Luh Ferreira
Educadora Popular, ativista, doutora em Educação
Encantada com o mundo, indignada com a situação dele
Rede Jandyras: um enxame em luta pela natureza e pela democracia
Por Luiza Ferreira
Coletivo de mulheres coloca questão de gênero na dianteira no debate sobre o clima e organiza a resistência climática no Pará
A Rede nasceu em 2021 e hoje tem o seu trabalho focado na ampliação da discussão da elaboração de políticas socioambientais de maneira condizente com a realidade da população paraense l Foto: Arquivo Rede Jandyras
“São as mulheres que mais sofrem com os problemas ambientais e climáticos, como desastres naturais, desmatamento, poluição e com a falta de políticas socioambientais. É nítido que as mulheres estão na linha de frente de pautas importantes na sociedade, desempenhando um papel crucial na gestão e conservação dos recursos naturais, principalmente nas comunidades rurais e tradicionais”.
É assim que a ativista e educadora popular, Waleska Queiroz apresenta a magnitude do desafio encarado por ela e pela Rede Jandyras, do qual ela faz parte. A rede é composta por um grupo de mulheres dedicado a discutir os efeitos da crise climática na cidade de Belém, no estado do Pará.
Antes mesmo de integrar a Rede Jandyras, Waleska já atuava com a Educação Ambiental. A importância da relação humana com a natureza e o meio ambiente sempre esteve presente no seu trabalho, ela explica. Waleska, que é natural de Terra Firme, periferia de Belém (PA), antes mesmo de ingressar na Universidade, já movimentava articulações em projetos aplicados em escolas e comunidades vulnerabilizadas do Pará.
‘Não consigo falar de mim sem referenciar que sou filha de mãe solo e a primeira da família a ingressar no ensino superior e obter o título de bacharel em Engenharia Sanitária e Ambiental pela Universidade Federal do Pará”, explica, lembrando de sua longa trajetória de doze anos como voluntária de projetos socioambientais em diversas organizações.
Surge um enxame
Atualmente as Jandyras são quase 30 mulheres que participam do projeto cada uma à sua maneira, com a missão de fortalecer a inserção das mulheres no debate político sobre questões socio-ambientais. A Rede nasceu em 2021 e hoje tem o seu trabalho focado na ampliação da discussão da elaboração de políticas socioambientais de maneira condizente com a realidade da população paraense, apontando os problemas locais e os reflexos da crise do clima.
Em 2021, a ONG Mandi (antiga Ame o Tucunduba) promoveu uma formação online e gratuita com o nome de Jandyras – do tupi “abelha de mel” – que contou com a participação de 40 mulheres. Após a formação, as participantes foram convidadas a construir coletivamente a Rede Jandyras: esse enxame de 20 mulheres plurais da cidade Belém, de diversas idades, vivências e identificações, que toparam o desafio e hoje compõem uma rede dedicada a pensar maneiras de enfrentar a crise climática, de maneira interseccional.
“Hoje incidimos diretamente nos espaços de tomada de decisão de Belém e almejamos que esses ambientes sejam cada vez mais ocupados por mulheres, ainda assim, acreditamos que há uma longa jornada de desafios pela frente”, comenta.
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A Agenda Climática para Belém foi o primeiro projeto articulado pela Rede Jandyras, e consiste na sistematização de dados sobre problemas territoriais locais e no que tange à crise climática e seus impactos na cidade e na população local. O acesso à água e saneamento básico, direito à cidade e à habitação social, justiça racial e ambiental, infância e clima e mobilidade urbana são os principais eixos da Agenda.
“Para esse primeiro projeto, contamos com o apoio de uma coalizão da HIVOS VAC (Vozes Pela Ação Climática) composta por três organizações: ONG Mandí, Clima de Eleição e Movimento Moara. A agenda climática foi entregue a todos os vereadores da câmara municipal de Belém e oito deles se comprometeram em implementar as propostas contidas na agenda”, acrescenta Waleska.
Entre as propostas, está o Fórum Climático Municipal, que foi aprovado em dezembro de 2021, no orçamento do plano plurianual de Belém. Belém do Pará, que detém hoje os piores índices de acesso à água e saneamento básico, se configura como um território potencialmente vulnerável aos impactos das mudanças climáticas, como reforça a ativista. Por isso a urgência da promoção de debates que possam fortalecer a agenda climática.
Em 2022, a Rede lançou a campanha “Fórum Climático Já”, para reivindicar transparência e participação de ONGs, coletivos, universidades e cidadãos interessados na pauta, no processo operacional de execução do Fórum, que está sendo trabalhado pela Rede em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA).
“Hoje incidimos diretamente nos espaços de tomada de decisão de Belém e almejamos que esses ambientes sejam cada vez mais ocupados por mulheres”, diz a ativista Waleska Queiroz l Foto: Arquivo Pessoal
Recorte de gênero
São muitas as consequências da crise climática global, e as mulheres estão entre os grupos mais vulneráveis às mudanças climáticas. Um relatório do Women in Finance Climate Action Group apresenta uma constatação dolorosa: 80% das pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas são mulheres. Mesmo sendo a segunda maior metrópole da região Norte do Brasil, a cidade de Belém não possui nenhum plano para mitigar ou discutir soluções para a emergência climática. É nesse sentido que a Rede Jandyras surge como uma potencializadora da construção coletiva de políticas públicas que possam contemplar e direcionar o olhar para a realidade das mulheres paraenses.
Para Waleska, é importante que as mulheres participem ativamente dos processos tomada de decisão, mas para além de ocuparem esses espaços, é preciso construir “novas perspectivas sob o olhar feminino no cenário político”, reforçando novas abordagens para a elaboração de políticas públicas de fato inclusivas e eficazes.
No entanto, ela reconhece que esse é um processo longo, especialmente no Brasil, o que se deve a limitação da presença de mulheres na política ambiental brasileira. Esse se configura como um dos grandes desafios para a atuação da Rede Jandyras, visto que esses espaços políticos são usualmente dominados por homens.
Entre outros desafios, está a falta de recursos financeiros e segurança, que acabam impactando na realização das atividades e na implementação de projetos importantes.
“Continuamos lidando com as mesmas problemáticas que destaquei acima, mas acreditamos que a gestão atual do governo propicia um cenário mais oportuno para continuarmos atuando e pressionando os governantes a se comprometerem de forma efetiva com as pautas socioambientais e climáticas”, diz.
A falta de acolhimento do ambiente político para as mulheres é um problema potencial, que desencoraja o engajamento feminino com as questões ambientais, muito embora sejam elas as mais afetadas. Para Waleska, os desafios são diários. Superar essa situação só é possível “através da adoção de medidas que promovam a igualdade de gênero, ampliem a inserção de mulheres nos espaços de poder e assegurem o acesso à elas à tecnologias que promovam o seu engajamento em questões ambientais”, finaliza.
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Luiza Ferreira é jornalista.
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O que é o ativismo asiático e por que ele importa?
Por Vinicius Tamamoto
Incomodados com a representação estereotipada de pessoas asiáticas, descendentes se juntaram para formar coletivos | Foto: Kareem Hayes na Unsplash
Eu devia ter uns cinco anos. Uma vizinha se aproximou e perguntou o que eu queria ser quando crescesse. Não lembro minha resposta, mas ela sentenciou: “Vai abrir um restaurante de sushi”. Deve ter sido um dos primeiros momentos em que percebi que havia algo diferente em mim. Na escola, desde a primeira série, o momento da chamada era angustiante. Torcia para que a professora só chamasse os alunos pelo primeiro nome, já que seria zuado pelo sobrenome. Tamagoshi, xing ling, jaspion e japa eram alguns dos apelidos que me faziam ter vergonha de minhas origens, ainda que meu pai, de ascendência okinawana, tivesse se afastado (talvez pelos mesmos motivos) de toda a cultura asiática que experimentou na infância.
Em casa, meus hábitos eram de uma criança 100% brasileira de uma cidade da periferia de São Paulo. Não havia ao meu redor qualquer outra pessoa de “olhos puxados”. Por isso, era impossível andar pelas ruas com a minha mãe sem que as pessoas destacassem minhas características físicas. Alguns puxavam os olhos, outros falavam qualquer coisa ininteligível na tentativa de imitar a língua japonesa. Sem saber o que fazer, eu só sorria. A reiterada lembrança do outro de que eu era uma espécie de estrangeiro afetou para sempre a maneira de me relacionar com o mundo. A timidez cresceu e virou um monstro. Fui tentando apagar qualquer resquício em minha personalidade que pudesse me associar à Ásia em uma tentativa inconsciente de embranquecimento. Os problemas foram aumentando conforme a adolescência evoluía. Cada vez mais introspectivo, não conseguia me relacionar com colegas da escola e passei o ensino médio como o garoto esquisito, calado e sempre sozinho nos cantos, onde ninguém pudesse me ver. Acrescente a esse contexto a nuance de me perceber gay. Se já não via asiáticos por aí, imagine asiáticos gays. Logo passei a deparar, em sites de relacionamento, com o racismo escancarado do “não curto negros nem orientais” (sim, isso era muito comum em meados dos anos 2000).
Foi só lá por 2015, com a disseminação de grupos na internet que falam sobre a questão asiática no Brasil, que comecei a ter certa consciência de que não estava sozinho em meu “não lugar”. Incomodados com a representação estereotipada de pessoas asiáticas, descendentes se juntaram para formar coletivos. Alguns dos primeiros foram Perigo Amarelo, Asiáticos pela Diversidade, Outra Coluna e Yo Ban Boo. Foi revelador entender que minhas subjetividades individuais encontravam eco em um grupo bem maior de pessoas. Para tentar sintetizar as questões de descendentes do leste asiático por aqui, o pesquisador Porowiak propôs recentemente o uso do termo “amarelitude”. Em seu texto inaugural, explica que a intenção é pensar sobre uma vivência paradoxal: a de sermos racialmente discriminados e, ao mesmo tempo, racialmente privilegiados.
O perigo amarelo e a minoria modelo
Existem duas ideias que ajudam a entender essa ambivalência. Uma delas é a de ‘perigo amarelo’, uma ideologia surgida no século XIX e utilizada desde então por líderes ocidentais em momentos de temor da ascensão econômica de algum país da Ásia. “Há um marco fundante dessa ideia que acontece a partir da encomenda pelo Kaiser Guilherme II, da Alemanha, de uma tela intitulada ‘Perigo Amarelo’, que fazia uma alegoria do leste asiático como uma ameaça à civilização e aos valores ocidentais”, explica Lais Miwa Higa, doutoranda em Antropologia Social. A outra é a de ‘minoria modelo’, um conjunto de estereótipos positivados de asiáticos e seus descendentes que nos enxerga como uma população trabalhadora, estudiosa, capaz de alcançar o sucesso financeiro e se integrar bem à sociedade. A noção de minoria modelo é contraditória.
Ao passar na faculdade de jornalismo, uma colega de sala me perguntou em que posição da lista eu havia ficado. Quando soube que estava longe dos primeiros lugares, disparou sem rodeio: “Nossa, um japonês burro.” Fiquei perplexo.
Nos Estados Unidos, estudos indicam que crianças com ascendência asiática sofrem com problemas de autoestima justamente por carregar estereótipos positivados. Ao mesmo tempo, constroem-se certos privilégios em torno de pessoas amarelas: não ser parado pela polícia e não ter a vida colocada em risco como as populações negras e indígenas são alguns deles. Nesse contexto, o ativismo asiático luta também para que pessoas amarelas no Brasil não sirvam como escada ao racismo anti-negro, já que a positivação fez com que muitos de nós comprássemos o discurso meritocrático do individualismo neoliberal. A oposição do sucesso asiático no Brasil seria, nessa ideia, a população negra escravizada, que não teria conseguido alcançar tal façanha.
Para Lais, os mitos do perigo amarelo e da minoria modelo são criações usadas como instrumento de manutenção de sistemas hierárquicos, de desigualdade, colonialidade e opressão. “Há uma dialética entre as duas coisas que faz com que o perigo amarelo possa ficar apagado, silenciado durante muito tempo, apesar de não desaparecer”, analisa. Ou seja, o olhar positivado dos brancos sobre os asiáticos amarelos se sobrepõe ao risco que eles possam causar, pelo menos até que um fator de crise volte a desencadear o medo.
Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, ataques racistas e xenófobos não foram raros ao redor do mundo e o termo “vírus chinês” foi amplamente disseminado. Essa teia de construções produz atravessamentos subjetivos importantes em cada indivíduo que se reconhece asiático no Brasil. “A partir do entendimento de contextos históricos, da produção científica, artística e ativista, a gente vai conseguindo enxergar nossas histórias”, reflete a pesquisadora. Só assim é possível rever memórias e construir novas narrativas que quebrem o pacto colonial. Por nós e por todos os racializados – ou não-brancos.
Guardiãs de sementes crioulas preservam legado de biodiversidade e resistência
Por Bárbara Poerner
Em Anchieta (SC) e região, mulheres campesinas fortalecem a agroecologia e o feminismo camponês popular desde a redemocratização do Brasil ao preservarem culturas tradicionais
Movimento de mulheres camponesas lutam contra a monocultura guardando linhagens genéticas ancestrais l Foto: MMC/Reprodução
Há sessenta anos, Zenaide Millan da Silva preserva as sementes de sua família. Ela nasceu e mora na capital das sementes crioulas do Brasil: Anchieta, no extremo oeste catarinense. A guardiã, que faz parte do Movimento de Mulheres Campesinas (MMC) ao lado de outras dezenas de mulheres da região, ajuda a garantir a autonomia campesina e a fortalecer a agroecologia, ao preservar culturas ancestrais que também significam o futuro da biodiversidade.
A definição das sementes crioulas pode partir do ponto de vista científico, mas também político, explica Juliana Bernardi Ogliari, engenheira agrônoma, mestre e doutora em genética e melhoramento de plantas. Em síntese, a pesquisadora diz que elas são “aquelas sementes multiplicadas, selecionadas e preservadas por muitas gerações de cultivo”. O que acontece é que muitas delas são atemporais e torna-se impreciso definir exatamente qual sua idade.
“Quando os colonizadores chegaram aqui, já existiam populações indígenas, como os guaranis, que utilizavam variedades de milho”, continua ela, que cita como exemplo alguns milho pipoca, que concentram características particulares que apontam esse tempo distante e “não tem uma ancestralidade comercial”.
Foi essa potência milenar que encantou, também, Luana Rockenbach. Filha de agricultores, ela deixou sua cidade natal, Itapiranga, para estudar Letras em Florianópolis. Em pouco tempo, a saudade do campo apertou e resultou em um mochilão pelo Brasil e parte da América Latina. De bicicleta e carona, a guardiã levava, trazia, trocava e conhecia a diversidade de sementes crioulas.
“Comecei a plantar mais variedade de amendoim, melancia, e outras culturas, e abriu um universo de quanta variedade crioula existe”, conta.
A motivação de Luana para se aprofundar no cultivo e manejo das sementes crioulas veio a partir da consciência que tem essa biodiversidade que está se perdendo e como todas as regiões estão tomadas pelo agronegócio. “São os monocultivos que desterritorializam as territorialidades”, define.
A Revolução Verde e os impactos nas sementes crioulas
Na década de 1980, a forma de ser agricultor mudou drasticamente. À época, o Brasil recebia as promessas da Revolução Verde, movimento encabeçado pelos Estados Unidos que introduziu um pacote tecnológico no campo por meio da mecanização, monoculturas e uso de fertilizantes químicos, agrotóxicos e sementes geneticamente alteradas. A palavra de ordem tornou-se produtividade e a justificativa era otimizar a produção de alimentos para acabar com a fome no mundo.
Anos depois, o montante de grãos realmente cresceu. Entre 1975 e 2017, a produção, que era de 38 milhões de toneladas, cresceu mais de seis vezes, atingindo 236 milhões, enquanto a área plantada só dobrou. Contudo, a fome, insegurança alimentar e desnutrição continuam crescendo em todo o planeta, inclusive no Brasil, que concentra 33 milhões de pessoas esfomeadas.
Juliana explica que, com a Revolução Verde, muitos agricultores criaram vínculos de dependência com as companhias do agronegócio e a preservação das sementes crioulas foi diretamente afetada. “Você está na mão das empresas que produziram o material genético para isso. O agricultor teve que reaprender uma cultura diferente, e as tradicionais acabaram sendo abandonadas”.
Hoje, é difícil encontrar grandes áreas sem a transgenia. Os dados da Embrapa mostram que a cada 100 hectares plantados com soja hoje no planeta, 80 são de sementes com genes alterados. No caso do milho, são 30 para cada 100. Em território nacional, 92% da soja é transgênica, 90% do milho e 47% do algodão. Somamos a isso o advento da monocultura e vemos um país que tem 36 milhões de hectares ocupados por soja, o que equivale a 4,3% do território nacional – área da República do Congo e superior a países como Itália, Vietnã e Malásia. Metade desse total está no Cerrado.
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Na visão de Luana, é difícil competir com “essa facilidade que o agronegócio oferece, onde você passa o veneno e não tem muito trabalho”. Ela argumenta que houve um discurso que as sementes crioulas são menos produtivas e que as outras sementes ‘tecnológicas’ produzem melhor. Juliana tem avaliação semelhante. “O novo e o tecnológico são sempre colocados como a melhor opção em todos os sistemas, mas isso nem sempre é verdade”.
Com o avanço dos transgênicos e agrotóxicos, os guardiões de sementes enfrentam muitas dificuldades. “Nas terras dos meus pais, três vizinhos plantaram transgênicos e tinha que cuidar muito quando eles plantavam, para não misturar”, conta Luana. A agricultora se refere a um processo que pode acontecer com todo guardião: a contaminação das suas sementes tradicionais.
“O que temos de contrapartida com a Revolução Verde e a Revolução dos transgênicos é a perda de diversidade. Quando uma variedade crioula é contaminada por transgenia, além perder as próprias características, muitas vezes ele [o agricultor] é sujeito a questões jurídicas, pois ele é ‘culpado’ por ter tido sua variedade contaminada, já que gene sequenciado é patenteado [pelas grandes companhias] e isso tem uma proteção intelectual”, diz ela, ao citar um caso que aconteceu no Canadá, onde um agricultor teve sua lavoura contaminada e foi processado pela Monsanto.
A pesquisadora destaca que com o abandono das variedades crioulas, a própria ciência é impactada negativamente. Muitas das sementes tradicionais conservam características genéticas únicas, que podem ajudar em avanços na medicina, saúde e na própria agricultura.
“Existe a perda da biodiversidade e da tradição e cultura deles, mas não é só isso. A erosão genética tem um impacto não só no modo de vida das pessoas, das tradições [e identidade] que elas cultivavam, mas também questões biológicas. A ciência perde com isso”.
Movimento das mulheres camponesas olha as particularidades da vida no campo partindo da lente de gênero l Foto: Marcello Casal Jr. /Agência Brasil
O Movimento de Mulheres Camponesas
Em contrapartida à pressão no campo e aos impactos negativos da transgenia, monocultura e destruição da biodiversidade, surgem movimentos importantes de resistência. O livro Mulheres Camponesas, iniciativa do ICMBio, contextualiza o surgimento do MMC no oeste catarinense. Alguns fatores culminaram para o surgimento da entidade desde as décadas de 1960, como o intenso êxodo rural e a fragmentação fundiária, a subsequente ao pacote de modernização do setor agropecuário. Dados do IBGE de 1995 mostram que, em 1975, existiam 26.936 estabelecimentos agropecuários com área inferior a 10 hectares; em 1980 passaram para 32.613; em 1985 esse número subiu para 40.100.
Essa divisão das áreas do campo, aliada às consequências da Revolução Verde, mudaram a forma da família agricultora e a manutenção da vida campesina. As mulheres, que já estavam presentes em diferentes movimentos sociais na esteira da redemocratização, como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), sindicatos e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), muitas vezes não tinham plena voz ou eram subalternizadas nos debates e decisões. Isso foi mais uma motivação para se articularem em torno de suas demandas e interesses, que envolviam particularidades da vivência como mulheres do campo e discussões a partir da lente de gênero.
Tudo isso ocorreu durante a década de 1980 em diante, com diferentes eventos que forjaram o MMC de hoje. Oficializado em 2004, a entidade aglutinou lutas nacionais de todos os territórios rurais e firmou um projeto campesino, popular e feminista. Desde o início, também houve a defesa da proteção das sementes crioulas. Por exemplo, em 2003, na cidade de Curitibanos, o MMA (Movimento de Mulheres Agricultoras, antigo nome do MMC) realizou um seminário sobre a agricultura agroecológica no qual as participantes socializaram as sementes crioulas produzidas e recuperadas em suas terras.
Por isso que, não ao acaso, muitas culturas tradicionais podem ser encontradas nos quintais dessas guardiãs. São os chamados quintais produtivos. Zenaide conta que o MMC busca fortalecer a biodiversidade desses espaços, justamente porque entende que grande parte das campesinas estão ali. Ela também aponta como “o Movimento ajudou as mulheres a entender a forma de guardar, para que continue mantendo a qualidade dessas sementes”.
“Você ter a semente é uma coisa, mas ter ela com qualidade é outra, e o movimento trabalhou pras mulheres pudessem ter uma produção boa, de boa germinação. Às vezes, você colhe a semente de qualidade mas você não armazena ela num local adequado e isso é prejudicial”, explica.
Contudo, Luana destaca que as mulheres ainda sofrem os impactos da concentração de terras e da própria estrutura machista. “Aí é onde o feminismo tem que chegar. Que [elas façam parte de] decisões participativas, de como será plantado, se não a mente masculina e machista do agronegócio é da monocultura”. A guardiã escreveu mais sobre isso em um artigo, intitulado Desafios e ideias para o resgate, produção, multiplicação e uso das sementes crioulas.
No trabalho, Luana escreve que “as sementes, as mulheres e a juventude são chaves para projetar um modelo de produção mais sustentável, igualitário e responsável com a biodiversidade. […] Soa repetitivo, mas é necessário lembrar que sem sementes crioulas e sem feminismo não há agroecologia”. Zenaide acrescenta que preservar as sementes crioulas é garantir que haja futuro.
“O objetivo é que as próximas gerações consigam ter uma alimentação diversificada, não só três ou quatro tipos de grãos, e isso ser a base de toda a alimentação das pessoas. Quanto mais pessoas tiver [acesso à] essa diversidade, mais qualidade de vida”, finaliza.
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Bárbara Poerner é jornalista.
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Fernão, não!
O protesto em poesia de Luh Ferreira contra o rebatismo pelo governador Tarcísio de Freitas da estação Paulo Freire, que agora passará a chamar Fernão Dias
Estátua do bandeirante Fernão Dias, em escola homônima no bairro de Pinheiros, São Paulo. Na ocasião, a escola estava sob ocupação estudantil l Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil
Fernão, não!
mil vezes, Fernão Não.
Ah mas por que não?
Se a população disse que Fernão era um cara bão?
54% de gente que gosta de bandeirola?
quem são?
Fernão não, porque Fernão
foi um cão
Empunhou uma bandeira de sei lá o que na mão
e saiu atirando, escravizando, mutilando grandão
Não bastasse no Brasil,
a história diz que até o Uruguai ele invadiu.
Fico aqui a pensar
Por que esse sujeito merece tanta adoração?
Se até nome de escola, de estrada, de gente
colocam o bandido Fernão!
Matou!
Invadiu!
Derramou sangue, merece o esquecimento
a vala da alheação
jamais um brasão.
Então governador vacilão
deixe de pressão…
Temos que fazer como fizeram os secundas:
atos de desocupação
atos de desinvasão
É Fora Fernão!
Fernão aqui, Não!
esse palco de horror que você quer montar
a cidade de São Paulo não merece virar
Sai fora com seus bandeirolas
com sua permanente ode ao ódio
A democracia venceu, o amor prevalecerá
E um educador, o melhor que tivemos
você terá de homenagear
custe o que custar!
Viraremos a página deste pesadelo
Fernão você vai ver lá no Posto de Gasolina
Fernão você vai ver com o saco na cabeça!
Quando a indignação nos assola
a poesia é a fórmula
Paulo Freire aqui segue e sempre será
o educador, o cara, que nos ajuda a sair de lá
De lá de onde?
Desse buraco chamado hipocrisia
da pequenez que não reconhece a grandeza do povo
Se cuide sujeito de martelinho na mão
suas pancadinhas não nos oferece medo
somos muitos nesse Brasilzão!
Somos maiores do que essa sede de escravidão!
Respeite a nossa luta, respeite a nossa história!
Chega de InFernão.
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Por Luh Ferreira, da Escola de Ativismo
Por que é urgente a revogação do novo ensino médio?
Mudança no currículo escolar tem precarizado a formação e focado em um modelo tecnicista de ensino
Por Izabella Bontempo
A reforma tem o objetivo de entregar uma formação técnico profissionalizante ao final da formação | Foto: Pxhere
Fruto do golpe de 2016, a reforma do ensino médio foi convertida na Lei Federal 13.415 em 2017, durante o governo de Michel Temer e seu então ministro da Educação, Mendonça Filho. Conforme a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define os currículos adotados pelas escolas, os únicos conteúdos obrigatórios passam a ser língua portuguesa e matemática, enquanto os demais conteúdos, como história, geografia, sociologia, física e química, por exemplo, aparecem diluídos em áreas de conhecimento e passam a não serem obrigatórios.
A reforma tem o objetivo de entregar uma formação técnico profissionalizante ao final da formação, e de acordo com o então governo, a medida foi proposta alegando que o ensino médio não é atrativo e não dialoga com a realidade dos jovens.
De acordo com Camila Moraes, vice-presidenta da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais (UEE-MG), a reforma é um atentado ao direito dos estudantes e da classe trabalhadora: “Quando você tira o direito de aprender sociologia e filosofia, por exemplo, na verdade você está dizendo que aquele estudante não tem direito de desenvolver uma leitura própria do mundo e nem de participar do processo onde a educação é emancipadora. Como conseguimos conceber a ideia que disciplinas tão fundamentais para a leitura da realidade não são necessárias? Isso tem a ver com uma retirada de direitos da classe trabalhadora de se desenvolver a partir da escola e da educação pública” conclui.
Com a retirada de conteúdos como história, o novo currículo oferece uma formação técnica com a oferta de cursos de marketing e empreendedorismo, por exemplo. Além disso, permite que um professor de qualquer área de humanas, ministre aulas dos outros conteúdos da mesma área, isso significa que um professor de geografia pode dar aulas de sociologia e filosofia, por exemplo.
Para Camila, essas mudanças representam uma ideia mercantilista e privatista da educação. “Entendendo a educação como mercadoria, você precisa gerar lucro, e para isso você precisa sucatear a escola pública e os educadores e profissionais que trabalham nela para lucrar mais com as redes privadas” compara.
Para Camila essas mudanças representam uma ideia mercantilista e privatista da educação. “Entendendo a educação como mercadoria, você precisa gerar lucro, e para isso você precisa sucatear a escola pública, os educadores e profissionais que trabalham nela pra lucrar mais com as redes privadas” compara.
Junior Miranda, professor de Ciências Sociais e mestre em Educação na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) denuncia que esta foi uma “reforma verticalizada, que não dialogou com os profissionais da educação, com os educadores e nem com as escolas”.
“Penso na lei 10.639 que determina o ensino da contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Onde vai entrar a proposição dessa lei que é fruto do movimento negro organizado? Me preocupa perder todos esses direitos que nós conquistamos com muita luta” relembra o professor.
O novo ensino também expõe o debate da generalização da educação sem considerar o estudo territorial e socioeconômico do país. Para Miranda, a padronização dentro de uma perspectiva curricular, visa unificar o ensino como se cada jovem, e cada região fossem iguais. “Nas próprias propagandas do BNCC vendia uma imagem da juventude que não condiz com a nossa realidade” finaliza.
Outro ponto debatido para a revogação do NEM, é a dificuldade do acesso dos jovens ao ensino, já que os alunos terão que mudar de escola ou até mesmo de cidade se quiserem cursar todas as disciplinas.
Paulinha Silva, da Diretoria de Combate ao Racismo da União Nacional dos Estudantes (UNE), defende que a reforma do ensino médio é urgente. “A maioria das escolas não têm estrutura o suficiente para implementar diferentes itinerários formativos, além das emendas inconsistentes”.
Por fim, Paulinha Silva afirma que “o ensino médio anterior não era bom, é necessário pensar uma reforma do ensino médio, mas de forma democrática, com participação da sociedade, dos professores e educadores. Precisamos revogar o novo ensino médio e depois construir uma educação pública que esteja conectada com a realidade brasileira e com os sonhos da juventude” finaliza.
Mobilização nacional
Nesta quarta-feira (15), a União Nacional dos Estudantes – UNE, União Brasileira das/dos Estudantes Secundaristas (UBES) e Associação Nacional de pós-graduandos (ANPG) convocam atos por todo o país contra o novo ensino médio. O local e horário podem ser conferidos nas redes sociais das organizações.
Maternidade e ativismo: reflexões sobre as potências e desafios da mulher-mãe-militante
Bruna Valença escreve sobre maternidade e ativismo e oferece caminhos para se pensar as intersecções e encruzilhadas da mãe-militante
Por Bruna Valença*
Rede Mães de Luta de MG, que luta contra a violência de estado, realiza protesto em frente a um tribunal de Justiça l Foto: Divulgação via Brasil de Fato
“A mãe é aquele bloco informe e sem face, para o qual ninguém olha; ele não assinala nada, não significa nada e apenas tem a função de manter, sustentar, realçar e glorificar a estátua definitiva – o filho. (Heloneida Studart, 1990)”
Ser mãe em uma sociedade patriarcal onde a maternidade é compulsória, não é uma tarefa fácil, mesmo aquelas mulheres que escolhem o maternar tem suas histórias constantemente apagadas ao se tornarem mães.
Venho de uma família majoritariamente cristã, na qual a maior parte das pessoas que a compõe não foram gravidezes planejadas. A maternidade compulsória na minha família tem o nome disfarçado de “Deus sabe o tempo de todas as coisas”.
Minha mãe engravidou de mim aos 21 anos, e teve que abandonar o ensino médio para se dedicar aos cuidados que uma criança com fissura palatina requeriam, mesmo vivendo em um casamento foi mãe solo, devido a ausência paterna ainda que este residisse no mesmo lar.
Por muito tempo esta era minha maior meta da vida, a fuga da maternidade.
Entrei em uma universidade e abri caminhos para pessoas do meu redor.
Porém, faltando um período para a finalização da graduação, um teste positivo de gravidez veio.
Eu vivi o luto da expectativa de uma vida focada na carreira e escolhi a maternidade depois de gestar.
O ativismo já me atravessava antes de ser mãe, por ter nascido com fissura palatina e defender essa causa e posteriormente com o ativismo climático, questionar o “Status quo” sempre fez parte da minha personalidade e com a maternidade não seria diferente.
A maioria das questões que envolvem a maternidade são invisibilizadas, somos forçadas a acreditar que as violências institucionalizadas são naturais e temos nosso direito de escolha manipulado pela mídia e pelo capitalismo.
Quando falamos em ativismo materno, nos deixamos levar pela imagem de uma mulher-mãe com sua cria em algum protesto, mas o ativismo começa a partir do momento em que eu como uma mulher preta decido colocar outra criança no mundo e educá-la com respeito e amor, no momento em que decidi parir, a me informar sobre as violências do sistema obstétrico, quando nas vacinas mensais insisto pelo meu direito de amamentar e de ser chamada pelo meu nome e não de “mãezinha”.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem mais de 11 milhões de mulheres que são as únicas responsáveis pelos cuidados com filhos e filhas. 63% das casas chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza. Diante disto, o peso do rótulo materno reverbera em muitas esferas do cotidiano e passa a se tornar peça chave nas lutas sociais.
No Brasil, as pesquisas sobre maternidade e militância enfocam campos bastante variados, levantando uma diversidade de discussões (1). Uma questão presente nas pesquisas da década de 1980 dizia respeito à militância de mulheres de camada popular, no período da ditadura militar, demandando saúde, educação e melhor infraestrutura em seus bairros. Nos termos de Sonia Alvarez, “maternidade”, e não cidadania, fornecia o principal referencial de mobilização para participação das mulheres na organização dos movimentos sociais urbanos”.()
A construção do conceito de maternidade
O conceito de maternidade foi construído ao longo da história humana, colocando de lado a figura de poder pela qual a mãe da espécie humana era temida e reverenciada pela misteriosa capacidade de engendrar crianças mas também pelo seu saber, o da experiente coletora de alimentos que sabiamente definia os padrões de partilha dos mesmos (3).
Na Grécia Antiga, a representação da mãe estava praticamente afastada da arte e da religião, e até na mitologia são abundantes as maternidades masculinas, cuja prole nasce de algumas partes da autonomia do macho. Vai longe a poderosa deusa-mãe. As suas descendentes, as deusas gregas, são deusas sem mãe e dominadas pelo pai, Zeus (FIDALGO, 2003).
Na Roma Antiga, de forma similar, a função da mãe também é restrita à maternidade. No entanto, face às elevadas taxas de mortalidade de então, as mulheres conquistam um pouco mais de espaço do que as gregas possuiam.
Na Idade Média, entre o começo do século V e meados do século XV, o exercício da maternidade servil é impulsionado pela religião, por meio da representação de Eva e Maria. A primeira, responsabilizada por toda a origem do mal da humanidade em forma de serpente, e, por isso, predestinada a sofrer as dores do parto e a constante submissão ao marido, como forma de punição e de controle. Maria, ao contrário, representa a proposta de uma nova mulher-mãe, feminina e sem pecado, de inteira sujeição voluntária ao marido, devido ao amor incondicional e não mais escravizante (CANANÉA, 2018).
Assim, a imagem da mulher-mãe transforma-se em mito do amor incondicional aos filhos, como instinto materno, justificando-se pelo ato biológico de parir. Sob esta ótica, a mulher abandona seu eu anterior e passa a desempenhar plenamente o papel de boa mãe, com sacrifícios voluntários em nome dos filhos, total abnegação e autoanulação, em prol da harmonia familiar, leiam-se, filhos e marido (CANANÉA, 2018).
Em resumo, todo poder existente na mãe e na capacidade de gestar e parir, foi apagado ao se instituir o patriarcado (FILDALGO,2003).
O movimento feminista e a subversão do ideal materno
Com o movimento feminista em ascenção a maternidade era considerada mais uma forma de opressão da mulher, uma forma de fracasso. Simone de Beauvoir defendia que “enquanto a família e o mito da família e o mito da maternidade e o instinto materno não tiverem sido destruídos, as mulheres ainda serão oprimidas”.
Passado o impacto da recusa da maternidade vieram perguntas dentro do movimento feminista: “nós (as mulheres) queríamos ser definidas sem a maternidade? Aceitávamos ser mutiladas de uma parte de nossa história, de nossa identidade?” A maternidade passa a ser considerada como um poder insubstituível, o qual só as mulheres possuem e os homens invejam. (4)
A autora Andrea O’Reilly (2010) sugere então que se a maternidade patriarcal caracteriza a criação de filhos com um ato privado e apolítico, a agência materna coloca em primeiro plano, a dimensão político-social do trabalho materno (5).
De qualquer forma, devem-se às pioneiras uma série de conquistas atuais que possibilitem condição de vida mais digna para as mulheres, mães ou não, em meio à sociedade patriarcal, detentora do discurso hegemônico machista. Dentre estas vitórias, estão: oportunidades de escolarização mais elevada e, consequentemente, melhores empregos e maior espaço no mercado de trabalho; direito ao voto; acesso ao divórcio; chance de optar pelo aborto; permissão para viver sua liberdade sexual e profissional, mediante a desconstrução de uma cultura masculina (6).
Maternidade e ativismo: uma oportunidade de empoderamento da mulher-mãe
Nas primeiras décadas do século XXI uma dimensão importante na abordagem acadêmica sobre ativismos maternos têm sido os movimentos de mães de vítimas de violências institucionais (LEITE, 2004; BRITES e FONSECA, 2013) e, em particular, da violência policial perpetrada em nome da guerra ao tráfico (VIANNA e FARIAS, 2011).
Mães de LGBTIQ+ brasileiras têm formado malhas de apoio mútuo e mobilizações políticas desde a década de 1990, a exemplo do Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), criado em São Paulo pela psicanalista Edith Modesto em 1997 (Oliveira, 2013).
Ou, ainda, movimentos pela reivindicação de políticas públicas para filhos com diagnósticos de autismo, que têm uma atuação historicamente importante na garantia de direitos sociais desse grupo (LOPES, 2019).
No movimento ambiental também há exemplos, como é o caso do Parents for Future, que tem sua atuação no Brasil denominada de Famílias pelo Clima, onde a principal missão é inspirar e capacitar os pais a usar sua voz na defesa do clima para que as crianças possam crescer em um mundo com valores de justiça social e ecológica.
A autora Lilian Cananéia traz uma importante reflexão sobre como o ativismo digital contribui para a construção da nova identidade dessa mulher-mãe, trazendo a questão da maternidade para o debate político sem precisar passar por instituições.
“Com as redes sociais a mulher-mãe lança mão de uma nova frente para sua atuação múltipla como ser humano, com vida individual e profissional, transformando os novos instrumentos em recursos relevantes para reforçar suas pelejas diárias e trazer novas temáticas para o debate social.
Tais questões resgatam velhas reivindicações e apontam para uma reconfiguração da postura da mulher-mãe, ou seja, para a ressignificação de sua identidade via ativismo digital.
Nesse momento, a problematização da maternidade ganha fôlego e conquista espaço. A mulher-mãe apropria-se do mundo virtual e institui, com força total, um novo espaço de luta para potencializar suas reivindicações não somente na esfera privada. Vai além e coloca no âmbito público, questões antes exclusivas do espaço privado: família, sexualidade, trabalho, divisão de tarefas em casa, cuidado com as crianças, oferta de creches para filhos pequenos, etc. (CANANÉIA. L, 2018).”
A luta por direito à terra, à saúde materna, contra o racismo e a favor das orientações sexuais das mulheres tornam-se efervescentes até atingir o que podemos chamar quarta “onda” do feminismo, desta vez, marcada pelo ativismo digital (CANANÉIA. L, 2018).
A autora Leticia Abella (2016), sugere em seu livro “Redes sociais e empoderamento cidadão” – que surgimento das novas tecnologias de comunicação contribuiu bastante para que os cidadãos que não encontravam espaço nas mídias tradicionais passassem a utilizar tais tecnologias como instrumentos de mobilização social, “sem a necessidade de aprovação dos setores poderosos” (Abella, 2016, p. 93). Dessa forma, abrem-se portas para formas de expressão de caráter mais horizontais, nas quais a informação possa ser circulada “através de um fluxo mais livre entre as diferentes esferas da sociedade” (Abella, 2016, p. 94). Pode-se então concluir que “a evolução das mídias tem colaborado na formação de um novo cenário de mobilizações sociais: aquelas que são geradas a partir de intercâmbios na rede” (Abella, 2016).
Este intercâmbio de rede trouxe Sabrina Cardoso para o ativismo, uma mulher negra, carioca de Irajá, meio paulista, mãe da Maya, formada em Desenho Industrial, com MBA em Design Estratégico pela ESPM. Trabalha como Designer de serviços públicos no Instituto Tellus e atua como mobilizadora voluntária na Embaixada Rio-Niterói na Politize!.
Ela se iniciou no movimento através da Politize e da Casa Fluminense o que acabou reverberando no seu trabalho onde ela passou a fazer parte do Comitê de Diversidade. Para ela estes movimentos foram fundamentais para que a mesma se empoderasse como mulher e entre outros pontos escolhesse a maternidade. A mesma afirma também que:
“A criança com uma mãe ativista, que tem essa concepção clara de como é fazer uma educação antirracista, com todos os pilares, de gênero, classe e o que for para falar de ativismo, tem mais chance de crescer e se desenvolver rompendo o ciclo de violências reproduzido pela sociedade. Falando do meu recorte que possui família e rede de apoio, a gente também trava uma luta familiar, para conseguir convidar a família/rede de apoio a se adaptar e repensar atitudes estruturais que estão impregnadas na nossa cultura …”
O ativismo digital materno vem sendo uma importante estratégia de mudança da imagem da mulher-mãe e sendo um potente recurso de cobranças por políticas públicas, como por exemplo o Projeto de Lei (PL) 2647/2021 que busca incluir o cuidado doméstico como trabalho capaz de contribuir para a aposentadoria.
Porém, o discurso que permeia o ativismo materno das redes sociais ainda é majoritariamente branco, que poderia ampliar seu potencial inclusivo pela incorporação de perspectivas provenientes do feminismo interseccional, por exemplo, reconhecendo a multiplicidade das diferentes realidades de classe, raça, orientação sexual, entre outros elementos envolvidos no ser “mãe”.
“Muitas mulheres, especialmente mulheres brancas privilegiadas, deixaram de considerar as visões feministas revolucionárias à medida em que começaram a adquirir poder econômico dentro da estrutura social existente. Nos círculos acadêmicos, o pensamento feminista foi abraçado e progrediu. Porém, frequentemente, esse pensamento não se tornou disponível para o grande público. Ele se tornou e continua a ser um discurso privilegiado e direcionado a aqueles que são altamente letrados, bem educados, e, de forma geral, privilegiados também em termos materiais” (BELL HOOKS. 2000, p. 5)3.
Enquanto ativistas mães brancas tratam de assuntos como violência obstétrica, licença maternidade e cultura do desmame. Mães pretas, pobres, indígenas têm seus filhos como alvo do Estado, e se tornam ativistas não por escolha mas por fatalidade.
Ela que é mãe do Otto de 7 anos, já viveu uma maternidade solo e hoje vive uma maternidade dupla com sua companheira. Sobre como a maternidade atravessou o ativismo, Bia afirma que intensificou:
“Quando a gente é mãe seja de qual forma, parindo, gestando ou adotando, a gente deseja o melhor para os nossos filhos. Então intensificou aquilo que eu já acreditava e me deu coragem e para botar a mão na massa e ser mais ativa e proativa nas ações e na vida. Na época que meu filho nasceu na maternidade solo e agora em maternidade dupla com a minha companheira Viviane, com duplo ativismo enquanto uma mulher indígena casada com uma mulher negra. A criatura criança filho no meio do ativismo eu acho que dá esse sentido dá sentido, dá significado e caminho e ao mesmo tempo.”
Concluo com a fala de Bia Pankararu que traz uma reflexão importante sobre a rede de apoio da mulher-mãe-ativista ser majoritariamente feminina.
“Para uma mulher mãe ocupar esses espaços, alguém ficou com essa criança e muitas vezes a gente não tem uma rede de apoio que possa que a gente possa contar. Quando se tem essa sorte, geralmente têm uma rede de apoio de mulheres. Então essa criança fica com a avó, com a tia… Enfim, são ciclos de gerações de mulheres que são negados a ocupar espaço de poder, liderança, espaços de protagonismo nos movimentos e nas pautas mais diversas em decorrência da maternidade”.
*Bruna Valença é uma mulher negra de pele clara, nascida e criada em Santa Cruz, na Zona Oeste e periferia do Rio de Janeiro (RJ), tem 23, é mãe do Teodoro e ativista socioambiental. Se formou em Engenharia Florestal pela UFRRJ e em Técnico em Meio Ambiente pelo SENAI.
(1) FINAMORI. S. “ATIVISMO MATERNO E “MATERNIDADE SOLO” Florianópolis, 2021, ISSN 2179-510X
(2) ALVAREZ, Sonia E. Engendering democracy in Brazil. Women’s movements in transition politics. Princeton: Princeton University Press, 1990. 320 p
(3) FIDALGO, L. (Re)construir a maternidade numa perspectiva discursiva. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
(4) SCAVONE. L. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Dossiê: Feminismo em Questão, Questões do Feminismo • Cad. Pagu (16) • 2001
(5) Encyclopedia of Motherhood Sage Publications, Inc., First Edition, April 6 2010.
(6) CANANÉA. LMATERNIDADE EM PAUTA: REFLEXÕES SOBRE ATIVISMO DIGITAL E SUA RELAÇÃO COM A COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO. Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa, v. 8, n. 3, p. 20-39, set./dez. 2018
Referências
BRITES, Jurema; FONSECA, Cláudia. As metamorfoses de um movimento social: Mães de vítimas de violência no Brasil. Análise Social, Lisboa, n. 209, p. 858-877. Dezembro/2013.
BEAUVOIR, Simone de; FRIEDAN, Betty. Sex, Society andtheFemaleDilemma: a Dialogue Between Simone de Beauvoir and Betty Friedan. Saturday Review,(p. 12-21), 14 de junho de 1975. p. 20. Disponível em: <https://bit.ly/2NnOrSI>. Acesso em 13 jan. 2020.
OLIVEIRA, Leandro. 2013. Os sentidos da aceitação: familia e orientação sexual no Brasil contemporâneo. Tese de Doutorado. Museu Nacional, Programa de cialid Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
BONETTI, Alinne. Para Além da “Maternidade Militante”: Mulheres de Base e os Ativismos
Cadernos do LEPAARQ, Pelotas-RS, v. 4, n°7/8, p. 81-102. Jan/Dez 2007.
MEDRADO, Andrea; MULLER, Ana P. Ativismo digital materno e feminismo interseccional: Uma análise da plataforma de mídia. Braz. journal. res., Brasília- DF, v.14, n.1, p.184-211, abril/ 2018.
MEYER, Dagmar E. Estermann. A politização contemporânea da maternidade: construindo um argumento. Revista Gênero, Niterói, v. 6, n. 1, p. 81-104, 2005.
LEITE, Márcia Pereira. As mães em movimento. In BIRMAN, Patrícia & LEITE, Márcia (org). Um Mural para a Dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2004
LOPES, Bruna Alves. Não Existe Mãe-Geladeira. Uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019). Ponta Grossa, 2019. 289 p. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Ponta Grossa (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas).
VIANNA, Adriana; FARIAS, Juliana. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. Cadernos Pagu, Campinas, n. 37, p.79-116, 2011.
Leia o “Dez por Cento”: box com 6 livros debate Paulo Freire, aprendizagens e militâncias
Escola de Ativismo lança box com conversas de seminário celebrando os dez anos da escola e o centenário de Paulo Freire
Os dez anos de Escola de Ativismo, por uma feliz coincidência, foi comemorado no mesmo ano do centenário do nascimento de Paulo Freire, em 2021.
Para celebrar tal coincidência, a Escola de Ativismo promoveu a série de encontros, agora transformadas em livros, batizados de “Dez por Cento – 10 anos de Escola de Ativismo, 100 anos de Paulo Freire”. Neles, convidamos, educadores, pesquisadores e ativistas para pensar as relações entre ativismo e educação. Foram seis conversas, que foram transcritas, revisadas por suas autoras e seus autores e publicadas em um box especial.
Ainda que Paulo Freire tenha sido o motor que dinamizou o processo, as companheiras e os companheiros trouxeram contribuições e perspectivas muito próprias. Com isso, pudemos ouvir um número elevado de referências, de práticas, de pensamentos que multiplicaram, e muito, as nossas formas de pensar e agir.
De forma que é um prazer compartilhar isso com vocês agora. Quem quiser acessar, pode clicar aqui abaixo e fazer o download de cada um dos livros:
- Romualdo Dias, com Influências de Paulo Freire em nossas trajetórias
- Jorge Larrosa, com Educação, Estudo e Ativismo
- Alessandra Munduruku, com Onde tem a sombra de uma árvore, está a Escola de Ativismo
- Madalena Freire, com Entre Escolas e Ativismos, uma aula com Madalena Freire
- Silvio Gallo, com O professor militante
- Dyarley Vianna, com Paulo Freire: por uma pedagogia preta
Ah, e todas estas falas e conversas estão disponíveis no canal do YouTube da Escola de Ativismo (que você pode acessar clicando aqui). Os livros também estão disponíveis para venda online e em livrarias!
Bons aprendizados, boas ensinanças, boas lutas e boas leituras!
Como uma comunidade pode comemorar o aniversário de um rio e impedir sua destruição
Quando morre uma criança — e quando morrem 570
“Se algo der errado com uma criança, a responsabilidade é de todo mundo”, lembra Luh Ferreira, da Escola de Ativismo, ao falar sobre o genocídio Yanomami.
Foto: Leonardo Prado/PG/FotosPúblicas/2015
z tempo que venho querendo escrever sobre esse assunto. Mas, as palavras costumam faltar quando o embolamento no peito, a ausência de compreensão e a indignação são grandes.
Passei este final de semana na companhia de algumas crianças. O mais novo tinha cerca de 9 meses. A do meio seis anos e a mais velha nove.
Brincamos um monte, demos risada, pulamos, cuidamos de um, corremos de outro.
Comemos bala, chupamos sorvete.
Foi uma tarde de tempo suspenso. Digo isso em oposição ao tempo cronológico, parado e dedicado às tarefas que ocupam nossa vida. Um tempo suspenso que faz tudo ser vivência, voltado para a experiência e a amizade entre uma pessoa adulta e três crianças.
Após esse tempo que deve ter durado umas quatro horas de tempo cronológico, retornei a casa e para as minhas atividades, para me dedicar aos velhos problemas que por este tempo ficaram esquecidos, em sobrevoo por entre as bolhas de sabão que a do meio soltava, para encanto do irmão, o bebê.
Retornei aos meus afazeres, mas não consegui voltar a velha Luh de antes…
Uma onda de alegria, de fé na vida, de confiança, de ideias mil invadiram meu corpo e me vi cantando e dançando na sala de casa uma música da banda Gilsons:
Vou levando eu vou, no swing vou levar, espalhando amor, vou já
Anda leve eu vou… caminhando pela cidade, andar leve eu vou sem me preocupar..
E aí me deixei levar por essas sensação por uns instantes.
E percebi que a intensidade da infância que havia me tomado, um devir-infância abriu uma fresta radiante no meu corpo opaco.
A sensação me lembrou das crianças indígenas, que para mim são um sinônimo de alegria sem fim…
Pra quem já foi a alguma aldeia vai saber que é um ambiente dominado por risos e gritarias de crianças. Elas com seus olhos grandes e curiosos, observam tudo, acompanham todos, sabem de quase tudo que se passa, estão ali sempre à espreita em busca do novo!
Em busca da novidade que as alimenta, assim como sobem nos pés de fruta em busca da que está mais distante das mãos, e provavelmente mais saborosa.
Foi observando as crianças de uma aldeia no Mato Grosso que descobri o melhor lugar para se banhar em um rio. Foi andando com as crianças de uma aldeia no Pará que aprendi a observar o rastros dos animais na mata e saber sua localização, a não ter medo deles, mas tê-los como aliados.
Foram as crianças de uma aldeia no Amazonas que me mostraram que a vida é uma brincadeira, e se você não acredita, é um tolo.
Então estar com as crianças significa renovar o sentido, significa deslocar a rota para observar aquilo que realmente importa.
Cuidar de uma criança nos devolve o sentido de humanidade.
A gente se lembra o que veio fazer aqui nesse mundo, se lembra que viemos aqui para apoiar, pra torná-lo melhor, mais vivo…
É por isso que ao me deparar com a situação de extrema calamidade vivenciada pelos Yanomami da região de Roraima, fiquei sem ar. Sem fôlego. Imaginei que as cenas que vimos e vivenciamos ao longo destes quatro anos já teriam sido o bastante. Mas não…
A tragédia estava anunciada, e estamos verificando a concretização deste desespero absurdo que é a perda de 570 crianças, a morte de 570 mundos!
Em outubro de 2021 me recordo da notícia de duas crianças Yanomamis que foram dragadas quando brincavam no rio, nesta mesma região em Roraima. Elas estavam com uma prancha, certamente brincando e aprendendo a nadar, a lidar com as correntezas fortes desde muito cedo, para pescar e se deslocar pelo rio com destreza quando forem adultos.
Tiveram sua brincadeira interrompida, por máquinas que nunca deveriam estar ali, por pessoas que ocupam o território ilegalmente levando doenças, produtos nocivos à saúde e destruição.
É de arrancar o coração do peito ver as crianças Yanomami no estado que estão — e não duvido que outras crianças indígenas estejam também em proporcional vulnerabilidade no Brasil. Infelizmente estávamos sob o comando de um genocida, agora mais que comprovado. O projeto de extermínio foi colocado em prática pelo Estado Brasileiro, não há dúvidas.
Costumo dizer na minha família que se alguma acontece com alguém mais novo que a gente, a culpa é de todo mundo, de todos os mais velhos que estavam ali para cuidar de um mais novo.
Se algo der errado com uma criança, a responsabilidade é de todo mundo.
Espero que o aparato disponibilizado para socorrer os Yanomami funcione e torço para que haja a possibilidade de corrigir o mal feito e que os indígenas possam criar as suas crianças e viver com dignidade e autonomia.
De todo modo, chamo a atenção para as infâncias.
Elas são sim capazes de reencantar o nosso dia, e muito mais do que isso, elas são as responsáveis pela renovação do mundo.
Se não tivermos as crianças por perto e junto conosco, não há mundo porvir — para dialogar com Debora Danowiski e Eduardo Viveiros de Castro no livro que lança esta minha afirmação como pergunta: “Há mundo porvir? Ensaios sobre os medos e os fins” (2014).
Finalizo este texto com Hannah Arendt em “A Condição Humana” (1977), que nos chama a atenção para a responsabilidade com o mundo e com a renovação dele, ao cuidarmos e apresentarmos o mundo às crianças, estando com elas nessa empreitada.
“A educação é a posição em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumir a responsabilidade por ele, e pela mesma razão, salvá-lo da ruína que a não ser pela renovação, a não ser pela vinda do novo e dos jovens, seria inviável. E a educação é também quando decidimos se amamos nossos filhos o bastante para não expulsá-los de nosso mundo e deixar que façam o que quiserem e que se virem sozinhos, nem para arrancar de suas mãos as mudanças de empreender algo novo, algo imprevisto por nós.”, HANNAH ARENDT (1977, p. 196)
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Por Luh Ferreira, da Escola de Ativismo