Por Luiza Ferreira – 30/11/2023

 

 

Ativistas brasileiros irão pautar a ratificação do acordo que versa sobre proteção de defensores socioambientais na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28)

Crédito: Escazu Ahora/Reprodução

Você já ouviu falar do acordo de Escazú? É provável que não. Mas sem dúvida você já se deparou com notícias de ativistas ambientais e lideranças, guerreiros e guerreiras dos povos tradicionais sendo assassinados e ameaçados. Afinal, o Brasil, segundo levantamento de 2022 da Witness, é o país que mais matou ambientalistas na última década. Do total de 1733 mortes no mundo, 342, ou 20%, aconteceram no país. Soma-se a isso a realidade brutal da América Latina, que concentra três quartos dos assassinatos globais. 

Mas algo poderia ter sido feito. 

O Acordo de Escazú (Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe), assinado em 4 de março de 2018 na cidade de Escazú, na Costa Rica, ainda aguarda aprovação no Congresso Nacional do Brasil. Ele é o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe a estabelecer mecanismos concretos de proteção para os defensores ambientais, reconhecendo sua importância crucial na preservação do meio ambiente e na promoção da sustentabilidade. 

Seu objetivo principal é fomentar e garantir os direitos fundamentais de acesso à informação, participação pública e justiça em assuntos relacionados ao meio ambiente, e, neste ano, é um dos temas pautados por ativistas latino-americanos na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28). 

Até o momento, o Acordo, que entrou em vigor em 2021, foi assinado por 24 países e ratificado por 15: Antígua e Barbuda, Argentina, Belize, Bolívia, Chile, Equador, Granada, Guiana, México, Nicarágua, Panamá, São Vicente e Granadinas, Saint Kitts e Nevis, Santa Lúcia e Uruguai. No Brasil, o Acordo de Escazú foi assinado em 2018 mas ficou paralisado pela política anti ambientalista do ex-presidente Jair Bolsonaro, e, agora, quase cinco anos depois, a nova gestão enviou o Acordo de Escazú para o Congresso

Histórico 

Desde a Rio+20, conferência realizada no Rio de Janeiro em 2012, países da América Latina e do Caribe debatiam  a criação de um acordo regional que se comprometesse com a implementação de um dos princípios da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (Eco-92), assinada na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento do mesmo ano no Rio de Janeiro. 

Diz o príncipio 10:

“A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios” 

A negociação do texto perdurou por seis anos e foi secretariada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e em 04 de março de 2018 o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe foi concluído  em uma nova conferência da ONU, em Escazú, na Costa Rica. No mesmo ano, o Brasil assinou o acordo, mas até hoje não o ratificou. 

Movimento Escazú Brasil

Para a ambientalista Joara Marchezini, coordenadora de Projetos do Instituto Nupef,  organização social brasileira de referência na promoção do uso seguro das tecnologias de informação e comunicação e representante eleita para compor as mesas de negociações do acordo, um dos principais obstáculos para a ratificação é a falta de conhecimento sobre o acordo. O idioma também se coloca como um segundo entrave, já que a maioria das informações sobre o tratado atualmente estão em inglês e espanhol.

“A gente acredita que o acordo tem muito potencial para ser aprovado no Congresso, principalmente porque tem elementos positivos não apenas para proteção de defensores, mas também elementos que promovem a transparência ambiental. Esse acordo ainda pode ajudar a implementação de outras leis internacionais, como o próprio acordo de Paris”, diz a ativista.

E a sociedade civil já vem se articulando para amplificar a popularidade do Acordo de Escazú e pressionar por sua ratificação. Um dos movimentos organizados pelos ativistas brasileiros é o Movimento Escazú Brasil, do qual Marchezini faz parte, formalizada em 2023 e que nasceu das organizações envolvidas com o acordo. Também neste ano, o Movimento Escazú Brasil, por meio da Fundação Esquel, foi selecionado para levar um painel para o Pavilhão Brasil na COP28

Marchezini ressalta que as vozes da sociedade civil têm sido constantemente incorporadas no processo de criação do acordo,  resultado de um diálogo entre representantes do poder público, do setor acadêmico e da sociedade civil organizada. Antes mesmo do texto do acordo se consolidar, os ativistas já se organizavam para a inclusão de elementos que viriam a constituir o escopo do texto final. 

Crédito: Escazu Ahora/Reprodução

Um exemplo que chama atenção é o fato de que o artigo que menciona os defensores não existia na primeira versão do texto de negociação do Acordo de Escazú. Como revela Joara: 

“O artigo de defensores não existia, ele era um um elemento dentro de acesso à justiça, ele era um parágrafo dentro de acesso à justiça, mas até por conta da mobilização do público, por conta das das reuniões, dos eventos paralelos, dos casos, isso foi ganhando corpo e a gente tem o acordo como ele existe atualmente”.

Para Joara, a pressão popular é fundamental, e um dos pontos importantes nesse processo é entender que a aprovação virá a partir da votação dos deputados, que, por sua vez, responderão às suas bases eleitorais. Um dos elementos centrais e característicos do acordo é essa estrutura de participação na qual ele foi construído e vem se desenvolvendo, sendo um dos únicos acordos que contam com a participação do público, seja de forma remota ou presencial.

“Todos aqueles e aquelas que queiram se envolver podem contribuir com sugestões e recomendações para implementação do Acordo de Escazú, a natureza dele é participativa e a gente acredita que a sociedade civil tem esse papel fundamental para garantir a ratificação e quanto mais pessoas souberem e ajudarem nesse processo mais fácil vai ser também a implementação do acordo. Eu acho que esse é um elemento de conhecimento para acionar essas leis, isso é a base”, diz a representante.

Os padrões regionais e a criação de ações conjuntas Sul-Sul

Segundo as Nações Unidas, a Cooperação Sul-Sul é um processo de cooperação técnica, em que países em desenvolvimento no Sul Global buscam atingir objetivos comuns ou individuais através do intercâmbio de experiências, conhecimentos, habilidades e recursos. Uma das características principais do Acordo de Escazú é a sua ênfase em padrões regionais e a criação de ações conjuntas Sul-Sul onde América Latina e Caribe se unem pela primeira vez em prol de um acordo ambiental regional. 

E isso ilustra a forte visão de cooperação e fortalecimento das capacidades dos Estados latino-americanos, onde, além de tratar dos problemas ambientais transfronteiriços, eles podem aprender com os problemas em comum que são característicos da região, como a desigualdade social.  

“A emergência climática está aí para mostrar o quanto é necessário essa atuação em conjunto. O Acordo de Escazú é uma plataforma que impulsiona a melhor implementação possível de soluções em comum, onde há uma premissa de fortalecimentos da capacidade, um dos princípios previstos dentro do acordo”, diz a ativista.

A história da América Latina é marcada por lutas e resistências dos povos defensores do meio ambiente, e se configura como uma região perigosa para essa população. Por isso, outro elemento fundamental que o acordo traz é o entendimento da necessidade de apoio ao trabalho dos defensores e das defensoras do meio ambiente, para que, mais do que soluções imediatas de reversão de conflitos, como a retirada de defensores ameaçados dos locais onde eles atuam, existam condições concretas de atuação, permanecimento e defesa dessas pessoas na região. 

“Se você tira um defensor dessa região, não necessariamente você está solucionando um problema, você pode estar garantindo a vida dele no primeiro momento, isso é válido, é a forma de atuação. Mas você tá dando um sinal pra própria comunidade que fica ali de que é difícil lutar, é difícil proteger o meio ambiente, é difícil resistir”, afirma Joara. 

A representante pontua o olhar de coletividade que o tratado propõe, e isso pode ser visto até mesmo na definição dos defensores, que não trata apenas de uma definição individual, mas de pessoas, grupos ou coletivos. 

“A gente tem os líderes e as lideranças históricas, e todo o processo de renovação da juventude, mas o acordo olha pra região, olha pro contexto e tenta trazer um olhar de fortalecimento e um olhar de  entorno propício, que é o que a gente chama de ambiente adequado para esse trabalho. Sem ameaça, com liberdade de expressão, com liberdade de associação, com todos os direitos garantidos”, comenta a ativista.

O Sul Global está em ascensão, e os debates de fortalecimento regional e garantia de acessos à população dos países da região têm ganhado mais força a cada ano. Mesmo com todo esse potencial, o Sul Global ainda é negligenciado em muitos aspectos pela política internacional. E isso afeta toda a produção de informação e divulgação de conhecimento latino-americana. Por isso, outro ponto importante que o Acordo de Escazú traz é o fortalecimento da produção de informação através da elaboração de relatórios e diagnósticos no Sul Global.

“Muitas vezes a gente não consegue acesso à informação, mas em muitos casos essa informação não existe. A gestão da memória, a gestão documental não é fortalecida”, lembra Joara.

E agora, quais os próximos passos?

Segundo Marchezini, atualmente existem dois processos paralelos que dizem respeito à tramitação do Acordo de Escazú no Congresso Nacional: no primeiro ele passaria por quatro comissões avaliadoras para depois seguir para o plenário, entre elas a Comissão de Relações Exteriores, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a Comissão de Finanças e Tributação e a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, até que o acordo siga para o plenário. 

Outro possível rito de tramitação é se houver a aprovação de um regime de urgência, onde o acordo iria direto para análise plenária. Tal pedido já existe, é o requerimento 2108/2023, proposto pelo deputado Zeca Dirceu (PT – PR). 

Parlamentares também têm levantado a bandeira do Acordo de Escazú, entre eles as deputadas Duda Salabert (PDT-MG) e Célia Xakriabá (PSOL-MG) e os deputados Nilto Tatto (PT-SP) e Amom Mandel (CIDADANIA-AM). 

“Eu acho que tem bastante parlamentar interessado no tema na verdade, ou pelo menos querendo conhecer, querendo se engajar e isso é muito benéfico para o processo, não só para Proteção Ambiental, mas como para questão de transparência, para a questão de emergência climática, para questão de desastres. A gente está torcendo para que ele seja bem recebido dentro do Congresso nessas comissões”, diz Marchezini. 

A representante também aponta que com a aprovação, a sociedade civil tem um papel importante na efetivação do acordo: “como qualquer outra lei, ele vai necessitar de monitoramento, de apoio, de divulgação, de promoção de conhecimento, de troca de experiências”. Para ela, o Brasil tem muito a contribuir no plano de ação, e, diante disso, é importante olhar não só para a implementação nacional, mas também para as discussões internacionais.

Segundo a ambientalista, a forma como tem sido construído o Acordo de Escazú é um exemplo de que é possível e preciso existir um diálogo e um consenso entre sociedade e Estado, e que ele possa olhar para a sociedade civil também como um mecanismo repleto de contribuições a oferecer e de que essa relação é produtiva. 

“A gente não precisa esperar a ratificação para utilizar aquilo que está escrito no acordo como uma referência para elaboração de leis e para decisões judiciais. Também não precisamos esperar a ratificação para se envolver na construção do plano”, argumenta.

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