Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) informa que o número de ocorrências foi o maior desde 2014; veja os dados
Por Letícia Queiroz – 09/05/2024
A CPT explica que entre os principais motivos de tanta violência está o desmonte das políticas públicas para o campo e a demora para demarcar e titular territórios l Foto: MST/Reprodução
A violência no campo bateu recorde em 2023. Um levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) contabilizou 2.203 conflitos no ano passado, uma média de seis por dia – o maior número registrado em uma década, desde o início da pesquisa. O aumento foi de mais de 7% se comparado com 2022. As ocorrências envolvem povos quilombolas, indígenas, ribeirinhos, assentados e outras comunidades tradicionais. 31 pessoas foram mortas no período.
A CPT destaca em seu relatório que, no ano com o maior número de ocorrências, o país já estava sob comando do Governo Lula III. O documento também aponta que houve aumento das ações de ocupação e retomada de terras, práticas respaldadas pela ampliação do diálogo do presidente com as comunidades rurais e organizações populares do campo.
“Há que se olhar, porém, que o último dado indica também o fortalecimento dos movimentos sociais no campo, tendo as ações de resistência territorial e luta por reforma agrária quase dobrado de 2022 para 2023, alcançando 136 ações. Tais valores são bem acima das ações durante o governo Bolsonaro (maior número de ações foi 79, em 2022), mas ainda bem abaixo das 264 ações de 2014, durante o governo Dilma”, informa o texto do documento da CPT.
O movimento de resistência ocorre em função da lentidão em resolver processos de regularização territorial, além da morosidade na realização da reforma agrária. Em alguns casos as famílias retomam áreas invadidas e se tornam alvo de ameaças e intimidações, como o que aconteceu no Quilombo Onça, em Santa Inês, no interior do Maranhão. O estado enfrenta uma crise e é considerado o mais perigoso para quilombolas.
O relatório apresenta mapeamento dos agentes e das vítimas dos conflitos. Do total, 14 indígenas morreram vítimas da violência por conflito no campo. O segundo grupo mais afetado foram os sem terra, um total de 9 mortes. As outras vítimas são posseiros (4), quilombolas (3) e um funcionário público.
A CPT explica também que entre os principais motivos de tanta violência está o desmonte das políticas públicas para o campo e a demora para demarcar e titular territórios onde vivem comunidades tradicionais.
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A violência tem crescido em regiões como a da tríplice divisa dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia (chamada de Amacro ou Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira). Segundo a CPT, dos 31 assassinatos no país registrados no ano passado, 8 foram nesta região. A denúncia de crimes ambientais na região também desperta preocupação com a segurança de jornalistas, que tem sofrido ameaças e perseguições por dar visibilidade às invasões de territórios indígenas, garimpo ilegal, exploração de madeira e outras irregularidades que afetam comunidades tradicionais.
Mais de 59,4 milhões de hectares de terra estiveram envolvidas em disputas no ano passado. Conforme o levantamento, 1.724 ocorrências foram registradas. Do total, 1.588 registros têm relação com a ocupação e a posse e/ou contra a pessoa, com destaque para:
- Ações de invasão: 359
- Pistolagem: 264
- Grilagem:152
- Destruição de pertences: 101
- Destruição de casas: 73
- Despejo judicial:50
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Expulsão: 37
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O levantamento da CPT afirma que no “eixo terra” os fazendeiros, empresários, grileiros, governos federais e estaduais são os agressores. Entre as áreas de interesse desses grupos estão os territórios quilombolas que estão aguardando a finalização do processo de regularização.
Em todo o Brasil, as ocorrências englobam conflitos relacionados à posse de terras, questões trabalhistas e acesso a recursos hídricos. A maioria dos conflitos registrados é pela terra (1.724, sendo também o maior número registrado pela CPT), seguidos de ocorrências de trabalho escravo rural (251) e conflitos pela água (225). Dentre os estados, o maior número foi registrado na Bahia, com 249, seguido do Pará (227), Maranhão (206), Rondônia (186) e Goiás (167). Dentre as regiões, a região Norte foi a que mais registrou conflitos (810), seguida da região Nordeste (665), Centro-Oeste (353), Sudeste (207), e por fim, a região Sul, com 168 ocorrências.
Veja os números dos conflitos contabilizados pela CPT ano a ano: