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Tipuici Manoki

Liderança indígena

Onde estão os novos espaços de resistência? Quais e como se dão as novas formas de resistência e de luta? Essas são perguntas que, continuamente, interpelam o corpo e a imaginação de ativistas (esses seres da ação e da insistência), que sempre se impõem a tarefa de encontrar alternativas, táticas, abordagens e modos de viver mais capazes de realizar as transformações que tanto pretendem e que dão sentido à sua existência. Essas são as inquietações permanentes que animam o devir-ativista – e que atravessam a luta concreta de gente tão diversa como Amália Garcez, Carlos Augusto Ramos, Léo DCO, Sarah Marques e Tipuici Manoki, cujos depoimentos compõem as páginas seguintes, e Luciana Ferreira, em comentário-síntese ao fim desta seção.

PROFESSORA

Eu sou Tipuici Manoki (1), sou do povo Manoki (2). Somos do noroeste do Mato Grosso, a segunda divisão mais populosa em termos de povos indígenas. Comecei lutando pela demarcação do nosso território Manoki e a participar dos movimentos quando eu tinha entre 15 e 16 anos. Era uma época em que apenas os mais velhos participavam das lutas, mas eu fui me engajando… Vi as dificuldades na área da saúde, fui conselheira distrital (distrito de Cuiabá) e trabalhei como agente de saúde. Em 2009, encerrado o ensino médio, fui para a área da educação e em 2010 ingressei no curso de ciências sociais na Universidade Federal do Mato Grosso. Hoje estou na minha comunidade, Trabalho desde 2018 dando aulas para ensino fundamental e médio, sempre trazendo a questão cultural do povo, a questão da renda e a sustentabilidade. As disciplinas que trabalhei estão voltadas ao conhecimento tradicional e alimentação (como agroecologia), inclusive a partir dos trabalhos que os alunos já fazem em seus artesanatos, por exemplo.

OS DESAFIOS DA REGIÃO E DO POVO

O povo Manoki está dividido em duas Terras Indígenas (TI) – a TI Irantxe e a TI tradicional Manoki. As nossas lutas principais são por homologação do Território que hoje está apenas demarcado e continua sendo invadido por fazendeiros, e ultimamente sofre grandes ameaças com as leis que estão surgindo neste estado e no Brasil. O que mais ameaça nosso povo são as usinas hidrelétricas. Nós não conseguimos saber onde vai ser construída, quando vai começar… é difícil acompanhar, seja por falta de informação ou pela estrutura da ANEEL (3) na fase de estudos e levantamentos técnicos, para saber da geração de energia, do potencial dos rios ou para pedir a liberação das obras. Quando ficamos sabendo, o processo já está muito adiantado sem nenhuma consulta ao nosso povo. Uma está funcionando desde 2010 sem nosso conhecimento, estamos cobrando nossos direitos porque sequer fomos consultados. Agora, depois de prontas, conseguimos fazer parte do estudo do componente indígena dessas três usinas no Rio do Sangue, próximo ao território Manoki. Além disso, onze Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e uma hidrelétrica de grande porte que estão previstas para o entorno do nosso território (Manoki e Irantxe), comprometendo o Rio do Sangue, Rio Membeca e o Rio Cravari. É assim: quando a gente percebe, já está acontecendo uma audiência pública, já estão fechando o negócio para início das construções. Foi assim o caso da PCH Bocaiuva que foi construída e depois nos consultaram.

A LUTA É DAS MULHERES

Na luta pela liberdade dos rios e do nosso povo, vemos um maior engajamento das mulheres, principalmente na proteção do território. Nosso acompanhamento se dá em três fases diferentes: o monitoramento, a fiscalização e a expedição, nesta última há grande participação das mulheres na preservação do nosso território, trabalhando na geração de uma economia solidária e voltada para viver bem e não esta economia que derruba a mata, que acaba com os recursos hídricos e nos deixa sem nada. Estamos falando de uma economia nossa, local, que traga benefícios para a comunidade e para as famílias.

As mulheres indígenas têm assumido espaços importantes. Veja a Alessandra Munduruku que sempre foi contra essa forma de empreendimentos que tiram a liberdade dos rios, do mercúrio que as mineradoras jogam nos rios. Temos a Nara Baré (4) e a Sonia Guajajara (5) que são exemplos de mulheres que estão lutando e ocupando espaços de tomada de decisão ajudando a fazer valer os nossos direitos.

DIFICULDADES E POSSIBILIDADES NA PANDEMIA

Toda sociedade brasileira e principalmente os povos indígenas estão enfrentando muitas dificuldades com a pandemia, desde o início de 2020. As primeiras declarações do atual presidente já apontavam para as ameaças e retiradas de direitos. A posse dele fortaleceu muitos dos nossos adversários a agir contra os povos indígenas. A Normativa 09 da FUNAI, por exemplo, flexibilizou a entrada de pessoas que invadem os nossos territórios. Logo, a FUNAI, que deveria trabalhar a favor dos indígenas, deu uma força para os invasores e, com isso, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, criou o Projeto de Lei 1720/20. Temos o Marco Temporal no Congresso que retira as terras indígenas dos povos que não estivessem nos territórios em 1988, e muitos povos estarão prejudicados. No Mato Grosso, a gente conseguiu retirar do PL 1720/20 a regularização das fazendas dentro de territórios indígenas, porque o governo queria flexibilizar o licenciamento ambiental retirando a obrigatoriedade da consulta aos povos indígenas, o que foi um ataque aos nossos direitos. O presidente (da República) declarou que os povos indígenas não eram considerados grupo de risco de infecção comunitária na circunstância da pandemia. Como não? Pela nossa forma de viver em comunidade, nos expõe ao risco de contágio mas não tivemos amparo dos órgãos competentes de governo, não tivemos apoio para enfrentar a pandemia e, infelizmente, perdemos muitas lideranças, muitas crianças. No Mato Grosso, o povo Xavante foi o que mais teve mortes na pandemia. E demorou demais para chegar o socorro para esses povos, isso nos dá muita tristeza.

CIRCULAR ENTRE MUNDOS

A nossa resistência é pela vida! Resistimos a tudo o que vem sendo colocado, mas também ao que já nos foi colocado pelos nossos governantes, inclusive pelos que já passaram por Brasília, seja de esquerda ou de direita, os povos indígenas são contra este modelo. O governo que entra sempre se alia ao empresariado, ao agronegócio, às grandes empreiteiras, se alia ao poder econômico e, desta forma, não atende às pautas das consideradas minorias, que na verdade são a maioria da população. Nossa resistência é, como eu disse, pela vida. Quando os povos indígenas resistem a uma hidrelétrica que vai matar um rio, por exemplo, estamos lutando pelos povos indígenas e por todas aquelas vidas. É o caso do debate das mudanças climáticas que o mundo todo está sofrendo com isso e nós resistimos ao desmatamento, lutamos pela demarcação e preservação dos nossos territórios e, com isso, contribuímos com essa luta pela vida.

Veja, logo os povos indígenas que são considerados como um “atraso” por muitos, são os que estão resistindo nos seus territórios e, preservando a vida, lutando contra as mudanças climáticas que afetam todo o planeta. Eu acredito que a nossa resistência faz muita diferença. Temos muito a ensinar àqueles que só pensam em consumir e possuir bens, que pensam em guardar dinheiro, sejam os empresários, o pessoal do agronegócio e das empreiteiras. Esses não olham para o rio, para as matas, para os territórios como olham os indígenas. Muito pelo contrário, eles só enxergam o lucro que eles vão ter e não pensam nas consequências, não enxergam que eles estão provocando o aquecimento global, que estão mudando o clima do planeta e isso afeta a todos, inclusive a eles mesmos. A gente tem um conhecimento da plantação de lavoura, a gente tem um conhecimento de quanto eles já perderam com isso, mas eles próprios não conseguem olhar para isso porque eles querem derrubar tudo e nem prestam a atenção em mais nada, não pensam nas consequências.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

O tempo, o clima e as chuvas, têm mudado muito aqui no nosso território nos últimos anos, e não é só aqui. Veja: este ano começou a chover na segunda semana de dezembro; tivemos um novembro seco (isso está acontecendo de 7 anos para cá) e isso prejudicou muito a nossa roça, o que nos preocupa muito. Nossa resistência é isso, porque nossa forma de ver o mundo é diferente. Acreditamos num modelo de sustentabilidade e de renda mais coletiva, uma divisão justa nos territórios indígenas, acreditamos que podemos retirar o nosso alimento da nossa terra. Os povos indígenas são conhecedores da agroecologia muito antes de usarem este nome. Sempre trabalhamos com a terra sem agredi-la, veja as queimadas… Nós sempre trabalhamos com roça de toco e nunca produzimos uma devastação como vimos com as queimadas. Existe uma grande diferença e nós podemos contribuir com alimentos. Durante a pandemia, nosso povo tem feito bastante reflexão referente à alimentação saudável… Porque a pandemia é causada justamente por isso, pela forma como o ser humano está vivendo mas, mesmo assim, o ser humano não consegue fazer uma reflexão a respeito disso, principalmente aqueles que detém o dinheiro e o governo, que, ao invés de incentivar a economia solidária e a agroecologia, se omite. Acredito que nós temos muito a contribuir com a nossa forma de geração de renda e a nossa forma de plantação, de trabalho coletivo que desenvolvemos dentro do nosso território.

Penso que nós temos conseguido articular bastante em relação às usinas hidrelétricas aqui na nossa região, e articular não apenas os indígenas… Somos os indígenas, os ribeirinhos, assentados, pescadores, formando uma rede de resistência e pela continuidade dos rios, liberdade dos rios e a preservação do meio ambiente para todos. São muitos não indígenas que começaram a entender essa pauta porque as dificuldades são as mesmas, as retiradas de direitos são as mesmas. Nós estamos articulando agora para além das regiões, estamos no Brasil e fora do Brasil. Porque, quem são as empresas que estão produzindo aqui? Quem são as pessoas que compram os grãos produzidos em cima de sangue indígena, em cima de sangue de quilombola, em cima de sangue de ribeirinho, de assentado, de extrativista, de pescadores, né? Quem são as empresas que estão destruindo nossos rios, que estão roubando nossas riquezas com a mineração? Quem são essas empresas?

Nós temos articulado essa denúncia de forma global porque estamos sofrendo muito com isso. Eu penso que a economia precisa melhorar muito, porque não somos apenas nós que vamos sofrer com isso. Para onde vão essas pessoas depois que acabarem com a Terra? Para a Lua, para Vênus, Marte? Para onde elas vão? Só existe este planeta Terra para a gente viver! Então, é preciso uma reflexão global e, principalmente, por parte daqueles que exploram sem olhar as consequências, essas pessoas que consideram o dinheiro como a única riqueza. Nós consideramos outras as riquezas… Então a gente tem ocupado esses espaços de luta que têm trazido algumas soluções positivas para nós. Temos conseguido articular, temos conseguido amparar nossos direitos nas leis existentes apesar da pandemia e das tantas dificuldades. Continuamos, a partir de nossas aldeias, fazendo essa resistência pelos nossos direitos e pelos direitos daqueles que não conseguem acessar esses espaços.

Notas:

1 https://pib.socioambiental.org/pt/Not%C3%ADcias?id=183719

2 https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Iranxe_Manoki

3 Agência Nacional de Energia Elétrica <https://www.aneel.gov.br/>

4 https://amazoniareal.com.br/acoes-da-funai-e-da-sesai-para-combater-o-coronavirus-sao-confusas-etendenciosas-diz-nara-bare-da-coiab/

5 https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B4nia_Guajajara

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