Desenhando o futuro no chão da cidade
Faça você mesmo: ciclofaixa surpresa
Em uma manhã de fevereiro de 2018, em São Paulo, passantes desavisados em uma via movimentada da cidade encontrariam um insólito incentivo à mobilidade por bicicleta: em velocidade relâmpago, um coletivo instalou uma ciclofaixa cidadã. Em apenas 45 minutos e sem qualquer incidente ou imprevisto, foi feita a pintura de um quilômetro de ciclovia e 20 bicicletas sinalizadoras, colocação de balizadores, a pintura de um muro que acompanha a via e a cola de lambes explicando os motivos da transformação. A ação provocou alegria coletiva e conquistou considerável espaço na mídia nas primeiras 48 horas após sua execução, extrapolando a esfera do bairro e ecoando pela cidade como fato político.
Intervenções ao estilo “faça você mesmo” têm por vezes o mérito de colocar o oponente – no caso, o poder público municipal – em um dilema de decisão: ao apagar a ciclofaixa e destruir o trabalho não-oficial, porém claramente funcional dos ativistas, a prefeitura iria restaurar a carência de estrutura cicloviária na região e expor de forma brutal seu débito com a sociedade; de outro lado, manter a intervenção seria uma rendição da ineficiência estatal ao engajamento daqueles que se apropriam radicalmente da cidadania.
Os esforços dos ativistas para garantir que a ciclofaixa tivesse uso possível e seguro não eram apenas instrumentais: eram uma reivindicação da legitimidade da ação cidadã. A chave não está em vencer a autoridade do Estado, nem em complementá-la, mas sim em tensioná-la. Os autores da ação sabiam que empregar a sinalização cicloviária oficial jamais impediria que a ciclofaixa fosse eliminada ou substituída por uma estrutura da Prefeitura. Ao mesmo tempo, ao empregarem a sinalização ao lado de elementos inusitados, como o muro pintado e os cartazes ilustrando as razões da ação, instauram no local uma intervenção visionária: não basta que tenhamos uma ciclofaixa segura e funcional na cidade, porque também não nos basta um Estado autoritário, negligente e impermeável à atuação cidadã. A ação dos ativistas ensaia um passo além, sugerindo um outro futuro possível.
Lotes ativos nada vagos
Um projeto da artista mineira Louise Ganz, em colaboração com artistas, profissionais da arquitetura e moradores locais, passou a ocupar temporariamente lotes vagos de Belo Horizonte e Fortaleza para outras finalidades e usos públicos. A ideia era “ativar” um uso público possível de espaços naturalizados como propriedade privada, em ações de criação e engajamento tipicamente locais, ao mesmo tempo que se apontava para soluções de ocupação pública do espaço urbano em escala mais ampla. “Os lotes vagos são pequenos campos (cercados ou abertos) que possibilitam produzir e viver numa esfera distinta da especulação, do planejamento urbano regulatório e da hegemonia de construções e rotinas”, diz o blog da artista. Em Belo Horizonte, lotes foram transformados em praças temporárias, lugares de lazer, convivência e contemplação (como um “praia”) ou em espaços de serviços (cabeleireiros ao ar livre). Em Fortaleza, além de jardim comunitário, os terrenos tornaram-se redários para descanso de trabalhadores e palcos de arte e música. As ações aconteceram entre 2004 e 2008.
Eu Acho É Caro: a Busona
Em campanha carnavalesca contra o aumento das passagens de ônibus do Recife, ativistas organizaram em janeiro e fevereiro de 2018 o bloco Eu Acho É Caro. Em alusão ao bloco recifense Eu Acho É Pouco, a ação colocou na rua um ônibus gratuito (a Busona) que fazia trajetos pela cidade, buscando passageiros pelo caminho em pleno clima da festa. A ação conquistou a imprensa local, que enviou jornalistas a bordo do coletivo para acompanharem a inusitada união entre protesto, serviço e comemoração. A iniciativa se articulou com outras diversas ações diretas e batalhas judiciais contra o aumento da tarifa, interrompendo as negociações e impedindo que ele sequer fosse votado. Foi a quebra histórica de um período de cinco anos de aumentos ilegais do valor do transporte público na cidade. _
Se preferir, baixe o PDF da revista Tuíra #01.