Nota por Escola de Ativismo, Comissão Pastoral da Terra e Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais

01/04/2024

 

 

A escalada violenta contra as comunidades e povos tradicionais no Oeste da Bahia parece não ter fim. Nesta quinta-feira, 04 de abril de 2024, os territórios de uso coletivo das comunidades de Fecho de Pasto de Morrinhos, Entre Morros e Gado Bravo, localizados nos municípios de Jaborandi e Correntina, tiveram seus territórios violados por prepostos de fazendeiros do agronegócio.

Neste ato violento destruíram mais de 120m de cerca, arrancaram cancelas e derrubaram os ranchos usados como alojamento pelos fecheiros, deixando-os aterrorizados.

Relatam eles que seus gados podem se perder, com grandes prejuízos e riscos para a sobrevivência de suas famílias. E, mais que isso, podem se deslocar em direção à rodovia, com risco de provocar acidentes e outros transtornos. Na tentativa de evitar estas situações, as famílias se reuniram no dia 06 de abril de 2024, para recolocar a cancela que havia sido retirada e evitar que os animais fugissem, enquanto recolhem o gado solto na área do fecho. 

Mais uma vez, os fecheiros foram surpreendidos por decisão judicial que tenta criminalizá-los e impedi-los de exercer o seu direito ancestral de viver em seus territórios tradicionais, cuidando do que resta do Cerrado em pé, em benefício de todos.

Questões jurídicas

A ação que destruiu as benfeitorias das comunidades foi realizada pela Polícia Militar de Coribe em cumprimento a um mandado judicial de reintegração de posse. No entanto, a ação da polícia extrapolou a área em questão, atingindo também território de outra comunidade. A atuação da polícia parece não ter seguido o rito necessário ao cumprimento do mandado, tendo sido realizado de maneira arbitrária, uma vez que a Casa Militar foi consultada e informou não ter recebido o mandado.

O processo judicial que ensejou a decisão foi proposto pela Associação do Fecho de Pasto de Entre Morros para proteger a posse histórica e tradicional da sua área de fecho diante da invasão de uma empresa do agronegócio. Frisa-se que esta área já foi reconhecida e delimitada como Área de Fecho de Pasto pela SDA – Superintendência de Desenvolvimento Agrário, órgão gestor das terras públicas do Estado da Bahia.

Após 19 anos do início da ação judicial e 15 anos depois da sentença, o atual Juiz da Comarca de Coribe, em tutela antecipada, decidiu pelo adiantamento dos efeitos da sentença, determinando que fosse cumprida a reintegração de posse da área utilizada tradicionalmente pelos fecheiros, mas em favor da parte ré – a empresa. 

Não se pode falar em posse a ser reintegrada à empresa, já que as terras sempre estiveram em posse das comunidades até ser ameaçada pela empresa. O processo também incorreu em uma série de irregularidades e com a violação do direito à defesa da comunidade, que foi impedida de produzir provas orais, testemunhais e periciais. A empresa foi, portanto, favorecida no curso do processo, sem ter apresentado nenhuma prova da posse alegada. 

Essas irregularidades foram apontadas pela Associação de Fundo de Pasto, sem que fossem consideradas. Ao contrário, o recurso de apelação contra a decisão de reintegração, interposto em 2010, não foi, até a data de expedição do mandado de reintegração, enviado ao Tribunal, que é o órgão competente para julgar o recurso. Ato processual que deveria ter sido realizado de imediato.

Somado a esses absurdos processuais, o magistrado que sentenciou na época contra a comunidade tradicional, de maneira infundamentada e com cerceamento de defesa, foi posteriormente afastado e aposentado compulsoriamente no ano de 2015. Isso porque infringiu deveres funcionais da magistratura no período em que esteve à frente da Comarca de Coribe relacionados à questões agrárias, como abertura e trancamento de matrículas de imóveis sem observar as devidas formalidades.

Missão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) no Oeste da Bahia

Os territórios sob ataque receberam a visita da Comitiva da Missão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), entre os dias 17 e 22 de março, quando foram identificadas violações sistemáticas de direitos de povos e comunidades tradicionais. A Comitiva cumpriu diversas agendas com comunidades e órgãos públicos em Barreiras e Correntina. O objetivo da missão foi ouvir os relatos das comunidades sobre as violações de direitos ocorridas nos territórios a fim de denunciá-las aos órgãos competentes e propor recomendações que possam ajudar a frear os ataques e a garantir aos povos seu acesso à terra e aos territórios.

Omissão do Estado da Bahia

As comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto do Oeste da Bahia, lutam para que se cumpra a Constituição da Bahia, reconhecendo o direito à posse das terras pelos moradores da região, que as utilizam de forma comunal há centenas de anos. A ausência da regularização fundiária dos territórios por parte do Governo do Estado tem deixado as comunidades expostas à violência e violações de seus direitos. É urgentíssimo que o governo não mais se omita, ou mesmo deixe de ser conivente, e passe a frear a grilagem das terras nessa região, acelerando as ações discriminatórias, além do bloqueio das matrículas de fazendas que incidem irregularmente sobre as comunidades.

Fotos e divulgação: CPT, AATR e Escola de Ativismo

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