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Luh Ferreira

Educadora Popular, ativista, doutora em Educação

Encantada com o mundo, indignada com a situação dele

Mudanças climáticas tornaram queimadas 40% mais intensas no Pantanal

Secas mais fortes e períodos chuvosos mais restritos ampliam alcance do fogo e ameaçam biodiversidade e povos tradicionais

Por Letícia Queiroz- 08/08/2024

Cápsulas coletadas por indígenas após ataque contra retomada Pataxó na TI Barra Velha, em janeiro de 2023. l Foto:  Mayke Toscano/Secom-MT

Os incêndios florestais que têm devastado o Pantanal brasileiro estão cada vez mais severos e recorrentes. Segundo uma pesquisa da World Weather Attribution, as mudanças climáticas causadas por humanos tornaram as condições quentes, secas e com ventos fortes 40% mais intensas, aumentando risco de incêndios. A situação do bioma tem afetado modos de vida nas comunidades originárias e tradicionais e provocado mortes de milhões de animais, incluindo espécies que sofrem risco de extinção. 

Segundo os estudiosos, as devastações na maior zona úmida do mundo tem potencial para se tornarem as piores de todos os tempos. Conforme a pesquisa, “acredita-se que mais de 1,2 milhão de hectares tenham sido queimados […] quase metade do tamanho da Bélgica”.

Os focos de incêndio no Pantanal superam os números do primeiro semestre  de 2020, ano recorde de queimadas. Na época, cerca de um terço do bioma foi destruído.

Também houve uma alta de 898% nas queimadas nos primeiros cinco meses de 2024, em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 880 focos de incêndio, de janeiro a maio deste ano, contra 90 focos no mesmo período em 2023.

Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que nos cinco primeiros dias de agosto deste ano foram contabilizadas 1.363 queimadas no Pantanal. O número é 11,9% maior que todos os registros acumulados nos 31 dias de julho.  Na primeira quinzena de junho, por sua vez, o bioma já havia registrado o maior número de focos de incêndios para um mês de junho de toda a série histórica do Inpe, iniciada em 1998. 

Os dados e o estudo destacam a necessidade urgente de substituir os combustíveis fósseis por renováveis, de reduzir o desmatamento e fortalecer as proibições de queimadas. Com a seca, pequenos incêndios podem rapidamente se transformar em incêndios devastadores, independentemente de como tenham começado.

Cientistas de todo mundo concordam que as alterações climáticas contribuem com a situação. O calor persistente seca os solos e a vegetação, criando condições mais inflamáveis. Ao mesmo tempo, as chuvas e a umidade relativa do ar estão diminuindo, aumentando consideravelmente o risco de incêndios florestais.

O estudo da World Weather Attribution foi conduzido por 18 pesquisadores como parte do grupo World Weather Attribution, incluindo cientistas de universidades e agências meteorológicas do Brasil, Portugal, Estados Unidos, Suécia, Holanda e Reino Unido. Veja o estudo “Hot, dry and windy conditions that drove devastating Pantanal wildfires 40% more intense due to climate change “Condições quentes, secas e com ventos fortes intensificaram os incêndios no Pantanal em mais de 40% graças às mudanças climáticas” aqui

Como as escolas militarizadas contrariam a constituição — mas também o que é educação

Como as escolas militarizadas contrariam a constituição — mas também o que é educação

O Núcleo de Educação Popular da Escola de Ativismo mostra como projeto que regulamenta as escolas cívico-militares é antítese de uma educação emancipadora

Estudantes protestam contra educação militarizada algo que não seria possível numa escola militarizada

Foto: Francisco Alves/Sintep-MT

O aumento da militarização da educação básica pública no Brasil certamente é o grande tema para quem se preocupa com a educação neste momento do país. Estados e municípios contaminados por ideologia de extrema-direita vêm se engajando neste processo que, se não começou especificamente no governo Bolsonaro, encontrou seu ápice neste governo. Inconstitucionalidade e desrespeito a uma educação crítica são tônicas deste processo. Só no estado do Paraná, que vem sendo tomado como referência na militarização das escolas públicas, já são 312 escolas cívico-militares, todas ligadas ao programa estadual, segundo a Secretaria de Educação do Paraná.

A militarização das escolas não encontra respaldo na legislação, não está na Constituição nem na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação. Do ponto de vista da legalidade, é difícil definir o que são essas escolas militarizadas. Mas antes de nos debruçarmos sobre a legislação, vale notar que, hoje, há três modelos de escola sob tutela militar: escolas militares, escolas militarizadas e escolas cívico-militares.

Escolas militares são aquelas fundadas por uma corporação militar e estão vinculadas ao organograma de uma corporação militar e não estão vinculadas a uma secretaria de educação, com objetivos políticos-pedagógicos mais específicos para a formação de futuros membros das corporações militares. 

Escolas militarizadas são escolas públicas mantidas financeiramente e vinculadas às secretarias municipais ou estaduais de educação, que atendem um público geral e que não tem como objetivo específico formar futuros membros das corporações militares.

As escolas cívico-militares são um programa para o fomento à transformação de escolas civis de educação básica em escolas militarizadas a partir de um decreto do governo federal de Bolsonaro.

Quando se fala de escola militarizada, não se trata de uma nova escola, e sim está se impondo uma série de normas vindas dos quarteis para o ambiente escolar pré-existente. Quando se fala da criação de uma escola militar, estamos falando de uma nova escola, com verba federal destinada à corporação militar e a educação é voltada para uma formação básica vinculada à novos quadros militares e estas, sim, são previstas em legislação específica..

O programa das escolas cívico-militares: na contramão de uma educação emancipadora.

A educação no Brasil, muitas vezes, é terreno fértil para pessoas sem formação pedagógica alguma. Os militares estão gerindo as escolas militarizadas e, via de regra, não têm formação pedagógica. Isso representa o desconhecimento e desconsideração por todo saber científico acumulado pela área da educação, ao longo de seus 300 anos.

Porém, há uma pedagogia nos currículos militares, ainda que eles desconheçam as bases pedagógicas. E há uma pedagogia na forma de organização e gestão das escolas militarizadas. É possível gerir um sistema de educação na mais completa ignorância da ciência da educação.

Quem acredita na educação militarizada diz que as crianças seriam mais educadas e obedientes. Como vai formar crianças obedientes, ela terá outros problemas. Uma criança obediente ao longo do tempo se torna um adulto obediente, e assim é incapaz de questionar uma ordem tirana, uma ordem que não esteja de acordo com valores humanos. Isso lembra os oficiais do nazismo que, perante os tribunais, alegavam repetidas vezes que só “estavam seguindo ordens”.

Isso foi chamado, por Hannah Arendt, de a banalidade do mal. A diferença entre emancipação e obediência é quando você pode pensar por si próprio, pode desobedecer quando considerar algo ilegítimo, pode fazer protesto, pode divergir. Só quem é emancipado consegue emancipar. O conceito de emancipação é muito importante na pedagogia porque é um conceito que vai produzir seres humanos pensantes, que conseguem ir além do que a autoridade coloca numa situação qualquer. Quem ensina, sem emancipar, embrutece.

Essa emancipação intelectual é uma situação onde um humano olha um outdoor na rua, olha um jornal, um artigo, ou ouve uma fala e consegue fazer a reflexão “quais valores essa informação representa? De onde ela veio? Quais as consequências e interesses dessa informação?” Não existe neutralidade na vida, ao fazer uma escolha, você já está escolhendo qual grupo representa: os interesses das elites, da classe trabalhadora ou seus próprios interesses.

A pessoa emancipada intelectualmente é a pessoa que tenta em seu autodidatismo abranger todas as áreas do conhecimento, pensa em uma formação integral. Já uma formação que tolhe, que não permite discutir certos assuntos por tabu, significa que o moralismo passa a tomar conta da formação, passa a ser uma formação restringida, acrítica, é uma formação da obediência, não tem espírito investigativo, curioso e criativo.

A educação militarizada é herdeira da educação tradicional católica, mas não só. Nas escolas militares há a figura do capelão, uma capela, e a doutrina militar está sempre ligada à religião cristã. A educação laica deixa a educação religiosa para o campo privado. O estado passou a ser laico então a escola passou a ser laica. Mas a militarização não está só nas escolas; a administração pública tá cheia de militares, por exemplo.

Lógica padronizadora

Os militares tomam partido de uma educação padronizadora, pela disciplinarização, pela docilização de corpos, negação do papel social da escola com ênfase numa educação bancária, nos moldes descritos por Paulo Freire, e uma pedagogia do medo. O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), instituído pelo Decreto n° 10.004, de 5 de setembro de 2019, foi publicado sem nenhum diálogo da sociedade, através de um ministério da educação que exalta as escolas cívico-militares, e vai defender uma ideia de uniformização dos estudantes, sempre em detrimento de uma educação crítica.

Essa militarização das escolas, é importante ressaltar, ele ocorre por diferentes vias, por um edital que o governo abre, mas também através de prefeituras municipais que fazem convênio e pactuação com a Secretaria de Segurança Pública para propor a militarização das escolas. A militarização das escolas é um rompimento com a educação na perspectiva dos direitos humanos, da vinculação da interculturalidade, assim uma verdadeira barbárie contra a mente e os corpos de adolescentes e jovens.

As escolas cívico-militares são salvacionistas, ou seja, elas viriam para salvar a educação pública, mas contrariam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) por não oferecerem uma educação plena para os sujeitos.

Quanto aos princípios do PECIM há três que merecem destaque. Um dos princípios é da gestão de excelência em projetos educacionais didático-pedagógicos e administrativos. Seria a melhoria nos processos de gestão. É a ideia que os diretores e gestores não sabem gerir os recursos nos processos de gestão nas escolas públicas. Quando abrimos os processos de gestão a pessoas que não tem uma formação específica na área da Pedagogia, isso fere o princípio da educação democrática, dos espaços de atuação da comunidade escolar, descaracteriza a participação, subordinando os trabalhadores da educação aos militares. Essa suposta otimização da gestão proposta no PECIM não trata em momento algum da precarização e falta de investimentos que são problemas evidentes e recorrentes da educação pública brasileira.

Um outro princípio do documento é o fortalecimento de valores humanos e cívicos. O PECIM faz uma receita de bolo a respeito do que deveria ser uma escola. O que chama atenção sobremaneira é o fortalecimento de valores cívicos, que toda escola cívico-militar deve ter um projeto de valores cívicos. Esse projeto proporciona uma estreita aproximação com as antigas disciplinas de Moral e Cívica, fruto da ditadura militar. A essência desse projeto reside na natureza reduzida e engessada de cidadania, acoplando a ideia que atitudes são incorporadas via treinamento e temas como hierarquia, civismo e apelo à ordem prevalecem sobre a ideia de democracia e direitos humanos. Se imediatiza uma forte relação com a construção de virtudes cívicas como uma das finalidades primordiais da educação, em detrimento de aspectos sócio históricos.

O terceiro aspecto seria um modelo de gestão que proporcione igualdade de oportunidades para os educandos. É cômico porque as escolas cívicas militares retiram de seu corpo estudantil os alunos com déficit de aprendizagem e deficiências físicas, interferindo no seu direito de continuidade escolar. É um modelo de escola capacitista que não trabalha com as diferenças, mas com a padronização de homens e mulheres. Essas escolas também inviabilizam o EJA (Educação de jovens e adultos). É uma escola desigual, desumanizadora, capacitista que busca a homogeneização dos processos de aprendizagem.

Quanto às diretrizes do PECIM vale destacar duas: a viabilização da contratação pelas Forças Armadas de militares inativos como prestadores de tarefa por tempo certo para atuarem nas áreas de gestão educacional didático-pedagógico-administrativa; e o emprego de oficiais e praças para atuarem na área de gestão educacional didático-pedagógico-administrativo. 

Essas duas diretrizes postas no programa das escolas civil-militares são inconstitucionais, pois contrariam o artigo 61 da LDB, que diz que profissionais da educação escolar básica são os professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, e trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim.

A inconstitucionalidade da militarização na escola pública

A Constituição de 1988 é um documento típico dos anseios por uma sociedade liberal, no qual a liberdade e a igualdade jurídica são formuladas como bens de todos, mas que na prática alcançam só determinados segmentos da sociedade. Assim sendo, quando este documento trata de educação, ele parte de princípios liberais de educação. No artigo 206, temos princípios que pretendem dar as bases para a educação no país. O artigo versa sobre o acesso e as condições para permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar e pesquisar, pluralismo de ideias, gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais, valorização dos profissionais da educação, gestão democrática, garantia de padrão de qualidade, piso salarial profissional nacional e garantia à educação e aprendizagem. Nesse artigo, não há brechas para a participação dos militares em processos educativos, em qualquer parte do processo.

O artigo 142 fala sobre o papel das Forças Armadas e nesse artigo tampouco há qualquer brecha para a participação dos militares na educação, em qualquer parte do sistema de ensino público. Temos também o artigo 144, que dá as diretrizes sobre segurança pública e nesse artigo também dá as diretrizes sobre o papel da Polícia Militar, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Ferroviária, das Polícias Civis e dos Corpos de Bombeiros. E não há qualquer brecha nesse artigo que permitisse a participação desses agentes nos processos educativos ou na gestão do mesmo. O texto constitucional deixa bem delimitado que o papel das Forças Armadas é relacionado à defesa nacional ou à segurança pública.

No entanto, temos escolas militares vinculadas ao exército e também vinculadas à Polícia Militar, que são escolas cujo organograma fazem parte tanto do Exército quanto dessas polícias militares.

No artigo 83 das Leis de Diretrizes e Bases (LDB) da educação, temos o reconhecimento do ensino militar regulado em lei específica, admitida a equivalência de estudos de acordo com as normas fixadas pelos sistemas de ensino. Há uma compreensão que esse artigo versa sobre a educação profissional e profissionalizante dos cursos que os militares promovem para obtenção de quadros para suas fileiras, e não estaria relacionado com a educação pública civil.

A lei máxima da educação nacional é a LDB. Em nenhum momento a LDB trata do modelo de escola militarizada. O único tratamento dado nessa direção é para a educação voltada à formação de quadros militares, ou seja, a escola militar.

A educação popular ativista refletindo sobre o ensino militarizado

Inicialmente, vale frisar: uma educação popular ativista é feita com as comunidades, a partir das demandas do território em específico. É uma dinâmica mais horizontal, e em tudo difere da educação militarizada que, vertical em todo o processo, prevê uma distinção de poder e deveres muito claros e autoritários na relação educador/educando.

Como colocado por Paulo Freire em seu Pedagogia da Autonomia (1996), ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. E assim coloca o problema:

“Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma ‘intimidade’ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso?” (Pág. 30).

E responde: porque essa educação para autonomia nada interessa ao educador conservador, reacionário. A educação popular é o oposto da educação militarizada.

* Texto construído a partir das ótimas lives da Rede Nacional de Pesquisa sobre a Militarização da Educação no Brasil, e podem ser acessadas aqui https://www.youtube.com/@redenacionaldemilitarizaca8381. A Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação reúne docentes das diferentes redes e níveis da educação, pesquisadores(as) e ativistas que se dedicam a pesquisar os processos de militarização da educação no Brasil, as relações com a democracia e seus desdobramentos na construção de valores morais e sociais em crianças, adolescentes, jovens e adultos nos diferentes espaços da vida social e, em especial, nas instituições educativas.

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Núcleo de Educação Popular da Escola de Ativismo

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Julho das Pretas: onde tem mineração, tem pretas em luta

Dia Internacional da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha celebra luta e denuncia o machismo, racismo e outras vulnerabilidades enfrentadas por mulheres negras no mundo.

Por Movimento pela Soberania Popular na Mineração – 25/07/2024

Elane Barros, do MAM, em manifestação | Foto: Jerê Santos

 

No dia 25 de julho, celebra-se o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, em reconhecimento à luta e à resistência das mulheres negras. Essa data surgiu a partir do esforço de mulheres negras que se organizaram e realizaram o primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana. O evento promoveu a união de mulheres negras de diversos países para discutir temas e estratégias de luta, uma vez que compartilham realidades similares devido ao colonialismo e à escravização. Durante esse encontro, foi instituído o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, que foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas no mesmo ano.

No Brasil, essa data também homenageia Tereza de Benguela, líder do Quilombo Quariterê, localizado entre o rio Guaporé e a atual cidade de Cuiabá, no Mato Grosso, que resistiu e lutou contra a escravização no século XVIII. Essa data foi oficializada em 2 de junho de 2014, por meio da Lei nº 12.987, que instituiu o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

A população negra no Brasil corresponde à maioria, sendo 55,5% de acordo com o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). Os resquícios do colonialismo e da escravização ainda se refletem nessa população através do desemprego, da má remuneração, de mortes violentas, injustiças climáticas, entre outras desigualdades sociais, afetando principalmente as mulheres negras, que compõem o grupo mais vulnerável da sociedade. Ainda de acordo com o Censo do IBGE, 2022, as mulheres negras representam 41,3% da população pobre do país e 8,1% da população em situação de extrema pobreza. Entre as brancas, o percentual é 21,3% e 3,6%, respectivamente.

Além disso, as pessoas negras sofrem os maiores impactos dos crimes ambientais praticados por grandes mineradoras e pelo garimpo ilegal. Historicamente, a exploração mineral foi um dos principais meios de exploração da população negra durante a escravidão no período colonial. Esses impactos são resultados de um processo histórico contínuo que sustenta os pressupostos do racismo estrutural e excludente, que promove a ideia de que negros são inferiores. Em outras palavras, ainda persiste a crença de que as vidas das populações negras têm menos valor, sendo avaliadas em termos dos lucros obtidos com a exploração delas.

Conforme Januário (2023), as relações de poder no Brasil também foram moldadas pelo conceito de raça e se manifestam de diversas maneiras, perpetuando os privilégios da população branca. Isso fica evidente nas expressões do racismo ambiental enfrentado pela população negra, como doenças causadas por áreas e águas contaminadas, rios poluídos, desmatamento da floresta, expulsão e deslocamento forçado de seus territórios, assassinato das suas lideranças, entre outras.

No livro “Mulheres Atingidas: Territórios Atravessados por Megaprojetos” (Instituto de Políticas Afirmativas para o Cone Sul – PACS, 2021), são listados diversos impactos causados na vida das mulheres, especialmente das negras, com sérias implicações nos direitos humanos. Esses impactos incluem o fortalecimento da divisão sexual do trabalho, a falta de infraestrutura e segurança no ambiente laboral, a contratação massiva de trabalhadores estrangeiros nos territórios afetados, a precarização e contaminação decorrentes da responsabilidade pelas atividades gerais, como limpeza, o aumento do trabalho reprodutivo, o crescimento da violência doméstica, a perda da soberania alimentar, o agravamento da dependência econômica das mulheres e o reconhecimento apenas dos homens como responsáveis pelos lares.

Nesse contexto da exploração mineral, as mulheres negras são lideranças que protagonizam as lutas e resistências nos territórios através de associações, coletivos, mobilizações e movimentos sociais contra o modelo predatório da mineração. Essas mulheres enfrentam diversos desafios e buscam, de forma contínua, promover a justiça social e ambiental em suas comunidades. Além disso, se tornam porta-vozes de suas comunidades, levando suas demandas para fóruns nacionais e internacionais, onde lutam por reconhecimento e apoio para suas causas.

É fundamental reforçar o protagonismo, a luta e a resistência das mulheres negras na oposição à mineração no Brasil, uma vez que essa é uma luta ancestral. Elas representam uma continuidade histórica de resistência e fortalecimento das comunidades afrodescendentes, enfrentando os desafios contemporâneos impostos pelos impactos da mineração predatória. Dessa forma, o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) celebra o Julho das Pretas, destacando e honrando essas mulheres que, de punho erguido, estão na linha de frente da luta pela soberania popular na mineração.

Mulheres Negras – luta ancestral e resistência contra o modelo mineral predatório!

Referências

EVARISTO, Conceição. Poemas da recordação e outros movimentos. 3. ed. Rio de Janeiro: Malê, 2017, p. 24-25.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico de 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

JANUÁRIO, Geovanna Laura Santos. A mulher na base da territorialidade e resistência a mineração. Viçosa: UFV, 2023.

PACS. Mulheres atingidas: territórios atravessados por megaprojetos. Organização: Ana Luísa Queiroz, Marina Praça, Yasmin Bitencourt. 1 ed. Rio de Janeiro: Instituto Pacs, 2021

Apesar de mudanças na política, violência contra indígenas cresceu em 2023, aponta CIMI

Falta de avanço nas demarcações é apontada como um dos fatores que acarretaram no crescimento da violência

Por Letícia Queiroz- 24/07/2024

Cápsulas coletadas por indígenas após ataque contra retomada Pataxó na TI Barra Velha, em janeiro de 2023. l Foto: Tiago Miotto/Cimi

O número de assassinatos de pessoas indígenas cresceu e chegou a 208 no Brasil em 2023, ano marcado por ataques a direitos dos povos originários e de poucos avanços na demarcação de terras. É o que afirma o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em seu relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – 2023”. Segundo a organização, pelo menos 17 indígenas foram mortos violentamente por mês. Também foram registrados 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio em pelo menos 202 territórios indígenas.  

O ano de 2023, primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, iniciou com grandes expectativas em relação à política indigenista e foi marcado pela retomada de ações de fiscalização e repressão às invasões em alguns territórios indígenas – condutas extintas no governo anti-indígena de Bolsonaro. Mas a demarcação de terras e as ações de proteção e assistência às comunidades foram insuficientes, permitindo a continuidade das invasões, conflitos e ações violentas contra as comunidades. 

O texto do documento afirma que o governo que tinha o compromisso e obrigação de avançar na garantia dos direitos dos povos indígenas ficou inerte. “A demarcação dos territórios indígenas avançou muito pouco. Muito aquém do esperado, bem longe do necessário e na contramão do urgente”, diz o CIMI.

Os dados apontam que os estados que registraram o maior número de assassinatos foram Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36), que representam 39% do total. Os mais de 200 crimes foram registrados em 26 estados do país e vitimaram 179 homens e 30 mulheres. Do total, 171 vítimas tinham entre 20 e 59 anos de idade e 19 delas tinham até 19 anos.

A quantidade de assassinatos no ano passado foi maior do que em 2022, quando 180 mortes foram contabilizadas

Também foram altos os índices de suicídios entre os povos indígenas. Um total de 180 pessoas de diferentes etnias tiraram a própria vida. Os casos de “Violência contra a Pessoa” totalizaram 404 registros em 2023. Além dos crimes de assassinatos, a seção contabilizou: abuso de poder (15 casos); ameaça de morte (17); ameaças várias (40); homicídio culposo – quando não há intenção de matar  (17); lesões corporais (18); racismo e discriminação étnico-cultural (38); tentativa de assassinato (35); e violência sexual (23). 

 A presença garimpeira não cessou em 2023. Segundo o relatório, “os esforços do Estado brasileiro foram insuficientes. Com a manutenção da atividade criminosa, a deterioração das condições de vida dos Yanomami se tornou incorrigível pela disseminação de doenças (malária, tuberculose, infecções respiratórias agudas, anemias), acrescida pela mortalidade infantil, em um contexto de quadros agudos de desnutrição e contaminação por mercúrio”. 

Além dos garimpos, entre os principais tipos de danos ao patrimônio indígena registrados ficaram em destaque os casos de desmatamento, extração de recursos naturais como madeira, caça e pesca ilegais e invasões possessórias ligadas à grilagem e à apropriação privada de terras indígenas. 

O relatório traz informações sobre a desassistência aos povos indígenas e violência por omissão do Poder Público. Segundo os dados reunidos pelo Cimi, foram registradas 1040 mortes de crianças indígenas de 0 a 4 anos de idade em 2023.

“A maior parte dos óbitos infantis teve causas consideradas evitáveis por meio de ações de atenção à saúde, imunização, diagnóstico e tratamento adequados. Entre estas causas, destaca-se a grande quantidade de mortes ocasionadas por gripe e pneumonia (141), por diarreia, gastroenterite e doenças infecciosas intestinais (88) e por desnutrição (57)”, informa o relatório. 

O material reúne dados sobre racismo e discriminação étnico-cultural, omissão e morosidade na regularização de terras.  

O relatório

O relatório do Cimi é publicado anualmente e sistematiza dados de várias fontes, como organizações da sociedade civil, órgãos como o Ministério Público Federal (MPF) e informações obtidas junto a fontes públicas, como secretarias estaduais de saúde, a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). O material também reúne textos que buscam aprofundar a reflexão sobre os temas abordados pela publicação.

Acesse aqui o relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – 2023” na íntegra

 

 

 

Desastres, migração e deslocamento: a luta por direitos das pessoas e comunidades afetadas pela crise climática no Brasil

Por Valeriana Augusta Broetto, Tatiane Brasil, Leilane Reis Santos, Erika Pires Ramos, Vivian Dal´Lin, Marília Papaléo Gagliardi, da Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais (RESAMA)*

18/07/2024

 

 

O aumento da frequência dos eventos climáticos extremos têm deslocado e vulnerabilizado cada vez mais pessoas no Brasil. Em artigo, pesquisadoras da Resama opinam sobre o quadro e sobre caminhos de luta e reparação

 

Apesar de o Brasil ser considerado o país com maior número de deslocamentos internos causados por desastres nas Américas em 2023, tendo sido responsável por mais de um terço dos deslocamentos causados por desastres na região, ainda não há legislação específica para proteger e garantir os direitos e a segurança da população afetada e deslocada por esses eventos de forma integral. No mundo, são 68,3 milhões de pessoas deslocadas internamente no ano passado, seja em razão de conflitos, ou por desastres, em sua grande maioria relacionados a eventos climáticos (como inundações e tempestades, além de secas, incêndios florestais e outros). Entender as distintas dimensões da mobilidade humana no contexto da mudança climática e dos desastres é o primeiro passo para se pensar em políticas capazes de proteger os direitos humanos da população. 

A adoção de uma definição para essa nova categoria de pessoas gera dúvidas e provoca debates, especialmente no âmbito jurídico. Termos como “migrante”, “deslocado” e “refugiado” ambiental ou climático são usados para descrever indivíduos ou grupos que se mudam ou são forçados a mudar devido a riscos e alterações no ambiente, causados por eventos naturais ou atividades humanas, que impactam significativamente sua vida, segurança, meios e modos de vida.

Não existem na atualidade instrumentos internacionais vinculantes que reconheçam estas categorias e concedam proteção jurídica específica. Na agenda climática, tem-se utilizado o termo “mobilidade humana” que abrange migração, deslocamento e realocação planejada, incluindo também situações de imobilidade, em que as circunstâncias ambientais (que geram isolamento) e/ou recursos materiais não permitem que a mobilidade aconteça ou há resistência em deixar o território e os vínculos ancestrais/culturais ali presentes.

A migração, nesse contexto, envolveria pessoas que deixam de forma majoritariamente voluntária seus locais de origem, utilizando a mobilidade como resposta a mudanças ambientais e climáticas, em busca de locais seguros que garantam sua subsistência e proteção de direitos. Por outro lado, o deslocamento ocorre quando indivíduos são forçados a deixar suas residências como única opção de sobrevivência, sem possibilidade de escolha. Já a realocação planejada pressupõe a assistência do Estado e ocorre quando a permanência ou o retorno não é mais possível ou é inviável devido a situações de risco. Em todos os casos, as pessoas devem ter assegurados os seus direitos, especialmente o de participar em todas as decisões relacionadas ao retorno e à realocação (Cavedon et al., 2023). Assim, todas essas formas de mobilidade humana e também as situações de imobilidade devem ser consideradas nas agendas urbana, ambiental, climática, de direitos humanos e também migratória.

Ainda que não exista um consenso sobre a terminologia a ser utilizada ou respaldo em alguma normativa, distintos marcos internacionais e regionais fornecem diretrizes para o desenvolvimento e implementação de políticas e ações voltadas para pessoas deslocadas por desastres.

Atingidos pelas chuvas na região Serrana do Rio de Janeiro se abrigam em ginásio l Foto: Vladimir Platonow / Agência Brasil – Arquivo

Mudança climática, desastres e violações de direitos humanos no Brasil 

Globalmente, os efeitos adversos da mudança climática ameaçam os sistemas humano e natural, colocando em risco os direitos humanos, especialmente os das populações mais vulnerabilizadas. O Relatório de Riscos Globais de 2024, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, prevê um risco elevado de eventos climáticos extremos nos próximos dez anos, juntamente com o aumento do risco de migrações involuntárias.  

No Brasil, o cenário climático é igualmente preocupante. Nos últimos anos, mais da metade dos municípios brasileiros decretaram situação de emergência ou calamidade pública em razão de desastres relacionados à, dentre outros, estiagens, secas, tempestades, inundações, enxurradas e alagamentos. Em 2022, por exemplo, mais de 230 pessoas perderam a vida em Petrópolis (RJ) após fortes chuvas; em Recife (PE), deslizamentos de terra provocados por fortes chuvas resultaram em 140 mortes, 122 mil pessoas desalojadas, 68 mil casas danificadas e 3 mil destruídas. Em 2023, fortes chuvas também desencadearam alagamentos e deslizamentos em Manaus(AM) e no litoral norte de São Paulo, onde houve um elevado número de mortes e de pessoas desalojadas. Também não se pode esquecer das secas recentes com dimensões gravíssimas na Amazônia, inclusive com o isolamento de comunidades inteiras e com impactos sobre a manutenção dos meios e modos de vida

Ao mesmo tempo em que evidenciam a gravidade da crise climática, tais eventos escancaram o despreparo das cidades brasileiras em prevenir, responder e se adaptar aos eventos climáticos, especialmente no que diz respeito aos grupos e comunidades mais expostas. Embora a mudança climática seja um fenômeno global, seus impactos são desiguais e desproporcionais e estão relacionados a uma série de fatores sociais, econômicos e ambientais que tornam pessoas e lugares mais suscetíveis a sofrerem grandes perdas. Por isso, é preciso compreender que desastres não são naturais e sim um resultado de escolhas humanas e decisões políticas. 

Ainda que as ameaças que os desencadeiam possam ser de origem natural, os desastres – enquanto resultados da combinação de condições de vulnerabilidade, ameaças e insuficiente capacidade de resposta – não são, já que poderiam ser evitados ou mitigados através de medidas de adaptação e redução de riscos. Nesse contexto, grupos historicamente marginalizados são os mais afetados pelos eventos extremos.  

Fatores como raça, gênero e classe evidenciam de forma contundente essas injustiças climáticas e ambientais. No desastre recente do Rio Grande do Sul não foi diferente. Apesar de quase a totalidade do estado ter sido afetada, mulheres, povos indígenas e quilombolas, pessoas negras e pobres, população migrante e refugiada, seguem enfrentando graves violações de direitos humanos após dois meses do início do desastre, evidenciando as dinâmicas do racismo ambiental e climático que enfrentam no seu cotidiano. 

É o caso, por exemplo, da comunidade indígena Guarani Araçaty que teme deixar suas casas e perder seu território, ainda não demarcado, tendo de enfrentar um duplo risco. Já o povo Guarani Pekuruty, ao retornar a sua aldeia, se deparou com parte das moradias e uma escola demolidas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT), sem aviso prévio. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e o Ministério dos Povos Indígenas afirmam que 70% dos territórios destinados à população indígena do Rio Grande do Sul foram afetados. Com o retorno desses povos para os seus territórios, teme-se uma crise humanitária, especialmente no que se refere à saúde.  

Já em Pelotas, outra situação escancarou o racismo ambiental. Um condomínio de luxo instalou bombas de drenagem clandestinas para retirar a água do seu terreno, fazendo-a desembocar na comunidade Passo dos Negros, histórico reduto da comunidade negra e uma das áreas mais carentes da cidade. Mapas desenvolvidos pelo Observatório das Metrópoles mostram que as áreas mais atingidas são as menos favorecidas economicamente e coincidem com os bairros de maioria preta e parda. A lista de violações é grande, incluindo violência sexual contra mulheres em abrigos públicos; ondas de saques que levaram famílias inteiras a improvisar acompamento nas rodovias para monitorar suas casas; remoções compulsórias de pessoas em áreas de risco; xenofobia, segregação e exclusão de migrantes e refugiados em abrigos; e ações que podem ser descritas como “capitalismo do desastre“, ou seja, a utilização da situação de desastre como oportunidade para lucrar ou implementar medidas que ameaçam ainda mais os direitos humanos. 

Além das graves violações de direitos humanos, é crucial considerar os impactos na natureza. Milhares de animais domésticos e silvestres foram afetados pelas enchentes e agora estão sendo acolhidos em abrigos. Cientistas também alertam que as grandes obras planejadas pelo governo como resposta ao desastre podem intensificar a degradação dos ecossistemas e representar novas ameaças à biodiversidade.

Mas os impactos desproporcionais enfrentados por determinados grupos não param por aí, sobretudo porque um desastre não se encerra na situação de emergência e pode se prolongar no tempo. É pelas distintas dimensões e características da mobilidade humana e também pelas situações de imobilidade –  como algumas comunidades quilombolas que ficaram totalmente isoladas pelas chuvas – no contexto dos desastres e da mudança climática que queremos chamar a atenção para esse fato.  

Aos milhares de desalojados e desabrigados em caráter temporário, somam-se os indivíduos e comunidades que foram deslocadas pelo desastre ou que agora planejam migrar. Ao perderem suas casas, territórios e meios de subsistência, as pessoas que já estavam em uma situação de vulnerabilidade, ficam ainda mais expostas à violações de direitos humanos e nem sempre conseguem retornar ao seu lugar. Assim, pessoas desabrigadas ou desalojadas podem se tornar deslocadas à medida que o cenário do desastre ou efeito da mudança climática se desenrola; da mesma forma como os deslocamentos temporários podem se prolongar no tempo e se tornarem permanentes. 

As populações vulnerabilizadas que não têm alternativas viáveis, são frequentemente direcionadas para abrigos temporários que oferecem pouco ou nenhum espaço privado, deixando-as constantemente expostas a diversas formas de violência. Em outros casos, elas podem recorrer ao auxílio aluguel privado temporário, o que ainda assim gera insegurança em relação ao futuro. Ambos os casos, são “relevantes na desestruturação do convívio familiar e identidade social de seus membros” (Valencio, 2009).  

Nesse contexto, precisamos refletir sobre como nossas cidades vão lidar não apenas com os desastres, mas também com as repercussões dos deslocamentos e migrações em termos de oferecimento de infraestrutura e serviços urbanos adequados e de áreas seguras para moradia, respeitando laços afetivos e sociais, as trajetórias de vida e as vozes das comunidades. Tudo isso é fundamental para evitar novos desastres no futuro e reduzir a vulnerabilidade das populações e ecossistemas. Chama-se a atenção para as discussões sobre a remoção de populações, a realocação de cidades inteiras – como é o caso de Muçum (RS) – e a construção de “cidades provisórias“. Ainda que em contextos diferentes, na década de 1960, o Rio de Janeiro passou por processo semelhante, em que Centros de Habitação Provisórias (CHB) foram construídos para atender famílias removidas de outros locais da cidade. Embora pensadas de modo provisório, muitas delas perduram até hoje, como é o caso da Favela Nova Holanda localizada no Complexo da Maré.  

Nessa perspectiva é que a Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais (RESAMA) busca dar visibilidade a essa dimensão humana muitas vezes desconsiderada nas agendas e políticas públicas.  Pessoas que são forçadas a migrar, seja em razão da perda temporária ou permanente da sua moradia, ou que resistem buscando estratégias de adaptação no seu território, precisam estar presentes na construção de alternativas ao deslocamento. 

Chuvas que afetaram o Rio Grande do Sul deixaram um rastro de destruição sem precedentes l Foto: Rafa Neddermayer/Agência Brasil/EBC

Encurtar distâncias entre o global e local, entre governos e territórios afetados: trilhando caminhos possíveis

Temos que reconhecer que não existe uma receita ou solução pronta e única para lidar com a magnitude e intensidade dos desastres desencadeados pelos efeitos da crise climática. As soluções devem ser construídas coletivamente e com a participação dos múltiplos atores envolvidos, garantindo a participação efetiva das pessoas, comunidades e territórios afetados, e considerar não apenas suas vulnerabilidades, mas também os conhecimentos e capacidades existentes nos territórios para enfrentar a crise climática.  É preciso, portanto, que suas demandas e suas vozes sejam efetivamente consideradas nos processos de formulação de políticas e tomada de decisão.

Mesmo não existindo atualmente uma categoria específica prevista em um instrumento internacional vinculante que abranja quem precisa se deslocar em razão de riscos e/ou desastres ambientais e climáticos, importante registrar as diretrizes existentes em nível global e regional existentes nesta temática: i) Agenda Nansen para a proteção de pessoas deslocadas através de fronteiras no contexto de desastres e mudanças climáticas; ii) o Guia “Das Palavras à Ação”; e iii) os Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos de 1998.

No Brasil, a  Política Nacional de Proteção e Defesa Civil existe desde 2012 (Lei Federal n. 12.608/2012), mas apenas recentemente foi elaborado o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil. Também está em construção o Plano Clima Adaptação – que busca aumentar a resiliência à mudança climática abrangendo o período de 2024 à 2035 – e a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – que visa reduzir as desigualdades socioespaciais e apoiar a agenda local de desenvolvimento urbano. Mais recentemente, também foram aprovadas as diretrizes para a elaboração dos planos nacionais de adaptação através do Projeto de Lei n. 4.129/2021 (transformado na Lei Ordinária n. 14904/2024). No entanto, a temática do deslocamento permanece invisibilizada nessas agendas.

Recentemente, porém, foi apresentado o Projeto de Lei n. 1.594/2024 que propõe a criação de uma Política Nacional dos Deslocados Ambientais e Climáticos (PNDAC). Esse texto define quem são as pessoas deslocadas por desastres e estabelece diretrizes para estratégias integradas de apoio e reconstrução de suas vidas. O projeto garante direitos como resposta humanitária, saúde, educação, trabalho, assistência social, moradia e justiça, por meio da coordenação com programas governamentais existentes.

Embora o PL n. 1.594/2024 tenha sido o primeiro a tratar sobre os deslocamentos climáticos e ambientais – e tendo como base as experiências em primeira pessoa de Naira Santa Rita (deslocada climática do desastre de Petrópolis de 2022), vale mencionar outros projetos de lei protocolados posteriormente, que se encontram em tramitação: o PL n. 1.646/2024 que visa definir a condição de deslocado interno devido a questões climáticas no Brasil; o PL n. 2.038/2024 (iniciativa legislativa originada no Senado Federal) que visa instituir a Política Nacional para Deslocados Internos e o PL n. 2043/2024 que visa instituir a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Desastres Naturais (PNADN). Também merecem registro: o PL n. 5.002/2023 (também de iniciativa originada no Senado Federal) que propõe a criação da Política Nacional de Gestão Integral de Risco de Desastres, o Sistema Nacional de Gestão Integral de Risco de Desastres – SINGIRD e o Sistema de Informações sobre Gestão Integral de Riscos de Desastres – SIGIRD e, no âmbito do Poder Executivo, a criação do Grupo Técnico de Trabalho Temporário no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima – CIM para atualização da Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), instituída pela Lei n. 12.187/2009.

Alguns pontos essenciais para o desenvolvimento, implementação e monitoramento de políticas públicas eficazes centrada nas pessoas afetadas e deslocadas pela crise climática merecem atenção. Um deles diz respeito à produção e coleta de dados desagregados (considerando os marcadores sociais de gênero, raça, classe, etnia, nacionalidade, região/território, idade, capacidades, entre outros), a fim de permitir identificar quem são, onde estão e quais as necessidades e demandas específicas de cada grupo devem ser priorizadas e garantidas a curto, médio e longo prazo.

Não se pode esquecer, contudo, que toda a sociedade precisa acompanhar e ter garantida sua efetiva participação nesses processos em todos os níveis de governo. Para isso, deve-se ampliar o máximo possível os espaços de escuta das demandas e de construção coletiva de soluções, especialmente às comunidades e territórios que já estão na linha de frente dos impactos da crise climática no seu cotidiano. A participação social, nesse contexto, é essencial para garantir políticas, ações e medidas efetivas e adaptadas às diferentes necessidades e contextos locais e culturais.

O que ainda precisamos aprender é que as políticas públicas exitosas, especialmente na América Latina, devem servir de inspiração para adaptação e as soluções devem ser construídas com as populações locais. Como exemplo, podemos mencionar nossos hermanos cubanos. Em 2005, cerca de 14.100 habitações foram destruídas na província de Granma pelo furacão Dennis. Devido ao alto risco de desastres da área em vez de reconstruir ou reformar as casas normalmente, a política do Governo cubano optou como estratégia construir residências com melhorias e sem afetar o meio ambiente. Uma a cada dez residências foram construídas com características de refúgio para proteção de furacões futuros. O governo também apoiou com recursos materiais a construção subterrânea para proteção de alimentos e instrumentos de trabalho, experiência generalizada a toda a província e ao país, desenvolvida por agricultor local (Enrique Carrazana Leyva, do município de Guisa, Granma).

No caso do Rio Grande do Sul, a construção de habitações temporárias ou permanentes para os deslocados deve passar por adaptação para proteção frente à nova realidade de eventos extremos, garantia de manutenção de seus modos de vida e identidade cultural. Caso contrário, serão reproduzidos os processos de segregação socioespacial – produtos do racismo e das desigualdades estruturais – e das injustiças ambientais e climáticas já conhecidas.

A Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais (RESAMA), fundada em 2010, trabalha para visibilizar a dimensão humana das mudanças climáticas e desastres, com enfoque no impacto na mobilidade humana (migrações, deslocamentos e realocações) e imobilidade nos distintos grupos, territórios e comunidades afetadas. Leilane Reis Santos é doutora em direito pela PUC/RJ, professora de direito internacional e consultora de raça e gênero. Erika Pires Ramos é Advogada Pública, Doutora em Direito Internacional pela USP e fundadora da RESAMA. Valeriana Augusta Broetto é advogada, mestre em Direito Ambiental pela USP e doutoranda em Ciência Ambiental pela mesma universidade. Vivian Dal’Lin é Arquiteta e Urbanista, especialista em Planejamento e Gestão de Cidades pela USP e mestranda em Gestão e Políticas Públicas pela FGV. Marília Papaléo Gagliardi é advogada de direitos humanos formada pela PUC/SP e mestranda em Direito Internacional Público com foco em migração climática pela USP. Tatiane Brasil é Geógrafa, pós graduada em Urbanismo Social e mestranda em Políticas públicas, ambos pelo INSPER. 

Eles queimam, nós plantamos: a resistência ambiental na Baixada Fluminense (RJ)

Por Vitória Rodrigues – 18/07/2024

 

 

Moradores fazem mutirões de plantio para reflorestar áreas degradadas na Serra do Vulcão, em Nova Iguaçu

 

Voluntários recebendo instruções do Instituto EAE l Fotos da matéria por Vitória Rodrigues/Escola de Ativismo

São sete horas da manhã de um sábado. Mesmo assim, dezenas de pessoas estão reunidas e entusiasmadas. Entre risos e corpos se alongando, chega o momento de começar uma jornada em prol da vida: começa assim mais um plantio de árvores na Serra do Vulcão, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro.

No entorno da Serra, é possível ver como Nova Iguaçu é grande: de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população iguaçuana conta com 785.867 pessoas. Em um lugar tão bonito e potente, o racismo ambiental também reina — o último Mapa da Desigualdade da Casa Fluminense mostra que 93% foi o percentual de negros internados por doenças transmitidas pela água em relação ao total de internados. 

É preciso reflorestar 

No começo do trajeto, é possível perceber um número grande de casas e entende-se que o lugar é habitado por muita gente. A respiração começa a ficar mais falha pela elevação do solo e a rua que antes era tomada por asfalto, vira apenas terra. Conforme mais se sobe, o ar quente se torna um pouco mais frio pelas árvores que fazem sombra. Mas logo na segunda esquina do trajeto, tudo o que se vê é um lugar devastado pelo fogo. 

Apesar do motivo do plantio de árvores naquele dia ser triste, as pessoas que ali estavam sentiam um ânimo contagiante para pôr as mãos na terra e ajudar a reflorestar aquele pedaço de Mata Atlântica. Neste dia, o evento periódico #ElesQueimamNósPlantamos provou mais uma vez que a educação ambiental e climática pode mudar o cenário, a saúde e o ar de toda uma cidade. 

Fundado em 2018, o Instituto EAE (Educação Ambiental e Ecoturismo) tem como objetivo promover a preservação do meio ambiente, do patrimônio cultural e natural da conhecida Serra do Vulcão, que na verdade tem o nome de Serra Gericinó Mendanha. Através de eventos, produção de materiais e conteúdos, o Instituto acredita que orientar para conservar é chave para reflorestar a região.

Um desses eventos é o #ElesQueimamNósPlantamos, que conta com pessoas voluntárias não apenas da cidade de Nova Iguaçu, mas de toda a Baixada Fluminense, região de cidades que integra a região metropolitana do Rio de Janeiro. Tanto é que o Instituto EAE não nasceu no município da Serra, mas sim em Belford Roxo.

Enquanto subia a trilha para o plantio e guiava voluntários nos percalços da trilha, Richard Pimentel, 31, um dos coordenadores do Instituto EAE, nos contou um pouco dessa história. 

“O Instituto começou dentro de um Colégio Estadual, que é o Presidente Kennedy, de Belford Roxo. Ele surgiu de um Texto de Conclusão de Curso de alunos do Técnico de Meio Ambiente de lá. Os alunos decidiram ter a iniciativa de fazer um projeto prático contra as queimadas. Como a equipe que estava nessa turma já contava com duas pessoas que eram da área de geoculturismo, elas decidiram pensar em algo que fosse englobar a educação ambiental, a conscientização e o plantio”, conta o ativista.

Pimentel conta que iniciativa surgiu com projeto escolar

Realizar o trabalho na Baixada Fluminense era prioridade para os estudantes, já que a região tem uma alta densidade populacional e uma ausência grande de políticas públicas voltadas para a conservação e plantio de árvores. Em São João de Meriti, por exemplo, menos de 5% do território é verde. Todo o resto é concreto.

Richard ressalta o papel do professor Alex Vieira, que era o professor do curso técnico. “Por causa desse incentivo, surgiu a primeira movimentação para começar os mutirões e trazer voluntários para cá. Periodicamente, isso foi se intensificando e o Instituto nasceu. Alguns voluntários que começaram a participar das ações entraram para o Instituto, como eu.”

Uma das pessoas que também foram atraídas para fazer plantios na Serra é a guia de turismo Raimunda Delanda (86). Enquanto comia uma banana e contemplava a vista, interagia com muitas das pessoas que ali passavam — isso porque ela vem em cada um dos plantios organizados desde 2019. “Naquele ano, eu estava fazendo um Curso de Técnico de Meio Ambiente no [Colégio] Kennedy. E aí o professor Alex chegou na turma e falou de um projeto que estavam criando, coisa e tal. Na primeira vinda, naquela época, eu já estava aqui. Estou aqui até hoje. Todo plantio, não faltei um.”

“Como eu sou cria da roça de Minas Gerais, eu já cuidava mesmo sem conhecimento, porque a pessoa que é cria da roça, já é ecologista, ambientalista, mesmo sem ter estudado. A gente sempre cuidou da maneira de cuidar de cada árvore, de cada planta, de cada comida. A gente já cuidava disso mesmo sem ter letra”, afirma ela.

Para Raimunda, é fundamental que as novas gerações se engajem em um ativismo atuante pela preservação daquilo que já existe e pela reparação do que foi destruído. “Eu falo pro mais jovem pra ele tomar conta do seu espaço. Tomar conta dele, cuidar do meio ambiente, porque o jovem vai precisar muito mais do que eu. Eu ainda estou construindo hoje para vocês, mais jovens. Só que eu estou indo. E alguém tem que ficar cuidando.”

Dona Raimunda posa ao lado de Xandinho (dir.) e dois outros participantes da ação

O cuidado das novas gerações

Se para a Raimunda é fundamental que as novas gerações olhem para a preservação com cuidado, há quem já faça isso na região há mais da metade de sua vida. Esse é o caso do Alexandre Bensabat Filho (11), mais conhecido como Xandinho ou ‘O menino que planta’.

Xandinho começou a plantar com cerca de três anos e meio de idade e nunca mais parou. Com uma árvore grande na frente de sua casa, via as sementes caírem em seu quintal e ficou curioso com aquilo. “O meu pai falou que se você enterrar, algo vai nascer. Eu comecei a enterrar as sementes em casa e vi que isso tinha que ir pra rua. Comecei a gostar disso e virou frequente. Todo sábado, todo domingo eu plantava, todo sábado.”

Ao todo, o menino que planta já espalhou mais de três mil árvores por aí, seja no entorno da via expressa Via Light na sua cidade natal ou até mesmo nos Arcos da Lapa, na região central da cidade do Rio de Janeiro. Com tanta experiência, saber e ação, no fim da trilha voluntários recebem instruções para partirem ao local de plantio. Além da coordenação do Instituto EAE explicar como o plantio vai funcionar, Xandinho também discursa e agradece a colaboração de todos.

“Se as pessoas continuarem colocando fogo, a gente vai persistir da mesma maneira: plantando mais e mais. A minha opinião é que se você estiver sentado no sofá, vendo tragédias e só lamentando, isso não adianta. Nós temos que agir!, disse Xandinho.

Os incêndios criminosos

Ao longo da trilha, é notório que a Serra do Vulcão é um ambiente muito frequentado: praticantes de esportes sob duas rodas adoram estar ali, assim como trilheiros e praticantes de corrida. Mas um público, muito mais do que qualquer outro, ocupa aquele espaço — pessoas de religiões cristãs que veem no ambiente uma oportunidade de se reconectar com Deus.

É possível encontrar com muitos grupos que completam jejuns religiosos, realizam cultos ou que simplesmente comparecem à Serra para realizar orações. A presença de pessoas evangélicas e protestantes é tão massiva que há uma igreja muito próxima à sede do Instituto EAE.

Para permanecerem por ali, algumas pessoas realizam fogueiras durante o entardecer e à noite, o que é um tremendo perigo. Isto acaba gerando incêndios que destroem o solo da região. O problema é tão grave que o último plantio do Instituto e do Menino Que Planta, realizado em abril, foi todo tomado pelas chamas.

Em um trajeto de trilha que por si só já é duro pela ausência completa de sombras e árvores desenvolvidas, é possível observar que a região é, cada vez mais, desmatada em nome de interesses econômicos — basta estar em um ponto significativamente alto para olhar a quantidade de gado sendo criada por perto.

Os incêndios, que são inúmeros e que ocorrem pela falta de fiscalização do poder público municipal na região, certas vezes são noticiados como naturais. Mas os ativistas discordam: “A gente tá num bioma úmido, é impossível pegar fogo de forma natural. Por isso nós estamos aqui”, diz Victor Hugo Bartolomeu (21), coordenador do Instituto EAE. Também membro da equipe, o jovem Vitor Góes (25) ressalta que “é importante levar essa semente de ideias pro seu bairro. É diferente quando você chega num lugar com mata bem preservada, ar puro… é bonito.”

Bartolomeu ainda complementa dizendo que é importante um olhar focado e voltado para o próprio território. “Pra você ser daqui e lutar pelo meio ambiente, você não precisa ir pra Amazônia. Basta você fazer pelo lugar em que você vive”

Catarina Santos (21), estudante de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acha que a chave para o desmatamento é sensibilizar as pessoas. “Quando as pessoas ficam mais sensibilizadas pela causa é quando se sentem mais ameaçadas. A gente não precisa ameaçar as pessoas, mas mostrar para elas o que pode acontecer se essa crise climática se agravar. E nós mostramos isso.”

Equipe da EAE em ação na Serra do Vulcão

Durante o plantio do primeiro sábado de junho, foram plantadas mais de 200 mudas. Foram mais de 60 voluntários colocando a mão na massa por um presente e um futuro de possibilidades verde, biodiverso e vivo.

Na Baixada Fluminense, onde o racismo ambiental é agressivo e afeta a vida de milhões de moradores de diferentes formas, construir plantios não é apenas algo que combate a destruição do meio ambiente — mas também é uma luta que pede reparação por injustiças históricas.

O trabalho desempenhado pelo Instituto EAE, Menino Que Planta e por cada pessoa que colabora neste processo de plantio de mudas mostra a potencialidade de um coletivo unido por um objetivo que promove o bem-viver. O pequeno Breno, de onze anos, avisa: “queimar uma árvore é a mesma coisa que se queimar também.”

“Protege-se a grilagem enquanto se criminalizam as lutas dos povos”; saiba como foi a Romaria da Terra e das Águas

Evento anual aconteceu em Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, e teve como tema “De mãos dadas por justiça socioambiental para salvar a Casa Comum”

Por Letícia Queiroz- 12/07/2024

Povos e comunidades tradicionais em plenária na 47ª Romaria na Bahia | Foto: Helenna Castro – CPT Bahia

 

Devoção, ativismo, cultura, protagonismo dos povos e comunidades e debates sobre territórios e destruição ambiental marcaram a 47ª edição da Romaria da Terra e das Águas. O evento aconteceu em Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, e teve como tema “De mãos dadas por justiça socioambiental para salvar a Casa Comum”. Inspirados por caminhadas de luta e resistência, diversos povos participaram de momentos de celebração, partilha, reflexão e estratégias políticas em favor dos direitos fundamentais dos povos.

A Romaria aconteceu entre os dias 5 e 7 de julho. Nos três dias milhares de pessoas expressaram sua fé e fizeram reuniões para momentos de intercâmbios de realidades. O objetivo é, além de expressar a fé, compartilhar realidades e buscar caminhos e alternativas a partir da articulação desses povos, comunidades, organizações e vivências.

Uma carta escrita de forma conjunta chamou atenção para as injustiças que impactam as populações que vivem sob ameaças e em extrema vulnerabilidade. O documento pontuou os compromissos firmados pelos romeiros em busca da construção da justiça socioambiental.

“Protege-se a grilagem enquanto se criminalizam as lutas dos povos e comunidades por seus territórios. Não existem sinais de compromisso do Estado com a proteção ambiental, com a política de Reforma Agrária ou com a regularização e titulação de territórios quilombolas e de outras comunidades tradicionais. A demarcação e proteção dos territórios indígenas continua praticamente paralisada e a Lei 14.701/2023, que instala de forma autoritária a tese do Marco Temporal, continua em vigor apesar de sua evidente inconstitucionalidade”, informa o documento.

A carta também afirma que “posições políticas e reacionárias de extrema-direita, sustentadas pelos poderes econômicos e pelo fundamentalismo religioso, avançam em nosso país e em outros lugares do mundo, comprometendo a garantia dos direitos humanos e a convivência democrática. Diante desta realidade desafiadora, e à luz da memória de todas e todos os que tombaram na luta pela terra, pelas águas e pela vida, nós, romeiros e romeiras da 47ª Romaria da Terra e das Águas, reunidos em Plenarinhos, reafirmamos nosso compromisso com a vida e com os territórios”.

“Entendemos que a força vem do protagonismo dos Povos e comunidades que com autonomia tem um outro jeito de conviver com a natureza superando o modelo desumano, violento, excludente, degradador e acumulador do capitalismo que na sua constante crise nega a vida em plenitude. Seguiremos no nosso engajamento a partir das periferias reais e existenciais, fortalecendo as variadas formas de (re)existências e retomada dos territórios, ao passo que nos uniremos na luta pela demarcação, pela Reforma Agrária, pelo fortalecimento da agroecologia e por uma democracia popular”.

Leia aqui a carta na íntegra

Manifestações marcaram Romaria da Terra e das Águas | Foto: Thomas Bauer – CPT Bahia H3000

A carta é divulgada nas redes sociais e impressa para chegar a todos os territórios, incluindo os que não têm acesso à internet. Com a multiplicação das informações e dos compromissos, é possível cobrar melhorias e estimular grupos, em sua diversidade, a assumir esses os pontos acordados durante todo o ano. O objetivo é que esses compromissos se desdobram em ações concretas nas comunidades.

Essas e outras reivindicações embasadas no tema central da por justiça socioambiental estiveram presentes nas plenárias realizadas durante a Romaria. Cinco temas centrais importantes para os povos e comunidades tradicionais foram discutidos. A Justiça Socioambiental prevê que todos os grupos sociais, independente de raça, etnia, gênero ou classe social, tenham direito igualitário de acesso aos recursos naturais que são fundamentais para uma vida digna e saudável, como água limpa, solo fértil, ar puro.

Tânia, da Comissão Pastoral da Terra, que acompanha a Romaria há mais de 20 anos, disse que o evento é um espaço de intercâmbio onde os povos se encontram para falar de suas lutas, desafios e os problemas que têm enfrentado em suas comunidades.

“A Romaria proporciona espaços de trocas e um verdadeiro intercâmbio. O principal espaço de troca concreta são nos plenarinhos que contam com debates de temas específicos. Os espaços são para aprofundamento desse intercâmbio. Todas as pessoas que estão na luta sobre a terra falam sobre o que estão vivendo para encontrar estímulos e continuarem a luta. A Romaria é um ponto onde as pessoas se encontram, se realimentam de esperança, realimentam de fé, realimentam relações para continuar fazendo o que vinham fazendo”, disse. 

Via Sacra durante Romaria teve protestos de comunidades tradicionais | Foto:  Thomas Bauer – CPT BA/ H3000

Um dos temas em debate foi “Terra e Territórios protegidos e garantidos para salvar a Casa Comum!”. A discussão teve como inspiradoras a Mãe Bernadete e Nega Pataxó, duas mulheres ativistas que defendiam a titulação e regularização de seus territórios e foram assassinadas. O espaço de fortalecimento tratou do compromisso com o território e da necessidade de continuar exigindo justiça.

No último dia de atividades da Romaria, os participantes de todas as plenárias se encontraram na Gruta de Nossa Senhora da Soledade para a grande plenária, onde foram sintetizados os debates dos plenarinhos e elaborada a Carta da 47ª Romaria da Terra e das Águas.

O evento também foi marcado pela Via Sacra. A grande caminhada realizada por romeiros e romeiras pelas ruas de Bom Jesus da Lapa denunciou os conflitos e ataques sofridos nos territórios e reafirmou a resistência popular.

O Frei Alan Santana, de Itamaraju (BA), viajou acompanhando jovens que querem ter participação e representatividade em suas comunidades. Ele falou sobre atividades que envolvem a fé, a política e a cultura.

“Fazemos um trabalho para que esses jovens possam viver em sociedade e nas suas comunidades de maneira coletiva, acolhedora e participativa. O jovem precisa ter visibilidade e local de fala, mas para isso precisa de acolhimento a partir do que os jovens gostam de fazer. Culturalmente falando, temos as expressões locais e um projeto que visa que os jovens possam trabalhar a cultura através da música e do teatro”, disse.

O frei afirmou que a vida humana precisa ser reconhecida, respeitada e que é preciso haver acolhimento e solidariedade. “A Romaria assume uma importância entender realidades diferentes. E nós estamos de mãos dadas por um mundo melhor porque quando seguramos as mãos, nos fortalecemos”, disse Santana.

Milhares de pessoas participaram da 47ª Romaria da Terra e das Águas | Foto: Thomas Bauer – CPT Bahia H3000

Edital Audiovisual Sem Justiça Climática, Não há Democracia

AVISO: Muitas pessoas estão tendo dificuldades técnicas com nosso formulário de inscrição. Recomendamos tentar mudar de navegador (se não funcionar no Chrome, tente no Firefox ou qualquer um de sua preferência). Também recomendamos tentar trocar de equipamento (Se não der no celular, tentar em um computador, tablet ou mesmo outro celular). Caso as dificuldades persistam, escreva para contato@ativismo.org.br e nossa equipe vai entrar em contato para garantir que ninguém fique sem sua inscrição por problemas técnicos. Pedimos desculpas pela incoveniência.

1.Por que Justiça Climática e Democracia?

Acreditamos que a crise climática é o maior desafio da humanidade no presente momento histórico. E que evitá-la ou vê-la acontecer impactará de maneira decisiva os modos de vida de toda a população mundial. Dentro das transformações e possíveis perdas, a democracia poderá estar entre elas.

A ambientalista Mariana Belmont, assistindo a tragédia ambiental que aconteceu neste ano no Rio Grande do Sul, ressaltou que os anos mais quentes que teremos, ano após ano, colocarão em risco qualquer projeto de democracia. Segundo ela, isso se dará pelo nível de desigualdade que aumentará decisivamente e impactará de forma desproporcional as mesmas populações de sempre.

“Clima, biodiversidade, poluição e desigualdades constituem um cenário de degradação profundo. O que limita a capacidade da sociedade de receber direitos básicos de moradia, saúde, segurança física, alimentar, hídrica, econômica e emocional […] O Estado mata todos os dias a cada minuto jovens negros a bala, mas agora talvez tenha aprendido a matar afogado e de outras maneiras absurdamente violentas. A democracia não é só defender eleição, democracia é direito básico de existência e sem medo de morrer cotidianamente”disse Belmont.

No atual cenário político, vemos políticos de extrema-direita tendo destaque no executivo e no legislativo brasileiro e mundial. O ultraconservadorismo brasileiro, nas figuras de Jair Bolsonaro e Ricardo Salles, para citar apenas dois, já se associou com o negacionismo climático, assim como mostra desdém pelas instituições democráticas. Eles precisam disso para continuar desmatando, minerando, destruindo e lucrando. Ou seja, esses setores já fizeram essa associação entre democracia e crise climática e estão na ofensiva.

E nós, enquanto movimentos ativistas, militantes, progressistas e sociedade civil, o que temos a oferecer de saída? De pensamento, de adaptação? É possível pensar em uma eleição acontecendo de maneira normal enquanto uma cidade está debaixo d’água? Sufocado de fumaça por queimadas em terras de políticos associados ao latifúndio? Que problemas seremos capazes de levantar? Como estão nossos territórios? Como geramos mobilização, conscientização, esperança e revolta?

2. O Edital

O Edital audiovisual Sem Justiça Climática, não há democracia tem como objetivo principal fortalecer a comunicação da agenda climática no Brasil através da produção de conteúdos informativos e criativos em formato audiovisual voltado para redes sociais (Instagram/TikTok). Buscamos pessoas criadoras de conteúdo, jornalistas, videomakers, ativistas ou comunicadoras que produzam conteúdos que conscientizem, informem e mobilizem em prol da justiça climática dentro do contexto democrático. 

Os vídeos apoiados por este edital serão divulgados nos canais de comunicação da Escola de Ativismo e poderão ser utilizados em campanhas de conscientização e mobilização, sempre com o devido crédito ao autor, sob licença de Creative Commons.

As iniciativas selecionadas receberão suporte financeiro para a produção do vídeo, além de suporte técnico e orientação por parte da Escola de Ativismo. Quando aprovadas, as pessoas criadoras terão autonomia criativa para desenvolver o projeto, mas deverão seguir as diretrizes estabelecidas e alinhadas no momento da seleção.

3. Conteúdos que buscamos

Procuramos propostas de vídeos que podem ser de caráter criativo, informativo, mobilizador, investigativo, instigante, bem humorados e engajados de pessoas comunicadoras, jornalistas produtoras de conteúdo audiovisual e ativistas. Incentivamos vídeos que pensem diferentes técnicas, seja simplesmente falar com a câmera ou até mesmo utilizando linguagens de ficção, documentário, jornalismo, reportagem, animação, ilustração, colagens, stop motion, entre outras técnicas. 

É importante que as propostas encarem a provocação “Sem Justiça Climática, Não Há Democracia” para pensar em intersecções temáticas entre os pontos, elaborar cenários, criar histórias e reportar situações.

Os vídeos podem mesclar diferentes técnicas em sua execução para fazer sua mensagem chave ecoar mais longe.Os vídeos precisam ter a duração entre 45 segundos e 5 minutos. O escopo e o público alvo dos vídeos podem ser direcionados a públicos a nível municipal, estadual, regional ou nacional. 

O edital aceita propostas de vídeos dentro de 3 linhas temáticas que acreditamos que sejam importantes, confira abaixo.

Justiça Climática

  • A importância da construção de uma agenda de enfrentamento da crise climática com viés interseccional com gênero, raça, classe, faixa etária, território;
  • Por que as comunidades tradicionais são atores chaves para combater a crise climática;
  • O que compete às prefeituras e municípios no combate a crise climática;
  • Como a crise climática está impactando pessoas, comunidades e modos de vida em diferentes biomas brasileiros
  • Quais os grupos mais afetados pela crise do clima? Quem são os protagonistas das resistências;
  • Como as pessoas LGBTQIAP+ estão enfrentando a crise climática;
  • Como o racismo climático tem acontecido na realidade brasileira
  • Direitos da Natureza como enfrentamento a crise climática;
  • Povos tradicionais como atores cruciais na resistência climática;

Democracia & Clima

  • Relatos de construção de políticas públicas participativas e reivindicação por criação de planos de mitigação, adaptação e redução das emissões de gases de efeito estufa;
  • Histórias e campanhas sobre direito ao voto: restrições ao direito, mobilizações de juventude pelo voto, reflexões sobre limitações e potências do processo eleitoral;
  • Combate ao negacionismo climático: como a desinformação atua contra a justiça climática nas redes sociais;
  • Reflexões e dados que mostram como a crise climática impacta a democracia, possíveis relações e conexões
  • Como denunciar negacionistas e políticas negacionistas;
  • Como a crise climática está afetando o contexto eleitoral a nível municipal
  • Como seu contexto municipal está afetado pelas mudanças climáticas e que políticas públicas podem ser ativadas para adaptar/mitigar;

Resistência & Ativismo Climático e pela democracia

  • Histórias de casos de mobilização feita por comunidades que protegem seus territórios;
  • Histórias de lutas de ativistas que estão transformando seus territórios, cidades e estado;
  • Experiências ativistas que tornam territórios mais resilientes à crise climática;
  • Apresentação e tutorial de ferramentas de mobilização, campanha e ativismo;
  • O que sua realidade local diz para ativistas de todo o Brasil
  • Apresentação de táticas e estratégias de comunicação climática com base em experiências reais;

Atenção! Não serão aceitas propostas de vídeos que configuram:

  • Propaganda eleitoral e defesa de candidaturas e partidos políticos
  • Abordagens que não dialoguem com o contexto e realidade brasileira atual
  • Desinformação e Informações não verificadas
  • Conteúdos de caráter ofensivo e que violam direitos humanos

4. Tá, mas como vai funcionar?

As pessoas interessadas deverão enviar suas propostas através do formulário de inscrição.  As iniciativas selecionadas receberão suporte financeiro para a produção do vídeo, além de suporte e orientação por parte da Escola de Ativismo. Quando aprovadas, as pessoas criadoras terão autonomia criativa para desenvolver o projeto, mas deverão seguir as diretrizes estabelecidas e alinhadas no processo seletivo.

Se você for uma das pessoas selecionadas, iremos entrar em contato por email marcando uma conversa online para alinhamento e para fecharmos uma proposta de trabalho. A partir disso, nossa equipe fará um acompanhamento da produção com você. Caso sua proposta não seja selecionada, também entraremos em contato com você para informar o resultado.

5. Apoio para execução

As propostas de conteúdos aprovadas serão apoiadas com valores entre R$400,00 (quatrocentos reais) e R$4.000,00 (quatro mil reais). Para a realização do repasse será necessária a assinatura de contrato, recibo e comprometimento com a atividade proposta. Durante a proposição do projeto, a pessoa deve apresentar um orçamento detalhado podendo conter gasto com equipamentos; prestação de serviços; gastos com transporte; hospedagem; alimentação durante eventuais diárias fora de casa; dentre outras atividades. 

Para enviar a sua proposta orçamentária do seu projeto audiovisual é necessário baixar esta planilha e preenchê-la com as informações do seu projeto.

6. Critérios de Seleção

Os critérios analisados pela comissão de análise do Edital serão: criatividade, boa executabilidade, relevância e originalidade, currículo e trajetória da pessoa proponente e diversidade das pessoas proponentes. 

Ressaltamos que este edital incentiva candidaturas de pessoas produtoras de conteúdo negras, quilombolas, indígenas e não-brancas, assim como de mulheres, LGBTQIAP+, pessoas com deficiência e pertencentes a grupos sociais minorizados. 

7. Datas que você precisa saber:

 

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES

Período de Inscrições

10 de julho a 04 de agosto de 2024

Análise das propostas e contato com propostas selecionadas

05 a 13 de agosto de 2024

Período de produção

14 de agosto a 13 de setembro de 2024

Divulgação dos conteúdos online

à combinar em conjunto com a Escola de Ativismo

8. Como se inscrever?

As inscrições neste edital são de caráter individual, sendo permitido o envio de múltiplas propostas por pessoa. 

Para se inscrever, basta responder o formulário de inscrição até domingo, 04/08/24, às 23h59 (Fuso Horário de Brasília).

9. Em caso de dúvidas, o que fazer?

Surgiu dúvidas sobre o processo? Fale conosco pelo email contato@ativismo.org.br

10. Sobre a Escola de Ativismo

A Escola de Ativismo é um coletivo independente constituído em 2011 com a missão de fortalecer grupos ativistas por meio de processos de aprendizagem em estratégias e técnicas de ações não-violentas e criativas, campanhas, comunicação, mobilização e segurança e proteção integral, voltadas para a defesa da democracia e dos direitos humanos. 

As metodologias da EA estão intimamente ligadas à educação popular e valorizam muito a experimentação e o trabalho com as pessoas e não para elas. Os ativistas são, afinal, agentes responsáveis pelas escolhas estratégicas e táticas que melhor respondem às necessidades e desafios das suas lutas. 

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Coletivo independente constituído em 2011 com a missão de fortalecer grupos ativistas por meio de processos de aprendizagem em estratégias e técnicas de ações não-violentas e criativas, campanhas, comunicação, mobilização e segurança e proteção integral, voltadas para a defesa da democracia e dos direitos humanos.

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