do meu território, porque eu sei que aqui é uma terra quilombola”, reforça. “Nossa descendência aqui é muito feliz. Porque aqui o que nós pede, Deus dá. Essa é uma terra de vivência, é um lugar de vida. Todo mundo que vem aqui em nosso território, gosta. E nós recebemos. Aqui é um lugar muito sonhador, de paz e de saúde”, finaliza ele.

 

O que é o fogo para os povos tradicionais? Saberes ancestrais para manter a terra em pé

O que é o fogo para os povos tradicionais? Saberes ancestrais para manter a terra em pé

Na época de queimadas, o fogo é visto como vilão. Mas é um aliado antigo que, empregado com sabedoria, pode até conter seus efeitos mais devastadores; ouvimos aqui a experiência que vêm dos territórios quilombolas

Essa matéria faz parte do especial “Onde nasce o fogo: conhecimento ancestral e brigadas anti-incêndio” feita em parceria pela Escola de Ativismo e Fundo Casa. Confira mais matérias clicando aqui.

Ilustrações: Ana Clara Moscatelli

Para os povos tradicionais, o fogo é muito mais que chama — é herança, ferramenta e cuidado. Seu uso se aprende com escuta, tempo e os ensinamentos de anciãs e anciãos, passados de geração em geração como parte do modo de viver, plantar e proteger seus territórios. 

Entre quilombolas, indígenas e tantas comunidades que preservam os biomas vivos, o fogo é usado para limpar o solo, renovar áreas de extrativismo, cuidar das roças e prevenir grandes incêndios. É uma prática antiga, baseada na observação da natureza: o tempo da terra, o vento, a umidade, a lua. Uma tecnologia ancestral que transforma o fogo em instrumento de manejo, proteção e continuidade da vida. Longe de ser ameaça, o fogo tradicional promove equilíbrio entre gente e ambiente, e resiste, mesmo quando ameaçado por queimadas descontroladas vindas de fora, sem respeito nem escuta.

Mas é preciso estar aberto e ouvir. Para isso, conversamos com algumas lideranças quilombolas do Território Kalunga — o maior quilombo em extensão do país, reconhecido como Sítio Histórico e Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), sobre a importância do fogo para as comunidades — e fomos longe.

Alvino Cesário de Torres, de 62 anos, que nasceu e cresceu na comunidade quilombola Vão de Almas, no interior de Goiás, nos lembra que o fogo sempre foi parte da vida na roça: “Aprendi com o meu pai que o fogo tem hora. Não é de qualquer jeito, não. Tem o dia certo, o tempo certo, o vento certo. E a gente sabia disso olhando o céu, sentindo a terra. É assim que se protege a roça, as nossas casas. É assim que sobrevive no mato.”

Seu Alvino carrega um conhecimento vivo, construído pela própria experiência e passado de geração em geração. “Sempre ensinei os meus filhos, sobrinhos e quem vem nos visitar também aprende sobre o tempo do fogo, o jeito de fazer aceiro, de respeitar a terra. Porque se a gente não passar isso pra frente, ninguém vai cuidar como a gente cuida”, completa Seu Alvino.

O aceiro, citado por ele, é uma faixa de terra limpa — sem vegetação — aberta ao redor das áreas onde o fogo será usado de forma controlada. Essa técnica tradicional é aplicada pelas comunidades para proteger roças, matas e casas, funcionando como uma barreira de segurança que impede que o fogo se espalhe além do planejado.

E foi assim que, com o tempo, esses saberes viraram base para a organização das brigadas comunitárias. Hoje, o conhecimento ancestral se une à força coletiva no combate ao fogo, e ganha ainda mais força no Território Kalunga, que se estende pelos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás. Homens e mulheres quilombolas atuam em diversas brigadas voluntárias e também compõem as equipes do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), órgão vinculado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável por ações de prevenção e combate a incêndios florestais em todo o país.

Criado para atuar em áreas sensíveis, o Prevfogo promove o uso consciente do fogo, forma e contrata brigadistas comunitários por meio de editais específicos — inclusive voltados para comunidades quilombolas — e integra saberes tradicionais ao planejamento técnico do manejo, como propõe o Manejo Integrado do Fogo (MIF).

Sirilo Rosa, Josemi Francisco e Joaquim Fernandes, brigadistas quilombolas do PrevFogo/Ibama 

Foto: Alcileia Torres

Nesta região do Cerrado, a articulação tem se mostrado referência. Atualmente, cerca de 120 quilombolas atuam em brigadas locais, sendo que mais de 75 deles integraram o programa do Prevfogo desde 2011. Esses brigadistas ajudam a proteger não apenas suas próprias comunidades, mas também outros biomas pelo Brasil — e além das fronteiras. Em 2023, brigadistas Kalunga foram enviados ao Canadá para apoiar missões internacionais. Em 2024, estiveram no combate a incêndios na Amazônia, no Pantanal e também na Bolívia. O que nasce do cuidado com o próprio território se transforma em referência global de preservação — aliando tradição, estratégia e pertencimento.

“Estou no Prevfogo desde 2013. Com o aumento dos incêndios — principalmente em 2017, quando enfrentamos um fogo de nível 3 e perdemos muita coisa — percebemos que era hora de voltar a colocar em prática os saberes tradicionais do nosso povo e fortalecer a criação de mais brigadas. A gente ficou anos sem poder usar essas técnicas por causa da política do fogo zero. Mas ali ficou evidente: era o momento de trazer o fogo de volta como aliado, não como inimigo. Precisava ser usado com respeito, como os antigos faziam.” relata Joaquim Fernandes, chefe da brigada Prevfogo no Território Kalunga.

A experiência de Joaquim revela uma grande mudança: práticas ancestrais que antes eram invisibilizadas começam a ganhar espaço também nas políticas públicas e ambientais. É nesse caminho que o Manejo Integrado do Fogo (MIF) se fortalece como estratégia — resgatando os saberes tradicionais de uso consciente do fogo e aproximando-os do manejo técnico na prevenção de incêndios.

Brigadistas atuam na prevenção de incêndios com técnicas ancestrais 

Foto: Vitor Saraiva/ICMBio

Na prática, o MIF é um conjunto de técnicas que transforma o fogo em ferramenta de proteção. Ele é utilizado, por exemplo, para queimar, de forma planejada e segura, o excesso de vegetação seca, como folhas, galhos e capins, que, quando acumulado, pode se tornar combustível para incêndios de grandes proporções.

E a necessidade de controle não é por acaso: segundo o MapBiomas, mais de 97% das áreas queimadas no Brasil entre 1985 e 2023 tiveram origem humana, provocadas, em grande parte, por práticas agropecuárias e desmatamento.

Essa queima controlada reduz os riscos durante o período de seca intensa, quando o fogo — provocado por essas ações ou, em menor escala, de forma natural — se espalha com facilidade e provoca danos severos à fauna, à flora, às comunidades locais e também às populações urbanas, que sentem os reflexos no clima, na saúde e no ar que respiram.

“Na temporada crítica, a gente faz ronda nas comunidades, dá palestra nas escolas e ensina como usar o fogo do jeito certo e com segurança. No fim da chuva, fazemos a queima prescrita. E durante a seca, nosso trabalho é cuidar para que o fogo não fuja do controle”, conta Josemi Francisco, também integrante da brigada Prevfogo no Território Kalunga. “Desde que voltamos a fazer o manejo com a queima prescrita, muita coisa mudou na região”, acrescenta.

Quem vive nas comunidades também sente essa mudança. Dona Neuza Fernandes, de 54 anos, moradora da comunidade Vão de Almas, agradece a presença constante das brigadas: “Sou muito grata aos meninos da brigada. É só mandar mensagem que eles aparecem. No passado, o fogo já chegou bem perto da nossa casa, fogo vindo de fora, sabe? Mas hoje eles ajudam a proteger antes mesmo do fogo chegar. Fazem as queimas no tempo certo, do jeito certo. Com eles por perto, a gente se sente mais seguro. Eles estão de parabéns”, afirma ela.

 Uma das estratégias mais importantes dentro do Manejo Integrado do Fogo é a queima prescrita — prática que, há gerações, orienta o uso do fogo de forma controlada para proteger roças, limpar áreas de cultivo, renovar o solo e evitar incêndios de grandes proporções. Atualmente, essa técnica é aplicada em áreas previamente definidas, com base em estudos do terreno, da direção do vento, da umidade e das condições climáticas. Por se tratar de uma ação planejada, a queima prescrita precisa de autorização de órgãos ambientais competentes e deve seguir protocolos específicos de segurança, garantindo que o fogo cumpra seu papel sem causar danos ao território.

“Desde que voltamos a fazer o manejo com a queima prescrita, muita coisa mudou na região”, diz Josemi Francisco.

Foto: Vitor Saraiva/ICMBio

O fogo é aceso em trechos específicos e vai sendo controlado à medida que avança, sempre com a presença de brigadistas e lideranças que conhecem o tempo da terra e a lógica das chamas. Todo o processo é acompanhado de perto, garantindo que o fogo cumpra sua função sem ultrapassar os limites. A ideia é simples e eficiente: queimar no final das chuvas, quando o clima ainda permite controle, para proteger a natureza no auge da seca.

Mas o clima já não é mais o mesmo. A seca tem chegado mais cedo, o calor aumenta a cada ano — e isso afeta diretamente o trabalho das brigadas.

“Além do calor excessivo, as mudanças climáticas têm sido um dos principais desafios pra nós, brigadistas e moradores das comunidades — ainda mais por estarmos numa região com muitas serras. Hoje, o que mais impacta é o clima mesmo. Menos chuva, mais calor… tudo isso tem mudado muito e interfere diretamente no nosso jeito de trabalhar”, conta Sirilo Rosa, que também integra o quadro de brigadistas quilombolas da região.

Lideranças quilombolas contam que o fogo tinha seu tempo certo para ser aceso. Costumava-se queimar em abril — muitas vezes na sexta-feira da Paixão — ou então em outubro, depois das primeiras chuvas. “Chovia muito naquele tempo”, dizem. A natureza tinha ritmo — e o fogo obedecia. Hoje, com os efeitos extremos do clima, esse equilíbrio mudou. A chuva veio menos, parou mais cedo — e a seca, que antes se firmava só em maio, agora começa já em março, dois meses antes.

Mesmo com as mudanças no clima, os ensinamentos não se perderam. A técnica usada pelos mais velhos para conter o fogo — com ramos verdes de buriti como abafadores — ainda ecoa no presente. Hoje, nas mãos dos brigadistas, esse saber ganha novo significado: se une ao manejo técnico, sem perder a raiz ancestral que ensinou, antes de tudo, que o fogo pode ser guiado, e não temido.

Esse cuidado com o tempo do fogo segue vivo, e se atualiza a cada ano, diante das novas condições do clima.

No início deste ano (2025), por exemplo, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO) iniciou a queima prescrita já em março, antecipando-se à seca que chegou mais cedo e ao aumento do risco de incêndios. Com as mudanças no clima e a previsão de um período seco mais severo, foi necessário agir antes do pico da estiagem para proteger o território, a biodiversidade e as comunidades que habitam e cuidam dessa região.

Brigadistas se reúnem no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros para 1ª queima prescrita

Foto: Vitor Saraiva/ICMBio

Na imagem, sorrisos cobertos de fuligem celebram um feito importante: a realização da primeira queima prescrita no Parque. Homens e mulheres de diferentes idades e lugares se reúnem, muitos voluntariamente, para colocar o conhecimento em prática. São brigadistas quilombolas e de outras regiões da Chapada, unidos por um propósito comum: proteger o Cerrado, preservar vidas, cuidar da terra.

Nesta etapa, o saber tradicional caminha lado a lado com o manejo técnico. Um completa o outro. E juntos, esses conhecimentos seguem atuando — calorosamente, todos os anos — para que o fogo cumpra seu papel sem ultrapassar os limites do cuidado. Para que o Cerrado siga se renovando com equilíbrio. Para que as espécies que vivem ali possam seguir seus ciclos, livres, no tempo da natureza.

E mesmo com o uso consciente do fogo, com a queima prescrita e o manejo ancestral sendo colocados em prática ano após ano, é preciso dizer com clareza: os grandes incêndios não nascem dentro das comunidades tradicionais, nem em áreas protegidas.

Eles vêm de fora, das cercas abertas por tratores, dos ventos carregados pelas queimadas ilegais, do descaso de quem vê a terra apenas como lucro. Surgem em grandes propriedades rurais, onde o fogo é usado sem escuta, sem cuidado, sem limite. As chamas atravessam cercas, se espalham pelos ventos e atingem a todos, mas não de forma igual. São as comunidades negras, tradicionais e periféricas que mais sentem os impactos dessa destruição. É o racismo ambiental em sua forma mais marcante: quando os territórios de quem cuida da terra são devastados para sustentar o conforto e o lucro de quem a explora. 

E os números confirmam aquilo que os territórios já sentem na pele há muito tempo. Segundo dados do MapBiomas (2024), o Cerrado foi o bioma mais atingido por fogo no Brasil em 2023, com mais de 8,2 milhões de hectares queimados — o equivalente a mais de 50% de toda a área queimada no país naquele ano. E não é nas áreas protegidas que o fogo começa: mais de 95% das áreas queimadas em 2023 estavam fora de unidades de conservação ou terras indígenas, reforçando que os incêndios têm origem majoritária em áreas privadas, especialmente ligadas à agropecuária.

Esses incêndios que devastam o Cerrado, a Amazônia, o Pantanal e a Caatinga não são acidentes — são consequências diretas do avanço do agronegócio e do desmatamento em áreas que deveriam ser protegidas por políticas públicas. Nessas regiões, o fogo é usado como caminho para abrir novas fronteiras agrícolas, renovar pastagens ou preparar o solo para monoculturas. As queimadas, muitas vezes ilegais ou mal conduzidas, fogem do controle, atravessam cercas, invadem áreas protegidas, atingem comunidades tradicionais e colocam em risco vidas humanas, animais e florestas inteiras.

Os efeitos não ficam no campo. A fumaça e o calor dessas queimadas se espalham, agravando a crise climática nas cidades, provocando ondas de calor extremo, ar seco, doenças respiratórias e escassez de água. Em setembro de 2023, por exemplo, Goiânia e Cuiabá registraram sensações térmicas superiores a 45 °C, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). A combinação entre calor extremo e queimadas levou a um aumento de até 30% nos atendimentos por problemas respiratórios em unidades de saúde pública, conforme levantamento de secretarias estaduais.

Mas em meio ao colapso, os territórios tradicionais continuam mostrando que há outro caminho possível. Enquanto o ar das cidades se torna cada vez mais seco e tóxico, são comunidades rurais, quilombolas, indígenas e periféricas que seguram o fio da preservação. São elas que protegem o que ainda resta de floresta, que mantêm vivas as nascentes e que, mesmo impactadas, seguem ensinando como cuidar da terra sem destruí-la. É ali, onde o fogo nasce com sabedoria, que também nascem soluções para um futuro mais consciente e equilibrado.

Povos tradicionais não apenas conhecem o tempo do fogo — eles o respeitam. E são justamente esses saberes ancestrais que seguem como algumas das estratégias mais potentes e necessárias para manter os nossos biomas vivos.

No Brasil, as comunidades quilombolas são exemplo vivo de preservação ambiental. De acordo com estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), em parceria com a The Nature Conservancy Brasil (TNC Brasil) — organização internacional voltada à conservação da biodiversidade —, mais de 83% da vegetação nativa está preservada dentro dos territórios quilombolas oficialmente reconhecidos. Onde há gestão coletiva da terra, há mais floresta em pé, nascentes protegidas e equilíbrio climático.

Não à toa, o Território Kalunga foi o primeiro do Brasil a receber o reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) como um TICCA — Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais. O selo internacional destaca lugares onde comunidades mantêm a natureza viva a partir de seus próprios modos de vida, cultura e organização coletiva. E é isso que o Kalunga representa: não apenas números, mas caminhos. Ali, entre as montanhas e os rios preservados, os saberes antigos seguem acesos. Onde o fogo é guiado com responsabilidade. Onde a floresta não é só paisagem: é vida vivida, defendida e partilhada.

Até aqui, aprendemos que saber a hora de acender o fogo é mais do que técnica — é memória viva. E foi para preservar essa história que nasceu o primeiro Museu do Fogo da América Latina, em Cavalcante (GO), dentro do Território Kalunga.

Inaugurado em setembro de 2022, a iniciativa foi idealizada pela BRIVAC (Brigada Voluntária Ambiental de Cavalcante) — que atua há anos na prevenção de incêndios na região — e hoje o espaço se consolida como um marco na valorização das práticas tradicionais e na educação ambiental da Chapada dos Veadeiros.

Foto: Museu do Fogo/Instagram

O museu abriga um acervo que mostra, na prática, como os saberes quilombolas e indígenas seguem vivos nas ações de prevenção e cuidado com o fogo. Com peças, vestimentas, equipamentos de combate, registros e histórias sobre o Manejo Integrado do Fogo (MIF), o espaço é também um símbolo: da resistência que se transforma em política pública, da cultura que se transforma em ferramenta de cuidado, da chama que nunca se apaga.

O local conta com conteúdos audiovisuais, sensoriais e interativos, como telas educativas narradas por quilombolas e legendas em libras. Além de uma sala imersiva multissensorial, que recria os impactos vividos pelos brigadistas e oferece uma experiência sensível e real. Os visitantes podem participar também do Desafio do Fogo, uma atividade interativa que testa os conhecimentos e reforça, de forma lúdica, a importância do cuidado com o território.

O Museu do Fogo está aberto à visitação durante todo o ano, com entrada gratuita. Recebe escolas, grupos e visitas guiadas, promovendo o diálogo entre gerações, territórios e saberes. Também comercializa produtos próprios, como camisetas, garrafas e materiais educativos, uma forma de fortalecer a sustentabilidade do espaço e ajudar a manter viva essa chama de memória, cultura e resistência.

No fim, é nas comunidades tradicionais, onde o fogo nasce, que também nascem as respostas. E essa chama — ancestral, resistente e viva — é a que pode reacender o futuro. Essa chama vem de longe…

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Hígor Torres

Membro da Rede Kalunga Comunicações

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Organização e resistência: Como montar uma brigada anti-incêndio para proteger sua comunidade​

Organização e resistência: Como montar uma brigada anti-incêndio para proteger sua comunidade

O que a experiência da Brigada Quilombola do Vão Grande, em Barra dos Bugres, ensina para quem quer organizar uma brigada que proteja o território mas também seja símbolo de resistência e organização

Essa matéria faz parte do especial “Onde nasce o fogo: conhecimento ancestral e brigadas anti-incêndio” feita em parceria pela Escola de Ativismo e Fundo Casa. Confira mais matérias clicando aqui.

Ilustrações: Ana Clara Moscatelli

 

Em diversas regiões do Brasil, povos quilombolas e outras comunidades tradicionais têm enfrentado, ano após ano, os efeitos devastadores dos incêndios florestais — que, cada vez mais, colocam vidas, culturas e territórios em risco. Ao mesmo tempo, essas mesmas comunidades têm mostrado que o caminho da preservação passa pelo fortalecimento de práticas ancestrais e pelo acesso ao conhecimento técnico. É nesse cruzamento que surgem as brigadas comunitárias: grupos organizados que atuam no combate ao fogo com sabedoria tradicional, ciência e ação coletiva.

A Brigada Quilombola do Vão Grande, em Barra do Bugres (MT), é uma dessas referências. Criada em 2020 após um incêndio de grandes proporções, ela se tornou símbolo de resistência, organização e cuidado com o território. A seguir, você entende como essa brigada foi formada — e o que a experiência do Vão Grande pode ensinar a outras comunidades do Brasil.

  1. Entenda a necessidade (e a possibilidade) de criar uma brigada

Tudo começou com um incêndio. Rafael Bento, liderança da comunidade, conta: “Para começar alguma coisa, você tem que ter um porquê. Em 2020, o fogo quase queimou nossas casas e roças. A gente se reuniu e decidiu que precisava resgatar nosso conhecimento e aprender mais.”

Nem toda comunidade tem estrutura pronta — mas muitas têm essa mesma urgência. Observar o território, identificar os riscos e ouvir os mais velhos sobre como o fogo era usado antes é o primeiro passo.

  1. Conheça o seu território

Cada comunidade tem sua geografia, seu bioma, seus ciclos e desafios. No Vão Grande, por exemplo, o fogo chega sempre pelos morros e serras, vindos de áreas externas — geralmente de fazendas ou vilas vizinhas.

“Quem mora na comunidade precisa conhecer bem sua área: saber quando o fogo chega, de onde vem e como pode ser contido. A gente queimava capim em maio e junho, quando a umidade está alta. Isso ajudava a proteger no período da seca”, explica Rafael.

  1. Busque formação e apoio institucional 

A comunidade do Vão Grande buscou apoio junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) da Estação Ecológica Serra das Araras, participou de um edital do Fundo Casa e conseguiu recursos para compra de equipamentos. Hoje, sua brigada é equipada e atuante. Uma verdadeira referência para os quilombos do Brasil. 

Conheça mais sobre essa história de luta
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O ICMBio é o órgão responsável pela gestão das unidades de conservação federais e atua com ações de preservação da biodiversidade em áreas protegidas, incluindo o apoio a brigadas comunitárias.

Além disso, é possível procurar apoio junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que, por meio do Prevfogo, abre editais públicos para formação e contratação de brigadistas, fornecendo suporte técnico, o que é considerado uma grande oportunidade para quilombos do país. 

Outras instituições como associações locais, secretarias municipais e estaduais, institutos de pesquisa, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e organizações como o Fundo Casa podem ser importantes aliados. 

  1. Resgate os saberes tradicionais — e organize o coletivo

“No início, combatíamos fogo com galho de árvore e aceiro. Mas entendemos que não dá mais pra enfrentar o fogo só assim. Precisamos de estratégia”, conta Rafael.

A brigada do Vão Grande reúne homens e mulheres quilombolas de várias idades — inclusive um senhor de 76 anos, o seu Francisco, guardião da comunidade. A organização inclui funções divididas: quem conhece a área, quem opera os equipamentos (como soprador e abafador), quem cuida da alimentação, quem mapeia os pontos críticos. Tudo é organizado coletivamente.

A Brigada do Vão Grande se reúne antes ir para a ação.

Foto: Divulgação

A técnica: unir o ancestral ao científico

A brigada aplica o Manejo Integrado do Fogo (MIF), que inclui a queima prescrita — uso controlado do fogo em áreas estratégicas no período pós-chuvas — e o aceiro, faixa limpa para evitar que o fogo ultrapasse limites.

“Hoje a gente queima entre 10h e 13h, no período úmido, com licença e planejamento. E sempre respeitando a natureza do lugar”, afirma Rafael Bento. 

  1. Fogo com estratégia é cuidado, não destruição

Brigadas como a do Vão Grande mostram que o fogo, quando guiado com respeito e sabedoria, protege. Protege casas, roças, vidas. Segundo o MapBiomas (2024), 97% das queimadas no Brasil têm origem humana — e, em 2023, 95% ocorreram fora de áreas protegidas, muitas ligadas à expansão da monocultura e à grilagem de terras.

Os quilombos que protegem o Brasil

De acordo com dados do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e da The Nature Conservancy Brasil (TNC Brasil), mais de 83% da vegetação nativa está preservada dentro dos territórios quilombolas oficialmente reconhecidos.

Essas comunidades não apenas enfrentam as queimadas: elas também ajudam a conter o avanço da destruição, mantendo vivas as florestas e contribuindo para o equilíbrio climático que afeta comunidades tradicionais e cidades em todo o país.

Dados do Prevfogo/Ibama apontam que, nos últimos anos, quilombolas, indígenas e ribeirinhos passaram a compor boa parte das brigadas florestais contratadas em editais públicos — demonstrando que o cuidado com o território vem de quem o conhece profundamente. De dentro pra fora. 

Quer conhecer melhor a comunidade do Vão Grande e sua história?

Confira a Cartilha do Protocolo de Consulta do Vão Grande e o livro Narrativas do Interior, produzidos com apoio da Escola de Ativismo.

Cartilha do Protocolo de Consulta da comunidade quilombola Vão Grande: https://escoladeativismo.org.br/wp-content/uploads/2023/07/PROTOCOLO-POPULAR-CARTILHA-versao-final-web.pdf

Livro Narrativas do Interior: https://escoladeativismo.org.br/wp-content/uploads/2022/04/Narrativas_do_Interior_LIVRO_digital.pdf

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Hígor Torres

Membro da Rede Kalunga Comunicações

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