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Isidoro Salomão – quando a pessoa se torna ativista


O que a vida faz do ativismo e o que o ativismo faz da vida? Existe apenas a vida, ou também a vida de ativista? E, além de tudo, muitas vidas: o ativismo, sempre nômade, circula do campo à floresta, da aldeia à cidade, do corpo que se transforma ao corpo que transforma. Quando e como uma pessoa se torna ativista? Não há resposta única – sequer, talvez, resposta. Querer desvendar a pergunta é como querer desvendar o ativismo em uma única vida. Mas a pergunta não irá, e nem deve, calar. Há que ecoar, experimentar suas versões em diferentes corpos, diferentes vidas. É a tarefa que abraçam, nesta edição de Tuíra, Áurea CarolinaAriel Nobre, Isidoro Salomão, Miguel Reis, Rebeca Lerer e Werá Mirim, em seis depoimentos, e Silvio Munari, em um artigo.

Isidoro Salomão

Desaprender

Acredito que nasci com alguma coisa diferente. Desde a escola primária, no ginásio, passando pela escola agrícola, eu já dava um trabalho danado — no sentido de querer mudar as coisas. Nesta minha longa caminhada, sempre foi assim. Eu me tornei ativista na caminhada; não houve nenhum ato automático ou um clique que, de uma hora para a outra, me tornasse um ativista. Mas houve fatos que aceleraram esse processo: me tornei padre na Igreja Católica e vim a ser sacerdote na minha terra. Vivi toda a burocracia de uma igreja que não me cabia. No dia da minha ordenação fui ordenado meia hora antes da cerimônia. O bispo que me ordenou disse: “pode correr, vestir a roupa que nós vamos te ordenar”. No dia seguinte, em outra cidade, eu já estava na atividade de padre. Eu já fui para esse trabalho sabendo que minha missão seria diferente. A questão cultural, por exemplo.

Viola de cocho

Durante o Seminário, eu aprendi a tocar violão. Quando cheguei aqui e ia para as comunidades, percebi que meu violão espantava as violas de cocho1. Então, deixei o violão em casa e praticamente nunca mais peguei nele. Busquei as pessoas da comunidade, aprendi a tocar viola de cocho e fui pras comunidades com ela. Então apareceu um monte de violeiro de viola de cocho. Violão espanta viola de cocho. Isso foi um aprendizado pra mim, assim como tem aprendizado em cada ato, em cada evento. A partir daí, tudo o que eu tinha aprendido numa cadeira de escola, tive que (quase) desaprender, desfazer para caminhar com o povo. Desde então, cada dia é um passo nessa militância e nesse ativismo.

1 Instrumento musical de cordas dedilhadas, variante regional da viola brasileira, comum nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e no Centro-Oeste brasileiro. Recebe este nome por ser confeccionada em tronco de madeira inteiriço, esculpido no formato de uma viola. Reconhecida como patrimônio imaterial brasileiro.

Juventude

Nunca tive uma formação específica [na área] ambiental. Mas, por morar no Pantanal, eu deveria ter uma atuação diferenciada. Algo que me mudou muito foi a Campanha da Fraternidade de 1991, com o tema Juventude Caminho Aberto. Começamos um trabalho com juventude aqui e, cada dia mais, esse caminho aberto nos mostrava várias possibilidades. E um dos caminhos que nós começamos a trilhar com a juventude foi o caminho ambiental no Pantanal. A partir daí, fizemos todo um trabalho de aprender e ensinar. Era muito trabalho, tinha muita gente, havia 150 grupos de jovens entre 1991 e 1996. Nós praticamente buscamos os Sem-Terra para nossa região. Procuramos o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] para buscar uma possibilidade, uma solução para aquela juventude toda. Todo este trabalho levou a grandes ocupações de terra na região.

O povo ou a Igreja

Todo esse movimento foi nos tornando cada vez mais ativistas e, como me tornei um padre ativista, já não cabia mais na igreja. O bispo me pediu para escolher: ficar com o povo ou com a Igreja. Respondi que queria os dois, mas se fosse para escolher apenas um, ficaria com o povo. A partir daí fui me apartando da igreja e ficando com o povo. Nosso trabalho não parou, tanto que hoje eles querem reconectar nosso trabalho com a igreja. Ontem eles achavam difícil trabalhar com nós. Hoje eles querem trabalhar com nós.

Caminhada

Ativismo e militância se faz na caminhada. Quando você caminha com o povo, tem um objetivo e planeja essa caminhada, se torna militante, se torna ativista.

Tivemos uma experiência muito interessante: a Escola de Militância. Esse processo de trabalho com jovens focou nos jovens iniciantes, jovens em formação e jovens militantes. Foi uma formação em processo. Não acredito que a mudança do ser humano aconteça num passe de mágica, de uma hora para outra. Toda mudança é um processo. Uma mudança muito repentina não é verdadeira mudança. A mudança que acontece na caminhada tende a ser uma mudança permanente. Talvez por ter feito minha caminhada assim, acredito que a caminhada do outro seja assim também. E há o exemplo – isso é muito importante, porque o exemplo de alguém inspira. Me engrandece ouvir das pessoas: “com você, eu vou”. Então vamos

Cultura

Nosso ativismo provocou reação. Teve repressão, teve punição. Formamos um grupo em parceria com a Vanda2, passamos a cantar o que queríamos. Não falávamos mais: cantávamos, dançávamos. Aquilo que, se falado, seria reprimido. Cantávamos. Incluímos [nossas mensagens] no nosso CD e o pessoal ouvia na rádio. A questão ambiental e cultural torna gostoso o trabalho, envolve a pessoa inteira. Cultura e ambiente se complementam. Quando a questão ambiental está enraizada na vida da pessoa, ela se torna cultura também. Por exemplo, quando fomos reinculturar na viola de cocho, precisei aprender do pessoal… Dentro da igreja, nós fizemos a missa pantaneira, toda sertaneja, cantada e dançada. Isso tudo vai se misturando. Hoje somos uma sociedade sociocultural e ambiental. Não diferenciamos o humano, a natureza, a mística, de como vive essa pessoa. Cultura e natureza se vive. O bonito mesmo é fazer esse trabalho. Tem muito mais de prática do que teoria. É a caminhada que faz o ativismo, que faz a militância, e não um curso.

2 Vanda Aparecida dos Santos, ativista e fortalecedora da cultura pantaneira.

Teologia da Libertação e Comunidades Eclesiais de Base

Sou fruto de uma CEB [Comunidade Eclesial de Base]. Eu não fui para o seminário pequeno (que é quase degradação ou retração do ser humano, onde o cara é feito para ser padre). Fui direto para a faculdade, que é um seminário grande. Isso colaborou na minha formação. Não fui preparado para ser o padre que alguém quer, e fazer aquilo que Roma quer. Então, pela Teologia da Libertação contida nos grupos de reflexão das CEBs, eu cheguei lá… e, depois, por meu relacionamento com pessoas como Leonardo Boff, teólogo da libertação, com Dom Pedro Casaldáglia, com quem trabalhamos. E na Pastoral da Juventude, no auge desse trabalho, fui assessor de bloco no Centro-Oeste. Éramos quatro assessores no Brasil. Isso nos trouxe uma experiência muito grande, produtividade e efetividade. Ao trabalhar com juventude, ou você apresenta resultado, ou perde o jovem. Isso exigiu que a gente trabalhasse com o jovem, inclusive no sentido de dar as respostas para ele na construção de uma sociedade que eles desejavam. Nunca fui um teórico da Teologia da Libertação. Sempre trabalhei com os pés fincados na terra, na realidade.

Servir

Neste momento político, diante da crise atual, não há nada pronto. Todo o valor das coisas está no seu fazer. Durante toda a minha vida eu procurei viver daquilo que eu fazia em grupo. Para mim o maior revolucionário é Jesus Cristo, mas tem gente que acha que é o maior conservador. O desafio é fazer isso tudo concreto na vida das pessoas. Hoje sou considerado um expulso da Igreja, mas tenho em Jesus Cristo um exemplo de luta e isso me traz a referência da alegria de servir. Eu sou um construtor: tudo isso aqui que você está vendo [as construções, os espaços, roças de todo tipo, animais, sistema de aproveitamento de água de chuva, jardins, edificações, alojamentos, áreas livres e espaços comuns, uma chácara organizada para encontros], eu construí. Não para mim, mas para os outros, e tenho a alegria de ver os outros usufruírem dessas coisas todas que eu construí. Servindo aos outros, você está sendo servido também. A alegria está nisso. Para o militante que vem, ou que foi, ou que é, é fazer… fazer com o máximo de qualidade, com empenho da sua vida toda, porque isso é viver.

VEJA OS OUTROS TEXTOS:
Áurea Carolina
Ariel Nobre
Miguel Reis Afonso
Rebeca Lerer
Werá Mirim
artigo: Quando a pessoa se torna ativista

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