Fábio Paes conta como a pandemia provocou o SEFRAS – Serviço Franciscano de Solidariedade a ampliar a escala e, principalmente, o espírito de movimento das suas ações

Caráter massivo

Ao invés de interromper suas ações após o anúncio da pandemia do novo coronavírus, o SEFRAS – Serviço Franciscano de Solidariedade decidiu ampliá-las. Criamos um plano imediato de enfrentamento junto a grupos invisíveis: crianças, adolescentes e famílias de periferias, ocupações e aldeias indígenas, comunidades imigrantes, pessoas em situação de rua e idosos sozinhos. Concedemos quarentena aos funcionários pertencentes a grupos de risco, mantivemos os demais mobilizados, criamos uma frente de voluntários e demos início às etapas do plano.

Começamos as ações com a seguinte pergunta norteadora: em um país com dramáticas estatísticas de miséria e violações de direitos, a quarentena é para quem? é um direito ou um privilégio? A partir dessa questão, vislumbramos duas atuações prioritárias: o enfrentamento da fome; e a construção de uma economia alternativa, na qual as pessoas possam produzir, consumir e redistribuir a partir da sua própria força comunitária. E, como a demanda das populações invisíveis não para de crescer nesse momento, percebemos que a metodologia do nosso trabalho não poderia mais ser baseada em um projeto de organização, nem contar com serviços oferecidos pelo poder público: teria que ser de caráter massivo, uma espécie de “estratégia de guerra”.

Ações

Na cidade de São Paulo, os franciscanos começaram a transformar os espaços de seus próprios conventos em cozinhas sociais, contando com a participação de cozinheiros voluntários. Recebemos um contêiner refrigerado de 40 pés (ou 12 metros) de comprimento para armazenar doações refrigeradas e podermos apoiar as cozinhas. A partir da mobilização de empresários, conseguimos uma tenda de 200 metros quadrados para servir 3.000 refeições diárias, que se somam às 1.500 refeições servidas nos outros pontos de entrega. Organizamos sete pontos de recebimento de doações, triagem e distribuição de alimentos. Além disso, temos entregado cestas básicas e kits de higiene a mais de 5.000 famílias em 57 comunidades, em parte graças à articulação com coletivos comunitários e movimentos sociais como a Uneafro e o Projeto de Meninos e Meninas de Rua.

O Núcleo de Convivência de Pessoas em Situação de Rua da Rua Riachuelo, que antes oferecia alimentação, banho e acompanhamento psicossocial a 800 pessoas diariamente, teve sua capacidade expandida para receber mais 500 a 600 pessoas por dia. Em parceria com a Prefeitura de São Paulo, foram abertos mais dois espaços: um, próximo do bairro da Liberdade, para atender mais 250 pessoas em situação de rua; e outro para oferecer condições de quarentena a até 50 imigrantes, complementando o acolhimento já oferecido a mais de 100 deles no Projeto Casa de Assis.

Também estamos nas periferias do Rio de Janeiro, onde realizamos distribuição de alimentos e acompanhamento das famílias. Em breve, abriremos uma tenda humanitária no centro da capital fluminense. Ela servirá  para distribuição de marmitas e acompanhamento da população de rua em parceria com iniciativas locais.

Por fim, recentemente lançamos a campanha #AçãoFranciscana para arrecadar doações, mobilizar voluntários, incidir politicamente e divulgar dados sobre as populações invisíveis.

Grupos de trabalho

O SEFRAS criou um Comitê de Emergência organizado em seis grupos de trabalho. O primeiro deles está dedicado exclusivamente à questão do voluntariado. O segundo está voltado para a questão da informação e da prevenção frente ao coronavírus, com foco nos voluntários, participantes e trabalhadores. Tem um caráter de comunicação e também de alinhamento técnico relativo ao número de pessoas estão com coronavírus e à importância de materiais de prevenção. O terceiro GT cuida das doações de alimentos. O quarto está focado na mobilização e incidência política, buscando conscientizar e mobilizar a sociedade e pressionar o Estado a responder às necessidades dos grupos invisíveis. O quinto é um grupo de gestão que cuida dos aspectos organizacionais, financeiros e administrativos dos nossos processos de enfrentamento à crise. Por fim, o sexto GT, também chamado de Casa Franciscana, é responsável pela metodologia e acompanhamento de todos os projetos e ações.

Incidência política

Como parte do trabalho do quarto GT, criamos uma carta aberta ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de São Paulo exigindo a descentralização do orçamento da criança, para que fundos sejam destinados a projetos ligados àquelas que estão em situação de rua.

Também criamos um pacto pela saúde da população de rua, que reúne medidas públicas para enfrentar a pandemia. Esse pacto resultou no compromisso da Secretaria de Saúde de criar uma tenda de atendimento para vacina da influenza A e acompanhamento direto de casos. E, principalmente, ele levou a uma definição do fluxo, inédito, entre as políticas de assistência e saúde neste momento de crise.

O SEFRAS, inclusive, conta com um protocolo institucional próprio caso haja algum caso de Covid-19 em nossos espaços e ações, definido em conjunto com a Prefeitura de São Paulo. Ele permite o encaminhamento direto das pessoas doentes para a rede municipal e prevê ações de monitoramento diário de enfermeiros e técnicos da saúde para acompanhar voluntários, trabalhadores e participantes.

De ONG a movimento

O desafio do contexto é impressionante. Temos que ter muita inteligência e rapidez nas respostas. De maneira impactante, os franciscanos do SEFRAS estão saindo da postura de ONG e passando a atuar como uma organização humanitária, de voluntariado, ativismo, mobilização e ação direta. Reorganizamos os espaços: ao invés de apenas ter um espaço próprio, passamos a ocupar espaços públicos para atender a demanda da população. É o caso da Tenda com a qual ocupamos o Largo São Francisco, no centro de São Paulo.
 
 A imprensa tem dado visibilidade ao grande trabalho realizado pelos frades e freiras que, de hábito, distribuem refeições na cidade. Contudo, com eles há uma multidão de pessoas compondo essa rede franciscana de vários rostos e idades. Nosso escritório, por exemplo, se transformou em um espaço de campanha, onde voluntários trabalham e fazem rodízio com profissionais de campo na comunicação, publicidade, organização de doações e até gestão de processos. Na ponta, estamos com mais de 230 voluntários nas ações diretas e 210 trabalhadores. Se contabilizarmos quem nos apoia em casa, nas mais variadas funções (da fabricação de máscaras ao fortalecimento da comunicação), já ultrapassamos 500 pessoas mobilizadas. 

O SEFRAS não é mais o mesmo: foi instaurada em nós uma estrutura de movimento, de caráter humanitário. Nós nos transformamos em uma grande corrente feita por homens, mulheres e muita juventude.

O SEFRAS – Serviço Franciscano de Solidariedade é uma organização social sem fins lucrativos, iniciativa de frades franciscanos com o objetivo de mobilizar pessoas e instituições para a promoção e defesa de direitos humanos e ambientais no Brasil. Realiza ações diretas junto a populações mais vulneráveis, desenvolvimento de competências de pessoas e grupos e advocacy.

Fábio Paes é filósofo, ativista de direitos humanos e atual responsável pelo desenvolvimento institucional do SEFRAS .

SAIBA MAIS

SEFRAS e campanha #AçãoFransciscana: http://www.sefras.org.br/novo/ e https://www.facebook.com/sefras.org/

Canal do SEFRAS no YouTube: https://www.youtube.com/channel/UCdt8OiCb6uyLYuPvYWUi43Q

Como ajudar: https://franciscanos.org.br/noticias/sefras-veja-como-fazer-doacoes-para-ajudar-populacao-em-situacao-de-rua.html

Carta Aberta ao  Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo (CMDCA): http://www.sefras.org.br/novo/carta-aberta-ao-cmdca-de-sao-paulo/

Projeto Meninos e Meninas de Rua: http://www.sefras.org.br/novo/servicos/#saopaulo

UNEAFRO: https://uneafrobrasil.org/

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