Luh Ferreira
Educadora Popular, ativista, doutora em Educação
Encantada com o mundo, indignada com a situação dele
A boiada não parou: conheça os projetos e medidas que mais ameaçam povos indígenas e o meio ambiente
Por Luíza Ferreira – 21/07/2023
“Bombas” aprovadas ou tramitando no Congresso Nacional representam o pior da política de destruição socioambiental promovida pela extrema direita

Guaranis fecham rodovia em protesto contra o PL 490 l Foto: APIB via Twitter
Mesmo com a derrota de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022, a bancada ruralista aliada do ex-governo segue firme na expansão dos “pacotes de destruição”, conhecidos como um combo de projetos que prevê o desmonte ambiental das políticas de proteção ambiental brasileiras.
Maíra Pankararu, advogada indígena, mestra em Direito e assessora da deputada federal pelo PSOL/MG, Célia Xakriabá, nos lembra alguns dos acontecimentos dos últimos quatro anos que configuram o avanço da tentativa de desmonte: o enfraquecimento dos órgãos técnicos do governo, a perseguição a servidores políticos, queimadas e desmatamentos dolosos em todos os biomas do Brasil, a aprovação de inúmeros agrotóxicos, entre outros.
“Existe uma ilusão no imaginário brasileiro de que para que haja progresso econômico, é preciso “flexibilizar” em algumas agendas, sendo elas quase sempre as de teor socioambiental. Quem perde com isso, claro, é toda a sociedade brasileira, mas sofre mais quem é a população mais desassistida”, diz.
Desde 2018, o Brasil está de volta ao Mapa da Fome, como aponta um levantamento da FAO, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Neste mês, a mesma pasta publicou o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI), que confirmou a piora dos indicadores de fome e insegurança alimentar no Brasil.
Para Maíra, isso não aconteceu do nada, e enquanto “a natureza for tratada apenas como uma “coisa” e alimento for commodity, continuaremos assistindo a degradação do meio ambiente e a massa de famintos ficar cada vez maior”, reforça.
Separamos três ataques, entre projetos de lei e medidas provisórias, para entender o “andar da boiada” do desmonte ambiental no congresso nacional pós-Bolsonaro e no início do governo Lula.
PL 29003/23, o projeto que afronta quinhentos anos de resistência indígena
Aprovado na Câmara dos Deputados, o antigo “PL da Morte’, o PL 490/07, atual PL 29003/23 tramita no Senado. Ele figura no topo dessa lista como projeto de lei que ameaça os povos indígenas, ao propor tornar lei a tese do Marco Temporal. Em suma, o texto prevê a restrição da demarcação de terras indígenas àquelas ocupadas tradicionalmente por esses povos na data da promulgação da Constituição Federal, a 5 de outubro de 1988. Para isso, é esperado que se comprove que essas terras eram habitadas na data da promulgação “em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural”.
Maíra Pankararu denuncia o discurso de segurança jurídica para os proprietários terras e a promessa de uma suposta paz para os conflitos fundiários.
“É preciso deixar claro que são conflitos que eles mesmos criaram e criam até hoje, como também traz totalmente um sentimento de insegurança jurídica aos povos indígenas, já que nossos direitos discutidos na Assembleia Constituinte de 1987-1988 e petrificados no texto da Carta Magna de 1988 nunca falaram de marco temporal nenhum para demarcação de terras indígenas”, diz.
Para a assessora, a tese só ganhou destaque através do poder da bancada ruralista que pressiona para a aprovação de projetos de leis favoráveis aos seus próprios interesses. Outros ataques promovidos pelo PL são:
- Comunidades com “traços culturais alterados” podem ter suas terras retomadas pela União, para destiná-las, de acordo com interesse público ou social, ou destiná-las ao Programa Nacional de Reforma Agrária (art. 16, § 4°);
- Há a previsão de instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico serão implementados sem consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI (art. 20, parágrafo único);
- Flexibiliza o contato com povos isolados (art. 28).
“Os povos indígenas do Brasil podem não ser muitos em quantidade, mas garantem a qualidade de vida de toda a população do Brasil, pois são os guardiões do meio ambiente. Por isso, lutar contra essa iniciativa legislativa é salvar o futuro não só dos povos indígenas, mas da sociedade brasileira como um todo”, diz Maíra.

Indígenas protestam durante governo Bolsonaro; ameaças, no entanto, não cessaram| Foto: José Rui Gavião via Instituto Socioambiental
MP 1154/2023: um ataque aos direitos socioambientais brasileiros
Com a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a competência da homologação de terras indígenas na mãos do mesmo, começava a se desenhar o fim da tutelagem aos indígenas do Brasil e da política indigenista para dar lugar a uma política indígena, “feita por indígenas e para indígenas”, mas a alegria durou pouco.
A Medida Provisória 1154/2023 foi aprovada pelo Senado Federal em Junho, por 51 votos contra 19 e o texto-base, elaborado pelo deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), previa a alteração da proposta original do governo federal e na função de alguns ministérios. Uma das alterações estava a cargo do Ministério dos Povos Indígenas, uma conquista do movimento indígena brasileiro, que deixou de ser responsável pela homologação de terras indígenas, que volta ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
A medida também retirou do Ministério do Ambiente a regulação de saneamento da Agência Nacional de Águas (ANA) e de sistemas como o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa) e o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir).
Para Maíra Pankararu, esse é um “claro ataque aos direitos socioambientais do Brasil”, e muito do que havia sido comemorado em janeiro de 2023, com a eleição de um Executivo mais progressista em relação à proteção ambiental e dos povos indígenas “desmoronou em menos de seis meses”.
“Quem melhor que nós para versar sobre essas as terras que protegemos? Significa dizer que ainda somos “incapazes” – no sentido jurídico da palavra – de falar por nós e pela terra que habitamos. Até 1988 éramos tutelados pelo Estado brasileiro, não tínhamos autonomia, nem voz própria, sempre representados. Foi frustrante ver esse desmonte, principalmente na rapidez que aconteceu, mas ao mesmo tempo significa que devemos estar vigilantes e atentos na defesa de nossos direitos sempre”, comenta.
Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a aprovação da medida é um ataque aos povos indígenas do país.
MP 1150/2022 deixa a Mata Atlântica desprotegida
No dia 24 de maio a Câmara dos Deputados votou o texto final da MP 1150, que deixa a Mata Atlântica, um dos biomas mais degradados e ameaçados do país, desprotegida. Anteriormente o Senado Federal havia feito aprimoramentos no texto da Medida Provisória, que foram derrubados pela Câmara.
“A medida em questão não apenas compromete a efetividade da Lei Especial que tem o propósito de proteger o bioma onde reside a maioria da população brasileira, mas também prejudica os esforços de recuperação de áreas degradadas ao propor alterações no Código Florestal”, comenta Maíra Pankaruru.
A medida também deixa as Unidades de Conservação (UCs) desprotegidas, pois interfere na aplicação da legislação responsável pela gestão das UCs, como os parques nacionais. O texto segue para sanção do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e se aprovado, “significará um dos maiores retrocessos ambientais que o Brasil já experimentou e abrirá portas para a derrocada ecológica do país”, completa.
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Para a advogada, a bancada ruralista no Congresso Nacional é extremamente organizada e sedimentada, dispondo de muitos recursos para garantir a aprovação de projetos de lei de acordo com os seus interesses.
“Acredito que esse seja só o começo, estamos no início da legislatura e já tivemos de enfrentar essas pautas duríssimas. À medida que nosso mandato e outros se destacam no sentido de defender o meio ambiente, os povos indígenas, quilombolas, do campo, mulheres, enfim, minorias por sempre invisibilizadas e com pouca ou nenhuma representatividade, os ataques se endurecerão”, diz.

Bioma mais ameaçado do país, a Mata Atlântica está ameaçada l Foto: Reprodução
Artimanhas anti-ambientais
Maíra ainda expõe um fenômeno comum: o uso de expressões “mansas e palatáveis” pelos parlamentares como “adaptar”, “aperfeiçoar” e “flexibilizar” para esconder o intento de destruição, o que dificulta muito o trabalho de parlamentares em favor da pauta ambiental. Entre os exemplos mais comuns dessa estratégia, estão os projetos de lei sobre garimpo em terras indígenas, muitas vezes propostos com o nome de “garimpo sustentável” ou “garimpo ecológico”.
“São inúmeros PLs nesse sentido que vemos tramitar todos os dias, sempre sob o pretexto de que “o Brasil não pode parar”, muitos propondo o avanço em terras indígenas e em unidades de conservação, como se essas fossem entraves ao progresso econômico”, afirma.
Mas a realidade se opõe ao que os ruralistas tentam pregar. Como reforça a advogada, “a proteção de terras indígenas e unidades de conservação asseguram o sucesso da economia do país”, que é baseado na agricultura para exportação.
“Quem, senão os povos indígenas, garante água limpa e solos com nutrientes? É preciso acabar com a cultura de que somos inimigos ou que somos obstáculos para o crescimento do Brasil, pelo contrário, é por causa de nossas práticas ancestrais que ainda está garantido o mínimo de salubridade para se viver aqui”, diz.
Nas últimas eleições, o Brasil elegeu, em paralelo, um Poder Executivo mais progressista e um Poder Legislativo mais conservador. Nesse cenário, há muito trabalho a ser feito para mitigar os danos que continuam sendo causados pelo legislativo liberal e conservador, e, como reforça Maíra, “pouco afeito às causas socioambientais”.
Para ela, embora no Brasil, assim como no resto do mundo, o povo enfrenta uma crise climática e é olhado com atenção sobre o que fará com os seus biomas nativos, o Poder Legislativo continua a propor e aprovar leis contra a proteção ambiental e em favor do caos climático.
“Hoje já experimentamos as consequências dessas escolhas, mas no futuro pagaremos ainda mais caro, pois a natureza cobrará seu preço”.
Ataques contra as mulheres
Neste ano, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sugeriu que os ataques aos ministérios do novo governo se relacionam com as questões de gênero, afinal, são ataques aos ministérios das mulheres.
Maíra corrobora com essa perspectiva, e ressalta quem esteve e ainda está sendo atacada na política:
“Antes foram Marina Silva (MMA) e Sônia Guajajara (MPI), agora Nísia Trindade, do Ministério da Saúde. No legislativo temos as seis deputadas federais que passam por processo de cassação, Célia Xakriabá, Juliana Cardoso, Talíria Petrone, Erika Kokay, Fernanda Melchionna e Sâmia Bomfim. Quão mais combativas e assertivas as mulheres são, mais ataques sofrem dessa estrutura política machista, racista, conservadora e patriarcal”, diz.
A intensificação de uma agenda de ataques às parlamentares e às políticas ambientais está na conta do governo Bolsonaro, que deu poder a quem estivesse pronto para destruir a natureza e perseguir os defensores do meio ambiente.
“Foi durante o governo Bolsonaro que houve uma média de três mortes de ativistas por mês, que não houve nenhuma demarcação de terra indígena, que nos vimos no meio de um caos pandêmico, envoltos em fake news produzidas e difundidas pelo próprio governo”, comenta.
Nesse momento, a mobilização para barrar os desmontes socioambientais é crucial e uma das principais medidas nessa luta é pressionar deputados e senadores para que votem projetos alinhados com a proteção ambiental e às populações mais vulneráveis.
“Também acho importante votar em pessoas comprometidas com as causas socioambientais, assim não teríamos de ser sempre reativos, mas poderíamos ser propositivos, legislando a partir dos valores constitucionais da proteção do meio ambiente e da proteção da vida”, finaliza.
Protocolo de consulta: a comunidade tradicional no centro da tomada de decisão
Por Carol Almeida – 13/07/2023
Comunidade do Vão Grande, no Mato Grosso, lança protocolo de consulta prévia e ganha ferramenta para proteger território e vidas quilombolas

O Vão Grande é um território quilombola localizado no Mato Grosso, formado por cinco comunidades tradicionais – São José do Baixiu, Morro Redondo, Camarinha, Vaca Morta e Retiro. É neste lugar que eles mantêm vivas manifestações culturais e religiosas, como as festas de Santos e as rodas de cururu; além da agricultura típica, à base do milho, da banana, da mandioca e peixe de água doce; que caracterizam a tradição mato-grossense.
O local que é fonte de diversas disputas territoriais e políticas têm na sua recente história um caso de união e articulação popular em defesa da vida no campo, por meio da construção coletiva de um Protocolo de Consulta Prévia, lançado oficialmente em julho.
Esse documento foi criado como uma ferramenta importante para impedir o licenciamento ambiental de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) no rio que corta esse território, chamado Jauquara.
“Esse projeto estava dentro de uma área específica que afetaria comunidades tradicionais. Neste caso, elas precisam ser ouvidas! Mas a estrutura dos processos e os documentos que foram apresentados pelo Ministério Público eram muito gerais. O juiz não compreendia exatamente quem eram as pessoas impactadas e até se existia uma comunidade”, relata a advogada Mariana Lacerda, integrante do grupo PesquisAção do projeto Humedales Sin Fronteras, que presta uma assessoria jurídica para o Vão Grande, desde 2019.

Crianças do Vão Grande celebram aniversário do rio | Foto: Pedro Ribeiro Nogueira/Escola de Ativismo
Como foi criado?
O primeiro passo, então, foi apresentar provas mais diretas da importância do Jauquara para a manutenção daquele território. Por isso, foram anexados ao ofício um abaixo-assinado e um vídeo, explicitando a presença daquelas pessoas e os motivos pelos quais o rio deveria ser preservado. Esses registros foram feitos pela Escola de Ativismo e incorporados ao processo.
Após a inclusão desses anexos, a decisão do Ministério Público Federal (MPF) impediu que o seguimento da licença ambiental da PCH fosse concedida sem que antes houvesse uma consulta àquela comunidade.
“A gente pensou em estratégias de defesa territorial. Quando a gente viu a sentença favorável, a gente pensou: Poxa, isso é um alívio, mas a batalha não foi ganha, porque mesmo com a determinação judicial, qualquer coisa poderia ser aceita como consulta e a obra poderia sair num futuro próximo. Então a gente pensou: O que podemos construir de ferramenta dentro do território do Vão Grande, por meio também do Comitê Popular de Defesa das Águas, para impedir que a SEMA (Secretaria do Meio Ambiente) considere qualquer documento como consulta? Aí veio o protocolo como resposta”, disse Mariana.
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O que acontece em algumas comunidades é que muitas vezes as pessoas que moram ali no território não conseguem ter acesso à informação do que realmente está sendo construído ou desenvolvido. “No Vão Grande, por exemplo, antes desse processo de mobilização, as pessoas não tinham o conhecimento de que era uma determinada empresa que tinha entrado com o requerimento na ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) para pedir que a vazão hídrica do rio fosse considerada para fins de empreendimento. Eles veem essoas entrando e saindo do território que não dizem o que estão fazendo e qual o objetivo daquilo”, relata Mariana.
“Esse processo de informação de empoderamento da comunidade culminou tanto na formalização do Comitê Popular em defesa do Rio Jauquara, como em criar estratégias de defesa do território”, explica Mariana. “E essa mobilização foi capaz de criar articulações que permitissem formular e responder perguntas como: Qual tipo de suporte a gente precisa nesse momento? Com quem a gente pode contar? Como que a gente vai se organizar, dentro do nosso território, para não deixar que a barragem exista?”.

Oficina realizada na comunidade Retiro, do Vão Grande, durante elaboração do protocolo | Foto: Reprodução
O que é o direito de consulta?
Segundo Natiele Santos, advogada popular e integrante da AATR, “O direito de consulta é nada mais um direito que as comunidades tradicionais possuem de serem escutadas e participarem também de qualquer processo seja e legislativo ou administrativo que venha impactar diretamente essas comunidades tradicionais e é um direito que se baseia na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Por definição do Decreto 6040 de 2007, define-se os Povos e Comunidades Tradicionais, como “os grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”, e compreende-se por “Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas (…)”.
O Protocolo de Consulta Prévia é um modo de instrumentalizar esse direito, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas, capazes de afetar diretamente essas comunidades, sem qualquer tipo de pressão social. “É como se fosse uma lei da comunidade, construída de forma coletiva por instituições que fazem parceria com as pessoas que moram nesses locais, indicando também de que forma essas comunidades desejam ser ouvidas e consultadas”, explica Natiele.
A criação desse documento pode enfrentar alguns obstáculos. Dentre eles, o desafio de que as empresas e instituições percebam a importância e respeitem esses protocolos. Outra questão é o tempo: o protocolo não é feito de uma hora pra outra, às vezes demoram anos para serem preenchidos. Por isso é muito importante que essas comunidades estejam bem unidas e articuladas.
“Essa construção foi muito orgânica, bonita e participativa. Eles puderam ver, ao vivo, eles mesmos construindo o protocolo, opinando e interferindo inclusive na metodologia. Por exemplo, eles fizeram um mapa visual em que cada um podia falar da sua comunidade. Também foi feito um jogo teatral em que eles pararam para pensar nas situações que aconteciam lá. Foi criado também uma definição de como eles gostariam de ser consultados”, descreve Mariana.
O próximo passo, se a empresa ainda tiver interesse em manter o empreendimento, é que ela faça essa consulta à população de acordo com o Protocolo. Caso, ao final desse processo, exista o consentimento da comunidade do Vão Grande, ou seja de todas as cinco comunidades, o empreendimento pode ser licenciado para que haja a construção.
“O objetivo foi criar um espaço de tomada de decisão que fosse popular, onde o empreendedor e o Estado não se impusessem. As pessoas ali estão se colocando como protagonistas dentro desse processo de consulta. E essa construção foi muito linda”, comemora Mariana.
O documento final está disponível no site da Escola de Ativismo e no Observatório dos Protocolos Comunitários. E no site do MPF você encontra outras informações e alguns Protocolos de Consulta Prévia para serem consultados.
Libras na Quebrada: projeto leva língua brasileira de sinais para as periferias de São Paulo
Por Bárbara Poerner, em parceria com a Revista Casa Comum*

Era 2009 quando Gyanny Vilanova, que trabalhava na Galeria do Rock, no centro de São Paulo, teve a curiosidade de aprender libras para poder se comunicar com seus clientes surdos à época. Visionária, ela logo percebeu que precisava disseminar seu conhecimento sobre o assunto para mais pessoas.
Essa foi sua motivação inicial para criar o projeto Libras na Quebradas: “Surgiu com a ideia de juntar a necessidade das pessoas de aprenderem Libras, mas dentro da realidade da periferia, onde muitas não têm condição de pagar um curso. O objetivo é levar a língua até a periferia, para saberem o que é e ter a oportunidade de aprender”, defende. “A Libras precisa chegar em todos os territórios”, acredita Gy.
A iniciativa começou em 2020, e, com a pandemia, foi condicionada a realizar as aulas e encontros de forma remota. Hoje, o Libras na Quebrada atua de forma presencial e conta com voluntários surdos e ouvintes, realizando oficinas em alguns pontos da capital paulista.
Gyanny diz que não se considera necessariamente uma ativista, mas sim uma parceira e aliada da comunidade surda. “Uso meu privilégio ouvinte para encaixar os surdos nos centros culturais como professores, por exemplo. Eu saio da linha de representatividade do projeto e chamo a comunidade surda para se expor. A causa é deles, eu estou junto com eles, e se todos os ouvintes pensassem assim, teríamos menos barreiras, menos preconceito e mais pessoas aprendendo libras”.
A Libras foi oficializada como língua brasileira de sinais e a segunda língua nacional há pouco mais de vinte anos, em 2002. Antes disso, contudo, falar com gestos corporais era proibido em muitos espaços no Brasil e até hoje a comunidade surda luta para garantir acessibilidade e respeito.
A professora defende que a linguagem de sinais brasileira poderia se tornar mais acessível não só com políticas públicas eficientes, mas também com ações individuais e coletivas do cotidiano. “Com cada vez mais pessoas aprendendo um pouco de libras, já conseguimos nos comunicar com os surdos. Então, se torna acessível a partir do momento que aceitamos o surdo e entendemos seu mundo”, finaliza.
*Matéria publicada como parte da seção “Vozes em Ação” da edição 5 da Revista Casa Comum.
Ana Claudino usa a internet para falar sobre sua vivência no ativismo LGBTQIAP+
Por Bárbara Poerner, em parceria com a Revista Casa Comum*

Ana Claudino encontrou no ativismo LGBTQIA+ uma forma de falar sobre seu corpo político. Por meio da internet, a publicitária e criadora de conteúdo compartilha suas experiências e visões de mundo enquanto mulher lésbica e negra – uma parte da comunidade queer que ainda é, em muitos casos, invisibilizada nas discussões sobre gênero e raça.
Mas para Ana isso foi uma motivação. “Sempre vi que a comunicação podia ser usada como ferramenta de transformação social, então entrei pra esse lado ativista. Em 2017 decidi montar meu canal no YouTube, o Sapatão Amiga, pra falar das minhas vivencias enquanto lésbica negra, porque ate então eu não via lésbicas negras falando sobre isso [na internet]”, conta a carioca nascida e criada no subúrbio do Rio de Janeiro.
Embora seu canal tenha cinco anos, a luta pela causa já ocupa sua vida há quase dez. Ana conta que “começou o envolvimento com o ativismo LGBTQIA+ em 2014, quando comecei a estudar sobre feminismo, questões raciais, questões de classe… até então, eu não tinha acesso a essas coisas”. Seus vídeos no YouTube e Instagram falam sobre construções de novas narrativas, saúde mental, sexualidade, vida acadêmica, gênero e raça, mas ela também produz materiais sobre segurança digital e ciberativismo e realiza projetos variados – Ana escreveu a quarta capa do livro Sou Sua Irmã, de Audre Lorde, lançado pela Ubu Editora em 2020, por exemplo.
Se reconhecer enquanto mulher negra da comunidade LGBTQIA+ fez toda a diferença para construção de sujeito social da criadora. “Fui me percebendo um corpo negro lésbico na sociedade. Então, teoricamente e também na prática, isso já me coloca como corpo politico”, explica ela, que recentemente concluiu o mestrado em Políticas Públicas em Direitos Humanos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mas se ver como ativista, no entanto, foi algo orgânico. “Eu acho que o ativismo não tem um plano de carreira, ele acontece. Ou você é a pessoa que está vivendo na violência estrutural ou quer se aliar a uma causa. O ativismo vem de uma fonte de indignação, e depois acaba sendo esperança e união, porque você não milita sozinho”, compartilha.
*Matéria publicada como parte da seção “Vozes em Ação” da edição 5 da Revista Casa Comum.
ONG pernambucana usa inteligência artificial para promover cuidado e direitos para população LGBTIAQP+
Por Luiza Ferreira
Para enfrentar a violência e a desinformação, a ARCO criou o chatbot Sofia voltado ao público LGBTQIAP+

Chatbot Sofia conversa com internautas sobre redução de danos, saúde, educação e direitos l Imagem: Reprodução
Pelo quarto ano consecutivo, o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIAP+ em todo o mundo. Entre as regiões brasileiras, o Nordeste lidera a quantidade de homicídios contra essa população, concentrando 43% das mortes violentas, segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB) em 2022.
Em Pernambuco, um dos estados mais violentos para esta população, Carlos Santos e Luan Costa, ativistas dos Direitos Humanos e co-fundadores da ONG ARCO lutam pela garantia dos direitos humanos das pessoas LGBTQIAP+ por meio de ações sociais educativas e de empoderamento. Foi esse cenário adverso que motivou o desenvolvimento de novas ferramentas para reivindicar e defender direitos. Assim nasceu a SOFIA, ou Sistema de Organização e Facilitação de Informações Automatizado, a Inteligência Artificial da organização.
“A SOFIA surgiu a partir da nossa percepção de que se fazia necessário oferecer um serviço informativo e educativo sobre direitos LGBTQIAP+ de forma mais eficaz e veloz”, analisam Carlos Santos e Luan Costa, ativistas dos Direitos Humanos e co-fundadores da ARCO.
No Instagram, sempre surgiam dúvidas dos seguidores da ONG sobre questões relacionadas à testagem, prevenção, redução de danos, entre outros temas. Logo os ativistas tiveram a ideia de compilar as perguntas mais frequentes através de um banco de dados interativo e automatizado, e assim surgiu a ChatBot.
“A gente se juntou com um amigo da área de tecnologia (João Medeiros) e começou a conversar sobre possibilidades… Chegamos na discussão das IAs e de como poderíamos nos apropriar dessas tecnologias para promover transformação social. Levamos cerca de quatro meses para construir tudo. Desde a coleta e curadoria dos dados, realizada pelo Luan até a alimentação da rede neural da Sofia, seus testes, ajustes e finalmente o lançamento. Ela é a combinação de diversas ferramentas de IA”, diz Carlos.
A ideia é que a ferramenta fortaleça a organização em suas missões, como o combate a discriminação e o preconceito e luta pelos direitos da população LGBTQIAP+, a partir dos marcadores sociais de diferença como recortes de “raça, etnia, gênero, terrítorio, gerações, classe, deficiências, orientações sexuais, identidades e expressões de gênero”.

Luan Costa (esq.) e Carlos Santos, co-fundadores da ARCO | Foto: Arquivo pessoal/Divulgação
Como a Inteligência Artificial potencializa o trabalho dos ativistas
Para o ativista, a Inteligência Artificial tem o “potencial de transformar significativamente a forma como ativistas e trabalhadores de direitos humanos realizam seu trabalho, tornando as operações mais eficientes e eficazes”.
Com a IA, as tarefas rotineiras são automatizadas e aliviam a carga de trabalho dos ativistas, assim eles podem se concentrar nas questões que “requerem um toque humano”, como advocacy, planejamento de campanhas e construção de redes. Outro benefício é o monitoramento da situação dos direitos humanos em diferentes lugares para a identificação de tendências emergentes através da coleta e análise de dados.
“A IA, como a SOFIA, tem o potencial de alcançar uma ampla audiência, cruzando fronteiras geográficas e barreiras sociais. Ao utilizar canais digitais populares, como as redes sociais, essas ferramentas podem chegar a indivíduos em áreas remotas ou marginalizadas que podem não ter acesso fácil a serviços de apoio”, completa Luan.
SOFIA foi projetada desde o início para ser um recurso acessível e fácil de usar, e, por isso mesmo, foi incorporada ao Instagram, uma das plataformas de comunicação mais populares atualmente.
Para utilizar a ChatBot SOFIA, é só acessar o perfil da ONG ARCO no Instagram, clicar no ícone de mensagem, “Direct Message” ou “D.M” e digitar “Olá Sofia”. Pronto, em resposta o usuário receberá uma mensagem de boas-vindas e será direcionado para o menu principal da IA.
“Quando um usuário interage com a SOFIA, ele pode acessar uma variedade de informações úteis organizadas em menus claros e concisos, incluindo informações sobre identidade de gênero, orientação sexual e diversidade, ferramentas jurídicas e de segurança, informações sobre saúde e prevenção de ISTs, e informações sobre redução de danos relacionados ao uso de substâncias psicoativas”, ressalta Carlos.
Entre as opções do menu principal, estão “Sala de Aula” para informações educativas sobre questões LGBTQIAP+, “Kit Gay” para acesso a ferramentas jurídicas e de segurança, “Cura Gay” para informações relacionadas à saúde, e “Redução de Danos” para informações sobre substâncias psicoativas.
E para a SOFIA não tem tempo ruim: ela está disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, “proporcionando acesso imediato à informações críticas sempre que necessário”.
Quem tem medo da Inteligência Artificial?
Hoje em dia a Inteligência Artificial está presente em quase todos os aspectos das nossas vidas, desde os chatbots até os algoritmos de recomendação ao navegar na Internet. E essa onipresença incomoda, principalmente quando falamos de segurança e privacidade de dados pessoais. Apreensões como essa são cada vez mais comuns e compreensíveis, visto que o impacto total das IA’s na sociedade ainda é desconhecido.
“A inteligência artificial é uma tecnologia extremamente poderosa e versátil que tem o potencial de transformar muitas áreas da nossa sociedade, além do campo ativista. No entanto, como todas as tecnologias poderosas, também vem com seu conjunto de desafios e preocupações que precisamos abordar de maneira responsável e ética. A gente não deve nem santificar nem demonizar. São “apenas” ferramentas, o nosso uso é o que vai agregar um valor”, comenta Carlos.
Para Luan, a IA tem um papel crucial no ativismo de ajudar a identificar padrões de discriminação, violência e injustiça social, fornecendo dados e insights valiosos. Além disso, ela pode auxiliar a tornar as cidades mais eficientes e sustentáveis, como pode exemplo a implementação de sistemas inteligentes de tráfego e energia, bem como “proporcionar novas formas de engajamento e mobilização, como vimos com a SOFIA”, acrescenta.
Entre os muitos desafios para a criação da SOFIA se destacam a falta de recursos financeiros e o longo processo de coleta de dados e curadoria de informações confiáveis.
O apoio estratégico e financeiro é crucial para iniciativas como a SOFIA, defendem os ativistas. Só assim é possível continuar aprimorando a plataforma e expandindo seu alcance, “tornando-a uma ferramenta ainda mais eficaz na promoção da educação, conscientização e suporte para a comunidade LGBTQIAP+”, finaliza Luan.
Como puxar uma audiência pública e ter uma atuação efetiva
Por Marília Parente
Instrumento de participação popular é garantido por lei, mas depende da adesão de representante público e da mobilização dos envolvidos

Ampliação de subsídios para resolução das questões abordadas e qualificação de políticas públicas podem ser resultados dessas ações de participação popular | Foto: Divulgação CMC
As audiências públicas são um importante espaço de participação popular em temas de interesse público que estão na agenda política de uma cidade, estado ou do país. Como instrumento democrático, elas são asseguradas por lei, mas não podem ser convocadas por qualquer pessoa. Uma organização da sociedade civil que deseja puxar uma audiência pública precisa contar com órgãos públicos, como as casas legislativas, as prefeituras e Ministério Público, para conseguir uma data e convocar diversas entidades e representações do Estado que possam estar envolvidos na pauta. Apesar disso, membros da sociedade civil devem estar preparados para participar da audiência, bem como atuar para garantir a maior adesão possível de outras pessoas.
De acordo com Tânia Dornellas, assessora de advocacy da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que tem nas audiências públicas uma importante ferramenta de mobilização, a forma mais comum de conseguir uma audiência pública é solicitá-la diretamente a um parlamentar. Deputados, vereadores e senadores são responsáveis por apresentar um requerimento com a solicitação pela reunião à comissão ligada ao tema. “Cada casa (Câmara ou Senado) possui regras próprias que estão descritas em seus respectivos regimentos internos. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, o artigo 255 do regimento interno prevê que ‘cada Comissão poderá realizar reunião de audiência pública’ […] Uma vez aprovada a realização da audiência pública, a Comissão que acolhe o requerimento selecionará as autoridades e/ou especialistas das entidades, cabendo ao presidente da comissão a emissão dos convites”, explica Dornellas.
A regra da Câmara também coloca que, nos casos em que existam defensores e críticos à matéria em análise, a Comissão deverá garantir a escuta das diversas perspectivas sobre a pauta. “No Senado, o processo para solicitação de audiência pública é parecido. Segundo o artigo 93, do regimento interno […] a audiência pública poderá ser realizada por solicitação de entidade da sociedade civil. É possível também solicitar audiência pelo portal e-Cidadania do Senado”, esclarece a assessora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Apesar disso, os resultados de uma audiência pública não são necessariamente vinculantes às decisões de gestores públicos. Por vezes, elas servem para a ampliação de subsídios para resolução das questões abordadas e para a qualificação de políticas públicas. Nesse sentido, uma estratégia importante para articular audiências proveitosas pode ser a de envolver os diversos poderes- executivo, legislativo e judiciário- em uma ação intersetorial.
“Embora as audiências públicas tenham um poder maior de influência na elaboração de políticas públicas, elas também afetam a implementação de programas e ações governamentais, bem como no monitoramento e controle social das políticas. A intersetorialidade é um importante mecanismo de gestão, articulação e integração de ações e tem como um de seus objetivos garantir uma maior racionalidade no uso dos recursos públicos”, completa Dornellas.
Debate público a serviço das mulheres
Fundado há 39 anos, o Centro de Mulheres do Cabo (CMC) é uma das principais entidades feministas de Pernambuco, atuando com foco na luta por água, creches e saúde pública no município do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Para a coordenadora geral da entidade, Izabel Santos, a constante promoção de audiências públicas estimula o amadurecimento político de meninas e mulheres e possibilita que as vozes delas cheguem aos espaços de poder. “A articulação de uma audiência pública se torna um espaço de formação, pois trabalhamos inicialmente as demandas das mulheres na base, nas comunidades. Essa demanda é geralmente algo que interfere na vida de todas, como por exemplo a questão da segurança, que afeta todas as pessoas das comunidades, mas sobretudo às mulheres”, pontua.
Assim, é a partir do momento de escuta que são elaborados debates e encaminhamentos. “Outro fator importante é a mobilização das pessoas das comunidades para participar, para nós que solicitamos o importante é ter a câmara lotada. Procuramos também preparar as mulheres para a interlocução lá, elas levam as demandas, fazem a fala e nós do CMC preparamos os documentos a serem apresentados, como dados, fotos e vídeos e que serão usados para reforçar a pauta e o diálogo durante a audiência”, frisa Izabel Santos.
Na prática, os debates com comunidades também acabam servindo como espaços de divulgação das audiências públicas articuladas pela instituição. O processo de adesão do público, no entanto, requer uma estrutura que, nem sempre, as organizações da sociedade civil são capazes de garantir. “Algo que é muito importante para a chegada das pessoas nas audiências é colocar transporte para trazer e levar. Às vezes até precisamos oferecer lanche, enfim precisa de recurso e nem sempre conseguimos”, lamenta. Por outro lado, o CMC conta com um programa de rádio diário, intitulado Rádio Mulher, que também funciona como um dispositivo de mobilização e difusão das ações da organização.
No ano passado, a entidade provocou uma audiência para discutir a proposta de criação do Dia da Menina do Cabo. Aproveitando o ensejo do debate, o CMC também levou à Câmara Municipal de Vereadores as pautas da dignidade menstrual e da evasão escolar de meninas em razão da gravidez na adolescência. “Desta audiência, saiu o compromisso de de um projeto de Lei para criação desse dia. Sobre o tema da dignidade menstrual, foi criado um projeto de Lei por uma vereadora para a distribuição de absorventes nas escolas municipais e um comitê de evasão escolar, composto por vários atores”, comemora Izabel.
Para ela, a mobilização, contudo, nem sempre acaba com a vitória na casa legislativa ou no poder executivo. “Uma de nossas principais demandas é a cobrança das proposições que são assumidas nas audiências. Fazemos a incidência política junto à gestão pública, nos espaços de controle social, assim como a divulgação por meio do Rádio Mulher e das nossas redes sociais. Também voltamos para as comunidades para avaliar a participação, os desafios e os avanços”, completa.
Planejamento é essencial
Em seu Roteiro de Audiência Pública e Escuta Social, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) sugere um formato de programação para suas audiências públicas. Em primeiro lugar, é feita uma recepção dos participantes, que devem assinar uma lista de presença. “Se houver mais de um membro do Ministério Público ou de representantes de outras Instituições responsáveis pela realização da audiência pública, é necessário definir quem serão as pessoas que farão a fala de abertura. É importante que aqueles que não falarão na abertura enviem àquele que o fará em nome dos demais as ementas dos inquéritos civis em trâmite, para a devida explicação sobre o objeto e os propósitos do evento”, descreve o guia.
Na sequência, o público presente deve ser informado sobre a sequência dos trabalhos e as regras para sua realização, a exemplo do tempo de fala conferido a cada participante, da ordem dos depoimentos (se cronológica, conforme a inscrição, ou de chegada de cada participante ao evento) e dos momentos de interrupção das atividades. Os trabalhos seguem com manifestações dos eventuais especialistas ou entidades da sociedade civil parceira na realização do evento, escuta do público inscrito para intervenções orais, manifestação dos eventuais investigados ou interessados indicados nos inquéritos civis, se for o caso e, por fim, um declaração final de membro do Ministério Público que faça, se possível, o anúncio das principais medidas que serão adotadas institucionalmente para sanar as demandas apresentadas.
“A fim de conferir maior dinamismo à audiência pública, é interessante mesclar falas de pessoas jurídicas com falas de pessoas físicas inscritas para a intervenção oral. Também pode ser apropriado intercalar as exposições de especialistas convidados para debater o tema da audiência pública com as escutas dos inscritos, e não concentrar todas as exposições no momento de abertura e antes da oitiva do público”, orienta o MPSP.
Polly Fittipaldi, coordenadora do Mobiliza TEA PE, organização que atua em defesa dos interesses da comunidade autista, ressalta que o roteiro de uma audiência pública é definido pela instituição responsável por sua realização. “Há audiências com lista de convidados prévios e outras em que você pode tentar chegar cedo e perguntar se é possível se inscrever para falar. No momento de fazer uma exposição, é importante manter o decoro, evitando ofender as pessoas presentes. Caso contrário, a pessoa pode ser convidada a se retirar do local ou mesmo sair de forma coercitiva”, alerta Fittipaldi.
A coordenadora do MobilizaTEA PE também reforça a importância do planejamento prévio dos participantes no sentido de garantir a realização de exposições assertivas. A organização das falas deve ser elaborada de acordo com o limite de tempo estabelecido para cada encontro.
“A pessoa tem que ir para uma audiência pública sabendo o que vai dizer, enquanto os movimentos sociais e organizações da sociedade civil precisam estabelecer quem fará uso da fala. Se você não puder falar, uma boa dica é levar uma faixa com uma mensagem legível. curta e bem assertiva, que poderá ser fotografada e até difundida nos meios de comunicação”- Polly Fittipaldi

Passo a passo: como mobilizar uma audiência pública?
1. Forme um grupo
As audiências públicas são, por natureza, instrumentos de participação popular coletiva. Assim, antes de tentar mobilizar uma audiência pública, busque outras pessoas engajadas com as mesmas pautas ou afetadas pelos mesmos problemas que você em fóruns na internet ou nas redes sociais, por exemplo. O apoio de organizações da sociedade civil também pode fortalecer sua mobilização.
2. Consiga uma data
Para que uma audiência pública ocorra em uma casa legislativa, como a Câmara de Vereadores de seu município ou a Assembleia Legislativa de seu estado, é preciso que um parlamentar protocole um pedido junto à Comissão ligada à pauta a ser trabalhada. Lembre-se de buscar apoio de um vereador, deputado ou senador comprometido com a causa sobre a qual você deseja debater.
É possível formalizar seu pedido a um parlamentar por meio de ofício. Nesta carta formal, o pedido pela audiência pública deve ser justificado, assim como dia e horário podem ser sugeridos. O texto deve ser direto e mostrar que a demanda apresentada é de interesse público
3. Sugira possíveis convidados
Em seu contato com a instituição pública capaz de promover uma audiência, aproveite para apresentar nomes de possíveis convidados da sociedade civil. Durante a elaboração do roteiro de uma audiência pública, os participantes devem ser indicados de forma democrática, no sentido de apresentar diversos pontos de vista sobre um assunto, qualificando o debate. É necessário garantir a participação de pesquisadores, ativistas, sindicalistas, estudantes e pessoas em geral envolvidas com a temática.
Além disso, promotores de Justiça da sua cidade ou estado podem ser convidados a participar da mesa de audiência pública. Além disso, eles são capazes de realizar visitas em, por exemplo, escolas e hospitais para verificar suas condições de funcionamento, dentre outros aspectos pertinentes ao debate público
4. Engage o poder executivo
Ações intersetoriais podem ser ainda mais efetivas do que aquelas que estão centradas em apenas em um dos três poderes. Por isso, você deve avaliar a possibilidade de encaminhar uma solicitação de audiência com secretários municipais ou estaduais. Caso a mobilização ganhe força e haja abertura democrática da cidade ou estado, é possível até realizar uma audiência com o (a) prefeito (a) ou governador(a). Lembre-se, contudo, que os gestores públicos costumam dispor de menos tempo para audiências públicas do que parlamentares, cujas funções são mais dedicadas para demandas do tipo.
5. Organize um dossiê
Ofereça informações para os porta-vozes da causa. As apresentações da sociedade civil devem estar amparadas por dados da territorialidade abordada, que podem ser colhidos na internet, nas prefeituras, governos ou câmaras municipais ou mesmo através da Lei de Acesso à Informação (LAI). Um dossiê também pode contar com depoimentos da população envolvida nos problemas que serão abordados.
6. Divulgue sua audiência
Como um empreendimento coletivo, uma audiência pública deve contar com um grupo articulado com atividades bem distribuídas. Enquanto uma parte das pessoas prepara a audiência, outra pode centrar as demandas de divulgação do evento, mobilizando o maior número possível de pessoas. Para uma audiência sobre educação, por exemplo, faça uma lista contendo os nomes de mães/pais, ONGs, líderes comunitários, sindicalistas, diretores de escolas, professores, alunos e pessoas das comunidades envolvidas que possam marcar presença.
O trabalho de divulgação inclui ainda o contato com sites, jornais, revistas e programas que possam divulgar a causa e o evento. Ligue para as redações dos jornais, peça os contatos dos repórteres e editores que cobrem assuntos relacionados a sua causa e envie um release, isto é, um texto breve e objetivo incluindo informações sobre o local, dia, hora e importância da audiência pública.
7. Faça uma apresentação cativante
Use a imaginação para expor suas demandas de forma envolvente, mantendo a atenção do público. Vale investir em apresentações de rap, leitura de uma poesia, dentre outras intervenções culturais que promovam reflexão. Sempre considerando o tempo disponível para a audiência pública, lembre-se de utilizar o microfone para solicitar que os parlamentares ou representantes do poder executivo estabeleçam uma agenda de trabalho para propor encaminhamentos e soluções aos problemas apresentados. Essa solicitação pode ser reforçada após a reunião, através do agendamento de reuniões voltadas para o acompanhamento das medidas.
Os desafios das universidades públicas no novo governo
Por Izabella Bontempo
Comunidade acadêmica está esperançosa e atenta com o atual cenário político

”Desde o início do governo Bolsonaro a política de educação foi negligenciada, tratada como instrumento para a guerra cultural e com aparelhamento ideológico. Trocas de ministros, denúncias de corrupção, crises na oferta dos serviços públicos foram a tônica”. É com esse trecho que se inicia o capítulo sobre educação do relatório final do gabinete de transição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Entregue em dezembro de 2022, o documento apontaria os desafios e rumos do novo governo.
Na comunidade acadêmica, as perspectivas para a educação no governo Lula são positivas, segundo o vice-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “No dia 19 de janeiro o presidente fez uma reunião com todos os reitores das universidades, coisa que os últimos dois presidentes não tinham feito. O evento reabriu o diálogo democrático com as instituições de ensino, não só do ponto de vista do atendimento das reivindicações, mas na discussão do papel das universidades no projeto de desenvolvimento social, econômico, ambiental e cultural do país”, falou Penildon Silva Filho.
Já no segundo mês de governo houve um reajuste das bolsas da Capes e CNPq, além de um aumento na quantidade de financiamento para pesquisas de mestrado e doutorado. Uma medida mais recente, de abril, anunciava a liberação de R$ 2,44 bilhões para recompor o orçamento das universidades e institutos federais de educação.
Para Analise da Silva, 1ª vice-presidenta do APUBH, Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros (UFMG) e Ouro Branco, não há novidade. “Não precisamos inventar a roda, ela já existe e é fácil identificar. Ela é o que os setores conservadores e o campo reacionário vêm buscando destruir: a Constituição de 1988 e todos os seus direitos derivados”, diz.
Desde 2016, com o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, a educação vem sofrendo retrocessos em termos de políticas públicas. Os governos Temer e Bolsonaro trouxeram sucateamento, corte de verbas e implementação de projetos de privatização da educação pública brasileira do ensino básico ao ensino superior. Dentre as medidas polêmicas estão a implementação da Emenda Constitucional 95, o “Teto de Gastos”, os ataques às políticas de cotas e a aplicação do Novo Ensino Médio.
“Suspiro” é como define Arlindo Pereira, Coordenador Geral do DCE da UFBA e militante do Levante Popular da Juventude, o momento nas universidades. Ele acredita que haverá maior possibilidade de participação dos envolvidos.
Movimentos estudantis avaliam que o novo governo terá um papel fundamental na reconstrução da educação pública no país. Larice Ribeiro, militante do Levante Popular da Juventude, presidenta do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UESB, e vice-presidenta da União dos Estudantes da Bahia (UEB), afirma que não tem como dar continuidade nas políticas públicas de educação elaboradas no governo Dilma porque, desde então, foram destruídas e distorcidas as propostas originais. “Precisaremos reconstruir a proposta do ensino técnico, voltar a investir nas universidades públicas, principalmente nos campos da ciência e tecnologia, implementar novas políticas de permanência estudantil e revogar as nomeações dos reitores interventores das universidades públicas instituídas pelo antigo governo” afirma.
Para ela, a prioridade das universidades públicas nos próximos anos será quebrar a política de alianças da frente ampla. “Nosso desafio agora é um processo de mobilização permanente para não permitir que a agenda liberal paute a educação. Não vamos permitir que o setor empresarial destrua o sonhos de trabalhadores e trabalhadoras, de estudantes e da juventude de ingressar e permanecer em uma universidade pública”, afirma.
Penildon Silva defende que daqui para frente será preciso completar o processo de expansão das universidades que foi iniciado com o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) e interrompido em 2016. “Muitas unidades de ensino precisam terminar as obras, outras precisam iniciar, a UFBA mesmo tem alguns institutos que ainda não têm sede própria, afirmou.
Evasão estudantil
Para o vice-reitor da UFBA, as principais pautas da educação são a fonte de financiamento especifica para a extensão universitária e a garantia da permanência do estudante na universidade, o que implica no investimento em assistência estudantil. “A evasão está grande depois da pandemia, da crise econômica, e não adianta abrir novas vagas ou construir mais universidades se a gente permite e entrada e depois não consegue garantir a permanência dos alunos. O nível de evasão chega a 50% em alguns casos” aponta.
Analise explica que para compreender melhor o problema e buscar soluções mais adequadas, é preciso, primeiro, entender a diferença entre os conceitos de abandono e evasão escolar, pois apesar de serem usados como sinônimos, eles especificam situações diferentes em que as pessoas estudantes deixam a escola.
“Deixar de frequentar as aulas durante o ano letivo caracteriza o abandono escolar. Já a situação em que o estudante, seja reprovado ou aprovado, não efetua a matrícula para dar continuidade aos estudos no ano seguinte é entendida como evasão escolar”, explica. Para ela, “entender a razão que leva uma pessoa graduanda a estar fora da universidade é essencial para se chegar a um diagnóstico e, consequentemente, conseguir criar soluções para amenizar este cenário”.
Larice aponta que esse é um dos temas mais preocupantes no movimento estudantil. “A pandemia escancarou a situação socioeconômica dos nossos estudantes, e muitos deles deixaram as universidades porque não tinham condições básicas pra frequentar as aulas, como o dinheiro do transporte ou da alimentação”, aponta.
Segundo os dados da Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp), instituto que representa as mantenedoras de ensino superior no Brasil, em 2021, a taxa de evasão chegou aos 36,6% nas modalidades de ensino a distância (EaD) e presencial. O resultado foi pior só em 2020, quando 3,78 milhões de pessoas graduadas largaram seus cursos.
A vice-presidenta da APUBH analisa que os estudantes que evadiram de seus cursos são, em sua maioria, aqueles em condição de maior vulnerabilidade social, portanto, negros, pobres e periféricos. “Uma pessoa estudante longe do sistema de ensino é um problema que vai muito além da questão escolar: se torna uma questão social”, afirma.
Orçamento público
A recomposição do orçamento para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) está dentre os principais tópicos levantados pela comunidade acadêmica. Penildon Silva comemora o fato das universidades integrarem as excessões do teto de gastos. “Isso é fundamental porque garante que elas recebam grandes investimentos e poderão ser grandes instituições que estejam ao lado da sociedade para poder garantir a soberania brasileira” finaliza.
Para Arlindo, a recomposição orçamentária é muito importante mas ainda é insuficiente, porque, para além da estruturação física nas universidades, é preciso ter uma implementação do orçamento do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). “Precisamos transformar o Pnae em lei e, pra isso, precisamos de uma recomposição orçamentaria”, defende. “Temos muito trabalho pela frente!”, finaliza.
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Acampamento Terra Livre encerra com seis terras homologadas e novas políticas para os povos indígenas
Por Pedro Ribeiro Nogueira
Após sete dias de evento, movimento indígena conquista aprovação de políticas públicas importantes na garantia da vida dos povos
Marchas nas ruas, vigílias, gritos e conversas. Seis mil indígenas de mais de duzentos povos de todo país acamparam mais uma vez em Brasília (DF) para a 19a edição do Acampamento Terra Livre (ATL). Articulações institucionais e entre movimentos indígenas para fortalecer a luta, ao lado de cantos, rezas, festa e demandas por respeito, demarcação e efetivação de políticas públicas. Momentos de formação e fortalecimento.
Se durante o governo Bolsonaro a luta pela vida demandava a resistência e a proteção dos territórios, agora foi possível respirar fundo e avançar, como disse a secretária-executiva da APIB, Juliana Guarani. “Mas nunca esquecendo o histórico de sangue e suor que lava esse território. Relembramos ancestrais e lideranças que aqui tombaram. Também das mulheres que foram vítimas da violência em mais de 522 anos.”
Assim, pela primeira vez desde 2018, quando o inominável ex-presidente disse que nenhum centímetro de território seria demarcado, tivemos seis homologações.

Marcha declarou emergência climática durante o ATL l Foto: Pedro Ribeiro Nogueira
“A diferença começa quando a gente se sente seguro de estar aqui, para poder dialogar com as pessoas. É um passo significativo na nossa história e tem tudo para entrar nos livros”, disse a comunicadora Alice Pataxó em entrevista à Escola de Ativismo durante o acampamento, ao pensar sobre o primeiro ATL pós governo Bolsonaro.
Em sua fala, o presidente Lula assumiu um compromisso de proteção da vida nas terras indígenas. “Queremos os indígenas brasileiras sendo tratados com toda dignidade. Eles não devem favor a nenhum outro povo. Eles dizem que vocês ocupam 14% do território nacional dizendo que é muita terra. Mas antes do português vocês ocupavam 100%”, disse, sob aplausos, em evento no útimo dia do ATL.
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Próximos passos
A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, lembrou que quase 10% das terras demarcadas não estão nas posses plenas de seus respectivos povos.
“Mesmo demarcadas, essas terras estão impactadas por sobreposições, empreendimentos, grilagens, invasões para uma prática de uma série de crimes, extração de madeira, garimpo e uso dos territórios pelo narcotráfico. Por isso é importante a fiscalização permanente e a proteção. As terras indígenas pertencem ao patrimônio da União, e como ela tem protegido esses territórios?”, disse Sônia, que também defendeu a criação de uma Comissão da Verdade Indígena.
Guajajara também nomeou como “institucionalização do genocídio” os últimos quatro anos de Bolsonaro. “O resultado dessas políticas, presidente Lula, foi um aumento do número de ameaças contra nossos povos, corpos, culturas e territórios. Essa ação criminosa afeta os não-indígenas também. Afeta o ar que respiramos e a água que todos bebem. Empobrecem o solo, nossa grande mãe. Nós nos importamos muito e fazemos nossa parte todos os dias”, protestou Guajajara, agradecendo os primeiros passos dados, mas afirmando que é necessário avançar.
E o que o próximo período guarda após o ATL para os povos indígenas? “A perspectiva pro próximo período de luta do movimento indígena é continuar com a demarcação dos nossos territórios. Nós temos essa ideia de fomentar a relação política das mulheres, mas também do movimento indígena dentro da Câmara e do Senado. São coisas que estamos construindo aos poucos dentro do nosso movimento”, pontuou Alice Pataxó.
Há também uma mobilização já convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) dos dias 5 ao 9 de junho para acompanhar o julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento poderá impactar futuras demarcações de terra em todo o país.
“Eu vou falar com o Lula para ele agilizar as demarcações. Mas vocês têm que defender o território para não deixar o garimpeiro e madeireiro entrar”, disse em seu pronunciamento Cacique Raoni, no encerramento do ATL.

Plenária final com presença de Lula e autoridades de estado e lideranças do movimento indígena l Foto: Pedro Ribeiro Nogueira
O que foi assinado por Lula
Também no encerramento do acampamento, o presidente Lula assinou dois decretos: a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e a instituição do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), voltado para proteção, recuperação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais nos territórios indígenas. O governo anunciou, além disso, a liberação de R$ 12,3 milhões à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para fortalecer comunidades indígenas.
As terras demarcadas: TI Arara do Rio Amônia (AC), com população de 434 pessoas e portaria declaratória do ano de 2009; TI Kariri-Xocó (AL), com população de 2.300 pessoas e portaria declaratória do ano de 2006; TI Rio dos Índios (RS), com população de 143 pessoas e portaria declaratória de 2004; TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE), com população de 580 pessoas e portaria declaratória do ano de 2015; TI Uneiuxi (AM), com população de 249 pessoas e portaria declaratória do ano de 2006; TI Avá-Canoeiro (GO), com população de nove pessoas e portaria declaratória do ano de 1996.
LGBTQIA+ indígenas: “Sem nosso colorido não há demarcação”
Por Pedro Ribeiro Nogueira
A plenária “Parentes LGBT+: Decolonizando (r)existências” aponta união entre luta indígenas e LGBTQIA+ e demanda respeito
Em 1614, o indígena Tibira foi executado no Maranhão por não se enquadrar na ideia que os invasores portugueses tinham sobre masculinidade. Ele é considerado a primeira vítima da LGBTQIA+ do Brasil. Num país que segue assassinando tanto indígenas quanto todes aqueles que não se enquadram na norma cis heteronormativa, a plenária “Parentes LGBT+: Decolonizando (r)existências”, nesta terça-feira (25/04) no ATL ganhou ainda mais relevância, com um grito por respeito:
“Na minha terra mora uma cabocla, eu não sei se é homem ou se é mulher. É uma cabocla índia da pele morena que mora na aldeia de Itapinaré”, cantou Yakecan Potyguara, retomando a pluralidade da ancestralidade e mostrando que desde sempres indígenas LGBTQIA+ estiveram na linha de frente da luta por terra e território.
Vamos então aqui ecoar as vozes de indígenas que contaram sobre sua experiência LGBTQIA+, lembrando que “sem o colorido da resistência, não há demarcação”.

(Esq. para direita) Gualoy, Samanta, Yakecan, Kiga, Juão Nyn, Ayla, Fred Magno e Danilo Tupinikim l Foto: Mário Campagnani/Escola de Ativismo
“Estamos aqui para pedir que nos respeitem. O preconceito sempre chega na frente pois sou travesti e indígena. É um preconceito duplo. Basta. Estou aqui por direitos que não deveríamos ter que brigar por. Muitas já morreram, mas nós estamos aqui e não vamos desistir.”
– Samanta Terena, mulher trans indígena, acadêmica em Serviço Social
“Sou fundadora do Coletivo Caboclas, o primeiro do coletivo indígena LGBTQIA+ do nordeste, do Ceará. Sou uma mulher sapatão e estou emocionada mesmo por que não é fácil estar aqui hoje trazendo essa resistência, pedindo respeito. Ser indígena do nordeste e ser LGBT é muita coisa. Dizem que o movimento indígena não tem a ver com luta LGBTQIA+ e isso é uma mentira.”
– Yakecan Potyguara, Fundadora do coletivo Caboclas.
“Represento também um guerreiro. Os nossos maracás, a nossa luta não atrapalha as causas indígenas. Estamos lutando, lado a lado, pelo mesmo território. Me dói até hoje o quanto os LGBTQIA+ são agredidos em suas terras. Basta de violência! A gente não tem pode deixar os LGBTQIA+ de lado, fazem parte do movimento. Estamos aqui para lutar!
- Gualoy Guarani Kaiowá, que foi preso numa ação de retomada, é bissexual e fundador das retomadas LGBT Guarani Kaiowá
“Vocês acham justo a forma como vocês marginalizam nossos corpos? Me sinto marginalizada no meu corpo. Sou excluída da minha cultura por ser uma mulher trans. Se eu to lá para somar, porque eu não sou bem vinda na minha cultura? Qual é meu lugar se não junto do meu povo e da minha luta? Parem de nos matar. Vou ser resistência sim.”.
- Aya Nicácia Pataxó
“Muitas pessoas acham que nós não fazemos parte da cultura indígena. Precisamos estar inserides. Nós somos parte da comunidade, temos um time de futebol, fazemos um trânsito entre os espaços masculinos e femininos. O coletivo Tibira que eu faço parte homanegeia aquele que foi o primeiro assassinato por homofobia no brasil em 1600. Não é de hoje que resistimos. Dizem que somos fruto da colonização. Os não-indígenas dizem que somos do passado. As duas não são verdade.”
- Kiga, indígena do povo Boe/ Bororo, da aldeia meruri, Morro da Arraia
“Eu sou de um estado sem nenhuma terra demarcada. Nós temos muito a construir daqui pra frente. Somos povos de primeiro contato e os colonizadores nos colocaram para brigar entre si. Em 2020 lancei o livro “Tybyra: uma tragédia brasileira”. A gente não sabe se tibira era travesti, não-binária ou gay. E ele foi executado em praça pública em 1614, no forte de São Luís do Maranhão.”
- Juão Nyn, de Natal (RN),
“Eu contribuo na estrutura do Terra Livre. Eu também tô na secretaria executiva na APIB na luta pra incluir a pauta LGBT pra dentro do movimento indígenas. Lutamos também por educação e saúde. Quando falamos de indígenas LGBT acham que é algo a parte da nossa realidade, quando não é. A gente acampa, a gente contribui nessa construção coletiva realizar. Estar aqui é reconhecer que a gente existe e decolonizar o imaginário colonial do que é ser indígena, para além do estereótipo do selvagem, temos pluralidade sim e sofremos um duplo preconceito quando não correspondemos ao esteriótipo do que é ser indígena. Se conscientizar para não difundir preconceitos que a sociedade não-indígena passa para a gente.
Danilo Tupinikim, dos Tupiniquim do Espírito Santo.