Por Leticia Queiróz – 15/05/2024

 

 

Em entrevista, Graziela Souza, do Instituto Clima de Eleição, analisa o novo cenário imposto pela crise climática e suas consequências para as elieções e a democracia

Crédito: Montagem sobre foto de Graziela Souza/Arquivo Pessoal

O ano de 2023 foi o ano mais quente já registrado na história da América Latina. O Brasil teve um recorde de eventos climáticos extremos: foram 12, segundo dados da ONU. No mesmo ano, mais de 26 milhões de pessoas foram deslocadas por emergências relacionadas ao clima. E agora, todos os olhares estão virados para o Rio Grande do Sul, onde já são contabilizados 148 mortos e 124 desaparecidos. Há muito que poderia ser feito para evitar e mitigar o que estamos vivendo. Mas mais importante: há muito o que fazer. Ainda mais em um ano de eleições.

Por isso, a Escola de Ativismo foi conversar com Graziela Souza, cientista social, mestre em Ciência Política pela UERJ e coordenadora de relações governamentais no Instituto Clima de Eleição. Ela explicou que historicamente a pauta climática foi negligenciada por lideranças políticas, mas também porque o próprio eleitorado não mobilizou votos pela questão ambiental. “É como se no Brasil o clima e o meio ambiente fossem questões de ‘segunda ordem’, onde precisaríamos resolver uma série de problemas mais urgentes antes”, disse Graziela.

Ela explica que as consequências das mudanças climáticas acentuarão todos os tipos de desigualdade e injustiça, incluindo a política. E pontua que é preciso avaliar atentamente a postura dos candidatos e tomar cuidado com o greenwashing, principalmente extrema direita, já que a narrativa do negacionismo climático ainda é forte e um inimigo a ser combatido, e provavelmente estará bastante presente no período eleitoral. Mas acredita: “Ainda é possível termos um Brasil engajado pelo clima”.

“Podemos começar investindo na conscientização sobre a transversalidade da questão ambiental. Muitas pessoas, especialmente as mais vulneráveis, já estão sofrendo com os impactos das mudanças climáticas. No entanto, nem sempre é fácil fazer a associação entre problema e solução de forma imediata. Por isso, é importante reforçar continuamente que os desastres “naturais” têm uma razão por trás deles: o modelo produtivo baseado no carbono, que beneficia alguns bilionários enquanto sacrifica todo o restante da população.” 

Leia a entrevista completa:  

Escola de Ativismo: Pela falta de recursos e planejamentos, podemos afirmar que toda a destruição RS e demais localidades afetadas pelas chuvas é culpa da falta de políticas públicas? Houve negligência dos representantes eleitos? O que eles deixaram de fazer?

Graziela Souza: Com certeza! As pessoas tomadoras de decisão devem ser responsabilizadas pelo aumento do impacto de eventos climáticos extremos, pois o Brasil dispõe de sistemas de monitoramento climático eficazes, como o CEMADEN, o METSUL e a AGAPAN, que podem alertar os governantes sobre anormalidades climáticas. No entanto, muitas vezes, pesquisadores, organizações da sociedade civil e movimentos sociais que alertam as lideranças políticas sobre as mudanças climáticas são tratados como “profetas do caos”.

O poder público gaúcho, tanto o Executivo quanto o Legislativo, deveria compreender melhor a vulnerabilidade climática histórica do Rio Grande do Sul. O Estado historicamente sofre com cheias de rios, e nos últimos anos tem sido assolado por enchentes recorrentes, como em 2020, 2021, 2022, 2023 e agora em 2024. Diante dessa realidade evidente, é crucial implementar políticas de adaptação climática para preparar o Rio Grande do Sul para o aumento das chuvas, deslizamentos de terra e ciclones. No entanto, em vez de fortalecer as legislações ambientais, a estratégia predominante de tomadores de decisão gaúchos tem sido flexibilizá-las, o que contraria a urgente necessidade de proteger o Estado contra os impactos das mudanças climáticas.

EA: As eleições deste ano são em nível municipal, mas é inegável o impacto que os eventos climáticos extremos estão tendo na opinião pública. Como você enxerga que a crise climática aparecerão nas eleições nesse ano? E para 2026? 

GS: Arrisco a dizer que, devido às enormes consequências das mudanças climáticas e seu impacto doloroso na população, a pauta climática vai mobilizar mais votos nas duas eleições, mesmo nas municipais – ao menos, esse é o nosso desejo.

A temática das mudanças climáticas deve aparecer, mas não necessariamente de forma positiva. Portanto, é preciso avaliar atentamente a postura da direita, já que a narrativa do negacionismo climático ainda é forte e um inimigo a ser combatido, e provavelmente estará bastante presente no período eleitoral. Além disso, é necessário estar atento às candidaturas que se apoiam no greenwashing, que tentam mascarar ações superficiais como se fossem esforços reais de sustentabilidade. 

EA: De que forma a crise climática impacta na possibilidade de termos uma democracia real? É possível sequer falar em democracia sem mitigação e justiça climática?

GS: Não será possível discutir qualquer assunto sem medidas de mitigação e justiça climática imediatas, pois já estamos atrasados.

Falando especificamente sobre democracia, as consequências das mudanças climáticas acentuarão todos os tipos de desigualdade e injustiça, incluindo a política. Quando grupos sociais já vulneráveis se tornam ainda mais vulneráveis, a política tende a se tornar ainda mais elitista e desconectada da realidade.

EA: O que os eleitores devem considerar ao escolher candidatos nas próximas eleições?

GS: Há muitas coisas a serem consideradas. Principalmente, é necessário avaliar se os planos de governo e os mandatos incluem uma defesa explícita de medidas de adaptação e mitigação, considerando o contexto dos territórios e das comunidades mais vulneráveis. Além disso, é crucial estar atento ao greenwashing, que pode mascarar ações ineficazes ou superficiais sob a aparência de sustentabilidade.

EA: Se alguém quer escolher um candidato tendo em vista a questão ambiental, mas não sabe bem como começar, que discursos e as pautas devem ser mais observados? Por onde começar? Os partidos políticos, ideologias e concepções dos candidatos também devem ser considerados? Por que?

GS: Se alguém quer escolher um candidato tendo em vista a questão ambiental, mas não sabe bem por onde começar, deve observar alguns aspectos fundamentais:

Discursos e Pautas: Em primeiro lugar, é importante avaliar as ideologias de candidaturas. Deve-se excluir candidaturas negacionistas e desenvolvimentistas, ou seja, aquelas que negam as mudanças climáticas ou que consideram o desenvolvimento econômico mais importante do que o meio ambiente. 

Planos de Governo e Mandatos: Avalie os planos de governo e os mandatos das candidaturas. O conhecimento sobre as vulnerabilidades climáticas do município que a liderança representará é essencial. Discursos e planos genéricos devem ser rejeitados. A candidatura deve demonstrar um entendimento claro das especificidades climáticas do Município, quais são seus problemas climáticos, quais legislações já foram aprovadas e quais ainda necessitam de aprovação.

Participação Social: Considere se a liderança fala abertamente sobre a participação social. Uma candidatura comprometida com a questão climática deve incentivar e valorizar a participação ativa da comunidade nas decisões políticas.

Reeleição: Se a liderança está buscando reeleição, avalie o histórico de suas ações. Verifique quais projetos climáticos foram propostos ou implementados durante seu mandato anterior. Renovação política é quase sempre boa, mas, muitas vezes, lideranças climáticas extremamente competentes não conseguem a reeleição. 

Partidos Políticos: Embora partidos de direita tendam a ser menos receptivos à questão ambiental, essa dinâmica pode variar no nível municipal. No entanto, infelizmente, a pauta climática ainda é mais associada a partidos de centro-esquerda e esquerda. É importante considerar essa tendência ao avaliar os candidatos.

Diversidade de Gênero e Raça: A diversidade de gênero e raça também deve ser considerada. A política institucional é dominada por homens brancos e a eleição de mulheres, negros, indígenas e quilombolas coloca no centro da tomada de decisão os grupos sociais que estão na linha de frente do impacto das mudanças climáticas. 

EA: Porque será que muitos políticos e eleitores insistem em não levar a sério a crise climática? 

GS: Historicamente a pauta climática foi negligenciada por lideranças políticas porque o próprio eleitorado não mobilizou votos pela questão ambiental. É como se no Brasil o clima e o meio ambiente fossem questões de “segunda ordem”, onde precisaríamos resolver uma série de problemas mais urgentes antes.

Em razão disso, ainda há muito a ser feito. Primeiramente, é necessário demonstrar ao eleitorado a transversalidade da questão ambiental. Como estamos observando, as consequências das mudanças climáticas se manifestam de diversas formas: aumento da pobreza, maior vulnerabilidade de pessoas — especialmente mulheres, indígenas e a população negra —, fome, impacto na economia, encarecimento e escassez de alimentos básicos, afastamento de crianças da escola e do lazer, piora na saúde mental e, sobretudo, morte de pessoas. É fundamental ressaltar essa transversalidade e tratar a pauta climática como prioritária, pois o clima é tudo e impacta em tudo.

EA: Na visão de vocês, porque a extrema-direita segue combatendo de forma tão ativa a questão das crises climáticas?

GS: O principal objetivo da extrema direita é manter o status quo, ou seja, garantir a continuidade do modelo de produção capitalista baseado na emissão de carbono. Por outro lado, os movimentos ambientalistas e de justiça climática lutam contra esse modelo, buscando sua substituição por práticas mais respeitosas com o meio ambiente.

O paradoxo é que, se a extrema direita não se opuser a esse modelo de produção, não haverá futuro para ela, pois a degradação ambiental causada por esse sistema afetará a vida no planeta como um todo. A grande questão é que quem mais sofre com os impactos das mudanças climáticas não é quem mais emite e polui. 

EA: No caso do RS, podemos trocar “desastre natural” por qual termo/nomenclatura?  

GS: Omissão governamental climática

EA: O que nossos candidatos precisam nos apresentar como soluções para grande volume de chuva, seca e outras variáveis extremas do clima?                                                    

GS: Para lidar com o grande volume de chuvas, secas e outras variáveis climáticas extremas, as candidaturas precisam apresentar soluções concretas. Isso inclui a elaboração ou aperfeiçoamento dos planos municipais de adaptação e mitigação. Esses planos devem começar com um diagnóstico climático detalhado do município, identificando as vulnerabilidades específicas de cada bairro. Com base nesse diagnóstico, devem ser definidas ações prioritárias urgentes a serem implementadas. Essas ações devem ser elaboradas com base nos territórios já afetados, considerando as características locais e as principais vulnerabilidades das comunidades.

EA: Como ajudar, nesse momento, as pessoas afetadas pela falta de políticas ambientais?

GS: Os refugiados climáticos precisam de ajuda urgente. Apoiar vaquinhas organizadas por organizações ambientalistas, indígenas e quilombolas pode ser uma solução imediata. No entanto, é essencial que esse esforço seja contínuo e consolidado através do voto em candidaturas comprometidas com o clima.

EA: De que forma é possível que ativistas cobrem e pressionem candidatos para pautarem a questão das mudanças climáticas? 

GS: Ativistas podem cobrar e pressionar candidatos para pautarem a questão das mudanças climáticas de várias maneiras. Uma abordagem eficaz é por meio de iniciativas como a nossa no Clima de Eleição, que investe na formação de candidaturas e qualifica o debate público sobre o clima durante os períodos eleitorais. O engajamento contínuo é fundamental, envolvendo diversos atores e esforços colaborativos. O primeiro passo é garantir que as candidaturas reconheçam a pauta climática como uma demanda do eleitorado, pois isso é o que mais mobiliza. Para as lideranças já eleitas, é importante combater a narrativa de que os desastres climáticos são eventos naturais e a-políticos. É crucial que os tomadores de decisão sintam que negligenciar as políticas climáticas afeta diretamente a percepção do eleitorado sobre sua gestão.

EA: Ainda é possível termos um Brasil engajado pelo clima? Por onde começar?

GS: Sim. Podemos começar investindo na conscientização sobre a transversalidade da questão ambiental. Muitas pessoas, especialmente as mais vulneráveis, já estão sofrendo com os impactos das mudanças climáticas. No entanto, nem sempre é fácil fazer a associação entre problema e solução de forma imediata. Por isso, é importante reforçar continuamente que os desastres “naturais” têm uma razão por trás deles: o modelo produtivo baseado no carbono, que beneficia alguns bilionários enquanto sacrifica todo o restante da população.

Devemos ter cuidado com discursos negativos e sempre oferecer possibilidades em nossas falas, destacando que a mudança é possível e urgente. 

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