Luh Ferreira
Educadora Popular, ativista, doutora em Educação
Encantada com o mundo, indignada com a situação dele
Os desafios das universidades públicas no novo governo
Por Izabella Bontempo
Comunidade acadêmica está esperançosa e atenta com o atual cenário político
”Desde o início do governo Bolsonaro a política de educação foi negligenciada, tratada como instrumento para a guerra cultural e com aparelhamento ideológico. Trocas de ministros, denúncias de corrupção, crises na oferta dos serviços públicos foram a tônica”. É com esse trecho que se inicia o capítulo sobre educação do relatório final do gabinete de transição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Entregue em dezembro de 2022, o documento apontaria os desafios e rumos do novo governo.
Na comunidade acadêmica, as perspectivas para a educação no governo Lula são positivas, segundo o vice-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “No dia 19 de janeiro o presidente fez uma reunião com todos os reitores das universidades, coisa que os últimos dois presidentes não tinham feito. O evento reabriu o diálogo democrático com as instituições de ensino, não só do ponto de vista do atendimento das reivindicações, mas na discussão do papel das universidades no projeto de desenvolvimento social, econômico, ambiental e cultural do país”, falou Penildon Silva Filho.
Já no segundo mês de governo houve um reajuste das bolsas da Capes e CNPq, além de um aumento na quantidade de financiamento para pesquisas de mestrado e doutorado. Uma medida mais recente, de abril, anunciava a liberação de R$ 2,44 bilhões para recompor o orçamento das universidades e institutos federais de educação.
Para Analise da Silva, 1ª vice-presidenta do APUBH, Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros (UFMG) e Ouro Branco, não há novidade. “Não precisamos inventar a roda, ela já existe e é fácil identificar. Ela é o que os setores conservadores e o campo reacionário vêm buscando destruir: a Constituição de 1988 e todos os seus direitos derivados”, diz.
Desde 2016, com o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, a educação vem sofrendo retrocessos em termos de políticas públicas. Os governos Temer e Bolsonaro trouxeram sucateamento, corte de verbas e implementação de projetos de privatização da educação pública brasileira do ensino básico ao ensino superior. Dentre as medidas polêmicas estão a implementação da Emenda Constitucional 95, o “Teto de Gastos”, os ataques às políticas de cotas e a aplicação do Novo Ensino Médio.
“Suspiro” é como define Arlindo Pereira, Coordenador Geral do DCE da UFBA e militante do Levante Popular da Juventude, o momento nas universidades. Ele acredita que haverá maior possibilidade de participação dos envolvidos.
Movimentos estudantis avaliam que o novo governo terá um papel fundamental na reconstrução da educação pública no país. Larice Ribeiro, militante do Levante Popular da Juventude, presidenta do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UESB, e vice-presidenta da União dos Estudantes da Bahia (UEB), afirma que não tem como dar continuidade nas políticas públicas de educação elaboradas no governo Dilma porque, desde então, foram destruídas e distorcidas as propostas originais. “Precisaremos reconstruir a proposta do ensino técnico, voltar a investir nas universidades públicas, principalmente nos campos da ciência e tecnologia, implementar novas políticas de permanência estudantil e revogar as nomeações dos reitores interventores das universidades públicas instituídas pelo antigo governo” afirma.
Para ela, a prioridade das universidades públicas nos próximos anos será quebrar a política de alianças da frente ampla. “Nosso desafio agora é um processo de mobilização permanente para não permitir que a agenda liberal paute a educação. Não vamos permitir que o setor empresarial destrua o sonhos de trabalhadores e trabalhadoras, de estudantes e da juventude de ingressar e permanecer em uma universidade pública”, afirma.
Penildon Silva defende que daqui para frente será preciso completar o processo de expansão das universidades que foi iniciado com o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) e interrompido em 2016. “Muitas unidades de ensino precisam terminar as obras, outras precisam iniciar, a UFBA mesmo tem alguns institutos que ainda não têm sede própria, afirmou.
Evasão estudantil
Para o vice-reitor da UFBA, as principais pautas da educação são a fonte de financiamento especifica para a extensão universitária e a garantia da permanência do estudante na universidade, o que implica no investimento em assistência estudantil. “A evasão está grande depois da pandemia, da crise econômica, e não adianta abrir novas vagas ou construir mais universidades se a gente permite e entrada e depois não consegue garantir a permanência dos alunos. O nível de evasão chega a 50% em alguns casos” aponta.
Analise explica que para compreender melhor o problema e buscar soluções mais adequadas, é preciso, primeiro, entender a diferença entre os conceitos de abandono e evasão escolar, pois apesar de serem usados como sinônimos, eles especificam situações diferentes em que as pessoas estudantes deixam a escola.
“Deixar de frequentar as aulas durante o ano letivo caracteriza o abandono escolar. Já a situação em que o estudante, seja reprovado ou aprovado, não efetua a matrícula para dar continuidade aos estudos no ano seguinte é entendida como evasão escolar”, explica. Para ela, “entender a razão que leva uma pessoa graduanda a estar fora da universidade é essencial para se chegar a um diagnóstico e, consequentemente, conseguir criar soluções para amenizar este cenário”.
Larice aponta que esse é um dos temas mais preocupantes no movimento estudantil. “A pandemia escancarou a situação socioeconômica dos nossos estudantes, e muitos deles deixaram as universidades porque não tinham condições básicas pra frequentar as aulas, como o dinheiro do transporte ou da alimentação”, aponta.
Segundo os dados da Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp), instituto que representa as mantenedoras de ensino superior no Brasil, em 2021, a taxa de evasão chegou aos 36,6% nas modalidades de ensino a distância (EaD) e presencial. O resultado foi pior só em 2020, quando 3,78 milhões de pessoas graduadas largaram seus cursos.
A vice-presidenta da APUBH analisa que os estudantes que evadiram de seus cursos são, em sua maioria, aqueles em condição de maior vulnerabilidade social, portanto, negros, pobres e periféricos. “Uma pessoa estudante longe do sistema de ensino é um problema que vai muito além da questão escolar: se torna uma questão social”, afirma.
Orçamento público
A recomposição do orçamento para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) está dentre os principais tópicos levantados pela comunidade acadêmica. Penildon Silva comemora o fato das universidades integrarem as excessões do teto de gastos. “Isso é fundamental porque garante que elas recebam grandes investimentos e poderão ser grandes instituições que estejam ao lado da sociedade para poder garantir a soberania brasileira” finaliza.
Para Arlindo, a recomposição orçamentária é muito importante mas ainda é insuficiente, porque, para além da estruturação física nas universidades, é preciso ter uma implementação do orçamento do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). “Precisamos transformar o Pnae em lei e, pra isso, precisamos de uma recomposição orçamentaria”, defende. “Temos muito trabalho pela frente!”, finaliza.
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Acampamento Terra Livre encerra com seis terras homologadas e novas políticas para os povos indígenas
Por Pedro Ribeiro Nogueira
Após sete dias de evento, movimento indígena conquista aprovação de políticas públicas importantes na garantia da vida dos povos
Marchas nas ruas, vigílias, gritos e conversas. Seis mil indígenas de mais de duzentos povos de todo país acamparam mais uma vez em Brasília (DF) para a 19a edição do Acampamento Terra Livre (ATL). Articulações institucionais e entre movimentos indígenas para fortalecer a luta, ao lado de cantos, rezas, festa e demandas por respeito, demarcação e efetivação de políticas públicas. Momentos de formação e fortalecimento.
Se durante o governo Bolsonaro a luta pela vida demandava a resistência e a proteção dos territórios, agora foi possível respirar fundo e avançar, como disse a secretária-executiva da APIB, Juliana Guarani. “Mas nunca esquecendo o histórico de sangue e suor que lava esse território. Relembramos ancestrais e lideranças que aqui tombaram. Também das mulheres que foram vítimas da violência em mais de 522 anos.”
Assim, pela primeira vez desde 2018, quando o inominável ex-presidente disse que nenhum centímetro de território seria demarcado, tivemos seis homologações.
Marcha declarou emergência climática durante o ATL l Foto: Pedro Ribeiro Nogueira
“A diferença começa quando a gente se sente seguro de estar aqui, para poder dialogar com as pessoas. É um passo significativo na nossa história e tem tudo para entrar nos livros”, disse a comunicadora Alice Pataxó em entrevista à Escola de Ativismo durante o acampamento, ao pensar sobre o primeiro ATL pós governo Bolsonaro.
Em sua fala, o presidente Lula assumiu um compromisso de proteção da vida nas terras indígenas. “Queremos os indígenas brasileiras sendo tratados com toda dignidade. Eles não devem favor a nenhum outro povo. Eles dizem que vocês ocupam 14% do território nacional dizendo que é muita terra. Mas antes do português vocês ocupavam 100%”, disse, sob aplausos, em evento no útimo dia do ATL.
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Próximos passos
A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, lembrou que quase 10% das terras demarcadas não estão nas posses plenas de seus respectivos povos.
“Mesmo demarcadas, essas terras estão impactadas por sobreposições, empreendimentos, grilagens, invasões para uma prática de uma série de crimes, extração de madeira, garimpo e uso dos territórios pelo narcotráfico. Por isso é importante a fiscalização permanente e a proteção. As terras indígenas pertencem ao patrimônio da União, e como ela tem protegido esses territórios?”, disse Sônia, que também defendeu a criação de uma Comissão da Verdade Indígena.
Guajajara também nomeou como “institucionalização do genocídio” os últimos quatro anos de Bolsonaro. “O resultado dessas políticas, presidente Lula, foi um aumento do número de ameaças contra nossos povos, corpos, culturas e territórios. Essa ação criminosa afeta os não-indígenas também. Afeta o ar que respiramos e a água que todos bebem. Empobrecem o solo, nossa grande mãe. Nós nos importamos muito e fazemos nossa parte todos os dias”, protestou Guajajara, agradecendo os primeiros passos dados, mas afirmando que é necessário avançar.
E o que o próximo período guarda após o ATL para os povos indígenas? “A perspectiva pro próximo período de luta do movimento indígena é continuar com a demarcação dos nossos territórios. Nós temos essa ideia de fomentar a relação política das mulheres, mas também do movimento indígena dentro da Câmara e do Senado. São coisas que estamos construindo aos poucos dentro do nosso movimento”, pontuou Alice Pataxó.
Há também uma mobilização já convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) dos dias 5 ao 9 de junho para acompanhar o julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento poderá impactar futuras demarcações de terra em todo o país.
“Eu vou falar com o Lula para ele agilizar as demarcações. Mas vocês têm que defender o território para não deixar o garimpeiro e madeireiro entrar”, disse em seu pronunciamento Cacique Raoni, no encerramento do ATL.
Plenária final com presença de Lula e autoridades de estado e lideranças do movimento indígena l Foto: Pedro Ribeiro Nogueira
O que foi assinado por Lula
Também no encerramento do acampamento, o presidente Lula assinou dois decretos: a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e a instituição do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), voltado para proteção, recuperação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais nos territórios indígenas. O governo anunciou, além disso, a liberação de R$ 12,3 milhões à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para fortalecer comunidades indígenas.
As terras demarcadas: TI Arara do Rio Amônia (AC), com população de 434 pessoas e portaria declaratória do ano de 2009; TI Kariri-Xocó (AL), com população de 2.300 pessoas e portaria declaratória do ano de 2006; TI Rio dos Índios (RS), com população de 143 pessoas e portaria declaratória de 2004; TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE), com população de 580 pessoas e portaria declaratória do ano de 2015; TI Uneiuxi (AM), com população de 249 pessoas e portaria declaratória do ano de 2006; TI Avá-Canoeiro (GO), com população de nove pessoas e portaria declaratória do ano de 1996.
LGBTQIA+ indígenas: “Sem nosso colorido não há demarcação”
Por Pedro Ribeiro Nogueira
A plenária “Parentes LGBT+: Decolonizando (r)existências” aponta união entre luta indígenas e LGBTQIA+ e demanda respeito
Em 1614, o indígena Tibira foi executado no Maranhão por não se enquadrar na ideia que os invasores portugueses tinham sobre masculinidade. Ele é considerado a primeira vítima da LGBTQIA+ do Brasil. Num país que segue assassinando tanto indígenas quanto todes aqueles que não se enquadram na norma cis heteronormativa, a plenária “Parentes LGBT+: Decolonizando (r)existências”, nesta terça-feira (25/04) no ATL ganhou ainda mais relevância, com um grito por respeito:
“Na minha terra mora uma cabocla, eu não sei se é homem ou se é mulher. É uma cabocla índia da pele morena que mora na aldeia de Itapinaré”, cantou Yakecan Potyguara, retomando a pluralidade da ancestralidade e mostrando que desde sempres indígenas LGBTQIA+ estiveram na linha de frente da luta por terra e território.
Vamos então aqui ecoar as vozes de indígenas que contaram sobre sua experiência LGBTQIA+, lembrando que “sem o colorido da resistência, não há demarcação”.
(Esq. para direita) Gualoy, Samanta, Yakecan, Kiga, Juão Nyn, Ayla, Fred Magno e Danilo Tupinikim l Foto: Mário Campagnani/Escola de Ativismo
“Estamos aqui para pedir que nos respeitem. O preconceito sempre chega na frente pois sou travesti e indígena. É um preconceito duplo. Basta. Estou aqui por direitos que não deveríamos ter que brigar por. Muitas já morreram, mas nós estamos aqui e não vamos desistir.”
– Samanta Terena, mulher trans indígena, acadêmica em Serviço Social
“Sou fundadora do Coletivo Caboclas, o primeiro do coletivo indígena LGBTQIA+ do nordeste, do Ceará. Sou uma mulher sapatão e estou emocionada mesmo por que não é fácil estar aqui hoje trazendo essa resistência, pedindo respeito. Ser indígena do nordeste e ser LGBT é muita coisa. Dizem que o movimento indígena não tem a ver com luta LGBTQIA+ e isso é uma mentira.”
– Yakecan Potyguara, Fundadora do coletivo Caboclas.
“Represento também um guerreiro. Os nossos maracás, a nossa luta não atrapalha as causas indígenas. Estamos lutando, lado a lado, pelo mesmo território. Me dói até hoje o quanto os LGBTQIA+ são agredidos em suas terras. Basta de violência! A gente não tem pode deixar os LGBTQIA+ de lado, fazem parte do movimento. Estamos aqui para lutar!
- Gualoy Guarani Kaiowá, que foi preso numa ação de retomada, é bissexual e fundador das retomadas LGBT Guarani Kaiowá
“Vocês acham justo a forma como vocês marginalizam nossos corpos? Me sinto marginalizada no meu corpo. Sou excluída da minha cultura por ser uma mulher trans. Se eu to lá para somar, porque eu não sou bem vinda na minha cultura? Qual é meu lugar se não junto do meu povo e da minha luta? Parem de nos matar. Vou ser resistência sim.”.
- Aya Nicácia Pataxó
“Muitas pessoas acham que nós não fazemos parte da cultura indígena. Precisamos estar inserides. Nós somos parte da comunidade, temos um time de futebol, fazemos um trânsito entre os espaços masculinos e femininos. O coletivo Tibira que eu faço parte homanegeia aquele que foi o primeiro assassinato por homofobia no brasil em 1600. Não é de hoje que resistimos. Dizem que somos fruto da colonização. Os não-indígenas dizem que somos do passado. As duas não são verdade.”
- Kiga, indígena do povo Boe/ Bororo, da aldeia meruri, Morro da Arraia
“Eu sou de um estado sem nenhuma terra demarcada. Nós temos muito a construir daqui pra frente. Somos povos de primeiro contato e os colonizadores nos colocaram para brigar entre si. Em 2020 lancei o livro “Tybyra: uma tragédia brasileira”. A gente não sabe se tibira era travesti, não-binária ou gay. E ele foi executado em praça pública em 1614, no forte de São Luís do Maranhão.”
- Juão Nyn, de Natal (RN),
“Eu contribuo na estrutura do Terra Livre. Eu também tô na secretaria executiva na APIB na luta pra incluir a pauta LGBT pra dentro do movimento indígenas. Lutamos também por educação e saúde. Quando falamos de indígenas LGBT acham que é algo a parte da nossa realidade, quando não é. A gente acampa, a gente contribui nessa construção coletiva realizar. Estar aqui é reconhecer que a gente existe e decolonizar o imaginário colonial do que é ser indígena, para além do estereótipo do selvagem, temos pluralidade sim e sofremos um duplo preconceito quando não correspondemos ao esteriótipo do que é ser indígena. Se conscientizar para não difundir preconceitos que a sociedade não-indígena passa para a gente.
Danilo Tupinikim, dos Tupiniquim do Espírito Santo.
Participação popular e democracia para além do Estado: três exemplos de autonomia
Por Luiza Ferreira
Os Munduruku, no Brasil, os zapatistas, no México e a Revolução Curda, no Oriente Médio, mostram na prática como participação social e democracia podem se aprofundar longe do Estado
Ao longo dos anos, muitos povos e comunidades à margem do Estado têm encontrado maneiras de resistir às estruturas de poder dominantes, lutando por seus direitos e buscando uma autogestão organizada de suas comunidades como uma alternativa aos governos tradicionais, que muitas vezes não atendem às suas demandas e necessidades.
Conversamos com alguns pesquisadores sobre alguns exemplos emblemáticos que resistem nos dias atuais enfrentando contextos bastante diversos e oferecendo “faíscas de esperança e faróis para novos mundo”.
Soldadas do exército curda se abraçam; experiência da revolução de Rojava aprofundou a democracia ao resistir contra o Daesh l Foto: Reprodução
Rojava: mais de dez anos apontando caminhos para outros mundos possíveis
Na região do Curdistão, o povo curdo tem lutado há décadas por sua autonomia e autodeterminação. Em 2012, os curdos do Norte-Nordeste da Síria iniciaram as investidas que resultaram na Revolução de Rojava ou Curdistão Sírio, se tornando um exemplo da construção de uma nova organização social e política, baseada em princípios de igualdade de gênero, democracia participativa e cooperação.
O advogado e pesquisador, Vitor Maia, é quem nos ajuda a contextualizar o acontecimento:
“Ainda que consideremos pouco tempo de território liberado, é um tempo importante demais para provar e provocar uma fissura no tempo, no espaço, na realidade. São dez anos de uma janela do possível, de um tensionamento do que conhecemos, de um avanço no horizonte das próprias possibilidades ditas reais. Isso, ninguém pode tirar ou tomar do povo curdo”, diz.
No movimento, o desenvolvimento de educação de gênero para crianças e adultos é tido como uma prática política de uma vida antipatriarcal, como menciona Vitor.
“Assim como em todos os âmbitos são priorizadas as participações femininas O YPJ (unidade de proteção da mulher) é o braço armado feminino, comandado, ocupado e gerido pelas mulheres. Em todas as instituições existem espaços mistos e espaços exclusivamente femininos, como fomento dessa participação e protagonismo”, diz.
LEIA MAIS NA ESCOLA DE ATIVISMO:
+ Ativismo, a palavra – a origem e a disputa pelo sentido do termo
+ Como o fim da fome passa pela luta por terra e território
Para o pesquisador, uma série de fatores tornaram a Revolução de Rojava possível, entre eles a resistência histórica do povo curdo, a situação caótica do Estado Sírio durante a guerra, e o trabalho de ativistas e da militância organizada, que propunha uma leitura crítica da realidade, do patriarcado e do Estado Nação.
“Os curdos representam um grande “problema” para a sociedade ocidental. Não reivindicam um Estado Nacional, mas querem reconhecimento de sua autonomia, da legitimidade de sua luta. Reconhecê-los seria um sinal de que outros mundos existem e são possíveis”, finaliza.
O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) garante a proteção e as fronteiras dos “caracoles” l Foto: Juan Popoca
Zapatistas: uma forma originária de organização social no México
Os povos indígenas da América Latina têm contribuído enormemente na luta pela autogestão e pela liberdade de suas comunidades. Um grande exemplo são os zapatistas, que formam um movimento que veio a público a partir do levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), de 1994, em Chiapas, no México. Segundo a antropóloga e pesquisadora Ana Paula Morel, os zapatistas foram “tecendo, ao longo dos anos, uma organização social autônoma que encontrou ressonâncias em muitos outros mundos”.
Com o levante do EZLN, os zapatistas disseram um “já basta” há centenas de anos de colonização e opressão, como comenta Ana Paula. Eles criaram suas próprias configurações: educação, saúde, comunicação e governo a partir da autogestão e da autonomia.
Raúl Ornelas, em seu artigo “A autonomia como eixo da resistência zapatista: Do levante armado ao nascimento de Caracoles”, reforça que a autonomia para os zapatistas não é só um projeto político “mas um processo de criação autogestiva da vida social nestas comunidades”, pois resistiram nas condições mais adversas possíveis, entre perseguição, hostilidade e pobreza.
No movimento, as mulheres zapatistas são vozes fundamentais na luta pela autonomia, tendo participado ativamente do levante armado, elas são a base da construção cotidiana nas comunidades, como afirma Ana Paula Morel.
“No entanto, a luta das mulheres zapatistas não pode ser lida somente à luz de uma abordagem feminista tradicional, pois mobiliza os modos de existência e as filosofias mayas, onde tudo é concebido como particular em sua multiplicidade”.
O ensino-aprendizagem autônomo dos zapatistas, comenta a antropóloga, acontece através do “engrandecimento do espírito e do pertencimento à terra”, e constrói uma poderosa crítica ao capitalismo e à colonização.
Frente à negligência do Estado em garantir os direitos dos povos originários, os Munduruku agem na proteção e demarcação de territórios l Foto: Movimento Iperegayu
Os Comitês Populares e a conquista da autonomia
O povo Munduruku, que habita a região amazônica do Brasil, no Baixo, Médio e Alto Tapajós, conserva as suas próprias formas de organização política baseadas em suas tradições e conhecimentos ancestrais. Entre uma dessas tradições está a participação social por meio de assembleias comunitárias, uma das principais formas de tomada de decisões coletivas.
“A assembléia tem o seu desenvolvimento com abertura formal, apresentação dos assuntos a serem abordados, espaço para os conselheiros exprimirem as suas opiniões, grupos de trabalho para aprofundar temas e elaborar propostas, apresentação das propostas pelos grupos, debate e aprovação das mesmas”, menciona o Levantamento Etnológico Munduruku, Terra Indígena Munduruku.
Em dezembro de 2020, uma assembleia reuniu mais de 200 Mundurukus de 47 aldeias, na região do Alto Tapajós, na Terra Indígena Munduruku e Sai Cinza, em um encontro que pretendia articular a defesa do território indígena frente a invasão, cada vez mais recorrente, do garimpo ilegal, e que resultou em uma carta, reinvindicando o território livre de mineração, garimpo e todos os empreendimentos que decorrem na destruição ambiental de suas terras.
Das assembleias também saíram expedições autogestionadas em cada povoado para fiscalizar os territórios e expulsar invasores, cuja presença nos territórios explodiu durante o governo Bolsonaro. Em sua tese “Governo Karodaybi: o movimento Ipereğ Ayũ e a resistência Munduruku”, a pesquisadora Rosamaria Loures mostra como da memória ancestral e da cosmologia surgiu a noção de um governo, batizado de Karodaybi, inspirado na missão ancestral de proteção coletiva das terras.
Foram os Munduruku do Médio Tapajós que começaram a autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, em 2014, através de expedições de indígenas demarcando os limites da Terra Indígena e com isso pressionando o governo a acelerar a publicação de um relatório da Funai, pronto desde 2013. Mobilizações como essa foram fundamentais para a suspensão da construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, que viria a alegar a TI em vias de ser regularizada.
“Karodaybi era o primeiro guerreiro Munduruku. O mais antigo. Caçava cabeça de inimigos. Esse é o nosso governo. É o Governo Karodaybi, o nosso governo próprio. A nossa terra é ele que governa”, disse uma liderança Munduruku cita por Loures ao explicar escrito “Governo Karodaybi” nas placas por eles elaboradas para a autodemarcação da Terra Indígena Sawre Muybu
No Brasil, existem ainda muitos movimentos que lutam por ampliar o que há de democrático e participativo nas políticas públicas, como reforça Ana Paula Morel, e que “buscam compor nas diferenças a partir das lutas por autonomias dos povos, como a Teia dos Povos”. A pesquisadora ainda acredita que sociedade, participação popular e democracia não são sinônimos de Estado, como no caso do movimento zapatista, que “vivencia um tipo de democracia que é radicalmente participativa e coexiste com as forças estatais muitas vezes no mesmo território”.
Experiências como as do povo curdo, dos zapatistas e dos Mundurukus, podem ser inspiradoras para movimentos sociais no mundo todo, pois buscam romper com as estruturas políticas tradicionais e inaugurar novos caminhos possíveis. Ou, como diria Vitor Maia, “[experiências que] oferecem não só uma faísca de esperança, mas um farol que nos mostre outros mundos”.
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Luiza Ferreira é repórter da Escola de Ativismo.
Guia para fazer uma avaliação de risco e adotar medidas de segurança
Este documento é fruto do trabalho realizado pela Escola de Ativismo nos últimos anos junto a organizações parceiras. A ideia é oferecer instrumentos com orientações práticas para auxiliar na construção de uma Estratégia de Proteção de organizações, coletivos e pessoas ativistas. Acompanha esse material uma tabela chamada Matriz de Análise de Risco para sistematizar algumas informações da Estratégia. Para dar suporte a esse processo, na seção “Referências” do Guia, apresentamos uma seleção de manuais de segurança integral produzidos por diversas organizações e que foram referência para a construção deste.
Dividimos estas orientações em três seções, a saber:
Seção A: Apresentação das etapas para a construção de uma estratégia de proteção dando ênfase à análise de risco, foco desse material.
Seção B: Orientações sobre como preencher a Matriz de Análise de Risco e;
Seção C: Quadro com definições de termos comuns no campo da proteção e segurança que pode ser útil para facilitar o processo.
Bom trabalho!
A – Etapas para Análise de Risco e Construção de uma Estratégia de Proteção
Ter uma estratégia de proteção é importante para possibilitar uma atuação mais segura dentro de um cenário de violações. Ainda que o risco não deixe de existir, medidas de segurança podem contribuir na diminuição e/ou redução da exposição a ele. A seguir, apresentamos alguns passos que podem ser utilizados para iniciar uma análise de risco e o desenho de uma estratégia de proteção.
Sugerimos que a análise seja coletiva, que o máximo de pessoas da organização participe a seu modo, a partir de sua visão e atuação. Quanto mais participativo e inclusivo for o processo, mais engajamento a equipe terá no momento de implementar as medidas.
A organização poderá conduzir o processo em etapas, escolher temas ou setores prioritários, a depender do tempo e da necessidade.
(1) Análise do Contexto
Os riscos aos quais estamos expostos estão relacionados ao contexto no qual estamos inseridos. Uma boa análise conjuntural e de contexto servem de base diagnóstica a partir da qual pode-se realizar uma avaliação de risco consistente, na medida em que devem ser apontados os diferentes atores agindo no território, seus objetivos, posicionamentos e métodos que utilizam. A partir dessa análise, a identificação de fatores como ameaças, vulnerabilidades e potencialidades se torna mais evidente.
Fazem parte do contexto o cenário político, econômico e social, bem como os atores e os interesses em jogo que se relacionam com a atuação da organização em um determinado momento. O contexto é dinâmico, muda constantemente, fazendo variar também os riscos. Logo, a estratégia de proteção deve ser atualizada constantemente para que possamos responder adequadamente aos riscos.
Para análise do contexto, é importante refletir e dialogar sobre:
- Como está o contexto (considere o contexto nacional, regional, local)? Quais são os principais desafios e preocupações de sua organização? Quais são as oportunidades neste momento?
- Quais direitos a organização defende?
- Quais conflitos existem no campo de atuação?
- A quem interessa que as pautas não sejam alcançadas? (atores contrários)
- Quais organizações e indivíduos apoiam sua causa? (atores aliados)
- Quais são os atores que não é possível identificar se atuam a favor ou contra a causa que a organização defende, ou ainda, que as vezes se posiciona a favor e as vezes contra, dependendo da situação? (atores ambíguos ou em disputa)
- Quais os interesses a favor, contrários e desconhecidos no seu campo de atuação? A quem eles servem e qual a força deles?
(2) Identificação das ameaças, capacidades, vulnerabilidades e definição do grau de risco
Nesta etapa, devem ser identificadas as características da organização frente a possíveis ameaças dentro do contexto analisado. Uma análise de risco é uma avaliação que deve levar em conta uma série de fatores como a natureza da ameaça, a probabilidade dela se concretizar, o impacto que ela pode causar, as condições que vulnerabilizam a organização frente a ela, assim como os recursos que a organização possui para lidar com ela.
O risco pode ser representado figurativamente da seguinte maneira:
Risco = Ameaça x vulnerabilidades x impactos x probabilidade
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Recursos
Muitas das avaliações contidas nesse processo são subjetivas, na medida em que dependem de interpretações a partir de estudos de contexto e de uma variedade de fontes de informação. Tal subjetividade abre espaço para uma gama de interpretações alternativas, mas isso não deve ser tomado como ausência de rigor. Ao contrário. A subjetividade coloca o sujeito no centro do processo de construção de um conhecimento que diz respeito a si próprio, reforçando sua importância. Por isso, o aspecto coletivo também é central no sentido de dar maior consistência para as estimativas que compõem essa análise na medida em que agrega diferentes percepções, experiências e pontos de vista.
Para uma representação mais intuitiva do cálculo do risco que pode ser usada em formações, recomendamos a leitura do método desenvolvido por Lina Selano apresentado no Anexo 3 (páginas 70 e 71) do Manual de segurança: medidas práticas para defensores de direitos humanos em risco (Front Line Defenders 2011)
Neste momento sugerimos um tempo de qualidade para a escuta da equipe. Muitas vezes o trabalho corrido do dia a dia faz com que não tenhamos tempo para realizar uma partilha das situações de risco vivenciadas, à medida que não visualizamos e analisamos tais situações, passamos a naturalizá-las, comprometendo consideravelmente as chances de construir análises de risco qualificadas.
Para avaliação do risco, é importante refletir e dialogar sobre:
- Quais os tipos de ameaças e violações mais comuns no contexto de atuação da organização? Considere as diversas dimensões da proteção, como física, psicossocial, digital, política, jurídica, institucional, de reputação e imagem etc.;
- Já vivenciaram alguma ameaça ou violação? Integrantes de organizações parceiras do mesmo campo de atuação já sofreram alguma ameaça ou violação? (no caso de ameaças e violações já terem ocorrido, a probabilidade delas voltarem a ocorrer é maior, fazendo com que o risco também seja mais alto);
- Qual a probabilidade de que aquela determinada ameaça se concretize?;
- Se a ameaça em questão vier a se concretizar, qual impacto ela causará no trabalho da organização e/ou na vida das pessoas?
- Frente a cada ameaça identificada, quais são as vulnerabilidades que o coletivo apresenta que podem ser usadas por opositores para os atingir?
- O que a organização já está fazendo para lidar com as ameças e as situações e risco? Levantar todas as potencialidades dentro do coletivo e sua rede de apoio: equipe, ferramentas, instrumentos, práticas, métodos, formações realizadas;
Após identificar os aspectos acima, a organização terá uma percepção do quão exposta aos riscos elá está. Ela identificará o grau das suas vulnerabilidades e capacidades para lidar com as ameaças e isso indicará as medidas que precisarão ser desenhadas para fortalecer a segurança.
Definidos os graus de risco, o coletivo deve priorizar o tratamento e desenvolvimento de medidas para as ameaças de maior risco correspondente.
(3) Definição de Medidas de Segurança
Neste momento, é importante que a organização perceba aquilo que pode realizar a partir de seu próprio repertório e conhecimento, bem como aquilo que precisa ainda desenvolver ou construir. A organização poderá se deparar com necessidades formativas, aquisição de equipamentos, estudos etc. Por isso, nesse momento, é importante priorizar e considerar o tempo que cada medida poderá levar.
Para desenhar as medidas de segurança que devem ser adotadas pela organização, considere:
- Que medidas devem ser tomadas para diminuir as vulnerabilidades?
- Que medidas devem ser tomadas para transformar as vulnerabilidades em capacidades?
- Que medidas devem ser mantidas para que as capacidades continuem fortes e estáveis?
- Para cada ameaça identificada, como articular e engajar os diferentes atores aliados para fortalecer a estratégia de proteção?
- Para cada ameaça identificada, quais estratégias podem ser utilizadas para que os atores ambíguos/imparciais se tornem aliados?
- Que medidas emergenciais devem ser tomadas caso uma ameaça se concretize?
A Matriz de Análise de Risco ajudará a sistematizar essas medidas, identificando medidas preventivas e medidas de reparação para cada possível ameaça.
É importante lembrar que os riscos aos quais um indivíduo ou organização estão expostos pela natureza da sua atuação podem se estender a outras pessoas e instituições que fazem parte de sua vida, em diferentes esferas (profissional, pessoal, familiar etc). Por isso as medidas de segurança devem ser implementadas individual e coletivamente pelas pessoas e suas organizações. Quanto mais de nós adotarmos as medidas de segurança, mais alto será nosso grau de proteção, também do grupo e de parceiros.
(4) Sistematização e Implementação das Medidas de Segurança
Com a Matriz de Risco preenchida a organização terá um mapa com as principais ameaças que podem ocorrer no seu contexto de atuação e as medidas que devem ser tomadas para se precaver delas, além de medidas para lidar com os impactos caso essas ameaças se concretizem. Para que cada uma das medidas desenhadas sejam implementadas é preciso planejamento e definição de responsáveis.
Sugerimos nessa etapa agrupar as medidas de acordo com a dimensão da proteção na qual ela incide – digital, patrimonial, física, de gestão, psicoemocional, jurídica, etc. E, se possível, registrar essas medidas em documentos específicos, com mais detalhes. No Guia de Proteção para Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, da Justiça Global, são sugeridas três dimensões para pensar medidas de proteção: a proteção física, o cuidado e autocuidado e a comunicação segura. A organização poderá inserir outros campos de acordo com a sua necessidade ou prioridade.
O registro em documentos é importante para ajudar a recordar as medidas de proteção, dar mais detalhes, com um passo-a-passo do que deve ser feito, além de orientar novos integrantes da organização. O formato desses registros vai depender da necessidade e da complexidade da organização (política, protocolo, acordo, manual, orientação etc). Alguns exemplos para a sistematização são:
- Protocolo de Segurança da Informação e de Cuidados Digitais;
- Acordo Coletivo de Viagens de Campo;
- Política de Segurança da Sede;
- Protocolo de Cuidados na Gestão;
- Manual de Boas Práticas Digitais; etc.
Esses documentos devem ser armazenados em local seguro para que só as pessoas da organização tenham acesso.
Para que a estratégia de proteção seja eficaz é fundamental que todas as pessoas se comprometam com a adoção das medidas definidas. Processos participativos facilitam a compreensão da importância da estratégia, assim como estimulará as pessoas a pensarem conjuntamente as mudanças que devem ser feitas para atuar de forma mais segura dentro de um contexto específico.
Perguntas para essa etapa:
- Para implementar as medidas definidas na Matriz de Risco, o que precisa ser feito?
- Qual a melhor forma de organizar a informação para que possa servir de apoio no dia-a-dia do trabalho.
- Como as medidas de segurança serão passadas para novos integrantes da organização?
- Quem fica responsável pelo quê?
- Quais as medidas prioritárias? Em quanto tempo precisamos efetivá-las?
(5) Revisão da Análise e Atualização da Estratégia de Proteção
Como a Estratégia de Proteção e, consequentemente, os documentos que a compõem são desenhados a partir de um contexto específico é preciso que eles sejam revisados periodicamente, visto que o contexto, os atores, as forças e as ferramentas de proteção estão em constante mudança. Defina uma periodicidade para realizar a atualização da estratégia e repita os passos até aqui. É importante que novos membros da equipe conheçam estes procedimentos e acordos e assumam compromisso com a efetivação dos mesmos.
É importante refletir e dialogar sobre:
- O que mudou desde a última avaliação?
- Há novas ameaças que precisam ser consideradas?
- Ameaças se concretizaram?
- Como isso impacta a Estratégia da organização?
- As medidas definidas ainda contribuem com a proteção ou elas ficaram ultrapassadas?
- Quais medidas adotar para fortalecer a Estratégia de Proteção?
[CLIQUE NA IMAGEM PARA AUMENTAR]
B – O preenchimento da matriz de análise de risco
A Matriz de Análise de Risco que segue é um instrumento elaborado pela Escola de Ativismo com o objetivo de promover, nas organizações apoiadas, o desenvolvimento e utilização de instrumentais práticos de promoção da segurança. Ela compõe um conjunto de instrumentos que devem fazer parte da Estratégia de Proteção da organização (como acordos, protocolos, planos e/ou políticas). A Matriz auxilia na organização e visualização da informação, uma vez que potencialidades e vulnerabilidades da organização são identificadas e relacionadas a cada ameaça existente no seu contexto de atuação. Com isso, medidas podem ser desenhadas para elevar o grau de proteção e diminuir a probabilidade das ameaças se concretizarem. Ela também oferece um espaço para que sejam estabelecidos mecanismos para lidar com os danos uma vez que a ameaça se concretize.
No modelo da Matriz proposto há uma aba com exemplos para ilustrar o que poderia ser preenchido em cada campo. Seu preenchimento, no entanto, deve levar em consideração o contexto de atuação da organização e suas especificidades, pois cada estratégia de proteção é única e deve estar adaptada às circunstâncias de quem a desenhou.
Segue abaixo um passo a passo, um guia, no qual destacamos a função de cada campo a ser preenchido na matriz:
Tendo esse exercício de análise um aspecto conjuntural e periódico, o preenchimento dos campos do cabeçalho visa o registro das datas de realização e previsão de revisão bem como aponta quem foi responsável pela condução do processo de análise de risco relativo a organização naquele momento específico.
FATORES
Ameaça: Geralmente ameaças vêm de opositores que têm interesse em que a organização não cumpra suas atividades. Para uma boa análise das ameaças, que possibilite o coletivo pensar em fatores que vão indicar o grau de risco que ela representa, é importante que se acumule o máximo de informações sobre o fato que gera o conhecimento daquela ameaça, os atores por trás dela, seus objetivos, locais, modos de atuação e possíveis padrões. Tendo isso em mente, é preciso descrever possibilidades (ou cenários) de ameaças o mais detalhadamente possível. Partindo do princípio da precaução, registraremos neste campo mesmo as ameaças indiretas e os incidentes de segurança (ver definição abaixo), de modo a acumular a maior quantidade de informação sobre eventos que podem representar risco a organização.
Vulnerabilidades: As vulnerabilidades aqui listadas devem ser pensadas enquanto pontos fracos da organização em relação à ameaça em análise. O coletivo deve pensar quais são as fragilidades que opositores podem usar para atingir a organização.
Potencialidades (recursos existentes): As potencialidades aqui listadas devem ser pensadas enquanto pontos fortes da organização, que podem ser usados para diminuir a possibilidade de que as ameaças se concretizem. As potencialidades também são recursos que podem ser acessados para cessar ou diminuir o impacto causado por um dano feito à organização e/ou seus profissionais.
CRITÉRIOS
Probabilidade: avaliação subjetiva que deve levar em conta uma análise do contexto no qual se insere a organização. O histórico em relação a outros casos semelhantes pode ser um bom indicador para avaliação da probabilidade de que uma ameaça se concretize. Para a classificação da probabilidade observar a aba “critérios”.
Impacto: avaliação subjetiva que deve levar em conta o quanto a concretização de um potencial dano pode interferir nas atividades da organização e/ou na vida dos profissionais. Para a classificação do impacto observar a aba “critérios”.
Risco estimado: o risco representa a relação entre os diferentes fatores analisados anteriormente na tabela (ameaça, vulnerabilidades e potencialidades), pesados em relação a estimativas da probabilidade de concretização da ameaça e do impacto que causaria na organização caso aconteça. Sendo assim, estimar o risco permite a priorização na hora de criar e implementar medidas que possam proteger a organização e seus trabalhadores. Para a classificação do risco observar a aba “critérios”.
MITIGAÇÃO
Medidas Preventivas (para redução da probabilidade): este campo se destina a listar as medidas a serem tomadas para evitar que a ameaça se concretize. Deve ser pensado tendo em vista a utilização das potencialidades de modo a suprir as vulnerabilidades verificadas.
Prazo: classificar em curto, médio ou longo prazo o tempo em que as medidas listadas devem ter sua implementação efetivada. Para uma estimativa de prazo, considerar o grau atribuído ao risco correspondente.
Responsável: para que as medidas listadas sejam efetivamente implementadas deve-se indicar uma ou mais pessoas responsáveis por sua implementação, monitoramento e avaliação.
Medidas Reparatórias (para redução do impacto): este campo se destina a listar medidas que visem a diminuição do impacto causado por um dano que já ocorreu à organização ou a trabalhadores da organização. São medidas que buscam solucionar o problema ocorrido e evitar que se repita. No caso desse exercício de análise de riscos, podemos também antecipar medidas reparatórias a serem tomadas quando da eventualidade de ocorrência de um dano. Não estipularemos prazo para essas medidas, pois referem-se a medidas de implementação imediata.
Responsável: para que as medidas listadas sejam efetivamente implementadas deve-se indicar uma ou mais pessoas responsáveis por sua implementação, monitoramento e avaliação.
ACOMPANHAMENTO
Responsável pelo acompanhamento: a pessoa responsável pelo acompanhamento e análise da implementação das medidas e pela revisão periódica do processo de avaliação de riscos, podendo coincidir ou não com as pessoas responsáveis pela condução do espaço coletivo de análise e pela implementação das medidas. Recomenda-se que o processo de acompanhamento se dê na periodicidade trimestral e que a revisão do processo de avaliação de riscos aconteça semestral ou anualmente, devendo estes prazos serem avaliados e adaptados conforme avaliação coletiva do grupo.
Implementado: indicar se a/as medidas correspondentes foram implementadas ou não ou se foram implementadas parcialmente.
Detalhamento: neste campo devem ser relatadas as dificuldades e/ou os resultados positivos obtidos com a implementação das medidas.
Data atualizada: registar aqui as datas em que foram feitas as avaliações de acompanhamento.
C- Algumas definições:
[Com base em Manual de Segurança Holística (Tactical Technology, 2016) e Manual de Segurança e Medidas Práticas para DDH (Front Line Defenders, 2011)]
Ameaça: Acontecimento, ato, declaração, suspeita ou sugestão de que existe a possibilidade de infringir dano, destruição, punição ou ferimento a uma ou mais pessoas, sistema(s), processo(s) ou organização(ões) podendo advir de diferentes formas, sejam elas naturais, humanas ou tecnológicas. O conceito de ameaça extrapola a ideia de ameaça física, digital ou patrimonial. Consideramos ameaças também as formas de violência estrutural, pouco perceptíveis, o assédio, a difamação, a criminalização e intimidação. Processos como instabilidade financeira, alta carga de trabalho demandada por superiores, estresse, perseguição em mídias sociais e experiências traumáticas também são compreendidos como ameaças. Ou seja, classificamos ‘ameaça’ como qualquer ação que cause algum nível de impacto sobre o bem-estar da pessoa e/ou de entes próximos, afetando seu espaço físico, territorial e/ou digital, suas atividades, processos, sua mente e saúde.
Vulnerabilidade: “qualquer fator que aumente a probabilidade de que um dano se concretize ou resulte em um dano maior”. Ela existe independente de ameaças. Mas para uma análise de risco, por exemplo, a vulnerabilidade deve ser sempre considerada a partir das ameaças. Ou seja, frente a uma ameaça, podemos ter uma ou mais vulnerabilidades. Quando conseguimos identificar as ameaças, é possível trabalhar para eliminar ou reduzir as vulnerabilidades existentes.
Risco: Temos algumas definições possíveis, como: “Possibilidade de perigo, fato que ameaça as pessoas ou o meio ambiente”. “É a possibilidade de que um determinado evento ou incidente resulte em danos”. O risco depende de fatores internos como as vulnerabilidades, fatores externos como o contexto político e socioeconômico ou ainda dos interesses de diversos atores. Como esse contexto é dinâmico, o risco também é. Também depende dos recursos disponíveis e capacidades da pessoa ou grupo ameaçado. As decisões sobre o risco que cada pessoa aceita correr são individuais, mesmo em uma organização.
“Em situações de alto risco e impacto, é importante aumentarmos o diálogo tanto em reuniões quanto em espaços informais sobre o bem-estar atual, sobre estresse e como também elevar a receptividade geral para conversar sobre segurança num ambiente acolhedor”.
Incidente de segurança: são acontecimentos que geram insegurança, mas em que não comportam elementos suficientes para determinar que se configura em ameaça. Por exemplo: um carro suspeito que estaciona diversas vezes na frente da casa; o furto de um caderno ou HD com informações sensíveis etc. Esses incidentes devem ser registrados para que possam ser analisados periodicamente e subsidiar a avaliação de risco e as medidas de proteção.
Recursos: “qualquer fato/fator que possa aumentar o nível de segurança”. Podem ser materiais, financeiros, relacionais, sociais, informacionais, emocionais ou simplesmente o nosso tempo.
Segurança integral: capacidade de se sentir seguro física e emocionalmente enquanto trabalha ou pratica sua militância/ativismo. É composta por aspectos de segurança física, patrimonial, informacional (inclui digital) e psicossocial. Todos esses aspectos precisam ser considerados para manter ou aumentar o nível de segurança da pessoa, grupo ou organização. Sua compreensão demanda análises, planejamentos e visão sistêmica para que a segurança seja efetiva e permanente. Também conhecida pelo termo ‘segurança holística’.
Proteção: na língua portuguesa podem ser encontradas as definições “Ato de proteger alguém ou algo de um perigo, de um mal” ou “Cuidado ou assistência especial dispensados a alguém”. O termo pode ser usado em conjunto e até confundido com segurança ou ser específico para ações e medidas que visam proteger uma pessoa, uma comunidade e seus bens materiais e/ou territoriais. Neste caso, o termo segurança costuma ser mais utilizado para ações cotidianas que possam causar algum risco de dano ou ferimento a pessoa, como, por exemplo: medidas de segurança contra-ataque de animais peçonhentos em atividades na floresta.
Para terminar… enfatizamos que a implementação de medidas de proteção requer mudanças de hábitos. É preciso compromisso das pessoas e da organização para se criar caminhos rumo à consolidação de uma cultura de segurança. O processo de desenvolvimento de uma cultura organizacional para segurança deve tomar o tempo que seja avaliado como necessário para cada passo, evitando que se torne um momento pontual a se perder no tempo. Para isso, é preciso se estabelecer tempos para análise, discussão e desenvolvimento de cada ponto, com uma periodicidade fixa e atribuições estabelecidas dentro da equipe de modo que seja incorporada nas atividades e responsabilidades cotidianas da organização.
REFERÊNCIAS:
Trazemos abaixo indicação de materiais que podem ser usados para o aprofundamento do estudo sobre os pontos abordados e que nos serviram de suporte para esta sistematização.
Guia de Proteção para Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (Justica Global, 2016)
Guia de Proteção para Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (Justica Global, 2021)
Guia de Proteção e Segurança para Comunicadores e Defensores de Direitos Humanos (Artigo 19)
O futuro das juventudes brasileiras em uma carta
Por Luiza Ferreira
Mobilização pela criação do Conselho reúne cerca de 100 jovens e quase 50 organizações e movimentos climáticos e ambientais de juventude
Juventudes na COP 27 se reúnem com o recém-eleito presidente Lula l Foto: Agência Jovem de Notícias
Representantes das organizações Youth4Nature, YCL, Engajamundo, CONJUCLIMA, Juventude Terena, Desenrola o Clima l Foto: Nayara Almeida
Foi durante a última Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, mais conhecida como COP27, realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, em novembro de 2022, que Frances, Sarah, Matthaeus e outros jovens de diversas organizações se reuniram para escrever a Carta das Juventudes pelo Clima ao Novo Governo do Brasil, sob o lema “Juntos para a implementação”.
“Eu tenho uma irmãzinha chamada Ana Lis de 14 anos e ela está se politizando sobre a crise climática mundial e regional, já que a cidade onde ela mora, Praia Grande (SP), terá grande parte da área costeira e manguezais cobertos pelo nível do mar entre 2050/2060. Cada pessoa no Brasil e no mundo vive em uma área de risco diferente”, comenta o jovem comunicador e divulgador Matthaeus Menezes.
Menezes estuda política internacional e mudança do clima e usa sua voz para se comunicar na internet sobre esse tema, especialmente sobre a crise climática. Para ele, o futuro depende das juventudes, e esse futuro vem se desenhando através de uma luta conjunta.
No último ano, foi criado em São Paulo o Conselho de Juventudes pela Ação Climática (Conjucli SP), um formato piloto do que seria o plano em nível nacional de um conselho como este. A atual Conselheira de Política e Pesquisa do órgão, Sarah Darcie, atuou em sua construção e hoje articula o Conselho em âmbito nacional.
Para Sarah e outros ativistas envolvidos com o movimento, em um momento em que o diálogo com o Poder Executivo Federal não existia, São Paulo se apresentava como uma cidade promissora no avanço da agenda, principalmente por conta do seu protagonismo em legislações climáticas como a Política Municipal de Mudanças Climáticas e o PlanClima, além de projetos em redes internacionais como a C40 e o ICLEI.
“Com as eleições presidenciais e a vitória do presidente Lula, nós vimos uma janela de oportunidade para demandar um conselho em nível nacional”, comenta Sarah.
Protagonismo jovem
As 16 organizações que atuam na pauta climática e escreveram conjuntamente a Carta da Juventudes pelo Clima ao Novo Governo Brasil na COP27 são lideradas por jovens ativistas. No dia da entrega da carta, outras 30 organizações ambientalistas da sociedade civil estavam presentes na conferência endossando o documento.
Entre as demandas contidas no manuscrito estão a criação do Conselho de Juventudes pela Ação Climática e Meio Ambiente (Conjuclima), com atuação interministerial e deliberativa, com acesso a um orçamento para ações diretas nos territórios e comunidades, o arquivamento da Tese do Marco Temporal, a inclusão da educação climática na Base Nacional Comum Curricular, a promoção de “empregos verdes” e políticas públicas para o combate ao racismo ambiental.
Hoje são quase 100 jovens, com idade entre 15 a 29 anos, representantes vindos de todas as regiões do Brasil, que fazem parte desse movimento de articulação diverso e potente, somando cerca de 50 organizações e movimentos climáticos e ambientais da juventude.
Mas afinal, qual a missão do Conselho de Juventudes pelo Clima?
Em países como a Polônia, Holanda, Gana e Dinamarca, um conselho como este não é novidade. Lá eles dispõem de organização similar para debater as soluções para a crise climática.
“Acreditamos que é necessário ter um local institucional, em parceria com o Governo Federal, para realizar incidência e participação política organizada que abranja os diversos movimentos socioambientais de juventude que existem e se articulam pela ação climática coletiva”, é o que disseram os ativistas articuladores do Conselho, em carta coletiva enviada à reportagem.
LEIA MAIS NA ESCOLA DE ATIVISMO:
+ Artigo: Política e Natureza
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+ Os tiros do Massacre de Pau D’Arco seguem matando
O Conselho pretende atuar como um canal de interlocução e consulta entre o Governo Federal e as juventudes que atuam na discussão sobre as mudanças climáticas e as formas de mitigar os seus impactos, criando também novas estratégias de resiliência climática a partir das “necessidades das juventudes e com o viés das justiças racial, social e climática”.
Institucionalizar um conselho como este a nível nacional significa a possibilidade de incentivar a criação de órgãos semelhantes nos estados e municípios do Brasil, além de “estabelecer parcerias internacionais para criar Conselhos de Juventudes pela Ação Climática e Meio Ambiente em outros países, sobretudo na América Latina”.
Desafios antidemocráticos
Para os ativistas, os últimos quatro anos foram anos de extremo esvaziamento das vias de participação social e política das juventudes, pressionadas e diluídas pela extrema direita. Não havia nenhum tipo de diálogo com o Governo Federal e, até 2022, as juventudes assumiram um papel de fortalecer os seus ativismos de base para resistir contra retrocessos na agenda socioambiental.
Em 2021, um dossiê do monitor Sinal de Fumaça, mostrou que a passagem para a boiada foi escancarada, como prometeu Ricardo Salles no ano anterior, revelando um retrocesso ambiental de 30 anos em apenas 3 anos de governo de Jair Bolsonaro.
Agora, os ativistas acreditam em uma interlocução verdadeiramente potente com a eleição do novo governo. Para eles, o governo tem demonstrado em algumas ações o interesse em tratar a pauta climática com o mais alto nível de governança e prioridade “desde a escolha de Marina Silva para o MMA, a criação do Ministério dos Povos Indígenas, a nomeação de pessoas indígenas e ambientalistas para liderar órgãos importantes como IBAMA, ICMBio e FUNAI”.
Eles também mencionam a abertura para a participação da sociedade civil na construção das políticas climáticas no país e a reunião do então presidente-eleito com a sociedade civil durante a COP27 como um dos maiores exemplos, onde a Carta as Juventudes pelo Clima ao Novo Governo do Brasil foi entregue diretamente ao chefe de Estado.
“Enxergamos no novo governo o restabelecimento da participação social e política das juventudes na construção das políticas climáticas (…). Porém, mesmo otimistas, estamos nos mantendo vigilantes, pois ainda há muito trabalho a ser feito e monitorado”, disseram os jovens na carta coletiva.
Entre as pautas que os ativistas que compõem a Articulação pelo Conselho de Juventudes estão cobrando uma postura ativa do governo federal está o Plano Nacional de Adaptação, que no dia 10 de maio completa três anos de vencimento e até então, não houve pronunciamento oficial do Executivo sobre o assunto.
Com a institucionalização do Conselho, o espaço para a cobrança e monitoramento das ações governamentais pela juventude é garantido e legitimado, bem como os processos de decisões sobre as políticas climáticas brasileiras.
“Visamos que o Conselho seja consultivo, permitindo o compartilhamento de opiniões, experiências e vivências das diversas juventudes que integram o Brasil”, finalizam.
—
*Por Luiza Ferreira, da Escola de Ativismo.
Berço de movimentos sociais e resistência contra a extrema-direita: conheça o histórico ativista do Sul do Brasil
Por Bárbara Poerner
Apesar do conservadorismo e avanço da extrema-direita no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os estados foram palco de lutas sociais negras e campesinas determinantes para a história do Brasil
Artur Favaretto em manifestação na cidade de Florianópolis (SC). l Foto: Arquivo pessoal.
“Cria de movimento estudantil”. Essa é uma das formas que Artur Favaretto usa como autodefinição. O historiador viu sua militância ganhar forma com o movimento negro, no período de sua graduação em sua cidade natal, Florianópolis, capital de Santa Catarina. O estado foi o segundo que mais votou em Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, perdendo apenas para o Acre, e ajudando o sul do Brasil a garantir o posto de região onde o atual presidente ganhou em todos seus estados.
Entretanto, nada disso aconteceu sem a oposição de movimentos sociais, feministas, negros, indígenas e campesinos paranaenses, gaúchos e catarinenses.
“Embora, sim, Santa Catarina seja majoritariamente bolsonarista, existe muita resistência. Foi aqui que surgiram grandes nomes da política brasileira e bases centrais do movimento comunista, dos movimentos do campo, da pedagogia, e de outros espaços. São vários elementos que colocam novas possibilidades de construção de enfrentamento”, argumenta Artur.
Ele destaca as figuras de Antonieta de Barros (1901-1952), a primeira deputada estadual negra do país, e Cruz e Souza, poeta do simbolismo negro, ambos florianopolitanos. Ainda, Leonel Brizola (1922-2004) é filho de camponeses do interior do estado que governou, Rio Grande do Sul; e Oliveira Silveira é um importante intelectual porto-alegrense, que fez parte da proposição do 20 de novembro como Dia da Consciência Negra. Esses são apenas alguns exemplos de personalidades que contribuíram para a defesa dos direitos humanos no país a partir, também, de sua posição geográfica.
O movimento negro e indígena na região mais branca do país
Artur faz parte dos quase 20% de habitantes catarinenses autodeclarados pretos ou pardos. Isso torna, estatisticamente, Santa Catarina o estado mais branco Brasil. E também o que mais registra casos de injúria racial. Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve uma média de 7,8 ocorrências diárias em 2021.
Os dados não diferem muito do Paraná e Rio Grande do Sul, que têm 34% e 21%, respectivamente, da população autodeclarada negra.
Para o estudante, “articular o movimento negro em SC é a dificuldade de se perceber minoria. É uma experiência de muita resistência, de reivindicar [nossa] presença na construção desse estado, do campo à cidade”, acrescenta, ao citar a importância da cultura para o povo preto e pardo. Os “clubes”, ele lembra, foram um exemplo. Eram organizações que transitavam entre a arte e o enfrentamento, constituindo espaços de sociabilidade e oposição ao racismo contra a população negra.
Um deles, em especial, estava localizado na cidade de Porto Alegre. Chamado de Marcílio Dias, o clube foi o embrião do dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. Na data, um grupo realizou um evento em valorização ao “herói Zumbi dos Palmares” e propôs usar o aniversário do abolicionista como referência para o povo negro, invés do dia 13 de maio, quando ocorreu a assinatura da Lei Áurea.
Reunião no clube Marcílio Dias. l Foto: Acervo Oliveira Silveira/Reprodução
Artur destaca o papel das lideranças comunitárias, especialmente das mulheres negras, nessa dinâmica. “É preciso reivindicar a centralidade [delas] na construção do movimento negro, em diversas matizes de luta, perspectivas e formas que vem do campo cultural, mas envolvem lutas ambientais, de saneamento, moradia e infraestrutura, todas ainda muito articuladas na figura de uma mulher”, acredita. O estudante sinaliza, contudo, que uma das maiores dificuldades é lidar com a pulverização dos coletivos negros no estado, algo que ele vê justamente como um produto da disputa política na região.
“Falamos de um [território] que não é só majoritariamente branco, mas também reforça os ideais hegemônicos da branquitude e de uma construção ideológica e político-social. É o que leva, por exemplo, [SC] a ser um estado apoiador do governo Bolsonaro desde 2018, historicamente governado pelas elites de direita, as mesmas familias colocadas frente ao poder, que cerram os espaços de debate do movimento negro”, diz Artur.
A história da região sul do país é composta, ainda, pelos povos originários. Guaranis, Kaingangs e Laklãnõ/Xokleng estão presentes desde o Rio Grande do Sul até São Paulo.
LEIA MAIS NA ESCOLA DE ATIVISMO:
+ Artigo: Política e Natureza
+ Como o fim da fome passa pela luta por terra e território?
+ Os tiros do Massacre de Pau D’Arco seguem matando
Os Laklãnõ/Xokleng, recentemente, repercutiram nacionalmente ao protagonizarem a disputa jurídica da tese do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). mas a etnia já resiste contra o genocídio indígenas há décadas. Eles estão na Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, que contempla as cidades Vitor Meireles, José Boiteux, Doutor Pedrinho e Itaiópolis, todas em Santa Catarina. O território é palco de disputas desde o século XIX, quando o Brasil começou sua política eugenista de branqueamento, até a década de 1970, quando foi duramente impactado pela construção da Barragem Norte.
Terra e campo
Em 1979, a granja Macali e Brilhante foi ocupada por camponeses do interior do Rio Grande do Sul. Dois anos mais tarde, em 1981, um novo acampamento surge no estado: o Encruzilhada Natalino. Símbolo de luta contra a ditadura que vigorava à época, as 600 famílias acampadas sofreram grande repressão dos militares. Mesmo assim, o evento foi um dos embriões do atual Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Ceres Hadich, coordenadora nacional do MST no Paraná, explica que essas movimentações despertaram o entendimento que a luta não era local, mas nacional, e que havia a necessidade de uma articulação coletiva. Por isso, em 1984, Cascavel (PR) recebeu o encontro que marcou a criação do MST. Um ano depois, em 1985 realizou-se o primeiro congresso nacional em Curitiba (PR). “Quando começaram essas lutas, já existiam movimentos localizados, a grande novidade foi unificar em torno de uma sigla essa organização mais ampla”, continua ela, que se conectou com a militância campesina durante sua graduação em agronomia na UFPR.
O Paraná ser o estado a gestar o primeiro encontro nacional do MST foi uma questão conjuntural, acredita Ceres. “O movimento se esparrama pelo Brasil nos anos 1990, mas naquele momento, nos anos 1980, estava mais maduro e latente na região sul”, argumenta, ao citar o contexto de redemocratização que o Brasil vivia. As consequências da ditadura militar ainda eram experienciadas no cotidiano, inclusive nas ligas camponesas nos estados do norte e nordeste.
Encontro que gerou o MST em Cascavel, PR. l Foto: Acervo MST
O Paraná ser o estado a gestar o primeiro encontro nacional do MST foi uma questão conjuntural, acredita Ceres. “O movimento se esparrama pelo Brasil nos anos 1990, mas naquele momento, nos anos 1980, estava mais maduro e latente na região sul”, argumenta, ao citar o contexto de redemocratização que o Brasil vivia. As consequências da ditadura militar ainda eram experienciadas no cotidiano, inclusive nas ligas camponesas nos estados do norte e nordeste.
Valorizar o histórico de luta
Natural do oeste do Paraná, Ceres acrescenta que na região muitas mobilizações também surgiram em torno da Usina de Itaipu. A obra, construída durante a ditadura militar, mobilizou centenas de famílias agricultoras, atingidas pela construção da barragem, a acamparem em frente ao escritório da empresa, em Santa Helena (PR). A realidade impulsiona a criação do Movimento Atingidos por Barragens (MAB), que atua por um novo projeto energético popular para o país.
Historicamente, os movimentos sociais nacionais compartilham o mesmo período, a partir da redemocratização. Quem explica é Rogério Paulo, coordenador nacional do MAB. Ele cita o trabalho determinante realizado pelo sindicalismo no campo e por alas progressistas das igrejas católica e luterana. “Enquanto organizações, elas criam experiências para construção dos movimentos sociais como MST, MAB, que não surgem do nada, pois já haviam experiências localizadas”, complementa o catarinense filho de agricultores.
É em Chapecó que surge a decisão de criar um órgão que aglutine as lutas dos atingidos. Mais tarde, em 1997, Curitiba recebeu o I Encontro Internacional de Atingidos por Barragens, com delegações de 20 países. Na ocasião, 14 de março foi oficializado como o Dia Internacional de Luta contra as Barragens, Pelos Rios, Pela Água e Pela Vida.
Primeiro Encontro Internacional de Atingidos por Barragens, em Curitiba (PR). l Foto: acervo MAB.
Mesmo com esse histórico de movimentos sociais, um candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) nunca ganhou uma eleição presidencial na região sul. Contudo, na análise do coordenador Rogério, há duas décadas parecia improvável falar de uma ascensão da extrema-direita e do neofascismo, como presenciamos atualmente. “Com o golpe do Governo Dilma, [essa realidade], principalmente no sul e sudeste, surge, ou ressurge, e cria força a partir da possibilidade do governo atual de dar as condições para que ele pudesse se reproduzir na sociedade”, avalia ele.
A diferença entre Lula e Bolsonaro nos estados sulinos foi de quase três milhões de votos, ou 17,8%. É um número considerável, mas Rogério destaca que “achar que a luta de enfrentamento será apenas no campo institucional é um equívoco”, visto que, em sua análise, lidamos com uma extrema direita organizada em suas pautas, agendas e intenções. Ou seja, para o coordenador, é preciso amadurecer o trabalho de base entre organizações e sociedade.
Essa tarefa nunca foi simples ou fácil, e “se fosse fácil, não era pra gente”, acredita Ceres, que reconhece os perigos da luta pela terra, mas mantém a consciência junto da esperança.
Algo que ajuda o “esperançar” pode ser valorizar a resistência histórica do sul do Brasil, justamente para contrapor o conservadorismo que encontra fertilidade nos estados. Sem esse conhecimento, diz Artur, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná ficam restritos a uma realidade e definição homogênea, que endossa o discurso dos setores dominantes. Para o estudante, é um apagamento deliberado, mas é preciso “preciso disputar e construir outra imagem para [o sul do Brasil].”
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Bárbara Poerner é jornalista.
Saiba como fazer uma boa petição online
Plataformas online permitem aumento do alcance dos abaixo-assinados e ampla divulgação de uma causa, mas é fundamental conhecer algumas técnicas para utilizar a ferramenta de forma convincente e cativar o público
Por Marilia Parente
Em outubro de 1993, a novelista Glória Perez fez história ao entregar ao Congresso Nacional um abaixo-assinado com 1,3 milhão de assinaturas pela mudança da lei de crimes hediondos no país. A petição- que resultou na primeira emenda popular do Brasil- foi motivada pelo homicídio brutal da filha da autora, Daniela Perez, assassinada pelo colega de trabalho Guilherme de Pádua e por sua esposa, Paula Thomaz. Após comover o Brasil, a mobilização foi acolhida pelo legislativo, que resolveu incluir crimes de homicídio qualificado na relação dos crimes considerados hediondos. Quase trinta anos depois, novas plataformas digitais representaram a popularização definitiva das petições como ferramentas de transformação social. Através delas, mesmo pessoas anônimas podem alcançar boa visibilidade para uma causa. Nesse sentido, é fundamental conhecer algumas técnicas que podem ajudar a cativar e engajar o público.
De acordo com Débora Pinho, gerente de campanhas da Change.org, uma das maiores plataformas digitais voltadas para petições no mundo, a elaboração de um abaixo-assinado convincente está relacionada à clareza e objetividade com que a demanda é apresentada ao público. “Conte sua história de modo conciso, em um texto que não seja muito longo e exemplifique o que pode acontecer caso o pedido não se concretize. Também é importante deixar muito claro quem é a pessoa responsável pelo problema e que a petição seja factível, evitando pedidos muito amplos”, explica.
A Change também produz conteúdos didáticos e oferece assistência aos peticionários que escolhem a plataforma como canal de ação. “Fazemos inclusive esse meio de campo entre a pessoa que demanda e as autoridades. Mesmo assim, vale acionar tanto suas redes de contato como manter contato com quem assinou, através de atualizações ou, por exemplo, chamando essas pessoas para marcar o tomador de decisão em algum post”, acrescenta Pinho.
Os usuários da plataforma também podem atuar como financiadores das causas, através de doações em dinheiro. “A Change é uma organização não-governamental e sem fins lucrativos. Também não recebemos dinheiro de governos ou empresas. As doações, feitas por pessoas físicas, são investidas em impulsionamento da petição e na própria plataforma, para que a gente continue funcionando sem rabo preso e que nossa equipe continue dando suporte gratuito para as pessoas que nos procuram”, frisa a gerente de campanhas.
No Brasil, a plataforma é um sucesso. Segundo o Relatório de Impacto produzido pela Change em 2021, a base da organização no país é sua segunda maior no mundo, com 39 milhões de usuários. No ano passado, foram 14,9 mil abaixo-assinados criados, apoiados por um total de 33 milhões de pessoas. “A gente tem na Change mais de mil petições vitoriosas, mas nem sempre a vitória significa que ela funcionou. É preciso gerar visibilidade para sua causa, chamar atenção da imprensa e de celebridades e influenciadores se possível, além de fazer a entrega das assinaturas para algum tomador de decisão. Isso já gera um impacto para sua campanha”, completa Pinho.
Porta de entrada no ativismo
Embora conte com termos de uso bem definidos para seus usuários, algumas plataformas globais como a Change não contam com filtro ideológico que exclua de sua base abaixo-assinados que não estejam comprometidos com uma abordagem progressista. Foi diante dessa lacuna que a organização Nossas desenvolveu o Bonde, sua própria plataforma de petições, em que uma análise prévia do conteúdo de cada abaixo-assinado é realizada, com o objetivo de garantir seu alinhamento às pautas progressistas. “Quando a gente cria uma petição em uma plataforma terceirizada, não tem garantia do melhor uso de dados desses ativistas que se mobilizam nas campanhas. Existem plataformas de petição que vendem os dados de quem se mobiliza nelas”, alerta Daniela Orofino, diretora de projetos no Nossas, que lidera o projeto Amazônia de Pé, uma das muitas iniciativas da organização. .
Para Orofino, há ainda uma certa banalização da ferramenta de petições online. “Existe um milhão de campanhas, mas a gente não sabe se elas necessariamente deram em uma campanha ou chegaram ao tomador de decisão. Para o Nossas, a petição nunca termina nela mesma, é fundamental que ela chegue aos tomadores de decisão”, frisa. A diretora de projetos também ressalta que os abaixo-assinados costumam ser uma excelente porta de entrada para transformar pessoas interessadas em um tema em ativistas de uma causa. “Se uma pessoa demorou três minutos para assinar uma petição, a gente sabe que ela está interessada em um tema, então tentamos promover seu reengajamento. Ela é convidada, por exemplo, a comentar no Instagram do tomador de decisão, ligar para ele ou até a ir à prefeitura para fazer pressão direta”, acrescenta.
O Bonde, contudo, não pode ser utilizado por qualquer pessoa que deseje elaborar uma petição. “É aberto para que organizações criem suas campanhas. No momento, a gente tá fazendo uma migração de tecnologia para passar a usar a Action Network, que é uma plataforma internacional do campo progressista para campanhas. A gente vai fazer isso por entender que tecnologia tem um custo muito alto e conseguir fazer parte dessa comunidade global ajuda a diluir esses custos de manutenção”, explica Orofino.
Fundada há dez anos, a Nossas é responsável por projetos como o Meu Rio, a Minha Sampa e o Meu Recife, sendo financiada por organizações brasileiras e estrangeiras, bem como por doações de pessoas físicas que contribuem mensalmente com seus projetos. “O Nossas tem várias campanhas bem sucedidas em que a petição foi uma primeira forma de engajamento. A campanha da Restinga e Mangue teve quase 200 mil assinaturas e a gente fez outras formas de pressão para além da petição, inclusive com uma manifestação em frente ao Supremo Tribunal Federal em 2020”, ressalta Orofino.
Cultura de participação
Uma das organizações que aderiu ao Bonde como plataforma de mobilização foi o Instituto Marielle Franco, que conseguiu mobilizar ativistas de todo o país em sua petição contra a federalização da investigação policial acerca da morte da vereadora carioca e de seu motorista, Anderson Gomes, assassinados a tiros no dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. De acordo com o gestor de sustentabilidade e cuidados coletivos do Instituto, Rafael Rezende, o abaixo-assinado foi organizado no início de 2020, quando surgiram denúncias de interferências no caso, inclusive de uma tentativa do governo do presidente Jair Bolsonaro de federalizar as investigações. “Naquele momento, era um risco que o caso estivesse com autoridades federais e isso seria decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. A gente fez uma petição junto com as organizações que compõem o Comitê de Justiça por Marielle e Anderson e iniciamos essa petição. Foram mais de 150 mil assinaturas”, frisa Rezende.
Na ocasião, os peticionários imprimiram as assinaturas, que foram encaminhadas para o STJ. Após uma série de comunicações com o órgão, a campanha foi vitoriosa. “A gente sempre cuida para que as petições tenham um objetivo concreto muito bem definido, um alvo, além de um texto simples e popular, que vá direto ao ponto e explique o porquê de esse tema ser urgente”, afirma Rezende.
Segundo o gestor, que atua desde 2011 com comunicação e mobilização para causas, o Instituto também procura trabalhar, em seus abaixo-assinados, no desenvolvimento de uma identidade visual que ajude a comunicar conteúdos para as redes, bem como estratégias de divulgação na imprensa. “As petições são uma das estratégias que a gente usa para promover mudanças de políticas públicas, pressionar autoridades e construir uma cultura de participação da sociedade, principalmente das populações historicamente afastadas dos espaços de decisão”, conclui.
Dicas: criando uma petição convincente
1. Pense em um título simples e direto
Tente cativar a atenção do público com um título claro e objetivo. Ele costuma convencer ou não o público a ler a petição;
2. Faça um pedido concreto
Antes de tudo, é importante ter em mente como o problema apresentado por seu abaixo-assinado pode ser resolvido e que autoridades são capazes de solucioná-lo. Vale contar um pouco de sua história pessoal no texto, mas foque em explicar sua demanda com linguagem simples e direta, evitando textos muito longos e vocabulário complexo ou jurídico.
A Change recomenda que sua história seja contada em aproximadamente quatro parágrafos, contando com uma introdução forte explicando quem você é, quem pode resolver seu problema e quem é o tomador de decisão. Em outro parágrafo, explique sua ligação com o problema que deseja resolver. Nos dois últimos, você pode apresentar os riscos e consequências de a causa não ser acolhida pela sociedade. Quando maiores os riscos, maiores as chances de a campanha receber atenção da sociedade e da imprensa;
3. Escolha um alvo
De acordo com a Avaaz, o alvo é a pessoa que você está pedindo para agir publicamente e diretamente, portanto escolhê-lo bem é crucial para que sua petição seja notada. A plataforma recomenda que seu alvo seja alguém capaz de realmente tomar uma decisão sobre o assunto abordado. É importante que o alvo seja um indivíduo e não um grupo, o prefeito e não “a cidade”, o CEO e não a empresa.
“Eles têm emoções, objetivos profissionais, amigos, família e todas as coisas que outras pessoas têm. Considere como que essas coisas podem influenciá-los na decisão sobre seu assunto e o que isso significa para ele”, orienta a Avaaz.
4. Opte por uma boa imagem
Uma boa imagem é essencial para engajar o público e tornar a petição mais compartilhável nas redes sociais. Pode compensar utilizar a imagem de seu alvo ou algum registro que demonstre a amplitude do problema, como fotos de uma grande área devastada. Segundo a Avaaz, fotos muito violentas, a exemplo das que mostram pessoas feridas ou animais mortos, podem fazer com que as pessoas saiam da página;
5. Abuse das redes sociais
O poder da sua petição aumenta à medida que mais pessoas têm acesso à ela. Assim, é fundamental usar plataformas como o Instagram, o Facebook, Twitter, Tik-Tok, Youtube e Whatsapp. Pense seu conteúdo de divulgação de acordo com a rede social a ser trabalhada, investindo em vídeos explicativos e boas imagens;
6. Busque imprensa e apoiadores
Tente estabelecer contato com a imprensa, buscando mostrar aos jornalistas a relevância da sua demanda. A circulação nos meios de comunicação é capaz de aumentar o interesse público e a pressão de uma campanha. Também é importante cativar personalidades, influenciadores ou pessoas públicas que se sensibilizem com a mobilização e decidam apoiá-la.
De onde vem tanto ódio à escola?
A colunista Luh Ferreira faz uma arqueologia do ódio à escola que se manifesta nos massacres nessas instituições buscando raízes e formas de combater essa cultura
Professores protestam em São Paulo contra a violência nas escolas l Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil
Começa com algo despretensioso. Algo como: “Queremos proteger nossas crianças!”. Pelo menos era isso que bradavam mais de cem pais na porta da câmara municipal de Suzano (SP) em meados de junho de 2016. A maioria deles católicos.
Vimos este ato se espalhar por muitas cidades do Brasil. Pude acompanhar este movimento pelos interiores de São Paulo, onde o conservadorismo cego segue vivo e se espalha pelas casas, pelas ruas, sobre as famílias e atravessa as escolas.
Na ocasião nos perguntávamos: mas que raio é isso? Ideologia de gênero de quem?
E ao escavar a origem deste pseudo manifesto, descobrimos que tratava-se de uma atitude da própria Igreja Romana que, na década de 1990, tratou de tentar coibir tudo aquilo que ela mesma julgava imoral na sociedade. Travou uma verdadeira batalha contra os gêneros para supostamente impedir o avanço de abusos contra crianças e adolescentes. Na época as comunidades de base realizaram um importante trabalho de conscientização junto às famílias, no entanto, abafou – como sempre! – os casos de abusos sexuais cometidos contra crianças e adolescentes por parte do clero. E neste sentido os adultos responsáveis pelas violências cometidas não foram expostos e tão pouco julgados.
Pouco depois, estas denuncias chegaram a ONU e, como o conservadorismo adora criar pseudofatos cabeludos para inflamar o povo, tudo isso entrou num pacote mal embrulhado do “problema do gênero”, recheado de críticas aos direitos sexuais e reprodutivos e cheio de muita homo-lesbo-bi-trans-fobia e misoginia.
Vale lembrar que 2016, foi o ano de impeachment de Dilma, e vimos um horrível show que expunha a presidenta, mas ao mesmo tempo todas as mulheres, sua vida pessoal e sua governança não só no Congresso por seus opositores, mas também nojentamente nas ruas. A misoginia ficou escancarada e com ela todas as intolerâncias cresceram.
No mesmo ano em que foi gestada a reforma do ensino médio, quando as ocupações nas escolas ainda estavam acontecendo pelo país, os estudantes foram as ruas dizer que a escola estava sendo atacada e eles precisavam defendê-la. E, por isso, foram violentamente reprimidos.
A Igreja estava atuando no combate ao “gênero” e as famílias também, já estavam mobilizadas e em campanha. A escola enquanto instituição, como deve ser, resistia a entrar nessa courela, então educadoras e educadores e suas práticas pedagógicas viraram alvo da grande campanha persecutória e vigilantista dos conservadores.
Ressalto aqui que gênero é uma categoria política, analisa elementos da sociedade que cria comportamentos para as pessoas. Não é, e nunca será, um instrumento para modificar, alterar ou destruir mentes. Escola nenhuma ensina e nem nunca vai ensinar alguém a mudar de gênero. A escola realiza uma mediação dos entendimentos construídos em sociedade, ela oferece um tempo livre para que os estudantes possam pensar sobre o mundo, sempre a partir da diferença, daquele que é diferente de mim e da minha família. Educadoras e educadores, portanto, não tem função de padronizar pensamentos muito menos realizar doutrinações, a escola dissemina pensamento crítico, legalmente amparado pela Constituição Federal, pela a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, por Diretrizes Curriculares, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e também pela Lei Maria da Penha e, conjunto com tantos outros documentos que fazem parte do sistema educacional brasileiro.
Neste período, e diante de tantos ataques à escola, seu princípio laico e inclusivo, vimos explodir projetos de lei, decretos, regulamentações, que modificavam planos de educação retirando a palavra gênero dos currículos e outras tantas aberrações. Vimos ainda exclusões de livros e materiais didáticos, que tratavam do assunto, por parte de secretarias municipais de educação. Vimos ainda, e de maneira aparvalhada, pessoas queimando livros em praça pública em uma ode a caça as bruxas, como se estivéssemos na idade média.
Vimos o prefeito de uma grande cidade brasileira, mandar retirar um livro de uma Bienal, por julgar uma literatura imprópria para adolescentes.
Infâncias vulnerabilizadas
Pois bem, e diante da confusão de quem esta certo ou errado, de quem defende e quem ataca as infâncias, a escola ficou sitiada.
E tornou-se um espaço extremamente vulnerável.
Em 2018 um sujeito foi eleito com base na violência, uma facada determinante fez o Brasil acreditar que atos violentos poderiam resolver tudo. E aí vieram decretos de liberação de armas, vieram destruição de direitos, ódio as mulheres, igreja contra igreja, igreja na política, escândalos, escândalos, escândalos, céu desabando… e o pior de tudo: pandemia!
E a escola que já estava sofrendo, esvaziou.
“E pra que serve a escola, pra ficar botando menina e menino no mesmo banheiro?” me perguntou certa vez uma conhecida.
É, parece que muitas famílias estavam decididas a excluir este equipamento de suas vidas.
Homeschooling que fala?
Perfeito para o governo da vigilância. Excelente para o governo da contenção de gastos. Um primor para os que defendem a ausência de pensamento.
Antes da pandemia, e de todo esse debate de escola em casa: falávamos de violência, certo?
Da tal da facada, que transformou um pária, um pulha, em herói.
E aí vimos o ataque a escola de Suzano. Sim esta mesma cidade entre tantas que em 2016 se manifestou contra a ideologia de gênero e atacou o coração da escola.
Dois jovens mataram oito pessoas, feriram onze, e em seguida se suicidaram, na Escola Estadual Raul Brasil. Guardo na memória o quanto essa escola costumava ganhar os campeonatos inter escolares na cidade, times fortes!
Uma arma foi utilizada para atacar as pessoas, e também um machado, que feriu muitas outras.
Um machado.
O mesmo instrumento utilizado para atacar e matar 4 crianças de uma creche em Blumenau, Santa Catarina.
Faca foi o instrumento utilizado para matar uma professora, e deixar quatro feridas em uma escola na Vila Sônia, na cidade de São Paulo.
E após estes ataques, todos com muitas semelhanças: jovens, meninos, usuários de internet, participantes de chats misóginos, neonazistas, pouco falantes, vitimas de bullying talvez… veio a descoberta por meio do monitoramento das redes, outros ataques à escolas e universidades.
Escolas sendo preparadas para o abate.
E abatendo a escola, esses sujeitos de masculinidade frágil, saem vitoriosos diante de seus comparsas.
Morrem e deixam uma legião de fãs, que inspirados pelo feito do outro, decidem fazer pior.
Mas o problema todo está na “ideologia de gênero”.
Está na “falta de vigilância, de câmeras de reconhecimento facial nas escolas.”
“O problema está nas educadoras, que ensinam coisas erradas.”
“A escola não serve pra nada!”
Ora, vamos parar com isso Brasil! Não é por aí.
Quando uma criança morre, morrem mundos possíveis.
Quando uma criança morre assassinada em uma escola, falhamos enquanto sociedade.
Não é mais possível seguir, não é possível continuar assim.
É preciso parar tudo para pensarmos: o que estamos fazendo de nós mesmos?
Escavar profundamente a origem dos problemas e fazer lembrar, e sofrer por isso, e cuidar disso.
Para de festejar galera!
O bagulho não tá resolvido!
O ódio está no subsolo, está enraizado, vem sendo alimentado há anos.
Realizemos uma arqueologia, uma escavação profunda, vamos lembrar dos fatos para pensarmos o que faremos já, agora, se quisermos ter um futuro digno.
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Por Luh Ferreira, da Escola de Ativismo