Por Marília Parente

Instrumento de participação popular é garantido por lei, mas depende da adesão de representante público e da mobilização dos envolvidos

 

Pessoas estão em sentadas diante de bancadas em audiência pública. Na parede, está escrito Câmara Legislativa

Ampliação de subsídios para resolução das questões abordadas e qualificação de políticas públicas podem ser resultados dessas ações de participação popular | Foto: Divulgação CMC

As audiências públicas são um importante espaço de participação popular em temas de interesse público que estão na agenda política de uma cidade, estado ou do país. Como instrumento democrático, elas são asseguradas por lei, mas não podem ser convocadas por qualquer pessoa. Uma organização da sociedade civil que deseja puxar uma audiência pública precisa contar com órgãos públicos, como as casas legislativas, as prefeituras e Ministério Público, para conseguir uma data e convocar diversas entidades e representações do Estado que possam estar envolvidos na pauta. Apesar disso, membros da sociedade civil devem estar preparados para participar da audiência, bem como atuar para garantir a maior adesão possível de outras pessoas.

De acordo com Tânia Dornellas, assessora de advocacy da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que tem nas audiências públicas uma importante ferramenta de mobilização, a forma mais comum de conseguir uma audiência pública é solicitá-la diretamente a um parlamentar. Deputados, vereadores e senadores são responsáveis por apresentar um requerimento com a solicitação pela reunião à comissão ligada ao tema. “Cada casa (Câmara ou Senado) possui regras próprias que estão descritas em seus respectivos regimentos internos. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, o artigo 255 do regimento interno prevê que ‘cada Comissão poderá realizar reunião de audiência pública’ […] Uma vez aprovada a realização da audiência pública, a Comissão que acolhe o requerimento selecionará as autoridades e/ou especialistas das entidades, cabendo ao presidente da comissão a emissão dos convites”, explica Dornellas.

A regra da Câmara também coloca que, nos casos em que existam defensores e críticos à matéria em análise, a Comissão deverá garantir a escuta das diversas perspectivas sobre a pauta. “No Senado, o processo para solicitação de audiência pública é parecido. Segundo o artigo 93, do regimento interno […] a audiência pública poderá ser realizada por solicitação de entidade da sociedade civil. É possível também solicitar audiência pelo portal e-Cidadania do Senado”, esclarece a assessora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Apesar disso, os resultados de uma audiência pública não são necessariamente vinculantes às decisões de gestores públicos. Por vezes, elas servem para a ampliação de subsídios para resolução das questões abordadas e para a qualificação de políticas públicas. Nesse sentido, uma estratégia importante para articular audiências proveitosas pode ser a de envolver os diversos poderes- executivo, legislativo e judiciário- em uma ação intersetorial.

“Embora as audiências públicas tenham um poder maior de influência na elaboração de políticas públicas, elas também afetam a implementação de programas e ações governamentais, bem como no monitoramento e controle social das políticas. A intersetorialidade é um importante mecanismo de gestão, articulação e integração de ações e tem como um de seus objetivos garantir uma maior racionalidade no uso dos recursos públicos”, completa Dornellas.

Debate público a serviço das mulheres

Fundado há 39 anos, o Centro de Mulheres do Cabo (CMC) é uma das principais entidades feministas de Pernambuco, atuando com foco na luta por água, creches e saúde pública no município do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Para a coordenadora geral da entidade, Izabel Santos, a constante promoção de audiências públicas estimula o amadurecimento político de meninas e mulheres e possibilita que as vozes delas cheguem aos espaços de poder. “A articulação de uma audiência pública se torna um espaço de formação, pois trabalhamos inicialmente as demandas das mulheres na base, nas comunidades. Essa demanda é geralmente algo que interfere na vida de todas, como por exemplo a questão da segurança, que afeta todas as pessoas das comunidades, mas sobretudo às mulheres”, pontua.

Assim, é a partir do momento de escuta que são elaborados debates e encaminhamentos. “Outro fator importante é a mobilização das pessoas das comunidades para participar, para nós que solicitamos o importante é ter a câmara lotada. Procuramos também preparar as mulheres para a interlocução lá, elas levam as demandas, fazem a fala e nós do CMC preparamos os documentos a serem apresentados, como dados, fotos e vídeos e que serão usados para reforçar a pauta e o diálogo durante a audiência”, frisa Izabel Santos.

Na prática, os debates com comunidades também acabam servindo como espaços de divulgação das audiências públicas articuladas pela instituição. O processo de adesão do público, no entanto, requer uma estrutura que, nem sempre, as organizações da sociedade civil são capazes de garantir. “Algo que é muito importante para a chegada das pessoas nas audiências é colocar transporte para trazer e levar. Às vezes até precisamos oferecer lanche, enfim precisa de recurso e nem sempre conseguimos”, lamenta. Por outro lado, o CMC conta com um programa de rádio diário, intitulado Rádio Mulher, que também funciona como um dispositivo de mobilização e difusão das ações da organização.

No ano passado, a entidade provocou uma audiência para discutir a proposta de criação do Dia da Menina do Cabo. Aproveitando o ensejo do debate, o CMC também levou à Câmara Municipal de Vereadores as pautas da dignidade menstrual e da evasão escolar de meninas em razão da gravidez na adolescência. “Desta audiência, saiu o compromisso de de um projeto de Lei para criação desse dia. Sobre o tema da dignidade menstrual, foi criado um projeto de Lei por uma vereadora para a distribuição de absorventes nas escolas municipais e um comitê de evasão escolar, composto por vários atores”, comemora Izabel.

Para ela, a mobilização, contudo, nem sempre acaba com a vitória na casa legislativa ou no poder executivo. “Uma de nossas principais demandas é a cobrança das proposições que são assumidas nas audiências. Fazemos a incidência política junto à gestão pública, nos espaços de controle social, assim como a divulgação por meio do Rádio Mulher e das nossas redes sociais. Também voltamos para as comunidades para avaliar a participação, os desafios e os avanços”, completa.

Planejamento é essencial

Em seu Roteiro de Audiência Pública e Escuta Social, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) sugere um formato de programação para suas audiências públicas. Em primeiro lugar, é feita uma recepção dos participantes, que devem assinar uma lista de presença. “Se houver mais de um membro do Ministério Público ou de representantes de outras Instituições responsáveis pela realização da audiência pública, é necessário definir quem serão as pessoas que farão a fala de abertura. É importante que aqueles que não falarão na abertura enviem àquele que o fará em nome dos demais as ementas dos inquéritos civis em trâmite, para a devida explicação sobre o objeto e os propósitos do evento”, descreve o guia.

Na sequência, o público presente deve ser informado sobre a sequência dos trabalhos e as regras para sua realização, a exemplo do tempo de fala conferido a cada participante, da ordem dos depoimentos (se cronológica, conforme a inscrição, ou de chegada de cada participante ao evento) e dos momentos de interrupção das atividades. Os trabalhos seguem com manifestações dos eventuais especialistas ou entidades da sociedade civil parceira na realização do evento, escuta do público inscrito para intervenções orais, manifestação dos eventuais investigados ou interessados indicados nos inquéritos civis, se for o caso e, por fim, um declaração final de membro do Ministério Público que faça, se possível, o anúncio das principais medidas que serão adotadas institucionalmente para sanar as demandas apresentadas.

“A fim de conferir maior dinamismo à audiência pública, é interessante mesclar falas de pessoas jurídicas com falas de pessoas físicas inscritas para a intervenção oral. Também pode ser apropriado intercalar as exposições de especialistas convidados para debater o tema da audiência pública com as escutas dos inscritos, e não concentrar todas as exposições no momento de abertura e antes da oitiva do público”, orienta o MPSP.

Polly Fittipaldi, coordenadora do Mobiliza TEA PE, organização que atua em defesa dos interesses da comunidade autista, ressalta que o roteiro de uma audiência pública é definido pela instituição responsável por sua realização. “Há audiências com lista de convidados prévios e outras em que você pode tentar chegar cedo e perguntar se é possível se inscrever para falar. No momento de fazer uma exposição, é importante manter o decoro, evitando ofender as pessoas presentes. Caso contrário, a pessoa pode ser convidada a se retirar do local ou mesmo sair de forma coercitiva”, alerta Fittipaldi.

A coordenadora do MobilizaTEA PE também reforça a importância do planejamento prévio dos participantes no sentido de garantir a realização de exposições assertivas. A organização das falas deve ser elaborada de acordo com o limite de tempo estabelecido para cada encontro. 

“A pessoa tem que ir para uma audiência pública sabendo o que vai dizer, enquanto os movimentos sociais e organizações da sociedade civil precisam estabelecer quem fará uso da fala. Se você não puder falar, uma boa dica é levar uma faixa com uma mensagem legível. curta e bem assertiva, que poderá ser fotografada e até difundida nos meios de comunicação”-  Polly Fittipaldi

Mulher com braço levantado em punho cerrado fala ao microfone em espaço público

Passo a passo: como mobilizar uma audiência pública?

1. Forme um grupo

As audiências públicas são, por natureza, instrumentos de participação popular coletiva. Assim, antes de tentar mobilizar uma audiência pública, busque outras pessoas engajadas com as mesmas pautas ou afetadas pelos mesmos problemas que você em fóruns na internet ou nas redes sociais, por exemplo. O apoio de organizações da sociedade civil também pode fortalecer sua mobilização.

2. Consiga uma data

Para que uma audiência pública ocorra em uma casa legislativa, como a Câmara de Vereadores de seu município ou a Assembleia Legislativa de seu estado, é preciso que um parlamentar protocole um pedido junto à Comissão ligada à pauta a ser trabalhada. Lembre-se de buscar apoio de um vereador, deputado ou senador comprometido com a causa sobre a qual você deseja debater.

É possível formalizar seu pedido a um parlamentar por meio de ofício. Nesta carta formal, o pedido pela audiência pública deve ser justificado, assim como dia e horário podem ser sugeridos. O texto deve ser direto e mostrar que a demanda apresentada é de interesse público

3. Sugira possíveis convidados

Em seu contato com a instituição pública capaz de promover uma audiência, aproveite para apresentar nomes de possíveis convidados da sociedade civil. Durante a elaboração do roteiro de uma audiência pública, os participantes devem ser indicados de forma democrática, no sentido de apresentar diversos pontos de vista sobre um assunto, qualificando o debate. É necessário garantir a participação de pesquisadores, ativistas, sindicalistas, estudantes e pessoas em geral envolvidas com a temática.

Além disso, promotores de Justiça da sua cidade ou estado podem ser convidados a participar da mesa de audiência pública. Além disso, eles são capazes de realizar visitas em, por exemplo, escolas e hospitais para verificar suas condições de funcionamento, dentre outros aspectos pertinentes ao debate público

4. Engage o poder executivo

Ações intersetoriais podem ser ainda mais efetivas do que aquelas que estão centradas em apenas em um dos três poderes. Por isso, você deve avaliar a possibilidade de encaminhar uma solicitação de audiência com secretários municipais ou estaduais. Caso a mobilização ganhe força e haja abertura democrática da cidade ou estado, é possível até realizar uma audiência com o (a) prefeito (a) ou governador(a). Lembre-se, contudo, que os gestores públicos costumam dispor de menos tempo para audiências públicas do que parlamentares, cujas funções são mais dedicadas para demandas do tipo.

5. Organize um dossiê

Ofereça informações para os porta-vozes da causa. As apresentações da sociedade civil devem estar amparadas por dados da territorialidade abordada, que podem ser colhidos na internet, nas prefeituras, governos ou câmaras municipais ou mesmo através da Lei de Acesso à Informação (LAI). Um dossiê também pode contar com depoimentos da população envolvida nos problemas que serão abordados.

6. Divulgue sua audiência

Como um empreendimento coletivo, uma audiência pública deve contar com um grupo articulado com atividades bem distribuídas. Enquanto uma parte das pessoas prepara a audiência, outra pode centrar as demandas de divulgação do evento, mobilizando o maior número possível de pessoas. Para uma audiência sobre educação, por exemplo, faça uma lista contendo os nomes de mães/pais, ONGs, líderes comunitários, sindicalistas, diretores de escolas, professores, alunos e pessoas das comunidades envolvidas que possam marcar presença.

O trabalho de divulgação inclui ainda o contato com sites, jornais, revistas e programas que possam divulgar a causa e o evento. Ligue para as redações dos jornais, peça os contatos dos repórteres e editores que cobrem assuntos relacionados a sua causa e envie um release, isto é, um texto breve e objetivo incluindo informações sobre o local, dia, hora e importância da audiência pública.

7.  Faça uma apresentação cativante

Use a imaginação para expor suas demandas de forma envolvente, mantendo a atenção do público. Vale investir em apresentações de rap, leitura de uma poesia, dentre outras intervenções culturais que promovam reflexão. Sempre considerando o tempo disponível para a audiência pública, lembre-se de utilizar o microfone para solicitar que os parlamentares ou representantes do poder executivo estabeleçam uma agenda de trabalho para propor encaminhamentos e soluções aos problemas apresentados. Essa solicitação pode ser reforçada após a reunião, através do agendamento de reuniões voltadas para o acompanhamento das medidas.

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