Por Bárbara Poerner – 20/12/2023

Medo do futuro, apagamento de modos de vida tradicionais e sensação de impotência fazem parte da ansiedade climática; experiência soma-se às outras opressões do Sul Global

Marcha do Eco pelo Clima em novembro de 2023 em Porto Alegre l Foto: Andrea Graiz/Eco Pelo Clima

Chuva forte é um  sinônimo de medo para Renata Padilha. “Para mim, sempre significou que era a minha casa, minha rua e minha comunidade que ficaria uma semana sem água e luz”, relembra ela, que cresceu em uma região periférica de Porto Alegre.

Desde que começou no ativismo socioambiental, a internacionalista e fundadora do movimento Eco Pelo Clima tem momentos de ansiedade climática. O sentimento é, compartilhado por muitas pessoas: uma pesquisa da revista científica The Lancet, realizada em 2021, revelou que 59% dos dez mil entrevistados declararam estar muito ou extremamente preocupados e 84% estavam pelo menos moderadamente preocupados com as mudanças climáticas. A mostra entrevistou jovens, de 16 a 25 anos, em dez países (Austrália, Brasil, Finlândia, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos).

“Não existe estar bem, dormir ou comer bem se o nosso território está em perigo”.

Ainda na pesquisa, mais de 50% relataram sentir emoções de tristeza, ansiedade, raiva, impotência e culpa, e, no recorte brasileiro, 85% dos participantes responderam que o futuro parece muito assustador. O Brasil foi o país com maior número de entrevistados que declarou sentir-se traído em relação às respostas dos governos sobre o problema.

Tudo isso, para Luene Karipuna, “gera medo porque é algo que não afeta somente a mim, mas ao meu povo, ao meu território”. Ela, que é ativista e comunicadora indígena, defende que os modos de vida das populações tradicionais são afetados com a crise climática, já que geram desequilíbrios ambientais, sociais e culturais. E é desse deslocamento das formas de viver que se ampliam os  sentimentos de angústia, incerteza e perda de identidade.

Como exemplo, ela cita o que está acontecendo em sua Terra Indígena (TI), que fica em Oiapoque (AM). “Há dois anos nós não conseguimos plantar mandioca por conta das mudanças do clima. E desde então a gente não consegue mais comer a farinha feita por nós, que é a nossa base alimentar”. Luene ainda argumenta que é impossível dissociar a ansiedade climática da vivência territorial porque “não existe estar bem, dormir ou comer bem se o nosso território está em perigo”.

Passado e futuro

Daniela Vianna soma mais de duas décadas trabalhando com meio ambiente. A jornalista, que estuda comunicação climática e pós-doutoranda no IEA-USP e bolsista do USPSusten (SGA-USP), conta que sempre foi movida por esperança. Contudo, “nesse ano, principalmente, com o que a gente está vendo, essa esperança foi misturada com revolta, porque estamos falando disso há 20 anos, há mais de 30 anos os cientistas estão alertando que isso aconteceria”, desabafa.  

Em novembro, quando regiões do Brasil atingiram níveis de calor extremo, Daniela percebeu que estava sofrendo na pele algo que enfrenta há tanto tempo. “A sensação de que nada do que eu tinha feito havia adiantado, algo como, ‘estou há 20 anos trabalhando com isso e não consegui reverter nada'”.  

Ela acredita que a “ansiedade climática também envolve o fato de que, mesmo conscientes do problema, não termos autonomia ou não termos a capacidade da tomada de decisão”, já que líderes globais têm agido de forma insuficiente para frear as emissões de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global.  

Mãe de um menino de nove anos, a jornalista lamenta ao pensar que os adultos do futuro terão, se o planeta ultrapassar 1.5ºC, condições de vida piores do que as atuais. “Dá dor no coração saber que ele [meu filho] não vai ter a mesma qualidade de ar, a mesma qualidade de água e a mesma condição de temperatura que eu tive quando eu tinha a idade dele”, diz.  

Mesmo assim, Daniela continua mantendo a esperança – algo que o filósofo Antônio Gramsci chamou de “otimismo da vontade” – e busca espaços comunitários para equilibrar o ativismo. Ela faz parte do Famílias Pelo Clima, um desdobramento do Fridays For Future Brasil (Jovens Pelo Clima), movimento global que formou-se em meados de 2018 encabeçado por Greta Thunberg. 

reunião em cooperativa

Mais de 40 milhões de meninas e meninos brasileiros já estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental l Foto: Agência Brasil/Arquivo

Sobreposição de opressões 

“Não dá pra desconectar ansiedade climática de justiça climática e de desigualdade”, defende Daniela, ao reforçar que a questão precisa ser ponderada também sob as lentes do Sul global.

Isso porque as mudanças climáticas atingem de formas diferentes as populações. Os mais socialmente marginalizados, como mulheres, crianças e pessoas não-brancas, são estatisticamente os mais afetados. “Estamos falando que algumas pessoas têm mais privilégio e mais condições de lidar com isso”, defende Kinda Silva van Gastel, da organização Engajamundo.

Enquanto jovem ativista, Kinda diz que a angústia de pensar no futuro do planeta soma-se a outras preocupações. “Não estamos só lidando com mudanças climáticas, mas também com todo o processo de vir ao mundo, se entender, pensar o que a gente gosta, o que a gente quer fazer na vida. Como juventude preta, periférica, indígena, temos desafios que são para hoje”, diz, referindo-se a aos problemas de ordem estrutural que os brasileiros enfrentam, como a fome, o racismo, a falta de acesso à moradia, à educação e à cultura.

Em sua avaliação, mesmo que a sua geração expresse preocupações com a saúde mental, isso não é o suficiente quando abordamos essas opressões. “Tem vezes que você pode ir pra uma terapia e pode ficar meses, anos, tentando lidar com um problema que não tem resolução individual, porque o problema é estrutural”. 

Por isso, Kinda ainda acredita que “não precisamos da ansiedade para agir. Eu me sentiria muito melhor se eu não tivesse que lidar com a ansiedade”. 

Ativismo e comunidade

Uma das estratégias para Renata lidar com a ansiedade climática é buscar apoio e acolhimento nos movimentos dos quais faz parte. Quando questionada sobre o que a faz continuar no ativismo, a resposta é simples: “Eu não quero a extinção da humanidade no planeta”, diz ela. “O que me faz seguir é tentar fazer com que as pessoas que vão continuar aqui não sofram tanto quanto elas irão sofrer se a gente não fizer alguma coisa.”

Atualmente, mais de 40 milhões de meninas e meninos brasileiros já estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental, o que compromete a garantia de seus direitos fundamentais no futuro, conforme apontou o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em um relatório recente. 

Essa instabilidade de direitos “impacta em todos os planos, porque se meu povo não está seguro, se meu povo não está comendo bem, eu não consigo pensar em futuro, porque é impossível pensar em futuro se a gente não consegue frear as mudanças climáticas”, compartilha Luene. “A gente fica se perguntando qual mundo deixaremos para a comunidade, para a geração futura.”

Entretanto, sua força para seguir como ativista também vem do seu território. “Eu acredito muito na força do movimento, na luta”, pontua. 

Entender a ansiedade climática como uma questão coletiva é fundamental para atravessá-la, afirma Kinda. A jovem pontua a necessidade de entender seus próprios limites de engajamento socioambiental, mas finaliza: “é como uma carga coletiva, uma coisa que estamos carregando juntos; quanto mais pessoas partilhando, mais leve ficará para todo mundo e vamos conseguir, enfim, carregar por mais tempo e mais longe.”

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