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Luh Ferreira

Educadora Popular, ativista, doutora em Educação

Encantada com o mundo, indignada com a situação dele

“Protege-se a grilagem enquanto se criminalizam as lutas dos povos”; saiba como foi a Romaria da Terra e das Águas

Evento anual aconteceu em Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, e teve como tema “De mãos dadas por justiça socioambiental para salvar a Casa Comum”

Por Letícia Queiroz- 12/07/2024

Povos e comunidades tradicionais em plenária na 47ª Romaria na Bahia | Foto: Helenna Castro – CPT Bahia

 

Devoção, ativismo, cultura, protagonismo dos povos e comunidades e debates sobre territórios e destruição ambiental marcaram a 47ª edição da Romaria da Terra e das Águas. O evento aconteceu em Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, e teve como tema “De mãos dadas por justiça socioambiental para salvar a Casa Comum”. Inspirados por caminhadas de luta e resistência, diversos povos participaram de momentos de celebração, partilha, reflexão e estratégias políticas em favor dos direitos fundamentais dos povos.

A Romaria aconteceu entre os dias 5 e 7 de julho. Nos três dias milhares de pessoas expressaram sua fé e fizeram reuniões para momentos de intercâmbios de realidades. O objetivo é, além de expressar a fé, compartilhar realidades e buscar caminhos e alternativas a partir da articulação desses povos, comunidades, organizações e vivências.

Uma carta escrita de forma conjunta chamou atenção para as injustiças que impactam as populações que vivem sob ameaças e em extrema vulnerabilidade. O documento pontuou os compromissos firmados pelos romeiros em busca da construção da justiça socioambiental.

“Protege-se a grilagem enquanto se criminalizam as lutas dos povos e comunidades por seus territórios. Não existem sinais de compromisso do Estado com a proteção ambiental, com a política de Reforma Agrária ou com a regularização e titulação de territórios quilombolas e de outras comunidades tradicionais. A demarcação e proteção dos territórios indígenas continua praticamente paralisada e a Lei 14.701/2023, que instala de forma autoritária a tese do Marco Temporal, continua em vigor apesar de sua evidente inconstitucionalidade”, informa o documento.

A carta também afirma que “posições políticas e reacionárias de extrema-direita, sustentadas pelos poderes econômicos e pelo fundamentalismo religioso, avançam em nosso país e em outros lugares do mundo, comprometendo a garantia dos direitos humanos e a convivência democrática. Diante desta realidade desafiadora, e à luz da memória de todas e todos os que tombaram na luta pela terra, pelas águas e pela vida, nós, romeiros e romeiras da 47ª Romaria da Terra e das Águas, reunidos em Plenarinhos, reafirmamos nosso compromisso com a vida e com os territórios”.

“Entendemos que a força vem do protagonismo dos Povos e comunidades que com autonomia tem um outro jeito de conviver com a natureza superando o modelo desumano, violento, excludente, degradador e acumulador do capitalismo que na sua constante crise nega a vida em plenitude. Seguiremos no nosso engajamento a partir das periferias reais e existenciais, fortalecendo as variadas formas de (re)existências e retomada dos territórios, ao passo que nos uniremos na luta pela demarcação, pela Reforma Agrária, pelo fortalecimento da agroecologia e por uma democracia popular”.

Leia aqui a carta na íntegra

Manifestações marcaram Romaria da Terra e das Águas | Foto: Thomas Bauer – CPT Bahia H3000

A carta é divulgada nas redes sociais e impressa para chegar a todos os territórios, incluindo os que não têm acesso à internet. Com a multiplicação das informações e dos compromissos, é possível cobrar melhorias e estimular grupos, em sua diversidade, a assumir esses os pontos acordados durante todo o ano. O objetivo é que esses compromissos se desdobram em ações concretas nas comunidades.

Essas e outras reivindicações embasadas no tema central da por justiça socioambiental estiveram presentes nas plenárias realizadas durante a Romaria. Cinco temas centrais importantes para os povos e comunidades tradicionais foram discutidos. A Justiça Socioambiental prevê que todos os grupos sociais, independente de raça, etnia, gênero ou classe social, tenham direito igualitário de acesso aos recursos naturais que são fundamentais para uma vida digna e saudável, como água limpa, solo fértil, ar puro.

Tânia, da Comissão Pastoral da Terra, que acompanha a Romaria há mais de 20 anos, disse que o evento é um espaço de intercâmbio onde os povos se encontram para falar de suas lutas, desafios e os problemas que têm enfrentado em suas comunidades.

“A Romaria proporciona espaços de trocas e um verdadeiro intercâmbio. O principal espaço de troca concreta são nos plenarinhos que contam com debates de temas específicos. Os espaços são para aprofundamento desse intercâmbio. Todas as pessoas que estão na luta sobre a terra falam sobre o que estão vivendo para encontrar estímulos e continuarem a luta. A Romaria é um ponto onde as pessoas se encontram, se realimentam de esperança, realimentam de fé, realimentam relações para continuar fazendo o que vinham fazendo”, disse. 

Via Sacra durante Romaria teve protestos de comunidades tradicionais | Foto:  Thomas Bauer – CPT BA/ H3000

Um dos temas em debate foi “Terra e Territórios protegidos e garantidos para salvar a Casa Comum!”. A discussão teve como inspiradoras a Mãe Bernadete e Nega Pataxó, duas mulheres ativistas que defendiam a titulação e regularização de seus territórios e foram assassinadas. O espaço de fortalecimento tratou do compromisso com o território e da necessidade de continuar exigindo justiça.

No último dia de atividades da Romaria, os participantes de todas as plenárias se encontraram na Gruta de Nossa Senhora da Soledade para a grande plenária, onde foram sintetizados os debates dos plenarinhos e elaborada a Carta da 47ª Romaria da Terra e das Águas.

O evento também foi marcado pela Via Sacra. A grande caminhada realizada por romeiros e romeiras pelas ruas de Bom Jesus da Lapa denunciou os conflitos e ataques sofridos nos territórios e reafirmou a resistência popular.

O Frei Alan Santana, de Itamaraju (BA), viajou acompanhando jovens que querem ter participação e representatividade em suas comunidades. Ele falou sobre atividades que envolvem a fé, a política e a cultura.

“Fazemos um trabalho para que esses jovens possam viver em sociedade e nas suas comunidades de maneira coletiva, acolhedora e participativa. O jovem precisa ter visibilidade e local de fala, mas para isso precisa de acolhimento a partir do que os jovens gostam de fazer. Culturalmente falando, temos as expressões locais e um projeto que visa que os jovens possam trabalhar a cultura através da música e do teatro”, disse.

O frei afirmou que a vida humana precisa ser reconhecida, respeitada e que é preciso haver acolhimento e solidariedade. “A Romaria assume uma importância entender realidades diferentes. E nós estamos de mãos dadas por um mundo melhor porque quando seguramos as mãos, nos fortalecemos”, disse Santana.

Milhares de pessoas participaram da 47ª Romaria da Terra e das Águas | Foto: Thomas Bauer – CPT Bahia H3000

Edital Audiovisual Sem Justiça Climática, Não há Democracia

AVISO: Muitas pessoas estão tendo dificuldades técnicas com nosso formulário de inscrição. Recomendamos tentar mudar de navegador (se não funcionar no Chrome, tente no Firefox ou qualquer um de sua preferência). Também recomendamos tentar trocar de equipamento (Se não der no celular, tentar em um computador, tablet ou mesmo outro celular). Caso as dificuldades persistam, escreva para contato@ativismo.org.br e nossa equipe vai entrar em contato para garantir que ninguém fique sem sua inscrição por problemas técnicos. Pedimos desculpas pela incoveniência.

1.Por que Justiça Climática e Democracia?

Acreditamos que a crise climática é o maior desafio da humanidade no presente momento histórico. E que evitá-la ou vê-la acontecer impactará de maneira decisiva os modos de vida de toda a população mundial. Dentro das transformações e possíveis perdas, a democracia poderá estar entre elas.

A ambientalista Mariana Belmont, assistindo a tragédia ambiental que aconteceu neste ano no Rio Grande do Sul, ressaltou que os anos mais quentes que teremos, ano após ano, colocarão em risco qualquer projeto de democracia. Segundo ela, isso se dará pelo nível de desigualdade que aumentará decisivamente e impactará de forma desproporcional as mesmas populações de sempre.

“Clima, biodiversidade, poluição e desigualdades constituem um cenário de degradação profundo. O que limita a capacidade da sociedade de receber direitos básicos de moradia, saúde, segurança física, alimentar, hídrica, econômica e emocional […] O Estado mata todos os dias a cada minuto jovens negros a bala, mas agora talvez tenha aprendido a matar afogado e de outras maneiras absurdamente violentas. A democracia não é só defender eleição, democracia é direito básico de existência e sem medo de morrer cotidianamente”disse Belmont.

No atual cenário político, vemos políticos de extrema-direita tendo destaque no executivo e no legislativo brasileiro e mundial. O ultraconservadorismo brasileiro, nas figuras de Jair Bolsonaro e Ricardo Salles, para citar apenas dois, já se associou com o negacionismo climático, assim como mostra desdém pelas instituições democráticas. Eles precisam disso para continuar desmatando, minerando, destruindo e lucrando. Ou seja, esses setores já fizeram essa associação entre democracia e crise climática e estão na ofensiva.

E nós, enquanto movimentos ativistas, militantes, progressistas e sociedade civil, o que temos a oferecer de saída? De pensamento, de adaptação? É possível pensar em uma eleição acontecendo de maneira normal enquanto uma cidade está debaixo d’água? Sufocado de fumaça por queimadas em terras de políticos associados ao latifúndio? Que problemas seremos capazes de levantar? Como estão nossos territórios? Como geramos mobilização, conscientização, esperança e revolta?

2. O Edital

O Edital audiovisual Sem Justiça Climática, não há democracia tem como objetivo principal fortalecer a comunicação da agenda climática no Brasil através da produção de conteúdos informativos e criativos em formato audiovisual voltado para redes sociais (Instagram/TikTok). Buscamos pessoas criadoras de conteúdo, jornalistas, videomakers, ativistas ou comunicadoras que produzam conteúdos que conscientizem, informem e mobilizem em prol da justiça climática dentro do contexto democrático. 

Os vídeos apoiados por este edital serão divulgados nos canais de comunicação da Escola de Ativismo e poderão ser utilizados em campanhas de conscientização e mobilização, sempre com o devido crédito ao autor, sob licença de Creative Commons.

As iniciativas selecionadas receberão suporte financeiro para a produção do vídeo, além de suporte técnico e orientação por parte da Escola de Ativismo. Quando aprovadas, as pessoas criadoras terão autonomia criativa para desenvolver o projeto, mas deverão seguir as diretrizes estabelecidas e alinhadas no momento da seleção.

3. Conteúdos que buscamos

Procuramos propostas de vídeos que podem ser de caráter criativo, informativo, mobilizador, investigativo, instigante, bem humorados e engajados de pessoas comunicadoras, jornalistas produtoras de conteúdo audiovisual e ativistas. Incentivamos vídeos que pensem diferentes técnicas, seja simplesmente falar com a câmera ou até mesmo utilizando linguagens de ficção, documentário, jornalismo, reportagem, animação, ilustração, colagens, stop motion, entre outras técnicas. 

É importante que as propostas encarem a provocação “Sem Justiça Climática, Não Há Democracia” para pensar em intersecções temáticas entre os pontos, elaborar cenários, criar histórias e reportar situações.

Os vídeos podem mesclar diferentes técnicas em sua execução para fazer sua mensagem chave ecoar mais longe.Os vídeos precisam ter a duração entre 45 segundos e 5 minutos. O escopo e o público alvo dos vídeos podem ser direcionados a públicos a nível municipal, estadual, regional ou nacional. 

O edital aceita propostas de vídeos dentro de 3 linhas temáticas que acreditamos que sejam importantes, confira abaixo.

Justiça Climática

  • A importância da construção de uma agenda de enfrentamento da crise climática com viés interseccional com gênero, raça, classe, faixa etária, território;
  • Por que as comunidades tradicionais são atores chaves para combater a crise climática;
  • O que compete às prefeituras e municípios no combate a crise climática;
  • Como a crise climática está impactando pessoas, comunidades e modos de vida em diferentes biomas brasileiros
  • Quais os grupos mais afetados pela crise do clima? Quem são os protagonistas das resistências;
  • Como as pessoas LGBTQIAP+ estão enfrentando a crise climática;
  • Como o racismo climático tem acontecido na realidade brasileira
  • Direitos da Natureza como enfrentamento a crise climática;
  • Povos tradicionais como atores cruciais na resistência climática;

Democracia & Clima

  • Relatos de construção de políticas públicas participativas e reivindicação por criação de planos de mitigação, adaptação e redução das emissões de gases de efeito estufa;
  • Histórias e campanhas sobre direito ao voto: restrições ao direito, mobilizações de juventude pelo voto, reflexões sobre limitações e potências do processo eleitoral;
  • Combate ao negacionismo climático: como a desinformação atua contra a justiça climática nas redes sociais;
  • Reflexões e dados que mostram como a crise climática impacta a democracia, possíveis relações e conexões
  • Como denunciar negacionistas e políticas negacionistas;
  • Como a crise climática está afetando o contexto eleitoral a nível municipal
  • Como seu contexto municipal está afetado pelas mudanças climáticas e que políticas públicas podem ser ativadas para adaptar/mitigar;

Resistência & Ativismo Climático e pela democracia

  • Histórias de casos de mobilização feita por comunidades que protegem seus territórios;
  • Histórias de lutas de ativistas que estão transformando seus territórios, cidades e estado;
  • Experiências ativistas que tornam territórios mais resilientes à crise climática;
  • Apresentação e tutorial de ferramentas de mobilização, campanha e ativismo;
  • O que sua realidade local diz para ativistas de todo o Brasil
  • Apresentação de táticas e estratégias de comunicação climática com base em experiências reais;

Atenção! Não serão aceitas propostas de vídeos que configuram:

  • Propaganda eleitoral e defesa de candidaturas e partidos políticos
  • Abordagens que não dialoguem com o contexto e realidade brasileira atual
  • Desinformação e Informações não verificadas
  • Conteúdos de caráter ofensivo e que violam direitos humanos

4. Tá, mas como vai funcionar?

As pessoas interessadas deverão enviar suas propostas através do formulário de inscrição.  As iniciativas selecionadas receberão suporte financeiro para a produção do vídeo, além de suporte e orientação por parte da Escola de Ativismo. Quando aprovadas, as pessoas criadoras terão autonomia criativa para desenvolver o projeto, mas deverão seguir as diretrizes estabelecidas e alinhadas no processo seletivo.

Se você for uma das pessoas selecionadas, iremos entrar em contato por email marcando uma conversa online para alinhamento e para fecharmos uma proposta de trabalho. A partir disso, nossa equipe fará um acompanhamento da produção com você. Caso sua proposta não seja selecionada, também entraremos em contato com você para informar o resultado.

5. Apoio para execução

As propostas de conteúdos aprovadas serão apoiadas com valores entre R$400,00 (quatrocentos reais) e R$4.000,00 (quatro mil reais). Para a realização do repasse será necessária a assinatura de contrato, recibo e comprometimento com a atividade proposta. Durante a proposição do projeto, a pessoa deve apresentar um orçamento detalhado podendo conter gasto com equipamentos; prestação de serviços; gastos com transporte; hospedagem; alimentação durante eventuais diárias fora de casa; dentre outras atividades. 

Para enviar a sua proposta orçamentária do seu projeto audiovisual é necessário baixar esta planilha e preenchê-la com as informações do seu projeto.

6. Critérios de Seleção

Os critérios analisados pela comissão de análise do Edital serão: criatividade, boa executabilidade, relevância e originalidade, currículo e trajetória da pessoa proponente e diversidade das pessoas proponentes. 

Ressaltamos que este edital incentiva candidaturas de pessoas produtoras de conteúdo negras, quilombolas, indígenas e não-brancas, assim como de mulheres, LGBTQIAP+, pessoas com deficiência e pertencentes a grupos sociais minorizados. 

7. Datas que você precisa saber:

 

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES

Período de Inscrições

10 de julho a 04 de agosto de 2024

Análise das propostas e contato com propostas selecionadas

05 a 13 de agosto de 2024

Período de produção

14 de agosto a 13 de setembro de 2024

Divulgação dos conteúdos online

à combinar em conjunto com a Escola de Ativismo

8. Como se inscrever?

As inscrições neste edital são de caráter individual, sendo permitido o envio de múltiplas propostas por pessoa. 

Para se inscrever, basta responder o formulário de inscrição até domingo, 04/08/24, às 23h59 (Fuso Horário de Brasília).

9. Em caso de dúvidas, o que fazer?

Surgiu dúvidas sobre o processo? Fale conosco pelo email contato@ativismo.org.br

10. Sobre a Escola de Ativismo

A Escola de Ativismo é um coletivo independente constituído em 2011 com a missão de fortalecer grupos ativistas por meio de processos de aprendizagem em estratégias e técnicas de ações não-violentas e criativas, campanhas, comunicação, mobilização e segurança e proteção integral, voltadas para a defesa da democracia e dos direitos humanos. 

As metodologias da EA estão intimamente ligadas à educação popular e valorizam muito a experimentação e o trabalho com as pessoas e não para elas. Os ativistas são, afinal, agentes responsáveis pelas escolhas estratégicas e táticas que melhor respondem às necessidades e desafios das suas lutas. 

Troca de mensagens: entenda o que faz do Signal a opção de aplicativo mais segura para ativistas

Troca de mensagens: entenda o que faz do Signal a opção de aplicativo mais segura para ativistas

Conheça as funcionalidades da plataforma que tem como prioridade a privacidade dos usuários.

Montagem com imagens do Signal – divulgação

Foto: Divulgação

 

A troca de mensagens instantâneas pelo celular é tão natural no cotidiano que às vezes esquecemos do básico: saber se o aplicativo que usamos para conversar é seguro. O Signal possui vantagens se comparado com alguns outros mensageiros e é usado predominantemente por pessoas que se preocupam com segurança online. Que tal entender mais sobre a plataforma que tem a privacidade como prioridade e começar a se comunicar de forma mais segura?

O Signal é um aplicativo móvel desenvolvido pela Signal Messenger LLC e oferece serviço de envio de mensagens instantâneas e chamadas protegidas com um protocolo de criptografia extremamente seguro.  O aplicativo é um software livre, possui configuração para sigilo telefônico, possibilita a autenticação de chaves, permite o uso de PIN e autenticação em dois fatores além de possuir a configuração de autodestruição de mensagens para chats privados e grupos.

O aplicativo é gratuito, fácil de usar e está disponível tanto no sistema operacional Android quanto no iOS. Também existe versão desktop para Windows, Mac e Linux. Para aderir, tudo o que precisa é de um número de telefone. Veja abaixo o passo a passo.

Além da privacidade, a plataforma conta com todos os recursos que de outros mensageiros, como chamadas de vídeo e áudio, stories, multimídia, conversas em grupo e mensagem temporária. 

A criptografia de ponta a ponta do Signal é sólida e mantém as conversas totalmente privadas. Por oferecer privacidade e baixíssima (quase nula) possibilidade de invasões, a recomendação é que ativistas, comunicadores e defensores de direitos humanos que trabalham com informações sensíveis e confidenciais ou apenas pessoas querendo mais privacidade nas suas comunicações utilizem o Signal. Mesmo que não abandone outro aplicativo (WhatsApp, Telegram ou outro), uma opção é usar o canal mais seguro em conversas que possam oferecer algum tipo de risco.   

O Tecnorgânico (Rafael Ramires), educador popular em Letramento Digital, Segurança da Informação e Computação no coletivo InfoCria e pesquisador em Humanidades Digitais afirma que a indicação de Signal para ativistas vem da própria utilização do app pelos ativistas mais procurados do mundo. 

“Isso indica que é um ótimo lugar para trocar mensagens sem correr o risco de ser rastreado. Para se ter uma ideia, a criptografia ponto-a-ponto utilizada no aplicativo mais usado foi implementada pela organização que criou o Signal, ou seja, a ferramenta é referência em segurança até mesmo para o aplicativo mensageiro mais popular no Ocidente”, explicou. 

O Signal, assim como os outros aplicativos de mensagem, vem se atualizando e já possui todos os recursos e as funcionalidades necessárias, se mostrando uma plataforma completa. 

“Além da segurança, o canal vem incluindo outras funções presentes também em seus concorrentes, como os status, que no Signal chamam-se stories. Por ele você pode mandar e receber figurinhas à vontade, criar grupos, ligar por vídeo ou áudio e diferente das demais plataformas, tudo isso é feito de forma criptografada, e em alguns casos, como nos grupos e mensagens privadas, suas mensagens sequer são identificadas pelos servidores do Signal”, disse o especialista em segurança digital.

Mas não é só baixar e começar a usar. O que faz do aplicativo uma ótima opção de chat seguro, são as configurações de segurança e privacidade que o aplicativo disponibiliza. Então, para utilizar o Signal com mais segurança, é importante configurá-lo. Veja aqui um passo a passo para configurar o aplicativo.

Mas qual a diferença?

Muitos fatores tornam o Signal único e muito mais seguro. 

Entre os diferenciais estão as listas de contatos. Você pode escolher se deseja que as pessoas com quem conversa no Signal vejam seu número de telefone como parte das informações do seu perfil. Na plataforma só é possível visualizar números telefônicos de quem você já tinha o contato salvo na agenda do celular. Se quiser ter mais privacidade em relação ao número de telefone, você pode optar por não permitir que ninguém encontre você pelo número de telefone.

Os perfis pessoais são criptografados e compartilhados apenas com os contatos com quem você conversa. Agora se você está em um grupo, mas não tem os contatos das pessoas, você não saberá o número delas e nem elas o seu.  

No aplicativo os contatos são criptografados usando seu PIN do Signal e o servidor da plataforma não tem acesso a essas informações. O PIN ajuda você a restaurar sua conversa e a manter suas informações criptografadas.

O protocolo de criptografia do Signal é extremamente seguro e suporta Foward Secrecy e Future Secrecy (em português: sigilo de Encaminhamento e Sigilo Futuro). 

O Forward Secrecy é quando as chaves são rotacionadas com muita frequência, de modo que, se a chave de criptografia atual for comprometida, as mensagens recebidas antes da chave de criptografia ser comprometida, não serão expostas. 

O Future Secrecy (ou segurança Post-Compromise Security) é um recurso em que um invasor é impedido de descriptografar mensagens futuras após comprometer uma chave privada, a menos que também comprometa mais chaves no futuro. Isso força efetivamente o invasor a precisar interceptar toda a comunicação entre as partes para ter de fato acesso às mensagens, pois ele perde o acesso assim que ocorre uma troca de chaves que não é interceptada. E essa troca de chaves acontece com certa frequência.

O Signal permite a autodestruição de mensagens. Em alguns casos, é importante não manter conversas sensíveis no celular e este aplicativo permite que você configure um tempo de expiração de mensagens em uma conversa. O tempo de expiração é personalizável. Passado esse período, as mensagens são autodestruídas. Caso algum celular envolvido na conversa seja roubado, ou alguém sem autorização tenha acesso a ele, a pessoa poderá ter acesso a apenas a um histórico reduzido de mensagens.

Outro diferencial é que o Signal oferece suporte a grupos privados, nos quais o servidor não tem registro de quais grupos você está, títulos de grupos, avatares de grupos ou configurações de grupos. 

O aplicativo tem metadados mínimos coletados com algumas funções ativadas, por exemplo: o endereço de quem envia a mensagem é criptografado junto com o corpo da mensagem, e somente o endereço do destinatário fica visível para o servidor do Signal. 

 

Segurança na prática

Todos esses recursos são importantes para a privacidade e segurança, principalmente das pessoas que têm acesso a informações confidenciais e sensíveis. Muitas conversas dentro do ativismo podem oferecer algum tipo de risco, então todo cuidado é pouco. 

Vamos a alguns exemplos de como um aplicativo seguro pode útil no dia a dia. 

Um comunicador que precisa denunciar ou trocar informações sobre uma área que está sendo desmatada ilegalmente e quer levar o caso à imprensa pode usar o Signal para enviar uma mensagem a um portal de notícias de forma mais segura. Se a pessoa que você enviar as informações não tiver seu número salvo, seu contato pessoal também estará protegido. Se for esse o objetivo, em uma situação como esta é importante não ter nome, sobrenome e foto de perfil e se atentar para as configurações de privacidade. 

Agora se você pertence a um grupo que está sendo ameaçado por conta de conflito de terra, é recomendável que utilize o Signal sempre que for tratar desse assunto em ligações, troca de conversas e reuniões por vídeo chamada. Essa ação é importante para garantir privacidade e prevenir que a conversa seja rastreada ou vazada. No Signal, nem mesmo os desenvolvedores do aplicativo podem ouvir em chamadas individuais ou em grupo. 

Mas calma. Não precisa deixar de usar o seu outro aplicativo preferido, mas recomende para o seu grupo e utilize para assuntos que envolvam assuntos delicados. Basta lembrar: se é assunto sensível e pode oferecer risco, é preciso ter privacidade e segurança. 

Em casos como estes, a tecnologia VPN também é altamente recomendada para ativistas de diferentes áreas que precisam aumentar a proteção e privacidade online. A ferramenta tem como objetivos a privacidade, segurança e o anonimato

 

Como instalar o Signal no celular (android e iOS)

1. Entre na loja de aplicativos do seu celular (Play Store ou  App Store) e digite Signal.

2. Baixe o aplicativo

3. Leia e aceite os termos e política de privacidade e aperte em continuar 

4. Autorize as informações referentes à lista de contatos

5. Adicione seu número de telefone

6. Insira o código de verificação que chegará via SMS

7. Crie um código PIN (código numérico com ao menos quatro dígitos)

8. Crie seu perfil – Nessa fase você decide quem pode encontrar você pelo número de telefone. Se clicar em TODOS, qualquer pessoa que tenha seu número de telefone verá que você está no Signal e poderá iniciar chats com você. Se escolher NINGUÉM, nenhuma pessoa verá que você está no aplicativo, a não ser que você envie uma mensagem ou participe de um grupo em comum. 

9. Pronto! O aplicativo está pronto para usar

Como instalar o Signal no computador

1. No navegador, digite Signal e clique na primeira opção (Fale livremente – Signal

2. Clique em Baixar Signal 

3. Escolha uma das opções em (Signal para desktop)

4. Aguarde o download

5. Clique no arquivo baixado e aperte em executar para concluir a instalação

6. Escolha as configurações mais adequadas para você e comece a usar

Cuidado ao usar o aplicativo pelo desktop! Por esse dispositivo ele não possibilita a configuração de uma senha de proteção e as mensagens são armazenadas no disco do seu computador, sem criptografia. Isso pode ser um problema se você não tiver senhas de acesso no computador ou um computador criptografado. Nesse caso, suas conversas ficam vulneráveis em caso de perda, apreensão ou roubo de seu computador.

Quer aumentar o cuidado com seu telefone e computador e com sua presença nas redes sociais? Acesse o site da Escola de Ativismo e acesse vários conteúdos sobre segurança digital. Na aba educação > cuidados digitais você vai aprender várias técnicas para uma navegação segura, desde dicas de aplicativos até métodos para proteger pastas no seu computador e como criar senhas fortes.

Homens trans usam futebol como ferramenta de articulação política e transformação social

Homens trans usam futebol como ferramenta de articulação política e transformação social

Conheça três times de futebol de homens trans que contam uma história de sociabilidade, resistência, inclusão e companheirismo

Time da Transviver disputando campeonato

Foto: Bruno Silva/Cortesia

Um reencontro com o futebol, um encontro consigo mesmo. É assim que o atual coordenador do time de futsal da ONG Transviver, Bruno Silva, define sua entrada no projeto, fundado no Recife em 2018, com o objetivo de engajar homens transgêneros na prática esportiva.

“Eu trabalhava no Cinema São Luiz e estava acontecendo o Recifest, um festival de cinema da diversidade, onde colocaram uma bandeirinha do time da Transviver. Era o começo da minha transição e procurei um grupo, que foi um divisor de águas na minha vida”, lembra.

Apaixonado por futebol, Bruno havia deixado de praticar o esporte em razão da dificuldade de integração com equipes compostas por pessoas cisgêneras — isto é, que se identificam com o sexo biológico que lhes foi atribuído ao nascer — e encontrou no grupo um espaço de acolhimento fundamental para seu processo de autoidentificação. Para ele, em todo o país, há um aumento do número de times de futebol compostos por transmasculinos, fenômeno que atribui à capacidade desses espaços de promover a sociabilidade e, por vezes, de oferecer diversas formas de assistência, funcionando como uma importante ferramenta de articulação política de seus integrantes.

“O time foi fundamental no início da minha transição, pois foi lá que descobri, por exemplo, a localização dos centros de referência e acolhimento, assim como recebi indicações de atendimento médico seguro. Outro fator importante foi a troca de experiência com outros homens trans, que muitas vezes enfrentam situações semelhantes de preconceito e reações fisiológicas parecidas durante o processo. Nessas trocas, a gente acaba se vendo no outro e conseguindo lidar melhor com tudo”, comenta.

Nos treinos, o trabalho em grupo vai muito além das quatro linhas. Atento às dinâmicas estabelecidas pelos jogadores entre si, Bruno faz questão de suscitar debates importantes para a socialização do grupo, como a reprodução do machismo e a importância da construção de uma cultura de acolhimento entre eles.

“Na ânsia de se afirmarem homens, alguns participantes acabam tendo posturas que não aprovamos. Em nossos encontros, a gente debate bastante com aqueles que estão chegando, para passar com muita calma e paciência nossa forma de ver as coisas. Os debates também servem para compartilhar nossas indignações relacionadas à transfobia e ao machismo, buscando formas de superar esses desafios”, completa Bruno.

O Mandabusca, time de futebol que também é um espaço de articulação política no interior do Estado de São Paulo 

Foto: Ray Godoy Cavalheiro/Reprodução

Ferramenta de luta

Único time voltado para homens trans em Sorocoba, no interior Paulista, o Mandabusca conta com nada menos do que 70 integrantes. “Iniciamos nossas atividades em 2021, treinando com cerca de cinco pessoas, num parque aqui da cidade, chamado Parque das Águas. Resolvemos criar uma página no Instagram e mais pessoas foram aparecendo. O grupo atual inclui tanto as pessoas que estão conhecendo o time quando aqueles que são mais ativos”, explica Lucca Spinelli, fundador da equipe.

Para ele, a ampla adesão ao Mandabusca se deve à falta de espaços de assistência social às pessoas trans em Sorocaba. “Temos integrantes entre 14 e 48 anos, que buscam acolhimento, ajuda com a transição, retificação de nome e até conversar com um terapeuta, através da nossa rede de apoio. Muitos deles, não chegam em busca do futebol, mas de alguma forma de auxílio e depois passam a praticar o esporte”, comenta Lucca.

Além do time de futebol, o único espaço de acolhimento a transmasculinos em Sorocaba é a Associação de Transgêneros de Sorocaba (ATS). Juntas, as instituições têm travado uma árdua batalha em defesa dos direitos da comunidade trans no município, administrado pelo conservador Rodrigo Manga (Republicanos), que, em dezembro do ano passado, encerrou os atendimentos de processo transexualizador no Hospital Santa Lucinda.

“Existe uma portaria que garante que toda cidade do estado de São Paulo tem direito a um ambulatório para pessoas trans. O prefeito, um bolsonarista sem escrúpulos, já fechou diversas vezes esse ambulatório. Só no meu grupo, temos 70 pessoas sem acesso a atendimento de saúde”, denúncia Lucca.

De acordo com ele, a desassistência leva a população da cidade a entrada no uso de hormônios sem qualquer supervisão médica. “Sorocaba é uma cidade bolsonarista e extremamente conservadora. No desespero pela aceitação muitos estão tomando hormônio por conta própria. Quando as pessoas sabem que somos trans, não conseguimos emprego”, desabafa.

Ao lado dos companheiros de time e da ATS, ele tem articulado mobilizações para cobrar a garantia do acesso à saúde para a população trans do município. “Fizemos protesto cobrando a volta do ambulatório, que a prefeitura diz que funciona, mas não funciona, denúncia no Ministério Público e temos feito o possível para auxiliar nossos integrantes na retificação de seus documentos. A situação é surreal. A existência do Mandabusca é fundamental para a comunidade trans de Sorocaba”, conclui Lucca.

O Trans United FC 

Foto: Rodrigo Arcanjo/Cortesia

Falta de apoio

Embora já figurem em algumas competições esportivas, os times de futebol compostos por pessoas trans costumam encontrar dificuldades para arcar com a participação nos eventos. “A gente percebe que as pessoas cis tem uma vida mais estabilizada, com amigos e conhecidos que oferecem patrocínio, coisa que não conseguimos. Além disso, muita gente questiona o porquê de a gente não querer jogar contra pessoas cis, ignorando o fato de que elas sempre tiveram espaço para jogar, sem nunca interromper esse hábito por causa de uma transição. As pessoas trans nem sempre puderam, foram parando de praticar o esporte, o que faz com que o nível técnico caia”, lamenta Rodrigo Arcanjo, fundador e treinador do Trans United FC, equipe do Rio de Janeiro formada por mais de vinte atletas trans.

Campeão sul-americano de kung fu, Rodrigo escreveu através do esporte alguns dos capítulos mais importantes de sua vida. “Desde criança, antes da transição, eu jogava bola. Aos 11 anos de idade, no período em que minha família se mudou para o Espírito Santo, entrei em um time só de meninos. Para poder disputar as primeiras competições, o clube entrou com ações na justiça”, lembra. 

O bom desempenho esportivo rendeu a Rodrigo, aos 15 anos de idade, uma Bolsa Atleta, benefício que o poder público oferece para incentivar a profissionalização da prática esportiva. A conquista, contudo, forçou o afastamento do lutador de sua outra paixão. “Minha mãe não me deixava jogar bola, porque tinha medo de me machucar e me prejudicar nas competições, então tive que parar com o futebol. Eu treinava pela manhã, estudava à tarde e treinava de novo à noite”, relata Rodrigo. Na época, o desejo de voltar aos gramados ainda motivou sua participação nas peneiras de grandes clubes, como o Santos e o Vasco. “Não vi muito futuro no futebol feminino, que era a categoria que eu disputava na época, estava querendo fazer faculdade, iniciei minha transição e acabei desistindo”, completa.

Após uma passagem pelo Big T Boys, outro time formado por pessoas trans no Rio de Janeiro, Rodrigo resolveu fundar o Trans United FC. “Parte do grupo veio comigo e hoje incentivamos também a participação de mulheres trans. Temos duas em nosso grupo”, ressalta. As dificuldades apareceram logo no início do projeto, com a falta de recursos para garantir um local seguro para os treinos. “No início, nossa quadra tinha uma mensalidade de R$ 800 e muitos me procuraram para dizer que não estava dando para pagar. A gente não podia contar com o espaço público, porque não era seguro para o grupo. Agora, conseguimos a autorização da administração para jogar no Parque Madureira nas noites de segunda, em um horário em que ele fica fechado para outras pessoas”, ressalta. 

Com a concentração dos campeonatos da diversidade no estado de São Paulo, o desafio de gerir um time trans inclui os custos com deslocamento da equipe. Rodrigo conta que, por vezes, precisou assumir os gastos para não deixar ninguém de fora. “A gente sabe que muitos homens trans não conseguem acesso a uma formação profissional ou a um emprego. Como muitos não têm condição de bancar nem alimentação, a gente só viaja com essa garantia para todos. Além disso, vejo a alegria do pessoal quando a gente consegue fretar um ônibus, o clima legal de uma equipe viajando para jogar futebol. Para muitos, é a realização de um sonho”, afirma. 

A chegada nas competições, contudo, nem sempre é fácil. Não são raros os relatos de transfobia contra atletas mesmo nos eventos organizados pela comunidade LGBTQUIAP+, que costumam ocupar toda a agenda dos times compostos por pessoas trans. “A transfobia começa nas súmulas, que não respeitam os nomes sociais de muitos atletas os quais ainda não tiveram acesso à retificação. Além disso, as arbitragens insistem em nos chamar pelos pronomes incorretos, a ponto de eu precisar intervir porque meus atletas não estão sendo respeitados”, lamenta Rodrigo. 

Apesar dos desafios, o treinador vê a potência política do time como o principal motivo para não desistir da iniciativa. “Nosso modo de fazer política é existir. É entrar na Vila Olímpica, no meio dos homens cis, com nossa bandeira, para fazer com que vocês entendam que a nossa militância é através do esporte e que vamos ocupar esses lugares sim”, destaca. 

“Uma nova família”

O atendente de telemarketing Bernardo Valentim, de 24 anos, um dos atletas que integram o Trans United, conta que descobriu o time por intermédio de uma amiga, em um momento crucial de seu processo de autoaceitação. “Não tinha contado para meus familiares que era um homem trans, apenas falei que me sentia atraído por mulheres, o que já fez com que eles me rejeitassem. Eu entrei em depressão, nem me olhava no espelho. Através do time, vi que corpos trans existiam, fiz amigos como o Luan e o Dante, que foram me mostrando que era normal ser como nós somos, que eu não deixava de ser homem por ter a voz mais fina ou por não ter passado por uma cirurgia”, comenta. 

Oriundo de uma família de militares, Bernardo chegou a ingerir uma dose alta de medicamentos em razão da tristeza com o afastamento de entes queridos. “No hospital, deram como uma tentativa de suicídio. Nesse momento, minha amiga pegou meu celular e ligou para o Rodrigo, explicando toda a situação e o porquê de eu não estar indo aos treinos. Desde então, todos os dias, o time mandava mensagens, fazia videochamadas, dizendo que eu estava fazendo falta. Vi que eu não estava sozinho e que eu tinha uma nova família”, lembra.

Para o coordenador nacional do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT), Fabian Algarte, os espaços de integração através do esporte são fundamentais para a comunidade. “O esporte é um espaço de construir trocas, fazer amigos, de cuidado com a saúde física e mental, então os espaços transcentrados, feitos pela população trans, oferecem maior segurança e apoio, para além da prática esportiva. Isso melhora a qualidade de vida e também a sensação de pertencimento social, de não estar sozinho, de fazer parte de um grupo e de conhecer pessoas parecidas com você”, destaca. 

Fabian ressalta que, embora iniciativas do tipo ainda sejam raras no Brasil, elas têm aparecido com maior frequência nos últimos anos. “Principalmente por causa da alta divulgação. A gente tem times de futebol que começam a se divulgar nas redes sociais, a divulgar sua logo e a chamar gente para participar. Isso passa a fomentar essa ideia em outras cidades, outros espaços, em que as transmasculinidades começam a ver que poderiam fazer o mesmo.  E aí não é só no futebol, acontece em outros esportes e também nas artes e na cultura”, explica.

Serviço// Redes Sociais 

Transviver: @transviver

Trans United: @transunitedfc 

Mandabusca: @mandabuscaft

Um barco chamado cinema: projeto leva filmes paraenses para comunidades à beira do rio

Por Letícia Queiroz – 19/06/2024

 

 

Iniciativa defende a democratização do cinema e valorização de materiais audiovisuais que dialoguem com a luta em defesa dos territórios tradicionais

Barco leva equipamentos e estruturas para montar salas de cinema | Foto: Instituto Regatão Amazônia

Produções que inspiram, encantam e têm poder de conectar riquezas culturais e tradicionais da região amazônica: essas são algumas diretrizes usadas na escolha dos filmes e documentários que são exibidos em aldeias e comunidades ribeirinhas do Pará pelo Cineclube Regatão. O projeto itinerante leva, de barco, curtas e longa-metragens para as comunidades com objetivo de popularizar o cinema e torná-lo um instrumento democrático para manter viva as culturas amazônicas e fomentar a luta em defesa dos territórios da floresta.

O projeto é do Instituto Regatão Amazônia. O acesso aos indígenas e ribeirinhos da região se dá pelos rios. De barco, a equipe leva filmes, equipamentos e toda a estrutura necessária para montar uma sala de cinema em barracões comunitários, no meio da floresta, às margens dos rios Amazonas, Tapajós e Arapiuns, na região do Baixo Amazonas e para localidades da Resex Tapajós – Arapiuns e Flona Tapajós.

Sem precisar sair da comunidade, crianças e adultos assistem filmes com temática amazônica no Pará | Foto: Instituto Regatão Amazônia

Cinema para todos, em toda parte

As sessões sempre contam com grande público. Nesses encontros muitos dos participantes têm acesso à produção audiovisual do tipo pela primeira vez. Afinal, a realidade das salas de cinema no Brasil é quase exclusiva das grandes cidades, em bairros elitizados e com preços pouco acessíveis.

De acordo com dados do Filme B – portal sobre mercado do cinema no Brasil – em 2022 apenas 450 cidades brasileiras tinham salas de cinema, pouco mais de 8% do total de municípios na época. Segundo dados do Sistema de Informações e Indicadores Culturais do IBGE, a região Norte tem menor acesso a cinemas, teatros e museus. A distribuição inadequada impossibilita milhares de pessoas de acessarem os espaços criando desigualdades e uma lacuna social e cultural.

Em Santarém, por exemplo, cidade paraense com mais de 300 mil habitantes, há salas de cinema apenas em um shopping da cidade, com exibição de filmes comerciais exclusivamente. Segundo o Instituto Regatão Amazônia, não há espaço para filmes brasileiros, muito menos paraenses. E é por isso que eles oferecem à população filmes produzidos no estado, que ressaltam a identidade, linguagem e realidades próximas destas comunidades.

“A gente vem fazendo uma curadoria de filmes que dialogue diretamente com a identidade cultural de cada comunidade, com produção local, feito por pessoas próximas de cada comunidade, para reduzir o distanciamento que as pessoas têm do fazer audiovisual”, disse Zek Nascimento, um dos diretores do Instituto Regatão.

Filmes em cartaz

No primeiro semestre de 2024 duas edições foram realizadas. Em abril, a comunidade de Jamaraquá, na Floresta Nacional do Tapajós, assistiu a um curta de animação “O Doutor e o Caboco” e ao documentário “Festa de São Benedito – Gambá de Pinhel”, produções audiovisuais feitas no Pará.

Em maio, o cine itinerante chegou à comunidade indígena de Atodi, rio Arapiuns, com as produções: “Salve o Nosso Tapajós” e “Vídeo Cartas Tapajós-Arapiuns”, que traz questões sobre o imaginário, a arte e a cultura local, assim como, histórias mitológicas e verídicas, cobertura de eventos e festas locais, denúncias contra injustiças sociais e ambientais.

Marlena Soares, presidenta do Instituto, diz que o projeto cineclube Regatão faz parte de um planejamento do Instituto voltado para o fortalecimento das narrativas amazônicas. Ela defende que fortalecer a cultura ribeirinha da Amazônia é fundamental para proteger territórios ameaçados.

“Os filmes apresentam conexões com o fazer cultural das comunidades ribeirinhas, o que contribui para preservar nossa biodiversidade. São promovidos diálogos com as comunidades desses filmes que abordam o cotidiano e a cultura das comunidades locais”, diz Marlena

O Instituto

O Instituto Regatão Amazônia é um coletivo de fazedores culturais, com base em Alter do Chão, oeste do Pará, que desde março de 2023 promove transformações sociais através do fortalecimento da identidade cultural e da proteção territorial da Amazônia.

Regatão é um personagem amazônida que vive a bordo. Viaja pelos rios fazendo interconexões e trocando insumos, alimentos e objetos nos trapiches, vilas e barracões. Metaforicamente, o propósito do Instituto e seus projetos é o mesmo: trocar cultura e interconectar comunidades amazônicas.

Ativismo ancestral: identidade, autocuidado e educação são bases da resistência das mulheres quilombolas

Ativismo ancestral: identidade, autocuidado e educação são bases da resistência das mulheres quilombolas

Beleza, gênero e raça, os modos de vida e o afeto dentro dos territórios quilombolas são partes importantes da resistência

Mulheres quilombolas no Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas da CONAQ em Brasília em junho de 2023 

Foto: Letícia Queiroz

Por séculos a “estética branca” determinou os padrões de beleza em praticamente todo o mundo, enquanto o racismo estrutural reduzia as chances de pessoas negras se sentirem bonitas e de alcançarem uma autoestima plena. Com o passar dos anos, as mulheres negras e quilombolas dentro dos seus territórios e dos movimentos sociais consolidaram redes para fortalecer a identidade e reafirmar orgulho pela negritude. Apesar das violações de direitos que ainda afetam os quilombos, o ativismo ancestral acendeu uma nova geração: a de mulheres e meninas quilombolas empoderadas e orgulhosas da aparência e da identidade ancestral. 

E é exatamente assim que se sente a jovem Lorena Bezerra, 20 anos. Quilombola da comunidade Conceição das Crioulas, em Salgueiro (PE), a modelo e estudante de psicologia nasceu e cresceu em um quilombo com lideranças femininas. Desde a infância a jovem acompanha reuniões e ações que discutem questões que afetam a vida das mulheres. Ela conta que o modo de vida contribuiu para sua autoestima. 

“Cresci me achando linda graças às mulheres do meu quilombo, à luta do movimento quilombola e à construção matriarcal da minha comunidade. Tenho uma avó preta, minha mãe é preta, minhas tias são pretas e eu também sou uma mulher preta de cabelo crespo. Em nenhum momento da vida fui ensinada que eu teria que me adequar aos espaços. Pelo contrário. Eu cresci ouvindo que os espaços teriam que se adequar à minha presença e a tudo que sou, desde o meu tom de pele a todas as formas que gosto de usar meu cabelo. O amor próprio se constrói e, como eu cresci nesse processo, sempre fui instigada a me amar. Por isso conquistei a minha autoestima muito cedo”, disse Lorena.  

Sinônimo de resistência negra, os quilombos são historicamente locais onde as pessoas escravizadas se refugiavam e resgatavam suas origens africanas. As comunidades quilombolas são fruto das heróicas resistências ao modelo escravagista e opressor instaurado no Brasil Colônia. 

Lideranças quilombolas afirmam que não existe luta quilombola sem a participação das mulheres. Os territórios são femininos e é possível afirmar que a autoestima das quilombolas parte de um lugar particular. A autoconfiança conquistada ao longo de décadas, desde o fim da escravização negra, é fruto da resistência e da influência dos modos de vida, do afeto e do cuidado das mais velhas com as mais novas. Um comportamento que tem atravessado territórios e gerações. 

“Desde muito pequena as minhas referências em beleza estavam todas dentro da minha comunidade, perto de mim. Eu via as mulheres, achava todas lindas e falava: ‘quando eu crescer quero ser igual a elas’. Aprendi a usar turbante, me ensinaram a deixar meu cabelo armado e hoje escuto as meninas falando que quando crescerem querem ser iguais a mim. Agora é a minha vez de fazer esse diálogo com as crianças, porque elas estão enxergando em mim uma referência em beleza”, disse Lorena que é adepta de adereços e maquiagens coloridas. 

Liberdade estética

“Cresci me achando linda graças às mulheres do meu quilombo, à luta do movimento quilombola e à construção matriarcal da minha comunidade”, diz Lorena 

Foto: Reprodução

A cor da pele, a textura do cabelo e outros traços físicos, principalmente do nariz e boca, são as principais características percebidas nas pessoas negras. Muito mais que beleza e estilo, para as mulheres quilombolas o cabelo crespo carrega uma história e está ligado à ancestralidade. Dentro de alguns quilombos, os cabelos são considerados símbolos políticos de resistência contra-hegemônica.

Para Lorena Bezerra, o cabelo tem uma importância ancestral. Amante das tranças, turbantes, blackpower, apliques, cabelo natural, com ou sem definição, Lorena Bezerra gosta de mudar o visual com frequência. 

“Eu mudo de cabelo sempre e sempre me encontro. Sinto uma liberdade muito grande ao mudar. Ao mesmo tempo que sou desapegada, tenho muito cuidado e apego por conta da minha questão ancestral. Tem toda uma simbologia por trás. Tocar na fibra do meu cabelo é tocar na minha ancestralidade”, disse Lorena. 

No quilombo Acre, em Cururupu (MA), a trancista quilombola, fisioterapeuta e comunicadora popular Wynnie Andreza Gomes, 27 anos, sempre esteve rodeada de mulheres. Ainda criança tinha os cabelos cuidados e trançados pelas tias. O costume a fez crescer amando a forma e a textura dos fios. 

“A influência da minha família e o fato de ter vivido dentro do movimento negro contribuiu muito para o fortalecimento da minha autoestima. Sempre tive uma grande representatividade das mulheres do quilombo que, desde sempre, tinham essa cultura de usar tranças e o cabelo natural. Naquele tempo as tranças não eram populares como atualmente e, mesmo vivenciando o preconceito na escola por usar tranças e por ter o cabelo que não “voava”, eu nunca me abalei. Foi trabalhado desde sempre em mim que o meu cabelo, crespo ou feito tranças, era bonito”, afirmou. 

Entre a infância e a adolescência, Wynnie também aprendeu a trançar e começou a fazer tranças no próprio cabelo e nas outras meninas do quilombo. Aos 17 anos a jovem tornou-se trancista profissional e passou a trabalhar resgatando a autoestima de outras mulheres negras.  Para ela, não há sensação melhor do que a de ver as clientes felizes com a aparência. 

“Ver as mulheres chegando inseguras e saindo confiantes, realizadas e felizes com o resultado não tem preço. É muito prazeroso elevar a autoestima de uma mulher negra e vê-la se sentir empoderada. Hoje já vemos a aceitação do cabelo crespo e as tranças são uma ótima opção para quem ainda está deixando de alisar os cabelos”, afirmou Wynnie.

Indo contra a imposição de alisamento, o cabelo black power carrega uma história ligada ao movimento negro. Utilizado por homens e mulheres, o cabelo volumoso e com formato arredondado virou símbolo de identidade e resistência na década de 1960, quando se popularizou. Na época, integrantes do Panteras Negras – grupo que surgiu com a pauta de combate à violência policial contra negros e defendia o lema ‘Black Power’ (Poder Preto, em tradução livre) – traziam a discussão estética sobre o padrão de beleza eurocêntrico. 

O pente garfo é muito utilizado para manter o cabelo black power, porém o item não é encontrado com facilidade como outros acessórios usados para pentear cabelos com outras texturas. 

Em paralelo às discussões antirracistas envolvendo cabelos, os debates sobre a transição capilar – procedimento que resgata a textura natural dos cabelos – e valorização de cabelos crespos e cacheados têm crescido nos últimos anos. Mas é importante destacar que o uso do cabelo natural não deve ser uma obrigação ou imposição entre as mulheres negras e quilombolas. As mulheres são livres e nesse ponto o que vale é o livre arbítrio. 

“Resistir para existir!”

“É muito prazeroso elevar a autoestima de uma mulher negra e vê-la se sentir empoderada”, diz Wynnie 

Foto: Reprodução

Muitas questões como a falta de políticas públicas, desigualdades e violações diversas afetam os territórios quilombolas e impactam na autoestima das mulheres. E foi para resistir e combater essas violências que nasceu o Coletivo de Mulheres Quilombolas da Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) – organização de âmbito nacional, sem fins lucrativos que representa a grande maioria da população quilombola do Brasil. 

A jornalista e ativista Maryellen Crisóstomo, 31 anos, quilombola do território Baião, Almas (TO), é integrante do Coletivo e explicou que o grupo de ativistas atua no fortalecimento das mulheres quilombolas em suas múltiplas faces. O coletivo já está em sua segunda década de organização.

“Essa rede de autocuidado se dá por meio de escutas, encontros e valorização da nossa identidade. Nos nossos encontros são destinados momentos de lazer, momentos de registros fotográficos profissionais, além de incentivos e trocas de autocuidado focando no bem-estar e autoestima”, disse Maryellen. 

Em 2022 o coletivo lançou um livro de bolso com escritas sobre as mulheres quilombolas e em 2023 o grupo organizou um Encontro Nacional que reuniu mais de 300 mulheres quilombolas de 24 estados e de todos os biomas brasileiros.

A ativista quilombola disse que muito se avançou com o passar dos anos, inclusive a visibilidade do protagonismo das mulheres quilombolas em várias frentes. “O lema do Coletivo de Mulheres Quilombolas da CONAQ é “Resistir para Existir”. Tudo o que alcançamos e almejamos é forjado na luta, nas disputas de narrativas, sobretudo no merecimento. Sobre evolução não há dúvidas. Estamos cada dia mais fortalecidas”. 

Apesar das discussões sobre o racismo terem se ampliado nos últimos anos, Maryellen afirma que a população brasileira ainda tem muito que avançar no quesito respeito sobre a diversidade dos corpos.

“A população negra resiste a uma série de violações e o nosso cabelo sempre foi alvo de parte dessas violações. Eu, por exemplo, fiz uso de química por 20 anos porque sempre ouvi que ficaria bom e mais fácil de cuidar. Minha geração e as gerações anteriores sofreram essa violência. Não tínhamos referências e nem tinha produtos específicos. Eu não pude escolher o meu cabelo natural aos oito anos”, lembra. 

Ao falar sobre os desafios da representatividade negra na mídia e na indústria dos cosméticos, a ativista afirmou que houve mudança significativa por causa da luta de mulheres negras. 

“Isso com certeza isso impacta não somente em nosso modo de nos ver, mas, também em como nos veem. A mesma sociedade que dizia que tínhamos que relaxar o cabelo para ficar “bom e bonito”, passou a ver nossos cabelos em texturas reais nas propagandas. A última década tem muito mais representatividade negra na mídia, se pensamos em padrões é a mídia que dita. Há mais crianças nesses locais com seus cabelos naturais. Foi também na última década que tivemos a primeira telenovela com um elenco 70% negro [Vai na Fé] nos espaços mais importantes da trama. As crianças atualmente se vêem mais representadas”, finalizou Maryellen.

“Resistir para existir!”

“A população negra resiste a uma série de violações e o nosso cabelo sempre foi alvo de parte dessas violações”, diz Maryellen 

Foto: Reprodução

O diálogo é essencial para a naturalização da autoestima quilombola desde a infância e a educação antirracista é vista pelo movimento como um dos principais mecanismos para enfrentar o racismo estrutural. É dentro da escola, ainda na educação infantil, que as crianças interagem com outras pessoas de fora do círculo familiar, são incentivadas a refletirem sobre diferentes temas e desenvolvem o senso crítico. 

Com a falta de escolas dentro dos territórios, muitas crianças precisam estudar em unidades escolares comuns, que não abordam a questão racial mesmo após a Lei 10.639/2003 tornar obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira.

As Escolas Quilombolas, como a que existe dentro do Quilombo Conceição das Crioulas, ainda devem garantir a implementação das Diretrizes Nacionais para a Educação Escolar Quilombola. Nesse caso, nas salas de aula as crianças quilombolas devem contar com uma educação diferenciada, que valorize as práticas do cotidiano dos quilombolas e respeite as especificidades étnico- raciais e culturais de cada comunidade.

É importante que as escolas e profissionais da educação se engajem para combater o racismo estrutural desde a infância com as crianças de todas as cores e raças.

Paralelamente, projetos criados para fortalecer o movimento quilombola trabalham a questão racial e o empoderamento entre estudantes. A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas, projeto da CONAQ apoiado pelo Fundo Malala, trabalha diversos temas com jovens quilombolas de todas as regiões do Brasil. O projeto tem encontros virtuais e funciona como um espaço de estímulo e de luta para meninas que enfrentam diversas desigualdades. Juntamente com lideranças quilombolas, as estudantes participam de discussões sobre questões de gênero, combate ao racismo, engajamento na luta política do movimento quilombola, entre outros assuntos.

“A identidade quilombola é constituída dentro do quilombo. O problema é quando saímos e nossos modos são questionados e ridicularizados. Uma criança não tem maturidade para contrapor, sobretudo em um cenário onde não havia referências. Atualmente com os avanços nas discussões sobre a importância dos corpos negros e suas diversidades e a presenças desses nos espaços de exposição da beleza, serve como retaguarda para as crianças e sobretudo, para que os olhares sobre nós sejam menos invasivos e violentos”, afirmou Maryellen Crisóstomo. 

TEXTO

Letícia Queiroz

Jornalista, quilombola, comunicadora popular e ativista antirracista

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Moda e ativismo: dilemas, potências e 4 exemplos de quando vestir foi um ato político

Muito mais do que escolher roupas e seus significados, pensar ativamente a moda, é questionar a indústria na qual ela se transformou

Por Fernanda Damasceno* – 17/06/2024

Se engana quem ainda associe a moda com algo supérfluo, vazio e com pouco significado. Ao longo da história, a moda tem sido uma ferramenta de representação social – coletiva ou individual – que transmite valores e símbolos que refletem visualmente o estado em que a pessoa ou a sociedade se encontra naquele momento.

Com isso, todo o processo de criar, confeccionar e vestir uma roupa acabam por ser atos sociopolíticos e, portanto, devem ser questionados e pensados de acordo com o contexto em que nos encontramos. 

Isso porque a moda evoluiu junto com a sociedade, proporcionando episódios marcantes que mostram que vestir não está nem um pouco distante de militar – ao contrário. 

Não à toa, após as eleições de 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil e escolheu como um de seus símbolos a camisa verde e amarela da seleção de futebol para exaltar o “nacionalismo” e o “orgulho” brasileiro, usar essa camisa, desde então quem usar essa camisa seja ou não com a intenção de se posicionar politicamente, inevitavelmente poderá ser confundido com um dos seguidores do ex-presidente, mesmo anos depois do ocorrido. Ainda bem que tanto a Madonna quanto à Parada do Orgulho LGBTQIAP+ de São Paulo estão se esforçando para disputar essa peça.

Mesmo assim, muito mais do que escolher roupas e seus significados, pensar ativamente a moda, é questionar a indústria na qual ela se transformou.

Isso porque, estima-se que a indústria da moda seja responsável por cerca de 10% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), de acordo com estatísticas de um relatório Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

A produção de tecidos, como o algodão, demanda grandes volumes de água e libera produtos químicos tóxicos durante o processo de tingimento, poluindo rios e oceanos. Além disso, a busca por matérias-primas, como a viscose, contribui para o desmatamento de florestas, diminuindo a biodiversidade e intensificando as mudanças climáticas.

Em entrevista para a Escola de Ativismo, a educadora social, ativista e coordenadora de mobilização da Fashion Revolution Marina de Luca, falou um pouco sobre o assunto.

A moda como uma indústria poluente

Resíduos textêis se acumulam em rio l Foto: Greenpeace/Reprodução

A Fashion Revolution se apresenta como “o maior movimento de ativismo da moda do mundo”, e atua através da comunicação, educação, colaboração, mobilização e participação para uma nova consciência a respeito da moda.

“O Fashion Revolution surgiu em 2013, a partir da revolta de um grupo de profissionais da moda”, contou Marina. Para ela, não há separação entre a importância política da moda na sociedade e os questionamentos em como a indústria se encontra atualmente.

“Gostamos de reforçar que a moda não é só a passarela, mas sim a roupa que todas as pessoas usam, dessa forma, todas as pessoas estão envolvidas em um elo da cadeia de produção, consumo e venda” respondeu a ativista.

Atualmente um dos maiores desafios na discussão é combater o fast fashion – modelo de negócio que incentiva o consumo em excesso, tendências que sempre se renovam e ofertas quase intermináveis de roupas a preços baixos são algumas das características da fast fashion, além da produção vestuário em grandes quantidades em pouco tempo, o que traz consequências sérias para o meio ambiente.

Além do problema

Algumas alternativas a isso são os brechós, que reutilizam peças descartadas por outras pessoas, alongando a vida daquele produto e evitando desperdício. Além disso, há também o incentivo ao consumo de pequenos produtores, já que esses geralmente emitem bem menos poluentes do que as grandes lojas.

“Desejamos que a partir da nossa atuação, somada a atuação de outros coletivos, grupos organizados e sociedade civil, possamos de fato fazer a diferença na forma que a moda é feita, usada, descartada e pensada hoje em dia” contou Marina sobre a atuação do movimento Fashion Revolution.

Para além desse exemplo, trouxemos seis momentos em que a moda se mostrou política e nos fez refletir sobre determinado assunto ou sobre o momento em que vivemos.

 

Panteras Negras: o poder do povo também no vestuário

Membros do Partido dos Panteras Negras protestam em frente a um tribunal de Nova York, em 11 de abril de 1969. l Foto: David Fenton

Durante o movimento pelos direitos civis norte-americanos nos anos 60, os Panteras Negras ganharam notoriedade por sua atitude direta e seu modo de vestir: óculos de sol, calças, botas e jaquetas de couro pretas e uma boina preta. 

Além das roupas, o cabelo natural foi muito difundido pelo movimento, como forma também de resistir à imposição racista de esconder ou alisar cabelos crespos. Junto ao black power, sempre havia um pente garfo, instrumento fundamental para cuidar de cabelos crespos, da mesma forma que a escova é usada por quem tem fios lisos ou ondulados.

Dançarinas da cantora Beyoncé durante ensaio l Foto: Instagram/Reprodução

Até hoje o estilo dos Panteras Negras ainda é referência no movimento negro, mas não só: na apresentação da cantora Beyoncé no intervalo do Super Bowl em 2016 ela usou um figurino inspirado pelo cantor Michael Jackson, enquanto suas bailarinas usaram o uniforme do partido antirracista Panteras Negras.

Para a população negra, a moda nunca foi dissociada do ativismo, uma vez que o modo de se vestir pode muitas vezes salvar vidas, evitando ser perseguido ou agredido verbal ou fisicamente. Não à toa muitas pessoas negras, especialmente homens, têm a lembrança de ser ensinados desde criança a sempre estar bem vestidos e arrumados, na esperança de que a roupa certa possa evitar algum episódio de violência por conta da cor de pele.

 

Nunca mais uma moda sem indígenas!

Thelma Assis e Dandara Queiroz foram modelos do desfile de Maurício Duarte. l Foto: Reprodução/Instagram @mauricioduartebrand

Maurício Duarte é um renomado estilista indígena brasileiro que alcançou reconhecimento internacional por suas criações inovadoras que celebram a herança cultural dos povos indígenas do Brasil.

Duarte é conhecido por sua habilidade em combinar tecidos naturais, como algodão, linho e fibras vegetais, com técnicas de tingimento natural e bordados elaborados, resultando em peças que transmitem uma sensação de autenticidade e artesanato.

O trabalho do estilista é uma expressão de sua identidade indígena e um testemunho de sua dedicação à sustentabilidade e à inovação na moda. Suas roupas não adornam os corpos, elas contam histórias de luta, resistência, culturas e representatividade dos povos indígenas, que até hoje lutam contra o genocídio e por mais equidade.

Sua participação no São Paulo Fashion Week de 2023 representou um marco significativo, pois proporcionou uma plataforma que tradicionalmente era fechada somente a certos padrões, mas que vem cada vez mais se movimentando para incluir novas narrativas da moda.

A moda plus size: rompendo padrões e incluindo pessoas diversas

Sinara Assunção para Liana D_Áfrika moda. l Foto: Matheus Clima

Padrões de beleza e questões que antes não eram discutidas ganham holofotes quando a sociedade começa a questionar a falta de representatividade e de opções no mundo da moda para diferentes tamanhos e diferentes corpos. Se antes a magreza exagerada era vista como padrão a ser alcançado, atualmente o culto a dietas milagrosas é questionado e isso se reflete também na moda.

Sinara Assunção, comunicadora, produtora cultural, DJ e modelo de Belém, no Pará, falou conosco um pouco sobre o assunto: “falar sobre a falta de oportunidades para essas pessoas de diferentes corpos é também falar sobre falta de política, falta de letramento, enfim, é falar de um lugar que por muito tempo não nos pertenceu mas que existem pessoas hoje que tem mudado essa realidade”, opina.

Para a modelo, utilizar a própria moda como forma de expressão é demarcar seu lugar enquanto mulher negra, bissexual e gorda “ainda é uma barreira a ser rompida e vem sendo rompida a passos muito lentos, mas acredito que já houveram muitos avanços e é interessante que a gente olhe para eles”.

Moda e no Movimento LGBTQIA+: aliados históricos

Lírio Moraes: “Eu acho que só fui ter uma relação consciente com a moda depois da minha transição” l Foto: Instagram de Lírio Moraes/@hbrpedro

“A moda é mais do que só seguir tendências, só o consumo pelo consumo. Ela também é uma ferramenta de construção de identidade, de ativismo” nos contou Lírio Moraes, jornalista e empreendedor de moda que se identifica como uma pessoa não binária.

Lírio começou a trabalhar com moda em 2019, quando abriu um brechó junto com outros amigos “na época eu via apenas como um meio de desapegar de algumas peças que eu não usava mais e conseguir uma grana extra com isso. Mas depois da minha transição, que ocorreu de fato em 2020, eu passei a enxergar essa questão de forma mais política.”

E ele não está sozinho. A moda sempre foi uma grande aliada do movimento LGBTQIA+, servindo muitas vezes de vitrine para o rompimento que essa comunidade propõe trazer para a sociedade.

Isso também tem sido visto pelas empresas, já que algumas marcas têm lançado coleções específicas ou colaborações em apoio à comunidade LGBTQIA+, com parte dos lucros muitas vezes revertida para apoiar as causas da comunidade.

Lírio contou que durante boa parte da vida não teve uma boa relação com a moda, se sentido “desconfortável” com as roupas que vestia “eu acho que só fui ter uma relação consciente com a moda depois da minha transição.”

Em outras palavras, ele conta que “enquanto pessoa não binária a moda foi e ainda é a ferramenta principal na construção da minha identidade”. Durante a entrevista, o jornalista reforçou que a construção de sua autoestima vem se dando juntamente com a construção de seu estilo de se vestir, além da consciência de uma moda mais sustentável, pauta que lhe atravessa por conta de seu brechó: “a política é essencial nesses processos, para que a gente tenha uma moda pensada para corpos e estilos diversos, mais acessível e para estimular o consumo consciente”.

Vestir-se pode ser mais do que apenas uma decisão estética ou prática – pode ser um meio de expressar identidade, valores e posicionamento político. Pode ser a maneira com que pessoas consigam fazer as pazes com a própria identidade, ou também questionar a própria moda em si e desafiar padrões estéticos impostos por ela. Vestir-se sempre é político, e pode também ser um ato de dizermos ao mundo a mudança que queremos.

*Fernanda Damasceno é jornalista, produtora de conteúdo e de audiovisual. Entusiasta de artes visuais e de moda, adora escrever sobre meio ambiente e Amazônia.

De olho na COP 30: uma conversa sobre cultura, imaginação, sonho e revolta

Por Vitória Rodrigues – 12/06/2024

 

 

Encontro no Rio de Janeiro debate intersecção entre cultura, indústrias criativas e a crise climática

Foto: The People’s Palace Projects

No ano passado, pela primeira vez, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) contou com um pavilhão dedicado exclusivamente para as áreas de Entretenimento e Cultura. Com doze dias de programação, o pavilhão dedicou-se a olhar qual é o papel da cultura no combate à crise climáticas.

De olho na importância da cultura e do clima pensando na primeira COP que o Brasil receberá na história, em Belém (PA), em 2025, na última sexta-feira (07), houve um encontro no Rio de Janeiro para discutir as intersecções entre cultura, clima e incidência internacional.

O encontro, realizado pela People’s Palace Projects do Brasil, em parceria com o Perifalab, recebeu Andrew Potts, advogado especializado em políticas culturais, sobre os esforços internacionais para colocar a arte, a cultura, o patrimônio e as indústrias criativas no centro das políticas climáticas da COP.

Imaginação e sonho

A conversa foi mediada pela ativista climática, comunicadora e produtora cultural Marcele Oliveira, que já escreveu por aqui sobre seu interesse em fazer arte e cultura andarem lado-a-lado com a justiça climática. Marcele, diretora executiva do Perifalab, também é co-fundadora da Coalizão O Clima É De Mudança e Jovem Negociadora pelo Clima.

Para ela, é imprescindível manter três ideias-chave: mudança, revolta e sonho. “A imaginação é chave, porque raramente as pessoas se dispõem a sonhar com um presente justo”, complementou o advogado Andrew Potts, da Climate Heritage.

Se imaginar é arriscado, viver uma realidade que seja boa, justa e de qualidade parece distante. Para Andrew, “a nossa vida é tão enraizada nesta cultura do petróleo, que certas vezes soa assustador viver em um mundo que não é assim. Como você viveria numa cidade carbono zero? O que você comeria, como você se locomoveria?”

E como imaginar uma cultura sem isso? No Brasil, por exemplo, a exploração de recursos naturais não renováveis financia uma parte significativa da produção artística e cultural.

Neste ano, por exemplo, o edital Petrobras Cultural destinou R$250 milhões a projetos artísticos por meio de incentivos fiscais da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual. A última chamada do Instituto Cultural Vale 2024 destinou R$ 30 milhões para patrocínios a projetos de todo o Brasil.

“No contexto capitalista, a gente tem uma política cultural dependente de empresas petroleiras, mineradoras, a gente tem uma política climática dependente de países que são exploradores, que colonizaram. A caneta, o dinheiro ainda está na mão de quem causou o problema. E aí, quando eu penso em capitalismo, em enfrentamento, em ecossocialismo radical, eu penso que é fazer essa denúncia de forma escalonada, então não é só numa pequena conversa, sabe?”, provoca Marcele.

“Se não tiver o dinheiro da petroleira, então qual é o dinheiro que vai financiar a cultura? Se não tiver a caneta na mão desse país, que não está nem um pouco comprometido, como que a gente faz o Sul Global crescer? É sobre influência para tomar as próprias decisões. São perguntas que não estão prontas, mas que nos guiam para enfrentar o capital”, disse Marcele.

Andrew Potts, Marcele Oliveira e Mayra Mota l Foto: The People’s Palace Projects

E os grandes espaços de produção de entretenimento também têm a sua responsabilidade. Ela disse que gostaria de convidar os produtores de grandes eventos, donos e gestores de casas, museus e espaços de cultura para uma grande roda. Nela, convocaria essas pessoas a incluir pauta climática e conscientização no escopo de nossas curadorias, nas informações que estão propagadas nos espaços de grande circulação de público.

De olho na COP

E se o caminho para a vitória política da cultura na COP30 começa com mobilizações como essa, é preciso olhar com certa crítica o que foi feito até agora. Para Andrew, o que é construído hoje nas Conferências “não leva em consideração as construções históricas e o colonialismo, além de ignorarem os facilitadores para soluções sociais e locais.”

Dentro das políticas desenvolvidas pelos países, muitas vezes só há um foco especial para o combate da crise climática através de um olhar que pensa o mundo da tecnologia e das finanças, mas acaba-se deixando de lado a cultura e os atores sociais. O advogado do Climate Heritage ainda complementa dizendo que é uma crise antropogênica, causada por determinados setores da sociedade e que é agravada pela população a partir de uma cosmovisão imposta.

Para Marcele, é urgente conectar a discussão para pensar em soluções que as periferias e as comunidades originárias e tradicionais essencialmente estão fazendo. “É respeitar a história, memória e patrimônio e usar essa mesma história, memória e patrimônio para construir narrativas.”

As narrativas construídas por produtores de arte e cultura na COP sempre estiveram nas conferências, na opinião de Andrew. Elas só precisam ser amplificadas e levadas mais a sério. Apenas no ano passado foi criado o ‘Grupo de Amigos da Ação Climática Baseada na Cultura’, co-presidido pela Ministra da Cultura Margareth Menezes.

Mesmo com avanços da criação do Pavilhão de Clima e Entretenimento, além da criação do Grupo de Amigos, a cultura precisa estar oficialmente dentro de uma estratégia para ações climáticas. Mas ainda assim, a cultura nunca foi mencionada nos documentos oficiais da COP.

Andrew, que acompanha os debates e as negociações com afinco, lembra que é preciso de muito mais. “Líderes e políticos se apresentaram lá dentro [do pavilhão], como o Michael Regan, da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Mas quando ele atravessou a rua e entrou no Pavilhão Azul (de negociação) votou contra a inclusão de cultura dentro do debate de mudanças climáticas.”

As mudanças climáticas já estão acontecendo e exterminando territórios, memórias e construções de culturas ao redor do mundo inteiro. É necessário garantir que a sociedade civil não esteja apenas protestando dentro das suas delimitações em conferência, mas que tenha, também, o poder de decisão para decidir os rumos de um mundo que a cada dia é mais destruído em nome do lucro e da exploração. 

Enquanto se financia a cultura, acaba-se com ela. Até quando essa atividade poderá ser realizada por grandes empresas? Até que ponto atividades que não se enxergam como conectadas ao clima poderão ser executadas? 

Sem possibilidades de vida, não há chance de sobrevivência, de clima e de cultura.

Fake news sobre chegada de Starlink no Vale do Javari promovem racismo anti-indígena

Povo Marubo, do Vale do Javari, no Amazonas, se defende de comentários discriminatórios e desrespeitosos após viralização de manchetes falsas sobre uso indevido da internet.

Por Letícia Queiroz, da Escola de Ativismo – 12/06/2024

Instalação de uma antena Starlink na aldeia Ararimba, no Amapá l Foto: Conexão Povos da Floresta/Reprodução

Nos últimos 21 meses, a Starlink, a provedora de internet de baixa-orbitagem do bilionário Elon Musk, chegou na Amazônia trazendo internet de alta velocidade por um preço acessível onde antes era impossível. Já são mais de 66 mil assinaturas na região amazônica, muitas em povos de recente contato ou em regiões remotas. As transformações causadas pela chegada do serviço são profundas e ainda estão sendo entendidas por povos indígenas e tradicionais.

Mas a forma discriminatória e exótica de enxergar os povos indígenas associada à disseminação de fake news ganhou força nos últimos dias desde que viralizou a notícia falsa sobre o impacto negativo do uso da internet no Vale do Javari, no Amazonas. 

A notícia original, veiculada no The New York Times tinha como título “The Internet’s Final Frontier: Remote Amazon Tribes”, na tradução para o português “A fronteira final da Internet: tribos remotas da Amazônia”. O uso do termo “tribos” já é questionado por povos originários tanto no Brasil, quanto mundo afora, preferindo “aldeias”, “territórios indígenas” ou “povos”. O termo usado pelo jornal estadunidense inclusive ecoou nos veículos brasileiros.

Após a publicação da matéria, o texto foi distorcido por sites brasileiros que afirmavam que os jovens Marubos estariam viciados em pornografia e em jogos online violentos, deixando de lado suas tradições. A comunidade e o jornalista Jack Nicas, que escreveu a matéria internacional, negam e desmentem as manchetes. O jornalista pediu: “Por favor, parem de compartilhar essa mentira”

“Dezenas de sites agregaram nossa matéria sob uma manchete que diz falsamente que o povo Marubo rapidamente tornou-se viciado em pornografia. Muitos desses sites usaram fotos do povo Marubo. Fizeram vídeos, memes. A coisa está feia. Os Marubo não são viciados em pornografia e a matéria nunca disse que eles eram”, afirmou o jornalista Jack Nicas no X, antigo Twitter. 

O povo indígena também nega. A Rede de Estudantes Indígenas do Vale do Javari divulgou uma nota de repúdio às declarações.

“Essas afirmações são não apenas infundadas, mas também desrespeitosas e discriminatórias. Elas perpetuam estereótipos negativos sobre os povos indígenas e ignoram a complexidade das questões que envolvem a introdução de novas tecnologias em suas comunidades. O acesso à internet, tem o potencial de proporcionar inúmeras vantagens, como o fortalecimento da educação, a melhoria dos serviços de saúde, a promoção da cultura indígena e a facilitação da comunicação entre aldeias distantes uma da outra, bem como se comunicar com reuniões importantes que acontecem fora da Terra Indígena Vale do Javari. Repudiamos a postura paternalista e preconceituosa implícita nessas declarações, que desconsidera a autonomia dos jovens indígenas do Vale do Javari, e sua capacidade de gerir o uso das tecnologias de acordo com suas necessidades e valores culturais”, afirma a nota.  

Matéria do New York Times foi usado como combustível para racismo anti-indígena l Foto: Google/Reprodução

As lideranças reconhecem a importância da introdução da internet e da conectividade. A Rede de Estudantes Indígenas do Vale do Javari condena qualquer tentativa de desviar o foco das verdadeiras questões que afetam os povos do Vale do Javari, como a falta de políticas públicas eficazes, a invasão de territórios por atividades ilegais e a precariedade dos serviços básicos de saúde e educação. “Estas são as questões que devem ser tratadas com urgência e seriedade pelas autoridades competentes, bem como veículos de informações”.

Mesmo desmentindo, portais e páginas brasileiras de grande repercussão, incluindo os de alcance nacional mantiveram as publicações, mostrando a falta de interesse com a verdade e com o bem-estar e saúde mental dos povos indígenas. Os textos chamam atenção pela forma exótica e estereotipada como os indígenas ainda são vistos. 

O jovem Denilson Pixi Kata Matis é indígena do povo Matis, na região do Vale do Javari. Ele informou que antes da chegada da internet, as comunidades se comunicavam através de rádio, que era ligado em hora em hora.

“Às vezes o rádio não tem uma boa comunicação. Não dá para ouvir direito. Então, era muito ruim essa questão da comunicação entre eles. Como a internet possibilita fácil acesso de informações e envio de mensagens rápidas, os líderes quiseram instalar. Então a chegada de Starlink nas aldeias foi boa, está sendo boa, na verdade. Porque melhorou a comunicação entre os familiares, da comunidade para a cidade, dos municípios de perto, até as cidades distantes. E também melhorou a questão da informação, da saúde, o contato com a SESAI [Secretaria de Saúde Indígena]. É mais fácil agora trocar conversa e falar: ‘está acontecendo isso’”.

O jovem falou que também é possível saber, sem interferências, sobre o que está acontecendo em outros países. “Não precisa outra pessoa do município comunicar sobre o que está ocorrendo ao redor do mundo. É possível saber de tudo morando na aldeia”.

A disseminação da notícia falsa nos últimos dias trouxe consequências ao povo, que tenta se defender das acusações. Após a onda de fake news, as famílias começaram a ser tratadas de forma desrespeitosa. “As informações falsas foram vazadas e colocadas fora de contexto. O New York Times, fala uma coisa e a mídia brasileira fala outra. Não existe vício ou dependência de internet. Têm a hora para ligar e a hora exata de desligar, tudo controlado pelos líderes. A comunidade vê tudo isso de uma forma maldosa. Estão com aquela sensação de querer falar para o mundo que isso não é verdade. Estão querendo sujar o nome do Vale, sujar o nome do povo”, disse Pixi Kata.

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