De toda a água propícia para consumo disponível no mundo, aproximadamente 12% se encontra no Brasil. E, no país, a região oeste da Bahia é especialmente rica em recursos hídricos. Porém, em um mundo onde a lógica mercantilista se expande a qualquer custo, onde há água em abundância, há conflito.
Cercada por vários rios, a cidade de Correntina é alvo de disputas em torno de suas riquezas naturais, que remontam aos anos 1970, quando pistoleiros e grileiros chegaram ameaçando a população e cercando terras. O acirramento, contudo, veio com a crescente captação de água feita por empresas transnacionais de agronegócio, diretamente responsável pela morte de ao menos 29 corpos d’água da região, de acordo com levantamento feito pelo pesquisador Tássio Cunha.
Enquanto os pouco mais de 30 mil correntinenses enfrentam dificuldades de acesso à água, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) do estado cedeu a uma fazenda do agronegócio, em 2015, o direito de retirar do rio Arrojado uma vazão equivalente a 106 milhões de litros de água por dia, quantidade que seria suficiente para abastecer a pequena cidade durante um mês.
O setor do agronegócio consome 78,3% das águas brasileiras, segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Em levantamento inédito, divulgado em dezembro de 2021, a Agência Pública revelou que o estado baiano concedeu gratuitamente ao setor 1,8 bilhões de litros de água por dia em outorgas hídricas. O montante poderia abastecer diariamente a cidade de Pequim, na China, uma das maiores metrópoles do mundo.
Nesse cenário, a mobilização de um grupo de camponeses e trabalhadores locais ocupou duas fazendas do agronegócio, em novembro de 2017, e chegou a levar 10 mil pessoas às ruas em defesa da água como fonte de vida, e não de lucro. “Ninguém vai morrer de sede nas margens do rio Arrojado. E ninguém também pode morrer de sede nas margens de rio nenhum. A sociedade tem que lutar pela vida. E a luta pela água é essa”, afirmou Jamilton Magalhães, da Associação de Fundo e Fecho de Pasto de Correntina, à Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
A mobilização reuniu comunidades da região, além de organizações da sociedade civil e sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais para denunciar a crescente devastação do bioma causada pelo agronegócio, incluindo a depredação de rios e do aquífero Urucuia. O movimento, contudo, foi criminalizado e há diversos relatos de abusos da polícia.
Durante a última década, o número de conflitos pela água no território brasileiro cresceu mais de sete vezes. Em 2011 foram 69 ocorrências, ao passo que em 2019 a quantidade chegou a 502, indicando como a disputa pela água ganhou força no país. São cerca de 80 mil famílias envolvidas nesses conflitos, em dados do relatório Conflitos do Campo Brasil, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 2020.