Comunicação e cuidados digitais
A comunicação é uma ferramenta importante para lideranças e ativistas, mas é necessário compreender que há situações que a exposição ajuda e outras que transformam as pessoas em alvo. Uma liderança que está em perigo precisa analisar quando é melhor ficar mais retraída, inclusive da mídia ou redes sociais, para sair do foco. Às vezes é melhor deixar de dar entrevistas, de aparecer como liderança principal de determinadas lutas ou embates e evitar aparecer em fotografias.
É preciso tomar cuidados digitais sempre que utilizar a internet. O uso de senhas fortes, por exemplo, é essencial. Elas devem ser longas, com ícones e sem dados pessoais. Aplicativos seguros para a troca de mensagens também é regra para quem está em perigo. Existem opções, que não são as mais utilizadas, como o Signal, que tem como prioridade a privacidade dos usuários. O uso da tecnologia VPN Rede Virtual Privada (em inglês, Virtual Private Network), por exemplo, aumenta a proteção e privacidade online e é recomendada para ativistas de diferentes áreas de atuação.
Os celulares são mais vulneráveis a ataques e invasões e é preciso ter cuidado com o que eles podem registrar. Ao falar assuntos sensíveis, é importante retirar dispositivos (telefones e computadores) de perto. Todos os aplicativos instalados devem ser configurados para não acessarem ao microfone em tempo integral. Esse recurso deve ser habilitado apenas durante o seu uso.
Camadas de proteção
Considere que cada medida de proteção, física ou operacional, adotada é uma camada a mais que pode reduzir as vulnerabilidades da pessoa ameaçada ou ainda dificultar uma possível tentativa de violência por quem realiza a ameaça. Tomando como exemplo uma casa, certamente nenhuma porta ou janela será suficiente para barrar alguém que esteja determinado a arrombá-la, mas a porta com tranca servirá para atrasar a pessoa, vai forçá-la a fazer algum barulho e pode te dar tempo para alguma reação. Na mesma lógica, pode se incluir o uso de cães para alarde ou mesmo proteção, muros e cercas dos mais variados tipos, sistemas de câmeras de vigilância, alarmes sonoros simples (uma garrafa atrás de uma porta) ou sofisticados e assim por diante. O conjunto de práticas, medidas de proteção e/ou equipamentos são camadas que aumentam a segurança.
Estratégias diárias
Alguns cuidados diários devem ser seguidos pelas pessoas sob ameaça, como não andar sozinha, mudar sempre de rota e não ter uma rotina para dificultar qualquer tentativa de estabelecer um padrão de suas atividades e planejarem um possível ataque. Sair e chegar em casa ou no escritório sempre nos mesmos horários e dias e frequentar sempre os mesmos lugares devem ser evitados nesse contexto. Mudar de endereço, de cidade ou estado por um período pode ser necessário e é um recurso comumente utilizado mas tem uma série de implicações, como deixar a família, parar a luta e dar uma pausa nos cuidados com o território.
Atenção redobrada pode salvar vidas. Sob ameaça, é prudente estar sempre atento a todos acontecimentos ou mesmo em sinais de que algo não está na normalidade ou pode vir a acontecer, principalmente porque os ataques violentos algumas vezes não seguem um padrão. Alguns grupos têm feito registros posteriores de incidentes, ameaças e ataques e, assim, conseguem debater e partilhar entre outras pessoas como está a situação baseada em fatos.
Incidentes de segurança, que são aqueles acontecimentos que deixam dúvidas, também merecem atenção. Alguns exemplos podem ser, uma visita de pessoas desconhecidas de fora da comunidade perguntando pela liderança, um carro que passa a seguir seus caminhos ou a rondar a casa, a tentativa ou mesmo o roubo do celular, uma invasão ao escritório onde levam pouca coisa.
Além de maior atenção, da possibilidade de fazer e analisar registros formais e mudança de rotinas, quando uma pessoa está sob forte risco de algo acontecer devido a sua atuação política e/ou da defesa de direitos é recomendado adotar um conjunto de práticas que levam em conta o princípio da precaução. Por exemplo, seus deslocamentos, mesmo dentro da cidade ou de seu território, devem ser de conhecimento de pessoas de confiança que sabem onde, como, quais horários e com quem a pessoa estará. Monitorar os deslocamentos e dar pronto apoio quando necessário é fundamental para diminuir riscos e até salvar vidas.
Ameaças, diretas ou indiretas, configuram um crime e é importante não normalizar a violência. Algumas pessoas recebem ameaças com tanta frequência que, com o tempo, deixam de levar a sério. As ameaças devem ser analisadas e todas elas levadas à polícia.
Proteção coletiva
A proteção não é uma prática individual e isolada de cada defensor, defensora ou liderança, mas um conjunto de ações também executadas por outras pessoas. E neste sentido, a Segurança em Rede tende ser a mais efetiva. Uma ação conjunta, que envolve o movimento, um círculo mais próximos de pessoas ou até a comunidade proporciona proteção e reduz a pressão sobre uma única liderança. Quanto mais conexão com as forças coletivas, sejam elas públicas, privadas ou da sociedade civil organizada, mais a proteção se estrutura a favor da integralidade do cuidado e a autonomia de pessoas ou grupos.
Reconhecer a insuficiência do Estado Brasileiro, construir estratégias individuais e coletivas de proteção, compartilhar boas experiências e apoiar movimentos de resistência fortalecem a luta de lideranças e das instituições. Lembrando sempre que esses são apenas alguns pontos e que a prioridade absoluta de toda luta passa pela segurança e pela vida dos defensores/as e ativistas! Reconhecer a insuficiência do Estado Brasileiro, construir estratégias individuais e coletivas de proteção, compartilhar boas experiências e apoiar movimentos de resistência fortalecem a luta.
Esse texto foi escrito com colaboração de pessoas da Escola de Ativismo que atuam na área de segurança e proteção física/pessoal e operacional.