Luh Ferreira
Educadora Popular, ativista, doutora em Educação
Encantada com o mundo, indignada com a situação dele
Eles queimam, nós plantamos: a resistência ambiental na Baixada Fluminense (RJ)
Por Vitória Rodrigues – 18/07/2024
Moradores fazem mutirões de plantio para reflorestar áreas degradadas na Serra do Vulcão, em Nova Iguaçu
Voluntários recebendo instruções do Instituto EAE l Fotos da matéria por Vitória Rodrigues/Escola de Ativismo
São sete horas da manhã de um sábado. Mesmo assim, dezenas de pessoas estão reunidas e entusiasmadas. Entre risos e corpos se alongando, chega o momento de começar uma jornada em prol da vida: começa assim mais um plantio de árvores na Serra do Vulcão, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro.
No entorno da Serra, é possível ver como Nova Iguaçu é grande: de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população iguaçuana conta com 785.867 pessoas. Em um lugar tão bonito e potente, o racismo ambiental também reina — o último Mapa da Desigualdade da Casa Fluminense mostra que 93% foi o percentual de negros internados por doenças transmitidas pela água em relação ao total de internados.
É preciso reflorestar
No começo do trajeto, é possível perceber um número grande de casas e entende-se que o lugar é habitado por muita gente. A respiração começa a ficar mais falha pela elevação do solo e a rua que antes era tomada por asfalto, vira apenas terra. Conforme mais se sobe, o ar quente se torna um pouco mais frio pelas árvores que fazem sombra. Mas logo na segunda esquina do trajeto, tudo o que se vê é um lugar devastado pelo fogo.
Apesar do motivo do plantio de árvores naquele dia ser triste, as pessoas que ali estavam sentiam um ânimo contagiante para pôr as mãos na terra e ajudar a reflorestar aquele pedaço de Mata Atlântica. Neste dia, o evento periódico #ElesQueimamNósPlantamos provou mais uma vez que a educação ambiental e climática pode mudar o cenário, a saúde e o ar de toda uma cidade.
Fundado em 2018, o Instituto EAE (Educação Ambiental e Ecoturismo) tem como objetivo promover a preservação do meio ambiente, do patrimônio cultural e natural da conhecida Serra do Vulcão, que na verdade tem o nome de Serra Gericinó Mendanha. Através de eventos, produção de materiais e conteúdos, o Instituto acredita que orientar para conservar é chave para reflorestar a região.
Um desses eventos é o #ElesQueimamNósPlantamos, que conta com pessoas voluntárias não apenas da cidade de Nova Iguaçu, mas de toda a Baixada Fluminense, região de cidades que integra a região metropolitana do Rio de Janeiro. Tanto é que o Instituto EAE não nasceu no município da Serra, mas sim em Belford Roxo.
Enquanto subia a trilha para o plantio e guiava voluntários nos percalços da trilha, Richard Pimentel, 31, um dos coordenadores do Instituto EAE, nos contou um pouco dessa história.
“O Instituto começou dentro de um Colégio Estadual, que é o Presidente Kennedy, de Belford Roxo. Ele surgiu de um Texto de Conclusão de Curso de alunos do Técnico de Meio Ambiente de lá. Os alunos decidiram ter a iniciativa de fazer um projeto prático contra as queimadas. Como a equipe que estava nessa turma já contava com duas pessoas que eram da área de geoculturismo, elas decidiram pensar em algo que fosse englobar a educação ambiental, a conscientização e o plantio”, conta o ativista.
Pimentel conta que iniciativa surgiu com projeto escolar
Realizar o trabalho na Baixada Fluminense era prioridade para os estudantes, já que a região tem uma alta densidade populacional e uma ausência grande de políticas públicas voltadas para a conservação e plantio de árvores. Em São João de Meriti, por exemplo, menos de 5% do território é verde. Todo o resto é concreto.
Richard ressalta o papel do professor Alex Vieira, que era o professor do curso técnico. “Por causa desse incentivo, surgiu a primeira movimentação para começar os mutirões e trazer voluntários para cá. Periodicamente, isso foi se intensificando e o Instituto nasceu. Alguns voluntários que começaram a participar das ações entraram para o Instituto, como eu.”
Uma das pessoas que também foram atraídas para fazer plantios na Serra é a guia de turismo Raimunda Delanda (86). Enquanto comia uma banana e contemplava a vista, interagia com muitas das pessoas que ali passavam — isso porque ela vem em cada um dos plantios organizados desde 2019. “Naquele ano, eu estava fazendo um Curso de Técnico de Meio Ambiente no [Colégio] Kennedy. E aí o professor Alex chegou na turma e falou de um projeto que estavam criando, coisa e tal. Na primeira vinda, naquela época, eu já estava aqui. Estou aqui até hoje. Todo plantio, não faltei um.”
“Como eu sou cria da roça de Minas Gerais, eu já cuidava mesmo sem conhecimento, porque a pessoa que é cria da roça, já é ecologista, ambientalista, mesmo sem ter estudado. A gente sempre cuidou da maneira de cuidar de cada árvore, de cada planta, de cada comida. A gente já cuidava disso mesmo sem ter letra”, afirma ela.
Para Raimunda, é fundamental que as novas gerações se engajem em um ativismo atuante pela preservação daquilo que já existe e pela reparação do que foi destruído. “Eu falo pro mais jovem pra ele tomar conta do seu espaço. Tomar conta dele, cuidar do meio ambiente, porque o jovem vai precisar muito mais do que eu. Eu ainda estou construindo hoje para vocês, mais jovens. Só que eu estou indo. E alguém tem que ficar cuidando.”
Dona Raimunda posa ao lado de Xandinho (dir.) e dois outros participantes da ação
O cuidado das novas gerações
Se para a Raimunda é fundamental que as novas gerações olhem para a preservação com cuidado, há quem já faça isso na região há mais da metade de sua vida. Esse é o caso do Alexandre Bensabat Filho (11), mais conhecido como Xandinho ou ‘O menino que planta’.
Xandinho começou a plantar com cerca de três anos e meio de idade e nunca mais parou. Com uma árvore grande na frente de sua casa, via as sementes caírem em seu quintal e ficou curioso com aquilo. “O meu pai falou que se você enterrar, algo vai nascer. Eu comecei a enterrar as sementes em casa e vi que isso tinha que ir pra rua. Comecei a gostar disso e virou frequente. Todo sábado, todo domingo eu plantava, todo sábado.”
Ao todo, o menino que planta já espalhou mais de três mil árvores por aí, seja no entorno da via expressa Via Light na sua cidade natal ou até mesmo nos Arcos da Lapa, na região central da cidade do Rio de Janeiro. Com tanta experiência, saber e ação, no fim da trilha voluntários recebem instruções para partirem ao local de plantio. Além da coordenação do Instituto EAE explicar como o plantio vai funcionar, Xandinho também discursa e agradece a colaboração de todos.
“Se as pessoas continuarem colocando fogo, a gente vai persistir da mesma maneira: plantando mais e mais. A minha opinião é que se você estiver sentado no sofá, vendo tragédias e só lamentando, isso não adianta. Nós temos que agir!, disse Xandinho.
Os incêndios criminosos
Ao longo da trilha, é notório que a Serra do Vulcão é um ambiente muito frequentado: praticantes de esportes sob duas rodas adoram estar ali, assim como trilheiros e praticantes de corrida. Mas um público, muito mais do que qualquer outro, ocupa aquele espaço — pessoas de religiões cristãs que veem no ambiente uma oportunidade de se reconectar com Deus.
É possível encontrar com muitos grupos que completam jejuns religiosos, realizam cultos ou que simplesmente comparecem à Serra para realizar orações. A presença de pessoas evangélicas e protestantes é tão massiva que há uma igreja muito próxima à sede do Instituto EAE.
Para permanecerem por ali, algumas pessoas realizam fogueiras durante o entardecer e à noite, o que é um tremendo perigo. Isto acaba gerando incêndios que destroem o solo da região. O problema é tão grave que o último plantio do Instituto e do Menino Que Planta, realizado em abril, foi todo tomado pelas chamas.
Em um trajeto de trilha que por si só já é duro pela ausência completa de sombras e árvores desenvolvidas, é possível observar que a região é, cada vez mais, desmatada em nome de interesses econômicos — basta estar em um ponto significativamente alto para olhar a quantidade de gado sendo criada por perto.
Os incêndios, que são inúmeros e que ocorrem pela falta de fiscalização do poder público municipal na região, certas vezes são noticiados como naturais. Mas os ativistas discordam: “A gente tá num bioma úmido, é impossível pegar fogo de forma natural. Por isso nós estamos aqui”, diz Victor Hugo Bartolomeu (21), coordenador do Instituto EAE. Também membro da equipe, o jovem Vitor Góes (25) ressalta que “é importante levar essa semente de ideias pro seu bairro. É diferente quando você chega num lugar com mata bem preservada, ar puro… é bonito.”
Bartolomeu ainda complementa dizendo que é importante um olhar focado e voltado para o próprio território. “Pra você ser daqui e lutar pelo meio ambiente, você não precisa ir pra Amazônia. Basta você fazer pelo lugar em que você vive”
Catarina Santos (21), estudante de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acha que a chave para o desmatamento é sensibilizar as pessoas. “Quando as pessoas ficam mais sensibilizadas pela causa é quando se sentem mais ameaçadas. A gente não precisa ameaçar as pessoas, mas mostrar para elas o que pode acontecer se essa crise climática se agravar. E nós mostramos isso.”
Equipe da EAE em ação na Serra do Vulcão
Durante o plantio do primeiro sábado de junho, foram plantadas mais de 200 mudas. Foram mais de 60 voluntários colocando a mão na massa por um presente e um futuro de possibilidades verde, biodiverso e vivo.
Na Baixada Fluminense, onde o racismo ambiental é agressivo e afeta a vida de milhões de moradores de diferentes formas, construir plantios não é apenas algo que combate a destruição do meio ambiente — mas também é uma luta que pede reparação por injustiças históricas.
O trabalho desempenhado pelo Instituto EAE, Menino Que Planta e por cada pessoa que colabora neste processo de plantio de mudas mostra a potencialidade de um coletivo unido por um objetivo que promove o bem-viver. O pequeno Breno, de onze anos, avisa: “queimar uma árvore é a mesma coisa que se queimar também.”
Guia para o desenvolvimento de uma avaliação de risco e medidas de segurança (2023)
Protocolo popular de consulta e consentimento livre, prévio e informado do território quilombola do Vão Grande – Mato Grosso
“Protege-se a grilagem enquanto se criminalizam as lutas dos povos”; saiba como foi a Romaria da Terra e das Águas
Evento anual aconteceu em Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, e teve como tema “De mãos dadas por justiça socioambiental para salvar a Casa Comum”
Por Letícia Queiroz- 12/07/2024
Povos e comunidades tradicionais em plenária na 47ª Romaria na Bahia | Foto: Helenna Castro – CPT Bahia
Devoção, ativismo, cultura, protagonismo dos povos e comunidades e debates sobre territórios e destruição ambiental marcaram a 47ª edição da Romaria da Terra e das Águas. O evento aconteceu em Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, e teve como tema “De mãos dadas por justiça socioambiental para salvar a Casa Comum”. Inspirados por caminhadas de luta e resistência, diversos povos participaram de momentos de celebração, partilha, reflexão e estratégias políticas em favor dos direitos fundamentais dos povos.
A Romaria aconteceu entre os dias 5 e 7 de julho. Nos três dias milhares de pessoas expressaram sua fé e fizeram reuniões para momentos de intercâmbios de realidades. O objetivo é, além de expressar a fé, compartilhar realidades e buscar caminhos e alternativas a partir da articulação desses povos, comunidades, organizações e vivências.
Uma carta escrita de forma conjunta chamou atenção para as injustiças que impactam as populações que vivem sob ameaças e em extrema vulnerabilidade. O documento pontuou os compromissos firmados pelos romeiros em busca da construção da justiça socioambiental.
“Protege-se a grilagem enquanto se criminalizam as lutas dos povos e comunidades por seus territórios. Não existem sinais de compromisso do Estado com a proteção ambiental, com a política de Reforma Agrária ou com a regularização e titulação de territórios quilombolas e de outras comunidades tradicionais. A demarcação e proteção dos territórios indígenas continua praticamente paralisada e a Lei 14.701/2023, que instala de forma autoritária a tese do Marco Temporal, continua em vigor apesar de sua evidente inconstitucionalidade”, informa o documento.
A carta também afirma que “posições políticas e reacionárias de extrema-direita, sustentadas pelos poderes econômicos e pelo fundamentalismo religioso, avançam em nosso país e em outros lugares do mundo, comprometendo a garantia dos direitos humanos e a convivência democrática. Diante desta realidade desafiadora, e à luz da memória de todas e todos os que tombaram na luta pela terra, pelas águas e pela vida, nós, romeiros e romeiras da 47ª Romaria da Terra e das Águas, reunidos em Plenarinhos, reafirmamos nosso compromisso com a vida e com os territórios”.
“Entendemos que a força vem do protagonismo dos Povos e comunidades que com autonomia tem um outro jeito de conviver com a natureza superando o modelo desumano, violento, excludente, degradador e acumulador do capitalismo que na sua constante crise nega a vida em plenitude. Seguiremos no nosso engajamento a partir das periferias reais e existenciais, fortalecendo as variadas formas de (re)existências e retomada dos territórios, ao passo que nos uniremos na luta pela demarcação, pela Reforma Agrária, pelo fortalecimento da agroecologia e por uma democracia popular”.
Manifestações marcaram Romaria da Terra e das Águas | Foto: Thomas Bauer – CPT Bahia H3000
A carta é divulgada nas redes sociais e impressa para chegar a todos os territórios, incluindo os que não têm acesso à internet. Com a multiplicação das informações e dos compromissos, é possível cobrar melhorias e estimular grupos, em sua diversidade, a assumir esses os pontos acordados durante todo o ano. O objetivo é que esses compromissos se desdobram em ações concretas nas comunidades.
Essas e outras reivindicações embasadas no tema central da por justiça socioambiental estiveram presentes nas plenárias realizadas durante a Romaria. Cinco temas centrais importantes para os povos e comunidades tradicionais foram discutidos. A Justiça Socioambiental prevê que todos os grupos sociais, independente de raça, etnia, gênero ou classe social, tenham direito igualitário de acesso aos recursos naturais que são fundamentais para uma vida digna e saudável, como água limpa, solo fértil, ar puro.
Tânia, da Comissão Pastoral da Terra, que acompanha a Romaria há mais de 20 anos, disse que o evento é um espaço de intercâmbio onde os povos se encontram para falar de suas lutas, desafios e os problemas que têm enfrentado em suas comunidades.
“A Romaria proporciona espaços de trocas e um verdadeiro intercâmbio. O principal espaço de troca concreta são nos plenarinhos que contam com debates de temas específicos. Os espaços são para aprofundamento desse intercâmbio. Todas as pessoas que estão na luta sobre a terra falam sobre o que estão vivendo para encontrar estímulos e continuarem a luta. A Romaria é um ponto onde as pessoas se encontram, se realimentam de esperança, realimentam de fé, realimentam relações para continuar fazendo o que vinham fazendo”, disse.
Via Sacra durante Romaria teve protestos de comunidades tradicionais | Foto: Thomas Bauer – CPT BA/ H3000
Um dos temas em debate foi “Terra e Territórios protegidos e garantidos para salvar a Casa Comum!”. A discussão teve como inspiradoras a Mãe Bernadete e Nega Pataxó, duas mulheres ativistas que defendiam a titulação e regularização de seus territórios e foram assassinadas. O espaço de fortalecimento tratou do compromisso com o território e da necessidade de continuar exigindo justiça.
No último dia de atividades da Romaria, os participantes de todas as plenárias se encontraram na Gruta de Nossa Senhora da Soledade para a grande plenária, onde foram sintetizados os debates dos plenarinhos e elaborada a Carta da 47ª Romaria da Terra e das Águas.
O evento também foi marcado pela Via Sacra. A grande caminhada realizada por romeiros e romeiras pelas ruas de Bom Jesus da Lapa denunciou os conflitos e ataques sofridos nos territórios e reafirmou a resistência popular.
O Frei Alan Santana, de Itamaraju (BA), viajou acompanhando jovens que querem ter participação e representatividade em suas comunidades. Ele falou sobre atividades que envolvem a fé, a política e a cultura.
“Fazemos um trabalho para que esses jovens possam viver em sociedade e nas suas comunidades de maneira coletiva, acolhedora e participativa. O jovem precisa ter visibilidade e local de fala, mas para isso precisa de acolhimento a partir do que os jovens gostam de fazer. Culturalmente falando, temos as expressões locais e um projeto que visa que os jovens possam trabalhar a cultura através da música e do teatro”, disse.
O frei afirmou que a vida humana precisa ser reconhecida, respeitada e que é preciso haver acolhimento e solidariedade. “A Romaria assume uma importância entender realidades diferentes. E nós estamos de mãos dadas por um mundo melhor porque quando seguramos as mãos, nos fortalecemos”, disse Santana.
Milhares de pessoas participaram da 47ª Romaria da Terra e das Águas | Foto: Thomas Bauer – CPT Bahia H3000
Edital Audiovisual Sem Justiça Climática, Não há Democracia
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1.Por que Justiça Climática e Democracia?
Acreditamos que a crise climática é o maior desafio da humanidade no presente momento histórico. E que evitá-la ou vê-la acontecer impactará de maneira decisiva os modos de vida de toda a população mundial. Dentro das transformações e possíveis perdas, a democracia poderá estar entre elas.
A ambientalista Mariana Belmont, assistindo a tragédia ambiental que aconteceu neste ano no Rio Grande do Sul, ressaltou que os anos mais quentes que teremos, ano após ano, colocarão em risco qualquer projeto de democracia. Segundo ela, isso se dará pelo nível de desigualdade que aumentará decisivamente e impactará de forma desproporcional as mesmas populações de sempre.
“Clima, biodiversidade, poluição e desigualdades constituem um cenário de degradação profundo. O que limita a capacidade da sociedade de receber direitos básicos de moradia, saúde, segurança física, alimentar, hídrica, econômica e emocional […] O Estado mata todos os dias a cada minuto jovens negros a bala, mas agora talvez tenha aprendido a matar afogado e de outras maneiras absurdamente violentas. A democracia não é só defender eleição, democracia é direito básico de existência e sem medo de morrer cotidianamente”, disse Belmont.
No atual cenário político, vemos políticos de extrema-direita tendo destaque no executivo e no legislativo brasileiro e mundial. O ultraconservadorismo brasileiro, nas figuras de Jair Bolsonaro e Ricardo Salles, para citar apenas dois, já se associou com o negacionismo climático, assim como mostra desdém pelas instituições democráticas. Eles precisam disso para continuar desmatando, minerando, destruindo e lucrando. Ou seja, esses setores já fizeram essa associação entre democracia e crise climática e estão na ofensiva.
E nós, enquanto movimentos ativistas, militantes, progressistas e sociedade civil, o que temos a oferecer de saída? De pensamento, de adaptação? É possível pensar em uma eleição acontecendo de maneira normal enquanto uma cidade está debaixo d’água? Sufocado de fumaça por queimadas em terras de políticos associados ao latifúndio? Que problemas seremos capazes de levantar? Como estão nossos territórios? Como geramos mobilização, conscientização, esperança e revolta?
2. O Edital
O Edital audiovisual Sem Justiça Climática, não há democracia tem como objetivo principal fortalecer a comunicação da agenda climática no Brasil através da produção de conteúdos informativos e criativos em formato audiovisual voltado para redes sociais (Instagram/TikTok). Buscamos pessoas criadoras de conteúdo, jornalistas, videomakers, ativistas ou comunicadoras que produzam conteúdos que conscientizem, informem e mobilizem em prol da justiça climática dentro do contexto democrático.
Os vídeos apoiados por este edital serão divulgados nos canais de comunicação da Escola de Ativismo e poderão ser utilizados em campanhas de conscientização e mobilização, sempre com o devido crédito ao autor, sob licença de Creative Commons.
As iniciativas selecionadas receberão suporte financeiro para a produção do vídeo, além de suporte técnico e orientação por parte da Escola de Ativismo. Quando aprovadas, as pessoas criadoras terão autonomia criativa para desenvolver o projeto, mas deverão seguir as diretrizes estabelecidas e alinhadas no momento da seleção.
3. Conteúdos que buscamos
Procuramos propostas de vídeos que podem ser de caráter criativo, informativo, mobilizador, investigativo, instigante, bem humorados e engajados de pessoas comunicadoras, jornalistas produtoras de conteúdo audiovisual e ativistas. Incentivamos vídeos que pensem diferentes técnicas, seja simplesmente falar com a câmera ou até mesmo utilizando linguagens de ficção, documentário, jornalismo, reportagem, animação, ilustração, colagens, stop motion, entre outras técnicas.
É importante que as propostas encarem a provocação “Sem Justiça Climática, Não Há Democracia” para pensar em intersecções temáticas entre os pontos, elaborar cenários, criar histórias e reportar situações.
Os vídeos podem mesclar diferentes técnicas em sua execução para fazer sua mensagem chave ecoar mais longe.Os vídeos precisam ter a duração entre 45 segundos e 5 minutos. O escopo e o público alvo dos vídeos podem ser direcionados a públicos a nível municipal, estadual, regional ou nacional.
O edital aceita propostas de vídeos dentro de 3 linhas temáticas que acreditamos que sejam importantes, confira abaixo.
Justiça Climática
- A importância da construção de uma agenda de enfrentamento da crise climática com viés interseccional com gênero, raça, classe, faixa etária, território;
- Por que as comunidades tradicionais são atores chaves para combater a crise climática;
- O que compete às prefeituras e municípios no combate a crise climática;
- Como a crise climática está impactando pessoas, comunidades e modos de vida em diferentes biomas brasileiros
- Quais os grupos mais afetados pela crise do clima? Quem são os protagonistas das resistências;
- Como as pessoas LGBTQIAP+ estão enfrentando a crise climática;
- Como o racismo climático tem acontecido na realidade brasileira
- Direitos da Natureza como enfrentamento a crise climática;
- Povos tradicionais como atores cruciais na resistência climática;
Democracia & Clima
- Relatos de construção de políticas públicas participativas e reivindicação por criação de planos de mitigação, adaptação e redução das emissões de gases de efeito estufa;
- Histórias e campanhas sobre direito ao voto: restrições ao direito, mobilizações de juventude pelo voto, reflexões sobre limitações e potências do processo eleitoral;
- Combate ao negacionismo climático: como a desinformação atua contra a justiça climática nas redes sociais;
- Reflexões e dados que mostram como a crise climática impacta a democracia, possíveis relações e conexões
- Como denunciar negacionistas e políticas negacionistas;
- Como a crise climática está afetando o contexto eleitoral a nível municipal
- Como seu contexto municipal está afetado pelas mudanças climáticas e que políticas públicas podem ser ativadas para adaptar/mitigar;
Resistência & Ativismo Climático e pela democracia
- Histórias de casos de mobilização feita por comunidades que protegem seus territórios;
- Histórias de lutas de ativistas que estão transformando seus territórios, cidades e estado;
- Experiências ativistas que tornam territórios mais resilientes à crise climática;
- Apresentação e tutorial de ferramentas de mobilização, campanha e ativismo;
- O que sua realidade local diz para ativistas de todo o Brasil
- Apresentação de táticas e estratégias de comunicação climática com base em experiências reais;
Atenção! Não serão aceitas propostas de vídeos que configuram:
- Propaganda eleitoral e defesa de candidaturas e partidos políticos
- Abordagens que não dialoguem com o contexto e realidade brasileira atual
- Desinformação e Informações não verificadas
- Conteúdos de caráter ofensivo e que violam direitos humanos
4. Tá, mas como vai funcionar?
As pessoas interessadas deverão enviar suas propostas através do formulário de inscrição. As iniciativas selecionadas receberão suporte financeiro para a produção do vídeo, além de suporte e orientação por parte da Escola de Ativismo. Quando aprovadas, as pessoas criadoras terão autonomia criativa para desenvolver o projeto, mas deverão seguir as diretrizes estabelecidas e alinhadas no processo seletivo.
Se você for uma das pessoas selecionadas, iremos entrar em contato por email marcando uma conversa online para alinhamento e para fecharmos uma proposta de trabalho. A partir disso, nossa equipe fará um acompanhamento da produção com você. Caso sua proposta não seja selecionada, também entraremos em contato com você para informar o resultado.
5. Apoio para execução
As propostas de conteúdos aprovadas serão apoiadas com valores entre R$400,00 (quatrocentos reais) e R$4.000,00 (quatro mil reais). Para a realização do repasse será necessária a assinatura de contrato, recibo e comprometimento com a atividade proposta. Durante a proposição do projeto, a pessoa deve apresentar um orçamento detalhado podendo conter gasto com equipamentos; prestação de serviços; gastos com transporte; hospedagem; alimentação durante eventuais diárias fora de casa; dentre outras atividades.
Para enviar a sua proposta orçamentária do seu projeto audiovisual é necessário baixar esta planilha e preenchê-la com as informações do seu projeto.
6. Critérios de Seleção
Os critérios analisados pela comissão de análise do Edital serão: criatividade, boa executabilidade, relevância e originalidade, currículo e trajetória da pessoa proponente e diversidade das pessoas proponentes.
Ressaltamos que este edital incentiva candidaturas de pessoas produtoras de conteúdo negras, quilombolas, indígenas e não-brancas, assim como de mulheres, LGBTQIAP+, pessoas com deficiência e pertencentes a grupos sociais minorizados.
7. Datas que você precisa saber:
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CRONOGRAMA DE ATIVIDADES |
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Período de Inscrições |
10 de julho a 04 de agosto de 2024 |
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Análise das propostas e contato com propostas selecionadas |
05 a 13 de agosto de 2024 |
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Período de produção |
14 de agosto a 13 de setembro de 2024 |
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Divulgação dos conteúdos online |
à combinar em conjunto com a Escola de Ativismo |
8. Como se inscrever?
As inscrições neste edital são de caráter individual, sendo permitido o envio de múltiplas propostas por pessoa.
Para se inscrever, basta responder o formulário de inscrição até domingo, 04/08/24, às 23h59 (Fuso Horário de Brasília).
9. Em caso de dúvidas, o que fazer?
Surgiu dúvidas sobre o processo? Fale conosco pelo email contato@ativismo.org.br
10. Sobre a Escola de Ativismo
A Escola de Ativismo é um coletivo independente constituído em 2011 com a missão de fortalecer grupos ativistas por meio de processos de aprendizagem em estratégias e técnicas de ações não-violentas e criativas, campanhas, comunicação, mobilização e segurança e proteção integral, voltadas para a defesa da democracia e dos direitos humanos.
As metodologias da EA estão intimamente ligadas à educação popular e valorizam muito a experimentação e o trabalho com as pessoas e não para elas. Os ativistas são, afinal, agentes responsáveis pelas escolhas estratégicas e táticas que melhor respondem às necessidades e desafios das suas lutas.
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Um barco chamado cinema: projeto leva filmes paraenses para comunidades à beira do rio
Por Letícia Queiroz – 19/06/2024
Iniciativa defende a democratização do cinema e valorização de materiais audiovisuais que dialoguem com a luta em defesa dos territórios tradicionais
Barco leva equipamentos e estruturas para montar salas de cinema | Foto: Instituto Regatão Amazônia
Produções que inspiram, encantam e têm poder de conectar riquezas culturais e tradicionais da região amazônica: essas são algumas diretrizes usadas na escolha dos filmes e documentários que são exibidos em aldeias e comunidades ribeirinhas do Pará pelo Cineclube Regatão. O projeto itinerante leva, de barco, curtas e longa-metragens para as comunidades com objetivo de popularizar o cinema e torná-lo um instrumento democrático para manter viva as culturas amazônicas e fomentar a luta em defesa dos territórios da floresta.
O projeto é do Instituto Regatão Amazônia. O acesso aos indígenas e ribeirinhos da região se dá pelos rios. De barco, a equipe leva filmes, equipamentos e toda a estrutura necessária para montar uma sala de cinema em barracões comunitários, no meio da floresta, às margens dos rios Amazonas, Tapajós e Arapiuns, na região do Baixo Amazonas e para localidades da Resex Tapajós – Arapiuns e Flona Tapajós.
Sem precisar sair da comunidade, crianças e adultos assistem filmes com temática amazônica no Pará | Foto: Instituto Regatão Amazônia
Cinema para todos, em toda parte
As sessões sempre contam com grande público. Nesses encontros muitos dos participantes têm acesso à produção audiovisual do tipo pela primeira vez. Afinal, a realidade das salas de cinema no Brasil é quase exclusiva das grandes cidades, em bairros elitizados e com preços pouco acessíveis.
De acordo com dados do Filme B – portal sobre mercado do cinema no Brasil – em 2022 apenas 450 cidades brasileiras tinham salas de cinema, pouco mais de 8% do total de municípios na época. Segundo dados do Sistema de Informações e Indicadores Culturais do IBGE, a região Norte tem menor acesso a cinemas, teatros e museus. A distribuição inadequada impossibilita milhares de pessoas de acessarem os espaços criando desigualdades e uma lacuna social e cultural.
Em Santarém, por exemplo, cidade paraense com mais de 300 mil habitantes, há salas de cinema apenas em um shopping da cidade, com exibição de filmes comerciais exclusivamente. Segundo o Instituto Regatão Amazônia, não há espaço para filmes brasileiros, muito menos paraenses. E é por isso que eles oferecem à população filmes produzidos no estado, que ressaltam a identidade, linguagem e realidades próximas destas comunidades.
“A gente vem fazendo uma curadoria de filmes que dialogue diretamente com a identidade cultural de cada comunidade, com produção local, feito por pessoas próximas de cada comunidade, para reduzir o distanciamento que as pessoas têm do fazer audiovisual”, disse Zek Nascimento, um dos diretores do Instituto Regatão.
Filmes em cartaz
No primeiro semestre de 2024 duas edições foram realizadas. Em abril, a comunidade de Jamaraquá, na Floresta Nacional do Tapajós, assistiu a um curta de animação “O Doutor e o Caboco” e ao documentário “Festa de São Benedito – Gambá de Pinhel”, produções audiovisuais feitas no Pará.
Em maio, o cine itinerante chegou à comunidade indígena de Atodi, rio Arapiuns, com as produções: “Salve o Nosso Tapajós” e “Vídeo Cartas Tapajós-Arapiuns”, que traz questões sobre o imaginário, a arte e a cultura local, assim como, histórias mitológicas e verídicas, cobertura de eventos e festas locais, denúncias contra injustiças sociais e ambientais.
Marlena Soares, presidenta do Instituto, diz que o projeto cineclube Regatão faz parte de um planejamento do Instituto voltado para o fortalecimento das narrativas amazônicas. Ela defende que fortalecer a cultura ribeirinha da Amazônia é fundamental para proteger territórios ameaçados.
“Os filmes apresentam conexões com o fazer cultural das comunidades ribeirinhas, o que contribui para preservar nossa biodiversidade. São promovidos diálogos com as comunidades desses filmes que abordam o cotidiano e a cultura das comunidades locais”, diz Marlena
O Instituto
O Instituto Regatão Amazônia é um coletivo de fazedores culturais, com base em Alter do Chão, oeste do Pará, que desde março de 2023 promove transformações sociais através do fortalecimento da identidade cultural e da proteção territorial da Amazônia.
Regatão é um personagem amazônida que vive a bordo. Viaja pelos rios fazendo interconexões e trocando insumos, alimentos e objetos nos trapiches, vilas e barracões. Metaforicamente, o propósito do Instituto e seus projetos é o mesmo: trocar cultura e interconectar comunidades amazônicas.
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Muito mais do que escolher roupas e seus significados, pensar ativamente a moda, é questionar a indústria na qual ela se transformou
Por Fernanda Damasceno* – 17/06/2024
Se engana quem ainda associe a moda com algo supérfluo, vazio e com pouco significado. Ao longo da história, a moda tem sido uma ferramenta de representação social – coletiva ou individual – que transmite valores e símbolos que refletem visualmente o estado em que a pessoa ou a sociedade se encontra naquele momento.
Com isso, todo o processo de criar, confeccionar e vestir uma roupa acabam por ser atos sociopolíticos e, portanto, devem ser questionados e pensados de acordo com o contexto em que nos encontramos.
Isso porque a moda evoluiu junto com a sociedade, proporcionando episódios marcantes que mostram que vestir não está nem um pouco distante de militar – ao contrário.
Não à toa, após as eleições de 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil e escolheu como um de seus símbolos a camisa verde e amarela da seleção de futebol para exaltar o “nacionalismo” e o “orgulho” brasileiro, usar essa camisa, desde então quem usar essa camisa seja ou não com a intenção de se posicionar politicamente, inevitavelmente poderá ser confundido com um dos seguidores do ex-presidente, mesmo anos depois do ocorrido. Ainda bem que tanto a Madonna quanto à Parada do Orgulho LGBTQIAP+ de São Paulo estão se esforçando para disputar essa peça.
Mesmo assim, muito mais do que escolher roupas e seus significados, pensar ativamente a moda, é questionar a indústria na qual ela se transformou.
Isso porque, estima-se que a indústria da moda seja responsável por cerca de 10% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), de acordo com estatísticas de um relatório Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
A produção de tecidos, como o algodão, demanda grandes volumes de água e libera produtos químicos tóxicos durante o processo de tingimento, poluindo rios e oceanos. Além disso, a busca por matérias-primas, como a viscose, contribui para o desmatamento de florestas, diminuindo a biodiversidade e intensificando as mudanças climáticas.
Em entrevista para a Escola de Ativismo, a educadora social, ativista e coordenadora de mobilização da Fashion Revolution Marina de Luca, falou um pouco sobre o assunto.
A moda como uma indústria poluente
Resíduos textêis se acumulam em rio l Foto: Greenpeace/Reprodução
A Fashion Revolution se apresenta como “o maior movimento de ativismo da moda do mundo”, e atua através da comunicação, educação, colaboração, mobilização e participação para uma nova consciência a respeito da moda.
“O Fashion Revolution surgiu em 2013, a partir da revolta de um grupo de profissionais da moda”, contou Marina. Para ela, não há separação entre a importância política da moda na sociedade e os questionamentos em como a indústria se encontra atualmente.
“Gostamos de reforçar que a moda não é só a passarela, mas sim a roupa que todas as pessoas usam, dessa forma, todas as pessoas estão envolvidas em um elo da cadeia de produção, consumo e venda” respondeu a ativista.
Atualmente um dos maiores desafios na discussão é combater o fast fashion – modelo de negócio que incentiva o consumo em excesso, tendências que sempre se renovam e ofertas quase intermináveis de roupas a preços baixos são algumas das características da fast fashion, além da produção vestuário em grandes quantidades em pouco tempo, o que traz consequências sérias para o meio ambiente.
Além do problema
Algumas alternativas a isso são os brechós, que reutilizam peças descartadas por outras pessoas, alongando a vida daquele produto e evitando desperdício. Além disso, há também o incentivo ao consumo de pequenos produtores, já que esses geralmente emitem bem menos poluentes do que as grandes lojas.
“Desejamos que a partir da nossa atuação, somada a atuação de outros coletivos, grupos organizados e sociedade civil, possamos de fato fazer a diferença na forma que a moda é feita, usada, descartada e pensada hoje em dia” contou Marina sobre a atuação do movimento Fashion Revolution.
Para além desse exemplo, trouxemos seis momentos em que a moda se mostrou política e nos fez refletir sobre determinado assunto ou sobre o momento em que vivemos.
Panteras Negras: o poder do povo também no vestuário
Membros do Partido dos Panteras Negras protestam em frente a um tribunal de Nova York, em 11 de abril de 1969. l Foto: David Fenton
Durante o movimento pelos direitos civis norte-americanos nos anos 60, os Panteras Negras ganharam notoriedade por sua atitude direta e seu modo de vestir: óculos de sol, calças, botas e jaquetas de couro pretas e uma boina preta.
Além das roupas, o cabelo natural foi muito difundido pelo movimento, como forma também de resistir à imposição racista de esconder ou alisar cabelos crespos. Junto ao black power, sempre havia um pente garfo, instrumento fundamental para cuidar de cabelos crespos, da mesma forma que a escova é usada por quem tem fios lisos ou ondulados.
Dançarinas da cantora Beyoncé durante ensaio l Foto: Instagram/Reprodução
Até hoje o estilo dos Panteras Negras ainda é referência no movimento negro, mas não só: na apresentação da cantora Beyoncé no intervalo do Super Bowl em 2016 ela usou um figurino inspirado pelo cantor Michael Jackson, enquanto suas bailarinas usaram o uniforme do partido antirracista Panteras Negras.
Para a população negra, a moda nunca foi dissociada do ativismo, uma vez que o modo de se vestir pode muitas vezes salvar vidas, evitando ser perseguido ou agredido verbal ou fisicamente. Não à toa muitas pessoas negras, especialmente homens, têm a lembrança de ser ensinados desde criança a sempre estar bem vestidos e arrumados, na esperança de que a roupa certa possa evitar algum episódio de violência por conta da cor de pele.
Nunca mais uma moda sem indígenas!
Thelma Assis e Dandara Queiroz foram modelos do desfile de Maurício Duarte. l Foto: Reprodução/Instagram @mauricioduartebrand
Maurício Duarte é um renomado estilista indígena brasileiro que alcançou reconhecimento internacional por suas criações inovadoras que celebram a herança cultural dos povos indígenas do Brasil.
Duarte é conhecido por sua habilidade em combinar tecidos naturais, como algodão, linho e fibras vegetais, com técnicas de tingimento natural e bordados elaborados, resultando em peças que transmitem uma sensação de autenticidade e artesanato.
O trabalho do estilista é uma expressão de sua identidade indígena e um testemunho de sua dedicação à sustentabilidade e à inovação na moda. Suas roupas não adornam os corpos, elas contam histórias de luta, resistência, culturas e representatividade dos povos indígenas, que até hoje lutam contra o genocídio e por mais equidade.
Sua participação no São Paulo Fashion Week de 2023 representou um marco significativo, pois proporcionou uma plataforma que tradicionalmente era fechada somente a certos padrões, mas que vem cada vez mais se movimentando para incluir novas narrativas da moda.
A moda plus size: rompendo padrões e incluindo pessoas diversas
Sinara Assunção para Liana D_Áfrika moda. l Foto: Matheus Clima
Padrões de beleza e questões que antes não eram discutidas ganham holofotes quando a sociedade começa a questionar a falta de representatividade e de opções no mundo da moda para diferentes tamanhos e diferentes corpos. Se antes a magreza exagerada era vista como padrão a ser alcançado, atualmente o culto a dietas milagrosas é questionado e isso se reflete também na moda.
Sinara Assunção, comunicadora, produtora cultural, DJ e modelo de Belém, no Pará, falou conosco um pouco sobre o assunto: “falar sobre a falta de oportunidades para essas pessoas de diferentes corpos é também falar sobre falta de política, falta de letramento, enfim, é falar de um lugar que por muito tempo não nos pertenceu mas que existem pessoas hoje que tem mudado essa realidade”, opina.
Para a modelo, utilizar a própria moda como forma de expressão é demarcar seu lugar enquanto mulher negra, bissexual e gorda “ainda é uma barreira a ser rompida e vem sendo rompida a passos muito lentos, mas acredito que já houveram muitos avanços e é interessante que a gente olhe para eles”.
Moda e no Movimento LGBTQIA+: aliados históricos
Lírio Moraes: “Eu acho que só fui ter uma relação consciente com a moda depois da minha transição” l Foto: Instagram de Lírio Moraes/@hbrpedro
“A moda é mais do que só seguir tendências, só o consumo pelo consumo. Ela também é uma ferramenta de construção de identidade, de ativismo” nos contou Lírio Moraes, jornalista e empreendedor de moda que se identifica como uma pessoa não binária.
Lírio começou a trabalhar com moda em 2019, quando abriu um brechó junto com outros amigos “na época eu via apenas como um meio de desapegar de algumas peças que eu não usava mais e conseguir uma grana extra com isso. Mas depois da minha transição, que ocorreu de fato em 2020, eu passei a enxergar essa questão de forma mais política.”
E ele não está sozinho. A moda sempre foi uma grande aliada do movimento LGBTQIA+, servindo muitas vezes de vitrine para o rompimento que essa comunidade propõe trazer para a sociedade.
Isso também tem sido visto pelas empresas, já que algumas marcas têm lançado coleções específicas ou colaborações em apoio à comunidade LGBTQIA+, com parte dos lucros muitas vezes revertida para apoiar as causas da comunidade.
Lírio contou que durante boa parte da vida não teve uma boa relação com a moda, se sentido “desconfortável” com as roupas que vestia “eu acho que só fui ter uma relação consciente com a moda depois da minha transição.”
Em outras palavras, ele conta que “enquanto pessoa não binária a moda foi e ainda é a ferramenta principal na construção da minha identidade”. Durante a entrevista, o jornalista reforçou que a construção de sua autoestima vem se dando juntamente com a construção de seu estilo de se vestir, além da consciência de uma moda mais sustentável, pauta que lhe atravessa por conta de seu brechó: “a política é essencial nesses processos, para que a gente tenha uma moda pensada para corpos e estilos diversos, mais acessível e para estimular o consumo consciente”.
Vestir-se pode ser mais do que apenas uma decisão estética ou prática – pode ser um meio de expressar identidade, valores e posicionamento político. Pode ser a maneira com que pessoas consigam fazer as pazes com a própria identidade, ou também questionar a própria moda em si e desafiar padrões estéticos impostos por ela. Vestir-se sempre é político, e pode também ser um ato de dizermos ao mundo a mudança que queremos.
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*Fernanda Damasceno é jornalista, produtora de conteúdo e de audiovisual. Entusiasta de artes visuais e de moda, adora escrever sobre meio ambiente e Amazônia.