Luh Ferreira
Educadora Popular, ativista, doutora em Educação
Encantada com o mundo, indignada com a situação dele
“Mentira verde”: os impactos das falsas narrativas propagadas por empresas e governos
“Mentira verde”: os impactos das falsas narrativas propagadas por empresas e governos
Corporações de petróleo, mineração e agronegócio estão cada vez mais presentes nas Conferências do Clima, mas seus discursos são pouco condizentes com suas práticas e prejudicam a luta climática nos territórios; ativistas discutem possibilidades para enfrentar o problema.
Moradores observam a destruição causada pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), em 2019. Foto: Lucas Shariff / Mídia NINJA
A organização de jovens ativistas climáticos Engajamundo fez parte, em 2023, da pressão popular sobre a mineradora Braskem – que impactou negativamente dezenas de milhares de pessoas devido à exploração de sal-gema na cidade de Maceió (AL) – para que esta desistisse de sua participação na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 28, que aconteceu em Dubai. À época, uma mina da empresa havia acabado de explodir na capital alagoana, o que mobilizou falas de ativistas ambientais na Conferência e provocou uma comoção midiática.
Um ano depois, na COP 29 em Baku, no Azerbaijão, a coalizão de entidades Kick Big Polluters Out (KBPO) [em tradução livre, Expulse os grandes poluidores] identificou ao menos 1.773 lobistas de petróleo e gás no evento, número que supera as delegações dos países mais afetados pela crise climática.
Esses exemplos mostram como a presença de grandes corporações historicamente poluidoras em espaços climáticos não é nova e configura práticas chamadas de greenwashing, traduzido como “maquiagem verde”, “lavagem verde” ou “mentira verde”. Segundo Julia Catão Dias, coordenadora do programa de consumo sustentável e responsável do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), essas expressões “são todos os discursos e modelos que, de alguma forma, encobrem as práticas destrutivas de sempre.”
Isso pode estar em um rótulo de um produto, exemplifica a cientista social e advogada, mas também em um relatório de sustentabilidade ou em negócios específicos, como o mercado de carbono: um mecanismo que precifica e permite a compra e venda de créditos de carbono com o objetivo de compensar as emissões de gases de efeito estufa que agravam o aquecimento global. “As falsas soluções tentam criar métricas e compensações para coisas que não são compensáveis”, diz Julia, ao explicar que a publicidade enganosa e abusiva já é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, mas faltam contornos para o que é, exatamente, o greenwashing.
As falsas soluções são novas formas de expropriação dos territórios e de ataque aos direitos humanos, acrescenta Letícia Tura, diretora executiva da FASE, organização que integra a Cúpula dos Povos e atua, desde 1961, no fortalecimento de grupos sociais para a garantia de direitos, da democracia e da justiça ambiental.
Ela afirma que o greenwashing é um instrumento para ampliar os conflitos socioambientais e as desigualdades no campo. Segundo Letícia, é preciso denunciar a prática, mas também viabilizar as proposições locais que já existem e que precisam de mecanismos de implementação e políticas públicas.
“Existem muitas soluções reais acontecendo nos territórios rurais, urbanos e maretórios, com proposições que nos dão várias orientações, pistas e diretrizes de quais seriam os caminhos para o enfrentamento às mudanças climáticas”, continua a diretora da organização.
Contudo, não são apenas as empresas que adotam essa postura. Julia e Letícia citam, como exemplo, o governo brasileiro, que faz discursos de compromisso e metas climáticas, mas defende a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, uma das áreas mais socioambientalmente sensíveis do Planeta. A atividade é considerada de alto risco por diversos institutos de pesquisa e, conforme mostrou o físico especializado em mudanças climáticas e pesquisador do ClimaInfo, Shigueo Watanabe Jr., poderia emitir até 4,7 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera.
Colocar alternativas em uma prateleira é um dos pontos centrais da mentira verde. “Quando essa solução vem muito fácil, acho que é o primeiro alerta de lavagem verde, pois é o movimento de vender soluções dentro da pauta socioambiental”, defende Alessandra Pipa, ativista do Eco Pelo Clima e do movimento Negro e Popular no Rio Grande do Sul.
Jaiane Bruna, ativista do Engajamundo no Alagoas e integrante do Observatório Caso Braskem, concorda ao argumentar que “as empresas vendem uma narrativa tão bonita que a gente acredita”, mas ressalta que a discussão precisa ser feita de forma interseccional. “A Vale [empresa que foi responsável por um dos maiores crimes ambientais da história, no qual morreram 270 pessoas e houve o derramamento de 13 milhões de metros cúbicos de rejeito em Brumadinho (MG)] apoia vários projetos de cultura. Então, é difícil para algumas organizações que são pequenas e querem fazer projetos ambientais recusarem esse dinheiro”, explica.
Essa disputa é desigual, apontam as especialistas, pois as grandes corporações e Estados têm montantes de dinheiro, contratam artistas e influenciadores e instrumentalizam a imprensa.
“Como eles têm muitos recursos para propagandas, vão construindo narrativas para que, no imaginário, esses grandes poluidores sejam os grandes sujeitos da solução”, completa Letícia.
Os impactos das mentiras verdes
Para Alessandra, a mentira verde “torna ainda maior o rombo da desigualdade da informação”. Ela cita a
desproporcionalidade que já existe nos espaços de poder sobre o clima, majoritariamente dominados por homens brancos. Segundo a ativista, isso está relacionado ao processo de individualização dos problemas e das soluções, que rouba o potencial de imaginar futuros coletivos e transforma tudo em mais um produto a ser vendido e comprado.
Com isso, é adicionada mais uma camada para o ativismo climático. Agora, afirma Julia, “não basta lutarmos contra os modelos destrutivos que a gente já conhece. Também precisamos identificar as narrativas e discursos, e investigar se as práticas das empresas estão, de fato, condizentes.”
Um dos graves riscos ocasionados é que “não existe um enfrentamento real do problema e, com isso, a temperatura não para de crescer porque não há uma real redução das
emissões dos gases de efeito estufa”, explica Letícia, e cita as nações mais poluentes do mundo: China e Estados Unidos. Com isso, os impactos da crise climática, como secas, enchentes, calor extremo e inundações, continuam acontecendo progressivamente nos territórios.
Além disso, as soluções focadas apenas em tecnologias e criação de novos produtos, como o mercado de carbono, podem agravar violações territoriais. Letícia cita contratos abusivos e divisão entre as comunidades. Julia complementa ao dizer que muitos grupos se sentem violados pela publicidade que as empresas fazem sobre seus projetos de compensação, pois elas utilizam suas imagens para propagandas de benfeitoria.
Tudo isso está conectado a uma visão reducionista da crise climática. “Sejam as soluções tecnológicas, sejam as soluções financeiras, todas são falsas. Ou elas levam ao não enfrentamento ou ampliam os danos socioambientais.
Reduzir as mudanças climáticas ao carbono tem a ver com uma visão totalmente financeira, na qual você precisa de uma moeda de troca. Mas o problema climático é muito mais amplo”, afirma Letícia.
Como combater as mentiras verdes
Embora defenda o multilateralismo proposto pela COP 30, Letícia acredita ser necessária uma reforma da Conferência, com limites na participação da iniciativa privada em espaços como as COPs. “Ao invés de estarmos responsabilizando e colocando limites para a ação delas [empresas], está se constituindo outras formas de lucrarem com o problema”, diz, ao citar o artigo 6º do Acordo de Paris, que trata dos mercados de carbono, e, em sua visão, estão se criando instrumentos mercadológicos para que as corporações disputem uma prateleira de soluções.
Diante desse cenário, Jaiane Bruna aponta a comunicação como uma ferramenta eficaz para combater a desinformação climática. Contudo, ela acrescenta que é preciso fazer isso de forma mais ativa e menos passiva, com mobilizações nos territórios. Sua esperança é que a COP 30 reacenda a vocação de ocupar as ruas do ativismo climático brasileiro.
Além do engajamento popular, Julia recomenda “às pessoas questionarem as empresas e denunciarem para o poder público quando encontrarem discursos contraditórios ou falsos.” O Inesc, inclusive, irá lançar, ainda em 2025, o Observatório do Greenwashing como uma ferramenta pública para a sociedade civil realizar e acompanhar essas denúncias.
Por fim, Letícia defende que, para combater o greenwashing, é preciso buscar diálogos interseccionais com aperfeiçoamento e inovação na forma de contar a contranarrativa. “Precisamos de ferramentas lúdicas, didáticas e pedagógicas, que estejam mais próximas do cotidiano e do dia a dia das pessoas.”
Fique por dentro
- Exploração de petróleo na Foz do Amazonas é uma “bomba” na biodiversidade, do ClimaInfo: bit.ly/RCC_14_033
- Fossil fuel lobbyists eclipse delegations from most climate vulnerable nations at COP29 climate talks, da coalizão Kick Big Polluters Out: bit.ly/RCC_14_034
- “Manual de Enfrentamento à Mentira Verde”, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec):
idec.org.br/greenwashing - Greenwashing: entenda o que é e aprenda a se defender de propagandas falsas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública: bit.ly/RCC_14_035
No Brasil, há casos de retrocessos encabeçados por políticos conservadores que agridem os biomas e os povos originários e tradicionais. Um dos exemplos recentes é a legislação aprovada após votação do Congresso Nacional, o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021. O texto, que ficou conhecido como PL da Devastação, tinha como objetivo fragilizar regras para o licenciamento ambiental e beneficiar projetos que ignoram a crise climática e vão contra a realidade dos desafios ambientais deste século. Segundo ambientalistas brasileiros, essa foi uma das maiores ameaças ao meio ambiente dos últimos anos. O Projeto de Lei foi sancionado pelo presidente Lula, em agosto deste ano, com 63 vetos.
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A gente cobra! Aliança dos Povos renasce na luta pelo clima
A gente cobra! Aliança dos Povos renasce na luta pelo clima
Aliança dos Povos pelo Clima lança manifestação pelo financiamento para os povos que preservam a floresta.
Fazer parte da natureza é também compreender que conceitos como eternidade e imutabilidade têm muito menos sentido do que pensar em alteridades, transformações. O desejo e a vaidade não só de se perpetuar, mas de acreditar que até mesmo a morte pode ser superada é a marca de uma sociedade que, ao fim, tenta se mostrar superior aos demais seres – humanos e não humanos – e caminha a passos largos para um colapso.
A compreensão de que as transformações não são apenas parte da natureza, mas também algo harmonioso e desejável pode ser uma boa imagem para pensar sobre um importante ciclo que se iniciou em setembro, na Aldeia Mupá, Terra Indígena Capoto/Jarina, do povo Yudjá/Juruna, no Mato Grosso, com o surgimento de uma nova Aliança dos Povos, um movimento histórico que agora renova seus quadros, articulações e sonhos.
Com a presença do Cacique Raoni Metuktire, liderança histórica do movimento indígena brasileiro, o evento marcou uma passagem de tocha para jovens lideranças da floresta, que agora buscam fazer jus à Aliança, movimento histórico dos anos 80, fundado por Chico Mendes, o próprio Raoni, entre outras pessoas, que conquistou vitórias importantes, como a criação das reservas extrativistas (RESEX) no Brasil. Uma mudança agora é que, se antes o nome da articulação terminava citando a floresta, agora ela se chama Aliança dos Povos pelo Clima.
“Eu vejo que já estou ficando cansado, não tenho mais aquele fôlego para dar continuidade. Por isso, preciso que alguém faça isso para mim, que alguém dê continuidade nessa luta. Assim, quando eu partir desse mundo, vocês vão estar protegidos também. Eu sou um dos únicos que defendem não apenas o bem-viver do meu povo, mas de todos”, afirmou Raoni.
O cacique também fez questão de lembrar da importância da palavra aliança quando se tratam dos enfrentamentos necessários dos povos da floresta:
“Os brancos querem a todo custo nos derrubar, acabar com a gente. E quando eu vou confrontar essas pessoas, muitas vezes eu sinto falta de pessoas me acompanhando. Por isso, unir todos os nossos parceiros, nossos aliados. Vocês, essa geração nova, precisam manter esses brancos que são nossos aliados, vocês precisam manter essa aliança forte com eles, porque eles estão com a gente. Precisam unir essa força contra outros brancos que querem acabar com a gente. Por isso a importância dessa aliança”.
As articulações que levaram a essa nova etapa da Aliança começaram em 2024, quando um encontro do qual o próprio Raoni fez parte aconteceu em Belém, na RCOY, a Conferência Climática Regional de Juventudes Latinoamericanas. Dali as comunidades começaram a construção dessa nova campanha, que foi batizada por meio de sonhos. Entre as muitas pessoas que estavam juntas acampadas na reserva indígena, uma imagem começou a aparecer em diversos sonhos, a imagem de uma cobra. O animal, sagrado para diferentes povos, também se faz verbo agora para a nova Aliança:
A gente cobra
Esse é o principal lema da campanha da Aliança dos Povos pelo Clima. E essa cobrança dos povos já mira na COP 30, em Belém. Num espaço em que as negociações ficam centradas em figuras de alto escalão de governos e nos lobbys de empresas, a Aliança tem como objetivo pressionar os negociadores pela garantia da autonomia territorial e reparação histórica através de mecanismos efetivos de financiamento climático. No lugar da antiga tutela, que coloca as comunidades tradicionais e originárias relegadas à subalternidade, sem tomar decisões sobre as políticas públicas e o alocamento de recursos, elas exigem agora serem responsáveis pelas decisões, com gestão e execução dos fundos.
Uma das porta-vozes desse novo momento é Angélica Mendes. Neta da liderança extrativista e membro do Comitê Chico Mendes, ela afirma que o objetivo na COP é estar em todos os espaços, como a Cúpula dos Povos e as zonas oficiais, levando essa mensagem. Há uma dívida histórica e ela tem que ser paga agora.
“Os povos indígenas, as comunidades precisam de ajuda para defender seus territórios e a natureza. E essa ajuda precisa vir em forma de recurso, em financiamento, para que a gente consiga dar continuidade aos nossos projetos, porque a gente sabe que a maioria do financiamento não chega nos territórios. E muitas vezes até pelo próprio governo que acaba não dando autonomia aos povos”, explicou a ativista.
Cuidar da natureza também é um trabalho
Um exemplo de como é importante a chegada direta dos recursos aos territórios é o trabalho dos extrativistas nas reservas. Na relação e cuidado direto com a natureza, essas comunidades necessitam de acesso a projetos e fontes de recursos que permitam que o fruto de seus trabalhos chegue aos consumidores. O mesmo vale para comunidades ribeirinhas e indígenas, que precisam ter a liberdade assegurada, mas também incentivo para suas práticas tradicionais de manejo, caça e coleta.
“A gente tem a criação das reservas extrativistas, mas para que as pessoas permaneçam lá, fazendo esse papel tão importante de defesa da floresta, a gente precisa de condições maiores. A aliança surge dessa união entre jovens indígenas, extrativistas, quilombolas, beiradeiros, pescadores artesanais e todos com esse objetivo comum. Embora diferentes culturas, diferentes identidades, a gente tá aí buscando a defesa dos territórios”, ressalta Angélica.
Os desafios dos povos brasileiros nessa luta por condições dignas não é, infelizmente, um traço exclusivo do país, conforme lembrou Andrea Ixchíu, liderança maya da Guatemala, que faz parte da rede “Sul x Sul”, iniciativa do Instituto Procomum. A COP, novamente, é a oportunidade de encontro desses povos e comunidades, que podem trocar não apenas sobre os problemas que enfrentam, mas também soluções e inspirações, como a que ela afirma ter encontrado com Raoni:
“Sou de uma aliança de povos da Mesoamérica, onde nos reunimos para contar outras histórias e principalmente para honrar pessoas como o senhor, que nos ensinaram que o futuro é ancestral. Seguimos seu exemplo, seguimos o seu legado. E estamos aqui porque vamos seguir lutando por nossas terras, juntos como povos”.
Para Val Munduruku, jovem ativista indígena paraense que também integra a Aliança, o chamado do “vovô Raoni” como ela e outros carinhosamente chamam o ancião, é também a oportunidade de convocar outros jovens na luta pelo clima durante a COP, como ela fez questão de ressaltar, falando diretamente a Raoni no encontro da Aliança em setembro:
“A gente está feliz de estar aqui como juventude, relançando essa Aliança dos Povos pelo Clima. A continuidade que está sendo traçada ano a ano. Agora, assim como o senhor fez esse chamado pra nós, eu quero chamar a juventude para a defesa dos nossos territórios, rios e identidades”.
Ativista Vala Munduruku (Fonte:https://www.muvuqueiravalmunduruku.nossas.org.br/)
A HISTÓRIA DA ANTIGA ALIANÇA DOS POVOS
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Em entrevista à Revista Teoria e Debate, da Fundação Perseu Abramo, em 1989, Ailton Krenak, um dos fundadores da Aliança dos Povos a definia assim: “A aliança dos povos da floresta é uma iniciativa da UNI (União das Nações Indígenas) e do Conselho Nacional dos Seringueiros, que inclui as populações ribeirinhas e comunidades de colonos. A coordenação da aliança dos povos da floresta é constituída por representantes indígenas, seringueiros e ribeirinhos. É um conselho de representantes. Nós temos pontos em que andamos juntos, mas cada uma das nossas populações tem a sua identidade própria”.
Formalizada em 1987, a aliança foi um ator essencial na garantia de demarcação de terras indígenas, assim como na criação da política e da primeira reserva extrativista do país, a Resex Chico Mendes, em 1990, dois anos após o assassinto do líder seringueiro em Xapuri, no Acre.
Multilateralismo: forma de organização em que vários países cooperam e tomam decisões em conjunto sobre determinado tema, baseados em regras e instituições comuns.
Populismo: conceito utilizado para se referir a um conjunto de práticas políticas que se justificam num apelo ao “povo”.
TEXTO
Nayara Almeida e Mario Campagnani
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Clima sob ataque: como a extrema direita fomenta a crise climática
Clima sob ataque: como a extrema direita fomenta a crise climática
Desinformação, espionagem e negacionismo estão entre as estratégias para enfraquecer instituições e políticas climáticas.
Protesto ironiza ceticismo da extrema direita l Foto: Barbara Veiga/Greenpeace via InfoAmazônia
A extrema direita – grupo político conhecido por articular tendências ultraconservadoras, autoritárias e preconceituosas contra grupos minorizados – tem se espalhado por diferentes partes do mundo e moldado não apenas os rumos da política, mas também a forma como a crise climática é vista e enfrentada. À medida que avançam os debates sobre as mudanças no clima, a extrema direita se articula para reagir às mobilizações em defesa do Planeta. Além de enfraquecer conquistas históricas, esse contra-ataque trava avanços na proteção da Natureza e das populações mais vulneráveis.
No Brasil, há casos de retrocessos encabeçados por políticos conservadores que agridem os biomas e os povos originários e tradicionais. Um dos exemplos recentes é a legislação aprovada após votação do Congresso Nacional, o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021. O texto, que ficou conhecido como PL da Devastação, tinha como objetivo fragilizar regras para o licenciamento ambiental e beneficiar projetos que ignoram a crise climática e vão contra a realidade dos desafios ambientais deste século. Segundo ambientalistas brasileiros, essa foi uma das maiores ameaças ao meio ambiente dos últimos anos. O Projeto de Lei foi sancionado pelo presidente Lula, em agosto deste ano, com 63 vetos.
- As mudanças climáticas são transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima no Planeta. As atividades humanas têm sido o principal impulsionador desse fenômeno, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás. A intensidade dessas consequências é marcada por fatores como região, território, cor da pele e classe social.
Fontes: Organização das Nações Unidas (ONU) e Escola de Ativismo
As ações contra a justiça climática lideradas pela extrema direita atuam em escala global. Em julho deste ano, enquanto ativistas climáticos faziam campanhas para que o PL da Devastação fosse vetado no Brasil, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciava a revogação da política climática do país. Desde que Trump voltou à presidência dos EUA, o governo federal mudou de direção nas políticas para o clima. Conhecido por defender o uso de combustíveis fósseis, atacar ativistas climáticos e negar o aquecimento global, Trump tem dado sinais claros de retrocesso na área. Entre outras mudanças na política energética, o governo restringiu pesquisas sobre a crise climática.
Já na América Latina, o presidente argentino, Javier Milei, também tem mostrado sua postura negacionista diante da agenda climática. Em discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2024, o líder do país, que enfrenta ondas extremas de calor, acusou a ONU de impor “agenda ideológica”. Em 2024, sem explicações, Milei ordenou a saída da delegação argentina da COP 29, em Baku, no Azerbaijão. A postura do presidente ignora os problemas enfrentados pelos cidadãos argentinos. A temperatura no país, no início deste ano, ultrapassou os 40°C e um enorme apagão em Buenos Aires, capital argentina, deixou mais de 600 mil pessoas sem luz em meio a essa onda de calor.
O ativista estadunidense Sean Buchan, coordenador da Unidade de Inteligência da Climate Action Against Disinformation (CAAD) – uma coalizão de cerca de 100 pessoas que lutam contra a desinformação climática sistêmica em todo o mundo –, acredita que a extrema direita se organiza de várias maneiras e que tende a operar de formas diferentes dependendo do contexto local, mas existem padrões.
“A maioria usa um bode expiatório duplo: o multiculturalismo e o multilateralismo, sendo que este último é frequentemente apresentado em teorias da conspiração racistas. Assim, a ação climática é um contraponto conveniente para os movimentos de extrema direita que se sobrepõem ao populismo, pois a resolução da crise requer cooperação internacional e mudanças rápidas que tais movimentos podem explorar. Tal como o conservadorismo tradicional, o movimento recorre ao manual da desinformação. Enquanto os movimentos conservadores tradicionais utilizam redes de dinheiro sujo, geralmente proveniente de indústrias poluentes, para espalhar informações falsas, os partidos, políticos e figuras da extrema direita tendem a espalhar diretamente a desinformação, utilizando-a como ferramenta para aumentar a popularidade”, explica.
- Multiculturalismo: termo que descreve a existência de muitas culturas numa localidade. Ele parte do reconhecimento de que grupos com identidades, tradições, línguas e religiões distintas devem ter seus direitos respeitados e suas expressões culturais preservadas.
Multilateralismo: forma de organização em que vários países cooperam e tomam decisões em conjunto sobre determinado tema, baseados em regras e instituições comuns.
Populismo: conceito utilizado para se referir a um conjunto de práticas políticas que se justificam num apelo ao “povo”.
Sabotagem global à agenda climática
“O governo Trump se comporta de muitas maneiras como uma autocracia [forma de governo na qual há um único detentor do poder político-estatal], incluindo sua aversão à realidade quando ela é inconveniente. Ao contrário de qualquer governo anterior, o de Trump está negando diretamente a ciência climática estabelecida e usando isso como justificativa para desmantelar as políticas climáticas em um ritmo preocupante. Ele também está tentando forçar outras nações e blocos a quebrar compromissos multilaterais por meio do comércio coercitivo de seus produtos que destroem o Planeta”, diz Buchan.
“Além disso, a indústria de combustíveis fósseis parece estar feliz em se aliar a tal autocracia, talvez como um último esforço para enriquecer antes que a indústria se esgote para sempre. Centenas de milhões de dólares estão fluindo da indústria fóssil para organizações que apoiam o governo. Por exemplo, dos 45 grupos que lutam contra os direitos trans nos EUA, 80% receberam financiamento da indústria de combustíveis fósseis”, completa.
Apesar dos desafios, o ativista diz estar esperançoso e animado com a quantidade de energia dos movimentos contra a desinformação e em prol do clima que têm se unido por justiça, equidade, diversidade e inclusão. “Há muita organização acontecendo e muitas pessoas que se importam.”
"Dos 45 grupos que lutam contra os direitos trans nos EUA, 80% receberam financiamento da indústria de combustíveis fósseis”
Estratégias diversas
Em diferentes partes do mundo, a extrema direita tem recorrido a um conjunto de estratégias que incluem o negacionismo científico, a disseminação de desinformação e a perseguição a ativistas socioambientais, criando um ambiente hostil para quem defende a Natureza e os direitos humanos. Mas isso também parte de órgãos do Estado e, em alguns lugares, comandados por políticos de todos os espectros.
No Brasil, segundo país que mais mata ativistas ambientais no mundo, conforme a pesquisa da organização internacional Global Witness, publicada em setembro de 2024, a situação não é diferente. Lideranças indígenas do Pará afirmam que informações pessoais e sigilosas de pessoas ameaçadas, fornecidas ao Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) — política criada para garantir a segurança de quem atua na linha de frente — podem estar sendo utilizadas de forma indevida, transformando um mecanismo de proteção em um risco adicional para os próprios defensores.
Auricélia Arapiun, liderança do povo indígena Arapiun, no Pará, e integrante do conselho da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), conta que a ocupação histórica, liderada por indígenas a favor da educação no estado, mostrou que lideranças, ativistas e defensores são espionados. Os protestos entre janeiro e fevereiro deste ano exigiam a revogação da Lei 10.820/2024, que abriria caminho para a conversão de aulas presenciais em Educação a Distância (EAD) nas comunidades quilombolas, ribeirinhas e terras indígenas.
“A gente sabe que está sendo monitorado. Eu nunca entrei no programa de proteção,
apesar de já ter recebido várias ameaças, porque eu sempre desconfiei dele [do PPDDH]. E, durante a ocupação da Secretaria Estadual de Educação [Seduc], recebemos inúmeras ameaças. A gente já desconfiava muito que estava sendo monitorado. O que a gente não sabia, e surpreendeu, foi a forma como o governo do estado se infiltrou e como usou o programa e os defensores que participam dele para repassar informações para eles [pessoas do governo]”, conta a liderança.
Auricélia conta que, além de monitorar, o Estado usa a tática de divisão para enfraquecer a luta dos povos indígenas. “A tática que ele usou foi de colocar indígena contra indígena, movimento contra movimento. O que aconteceu na ocupação da Secretaria Estadual de Educação mostra muito o que nós vivemos na era Bolsonaro, num governo de extrema direita. E o governo do Pará é um governo de direita e age com autoritarismo e extremismo. Nós nos sentimos como se estivéssemos ainda na época do golpe militar, sendo monitorados, e ali o tempo todo havia tentativas de espalhar fake news”, relembra.
Os perigos da desinformação climática
As fake news e outras formas de desinformação são estratégias bem conhecidas para enfraquecer mobilizações por justiça climática. No contexto das mudanças no clima, o termo usado por especialistas é “desinformação climática”.
Thais Lazzeri, do FALA – Estúdio de Impacto, criadora do Mentira Tem Preço e do Observatório da Integridade da Informação, explica que essas desinformações aparecem em formatos variados e que, no Brasil, parte expressiva do conteúdo negacionista e dos ataques a povos indígenas e a políticas ambientais circula em redes associadas à extrema direita.
Thais Lazzeri descreve a desinformação climática como qualquer conteúdo enganoso que questiona a existência ou a gravidade da crise do clima, distorce a ciência e mina a confiança em soluções, inclusive quando usa “meias-verdades” ou omite contexto. O objetivo é criar dúvida suficiente para atrasar a ação em âmbitos mundial, nacional e local.
Thais explica que existe um ecossistema, que muitas vezes trabalha coordenadamente com múltiplos atores: políticos, influenciadores, veículos e plataformas, empresas com interesse econômico, agências de relações públicas e grupos de fachada. “O objetivo é enfraquecer instituições e políticas climáticas, proteger interesses econômicos e mobilizar base eleitoral por meio da polarização. Não é um post isolado, por isso chamo de cadeia produtiva de mentiras que beneficia todo um ecossistema com poder, influência e dinheiro”, analisa.
Assim como o negacionismo climático, a desinformação sobre o clima também é uma franquia global com filiais locais. Todas as pessoas são impactadas por esse efeito, o que torna ainda mais necessário olhar para a integridade da informação – o direito à informação de confiança — na escala global, nacional e local.
“Quem defende soluções para o clima vai ser alvo, e aí é importante pensar ‘clima’ dentro de uma agenda
intersetorial: educação, saúde, economia, migração, direitos humanos. Por isso, povos indígenas e comunidades tradicionais, defensores ambientais, periferias urbanas e populações vulneráveis a eventos extremos são duas vezes impactados. A mentira viral se torna licença social para atacar quem protege os biomas”, ressalta.
A especialista acredita que as mentiras sobre o clima tendem a aumentar nos próximos anos, especialmente em contextos eleitorais. Isso mostra que a desinformação não é espontânea, mas sim um recurso estratégico de campanha usado para manipular o debate público e minar políticas socioambientais, inclusive de mitigação e adaptação para cidades.
“Quem defende soluções para o clima vai ser alvo, e aí é importante pensar ‘clima’ dentro de uma agenda intersetorial: educação, saúde, economia, migração, direitos humanos."
O racismo ambiental evidencia como determinados grupos, especialmente populações negras, indígenas, quilombolas e camponesas são desproporcionalmente afetados pelos danos ambientais e pela lógica excludente da monocultura. “Entre as consequências mais graves estão os problemas de saúde decorrentes do uso de agrotóxicos, da contaminação das águas e do ar, bem como a precarização das condições de vida e de educação nesses territórios. O racismo ambiental revela-se como uma das faces mais cruéis da crise climática e do modelo de desenvolvimento hegemônico no Brasil”, analisa Olavo Lisboa.
Reconhecendo desinformações climáticas e mitigando danos
Para mitigar os danos, a longo prazo, a solução é a educação midiática e climática local, mas com recortes de gênero, raça e clima, ancorada no que as pessoas já sabem e trazendo-as para pensar junto. “É um processo de alfabetização crítica, que não só explica como a mentira circula, mas também devolve poder às comunidades para questionar e resistir”, aponta Thais.
É interessante também saber identificar as mentiras com maior alcance no cenário nacional. A especialista traz uma lista dos principais pontos de atenção:
- A ideia de que não é urgente, que podemos esperar para lidar com os impactos das mudanças climáticas;
- Atacar as soluções sustentáveis, como transição energética justa e agricultura regenerativa, dizendo que são caras ou que não funcionam;
- Descredibilizar governos, institutos, organizações do terceiro setor;
- Usar verdades parciais sem contexto para induzir à conclusão errada.
Maria Divina Lopes, educadora popular, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da Região Amazônica, mestre em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe pela UNESP, considera o agro um modelo predatório.
“Para manter os seus lucros o agronegócio avança cada vez mais sobre a natureza, intensificando a exploração da terra, água, minérios e biodiversidade, e ainda financeirizando os bens comuns que se mantém conservados, garantindo às empresas e países poluidores, ‘o direito de poluir’ compensando as suas emissões de gases de efeito estufa comprando os ditos créditos de carbono”, disse.
Para a militante, o agronegócio não tem nada de pop e até a sua “modernidade” na produlção intensiva é prejudicial. “Esse modelo se apropria de forma privada da floresta, da biodiversidade, da água, do solo e até mesmo da energia, a exemplo dos grandes projetos de energia eólica que causam enormes impactos no Nordeste e as hidrelétricas que continuam explorando os rios causando enormes impactos ambientais e sociais para gerar lucros extraordinários”.
A Agro é Fogo – articulação que reúne movimentos, organizações e pastorais sociais que defendem a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal e seus povos – têm mostrado os impactos do modelo agropecuário predatório dando visibilidade às lutas dos povos tradicionais. Isolete Wichinieski, coordenadora operativa da Agro é Fogo e também coordenadora da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado afirma que as atividades agrícolas promovem desigualdades sociais, com a alta concentração no campo, com a expulsão de povos originários, comunidades tradicionais e o enfraquecimento da agricultura familiar.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), somente no Cerrado em 2024 foram registrados 970 ocorrências de conflitos em que o principal agente causador é o agronegócio (59,32%). Conforme dados registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno da CPT (Cedoc), de 2019 a 2024, foram registradas 840 ocorrências de incêndios em territórios de povos e comunidades tradicionais no Brasil, resultando em cerca de 180 mil famílias afetadas. “Em média, foram 30 mil famílias impactadas por ano, evidenciando que os incêndios não são fenômenos naturais isolados, mas sim expressões de uma violência ambiental sistemática, marcada por disputas fundiárias, avanço de atividades econômicas ilegais e ausência de fiscalização”, disse Isolete.
Ela explica que na série há grandes oscilações, com picos em 2021 (com cerca de 39 mil famílias afetadas) e 2024 (cerca de 49 mil famílias afetadas). “O aumento registrado em 2024 representa um crescimento de 336% em relação a 2023, quando 11,4 mil famílias foram atingidas. Comparando o início e o fim da série, o número de famílias impactadas quase dobrou entre 2019 (cerca de 27 mil) e 2024, indicando agravamento dos conflitos territoriais e intensificação da destruição ambiental. No período de seis anos, 2021 e 2024 concentram juntos 49% do total das famílias afetadas”, explicou.
A partir de 2020, até o último ano de dados totais publicados (2024), cerca de 227 mil famílias foram vítimas de desmatamento ilegal em diferentes territórios tradicionais do país. Os dados revelam uma concentração expressiva no Norte, que responde sozinho por 61,7% das famílias atingidas (140 mil). Em seguida aparecem as regiões Nordeste (27,4%), Centro-Oeste (9,3%), Sul (1%) e Sudeste (0,7%). Em termos estaduais, o Pará lidera amplamente, com cerca de 70 mil famílias afetadas, quase um terço do total nacional (31,2%).
Legislação com benefícios ao agro
Baseada em dados que mostram as destruições, ataques e violência, Isolete afirma que há muitas contestações no que se refere a narrativa do agro é pop. Para ela, o agronegócio brasileiro destrói e mesmo assim se mantém privilegiado por uma série de benefícios legais e financeiros.
“O agro é isento de impostos e beneficiado pela Lei Kandir, contribui zero para a arrecadação. Além disso, garante uma grande fatia anualmente em crédito subsidiado pelo plano safra (R$ 516,2 bilhões para o setor empresarial, que engloba médios e grandes produtores), sobrando apenas R$ 78,2 bilhões para a agricultura familiar, via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)”.
O cenário é desanimador e triste. Em algumas partes do país, a sensação é que quem julga, legisla e executa as leis são pessoas ligadas aos interesses do agronegócio. Para Sara Tamioso, há um descaso visível por parte do próprio Estado em favorecer a concentração de terras para um público e negar direitos para outros. “Qualquer produtor pode dizer que segue o Código Florestal, mas a verdade é que o próprio Código está defasado em relação à crise climática, e o Cerrado, bioma legalmente desprotegido, acabou sendo o alvo do desmatamento que “vazou” da Amazônia quando a proteção ao bioma aumentou. É muito triste ouvir um bioma tão lindo e rico como o Cerrado ser tratado e relatado como “bioma de sacrifício” para uma produção que não nos agrega nada e concentra renda entre os grandes produtores (de prejuízo ambiental)”.
Apesar de ser possível melhorar o aparato legal, uma solução mais rápida e simples seria implementar de melhor forma as regras que já existem. Arilson Favareto explica que já existem políticas para uma agricultura de baixo carbono e para a agricultura familiar, além de programas e linhas de financiamento para grupos mais vulneráveis. “O problema é que tudo isso é feito sem mudar as grandes prioridades. Um exemplo é o plano Safra: a parte dos recursos que vai para os produtores familiares e mais vulneráveis é muito menor do que aquela que vai para os grandes produtores; a parte que vai para as práticas regenerativas é muito menor do que aquela que vai para as práticas predatórias. Por que até agora não se avançou na implementação do Cadastro Ambiental Rural? O problema maior não é criar novas leis ou programas”.
O pesquisador afirma que o Brasil precisa de uma estratégia de transição para o sistema agroalimentar com uma prioridade: superar a monotonia que hoje marca a forma como produzimos e consumimos alimentos.
“A monotonia das lavouras – cada vez mais concentrada na monocultivo de poucas espécies; a monotonia da criação animal, baseada em baixa variedade genética dos animais, criados de maneira confinada e com elevado uso de antibióticos; e a monotonia das dietas, cada vez mais baseada no consumo de ultraprocessados”, explica dizendo que essa estratégia precisa se traduzir em metas a serem monitoradas pela sociedade, que é zerar o desmatamento, diminuir progressivamente o uso de insumos químicos, substituir o consumo de ultraprocessados por uma dieta mais diversificada e baseada em alimentos frescos.
Diversidade, tecnologias ancestrais e sustentabilidade
Enquanto o agro produz pouca variedade em larga escala, a agricultura familiar produz a grande maioria de toda a diversidade de produtos que vai para a mesa do povo brasileiro. Ao mesmo tempo, os povos, comunidades tradicionais e camponesas utilizam de tecnologias ancestrais adaptadas a sua realidade.
“Os povos, comunidades tradicionais e camponesas apostam na produção em pequenas escalas, com tecnologias sociais adaptadas a sua realidade e ao meio em que vivem. Tem no seu território o espaço de vida que está interligado com os biomas e o ecossistema em que vivem. Guardam as sementes, as águas, a biodiversidade, os animais, as plantas, a terra, assim como a sua vida. Os territórios dos povos originários e comunidades tradicionais têm os maiores índices de recuperação das florestas e de proteção de nascentes. Cuidar da terra, para esses povos, não é política de governo, é expressão da própria vida”, disse Isolete Wichiniesk.
Assim como a Agro é Fogo divulga dados e informações que contrapõe as diferentes formas de produção, o MST tem pautado a questão ambiental e climática como uma frente de disputa nas batalhas das ideias com o agronegócio e defendido a garantia da reforma agrária popular, a proteção dos territórios indígenas e quilombolas e o fim do desmatamento em todos os biomas. O reflorestamento das áreas degradadas, controle rigoroso sobre a mineração e a revisão das regras que permitem a exportação de recursos naturais como petróleo, ouro e madeira sem benefícios concretos para a sociedade também são pautas do MST.
“Em nosso plano: “Plantar árvores produzir alimentos saudáveis”, nosso esforço de plantio já soma mais de 40 milhões de árvores, mas sabemos que é preciso muito mais, porém, em cada árvore estamos plantando o cuidado e o compromisso com a construção de um outro projeto de sociedade, onde os direitos de todas as pessoas e da natureza sejam garantidos”, afirmou a educadora popular Maria Divina Lopes.
O cenário é ruim e as pessoas precisam perceber o risco que estamos correndo, porque as consequências serão devastadoras. É preciso construir um futuro diferente e para isso é necessário transformar práticas.
“Hoje podemos sentir na pele as mudanças do clima. Indígenas, quilombolas, ribeirinhas, camponesas, entre outras formas de organização vivem em contato direto com a natureza e podem nos ensinar a reconectar com ela e adiar, como diz Krenak, o fim do mundo. Sempre penso que há caminhos lindos, da cooperação, da vida em comunidade, da abundância, mas acabo tendo que me lembrar que somos muitos e que a diversidade, fundamental, também inclui pessoas ruins, individualistas e mesmo crueis”, disse Sarah Tamioso.
As análises de especialistas apontam que temos que optar por uma agricultura não destrutiva, diversa e que produza alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos. Nesse contexto, é urgente buscar modelos mais sustentáveis que respeitem o meio ambiente e os povos que vivem nela. Assim, também será possível reduzir as doenças relacionadas à alimentação e à contaminação ambiental.
“É fundamental que a sociedade, e especialmente os representantes eleitos pelo povo, repensem o modelo de desenvolvimento vigente. Mais do que isso, é essencial que a população exerça seu voto de forma crítica, escolhendo representantes que não estejam vinculados aos lobbies do agronegócio. Esses grupos políticos, frequentemente compostos por grandes proprietários de terra e empresários do setor, legitimam práticas que aprofundam as desigualdades socioambientais, reforçando a exploração da natureza e a marginalização de povos e comunidades tradicionais. Assim, repensar o papel político e econômico do agronegócio é também um ato de resistência contra o racismo estrutural e ambiental que marca a história do Brasil”, finalizou Olavo.
Efeito estufa
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Quer combater a crise climática e socioambiental brasileira? Comece pelo agronegócio
Quer combater a crise climática e socioambiental brasileira? Comece pelo agronegócio
Lideranças de movimentos sociais, ambientalistas e pesquisadores analisam os impactos do modelo de produção de alimentos responsável por três quartos da nossa emissão de gases de efeito estufa
Quando você pensa em crise climática, no calor e nos eventos extremos, o que vêm à cabeça como principal causador? Talvez uma chaminé industrial, o escapamento de um carro e eventualmente uma floresta em chamas. No Brasil, no entanto, essa imagem pode ser enganosa. Enquanto, em grande parte do mundo, essas emissões estão associadas à queima de combustíveis fósseis, no Brasil o cenário é diferente: o maior peso recai sobre o sistema agroalimentar. A agropecuária, em especial, é uma das principais responsáveis, com impactos que vão do metano liberado pelos rebanhos ao desmatamento e às queimadas que abrem espaço para pastagens e grandes lavouras.
Segundo o último relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, “a atividade agropecuária responde por 75% de toda a poluição climática brasileira”. Um levantamento do MapBiomas apontou que o agronegócio também foi responsável por 97% do desmatamento no Brasil em 2021.
O Brasil, assim, é o quinto maior emissor do planeta. Só as flatulências e arrotos dos bois emitem mais gases que a Itália, conforme análise do (SEEG).
Ou seja, a crise e o calor que sentimos hoje também é resultado das formas predatórias de produzir alimentos, mais especificamente o agronegócio para exportação. A indústria da carne e da monocultura é o modelo responsável pela produção, processamento e venda de produtos em larga escala, que costuma colocar o lucro acima de tudo, mesmo que isso signifique deixar rastros de degradação ambiental e social e ignorar os limites da natureza, os impactos no clima e os direitos das comunidades. Por trás das propagandas coloridas, o modelo que utiliza grandes extensões de terras na produção de commodities e que se vende como “pop”, causa desmatamento, emissão de gases de efeito estufa, redução das águas e promove o esgotamento do solo.
- Efeito estufa
- O efeito estufa é causado por uma série de gases que retém parte do calor irradiado pela Terra, tornando-o mais quente e possibilitando vida no planeta. Esses gases são os chamados gases de efeito estufa, compostos principalmente por gás carbônico (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O) entre outros. Muitas atividades humanas, principalmente queima de combustíveis fósseis e desmatamento, têm aumentado a concentração desses gases na atmosfera e, como consequência, elevado a temperatura média da Terra, causando mudanças climáticas. O Brasil está entre os maiores emissores de GEEs do mundo.
Para ajudar a compreender as conexões entre o agronegócio, a crise climática e os impactos socioambientais, ouvimos diferentes vozes. Ativistas, pesquisadores, ambientalistas e representantes de movimentos sociais que há anos denunciam os impactos desse modelo de produção chegaram a um ponto em comum: o agronegócio, da maneira como está estruturado, é um dos principais inimigos do clima e da natureza.
Mudar o clima, mudar o prato
O pesquisador, professor titular da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da USP, Arilson Favareto, aponta vários problemas relacionados à forma de produção de alimentos e defende que é necessário haver uma mudança urgente.
“Entre as atividades que mais geram gases de efeito estufa estão a produção de gases pelo rebanho da pecuária bovina e o desmatamento. Três quartos das emissões brasileiras vêm direta ou indiretamente das formas como produzimos, processamos, distribuímos e consumimos alimentos. E, paradoxalmente, a produção de alimentos também está entre as atividades mais afetadas pelas mudanças climáticas: as mudanças no regime de chuvas, as secas prolongadas e outros eventos afetam a produção de alimentos levando a aumento de custos e quebras de safra de maneira cada vez mais frequente”.
Ao definir o agronegócio como uma atividade econômica, Arilson explica que há várias formas de executá-la, mas que a soma das variadas formas de produzir tem gerado os impactos ambientais negativos. “É preciso mudar a forma predominante de produzir e consumir alimentos. Já há tecnologias para se produzir tanto quanto se produz hoje, mas sem esses impactos negativos. Esse é um dos principais desafios: penalizar as práticas predatórias, e estimular as práticas agroecológicas e regenerativas que conseguem associar produção de alimentos com conservação da natureza”, disse.
A conclusão do pesquisador é firme:
“Sem uma mudança no sistema agroalimentar, não há como fazer frente às mudanças climáticas”, defende Arilson Favareto.
Impactos na vida
Além da expansão da fronteira agrícola ser responsável pela parcela brasileira de contribuição para a crise climática, esse modelo também causa impactos socioambientais diretos na qualidade de vida humana. A ativista Sarah Tamioso, que é jornalista, mestranda em Ciências do Ambiente e coordenadora de comunicação da Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática explica que é possível apontar a relação entre agronegócio e eventos climáticos extremos com o impacto na qualidade de vida humana.
Sarah destacou que os impactos ambientais e sociais provocados pelo modelo atual de desenvolvimento se manifestam de várias formas no dia a dia das comunidades.
“Especialmente quando falamos de sensação térmica e água, que é captada, roubada ou contaminada. Também podemos ressaltar a questão do agrotóxico de drone ou de avião, que atinge regiões vizinhas devido ao vento e adoece comunidades. Também levanto aqui a questão de que o Estado deve atender à população e promover melhorias a partir da boa gestão, seja na qualidade das estradas, na saúde, na educação, mas também no lazer e na qualidade de vida, não devendo atender a uma lógica empresarial, uma vez que se trata de gestão de um Estado. O lucro, portanto, deve ser apenas um indicativo no planejamento, e não a meta de uma estrutura de governo, especialmente quando se trata do lucro privado em detrimento do público em meio a uma crise sem precedentes”, apontou Sarah.
Sarah Tamioso é ativista climática (arquivo pessoal)
Racismo ambiental
Olavo Lisboa dos Santos, diretor de Educação Socioambiental do Instituto Ecótonos e pesquisador sobre Educação Ambiental e Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) afirma que os reais impactos ambientais e sociais provocados pelo agronegócio estão diretamente relacionados às desigualdades socioambientais, expressas no que se denomina racismo ambiental. As desigualdades estruturadas historicamente podem causar negação sistemática do direito à vida digna, à terra, território, ao ambiente equilibrado e até consequências fatais.
“Acredito fielmente que o principal dispositivo do agronegócio é o racismo ambiental, pois se trata de um sistema que opera a partir da indiferença em relação à vida sobretudo à vida das populações mais vulnerabilizadas. O agronegócio não apenas devasta ecossistemas, mas também apaga histórias, memórias e identidades coletivas, reafirmando o racismo ambiental como engrenagem central da crise climática”, afirma Olavo Lisboa.
O racismo ambiental evidencia como determinados grupos, especialmente populações negras, indígenas, quilombolas e camponesas são desproporcionalmente afetados pelos danos ambientais e pela lógica excludente da monocultura. “Entre as consequências mais graves estão os problemas de saúde decorrentes do uso de agrotóxicos, da contaminação das águas e do ar, bem como a precarização das condições de vida e de educação nesses territórios. O racismo ambiental revela-se como uma das faces mais cruéis da crise climática e do modelo de desenvolvimento hegemônico no Brasil”, analisa Olavo Lisboa.
Olavo é ativista socioambiental
O pesquisador explica que a expansão da fronteira agropecuária, especialmente na região conhecida como MATOPIBA (abrangendo partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), representa a última etapa de um processo de intensificação da exploração ambiental no país. “Essa expansão está diretamente associada ao aumento das emissões de gases de efeito estufa, resultado do desmatamento, das queimadas e do uso intensivo de insumos químicos”.
Essa dinâmica de avanço da fronteira agrícola também revela um projeto econômico e político de controle dos territórios. Isso se dá com a concentração de terras, riquezas e poder enquanto modos de vida tradicionais de povos indígenas, quilombolas, camponeses e de outras comunidades tradicionais são impactados. Em resposta, movimentos sociais e lideranças populares denunciam os impactos.
A terra como negócio, não como lar
TEXTO
Letícia Queiroz
publicado em
TEMAS
Maria Divina Lopes, educadora popular, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da Região Amazônica, mestre em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe pela UNESP, considera o agro um modelo predatório.
“Para manter os seus lucros o agronegócio avança cada vez mais sobre a natureza, intensificando a exploração da terra, água, minérios e biodiversidade, e ainda financeirizando os bens comuns que se mantém conservados, garantindo às empresas e países poluidores, ‘o direito de poluir’ compensando as suas emissões de gases de efeito estufa comprando os ditos créditos de carbono”, disse.
Para a militante, o agronegócio não tem nada de pop e até a sua “modernidade” na produlção intensiva é prejudicial. “Esse modelo se apropria de forma privada da floresta, da biodiversidade, da água, do solo e até mesmo da energia, a exemplo dos grandes projetos de energia eólica que causam enormes impactos no Nordeste e as hidrelétricas que continuam explorando os rios causando enormes impactos ambientais e sociais para gerar lucros extraordinários”.
A Agro é Fogo – articulação que reúne movimentos, organizações e pastorais sociais que defendem a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal e seus povos – têm mostrado os impactos do modelo agropecuário predatório dando visibilidade às lutas dos povos tradicionais. Isolete Wichinieski, coordenadora operativa da Agro é Fogo e também coordenadora da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado afirma que as atividades agrícolas promovem desigualdades sociais, com a alta concentração no campo, com a expulsão de povos originários, comunidades tradicionais e o enfraquecimento da agricultura familiar.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), somente no Cerrado em 2024 foram registrados 970 ocorrências de conflitos em que o principal agente causador é o agronegócio (59,32%). Conforme dados registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno da CPT (Cedoc), de 2019 a 2024, foram registradas 840 ocorrências de incêndios em territórios de povos e comunidades tradicionais no Brasil, resultando em cerca de 180 mil famílias afetadas. “Em média, foram 30 mil famílias impactadas por ano, evidenciando que os incêndios não são fenômenos naturais isolados, mas sim expressões de uma violência ambiental sistemática, marcada por disputas fundiárias, avanço de atividades econômicas ilegais e ausência de fiscalização”, disse Isolete.
Ela explica que na série há grandes oscilações, com picos em 2021 (com cerca de 39 mil famílias afetadas) e 2024 (cerca de 49 mil famílias afetadas). “O aumento registrado em 2024 representa um crescimento de 336% em relação a 2023, quando 11,4 mil famílias foram atingidas. Comparando o início e o fim da série, o número de famílias impactadas quase dobrou entre 2019 (cerca de 27 mil) e 2024, indicando agravamento dos conflitos territoriais e intensificação da destruição ambiental. No período de seis anos, 2021 e 2024 concentram juntos 49% do total das famílias afetadas”, explicou.
A partir de 2020, até o último ano de dados totais publicados (2024), cerca de 227 mil famílias foram vítimas de desmatamento ilegal em diferentes territórios tradicionais do país. Os dados revelam uma concentração expressiva no Norte, que responde sozinho por 61,7% das famílias atingidas (140 mil). Em seguida aparecem as regiões Nordeste (27,4%), Centro-Oeste (9,3%), Sul (1%) e Sudeste (0,7%). Em termos estaduais, o Pará lidera amplamente, com cerca de 70 mil famílias afetadas, quase um terço do total nacional (31,2%).
Legislação com benefícios ao agro
Baseada em dados que mostram as destruições, ataques e violência, Isolete afirma que há muitas contestações no que se refere a narrativa do agro é pop. Para ela, o agronegócio brasileiro destrói e mesmo assim se mantém privilegiado por uma série de benefícios legais e financeiros.
“O agro é isento de impostos e beneficiado pela Lei Kandir, contribui zero para a arrecadação. Além disso, garante uma grande fatia anualmente em crédito subsidiado pelo plano safra (R$ 516,2 bilhões para o setor empresarial, que engloba médios e grandes produtores), sobrando apenas R$ 78,2 bilhões para a agricultura familiar, via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)”.
O cenário é desanimador e triste. Em algumas partes do país, a sensação é que quem julga, legisla e executa as leis são pessoas ligadas aos interesses do agronegócio. Para Sara Tamioso, há um descaso visível por parte do próprio Estado em favorecer a concentração de terras para um público e negar direitos para outros. “Qualquer produtor pode dizer que segue o Código Florestal, mas a verdade é que o próprio Código está defasado em relação à crise climática, e o Cerrado, bioma legalmente desprotegido, acabou sendo o alvo do desmatamento que ‘vazou’ da Amazônia quando a proteção ao bioma aumentou. É muito triste ouvir um bioma tão lindo e rico como o Cerrado ser tratado e relatado como ‘bioma de sacrifício'”
Apesar de ser possível melhorar o aparato legal, uma solução mais rápida e simples seria implementar de melhor forma as regras que já existem. Arilson Favareto explica que já existem políticas para uma agricultura de baixo carbono e para a agricultura familiar, além de programas e linhas de financiamento para grupos mais vulneráveis. “O problema é que tudo isso é feito sem mudar as grandes prioridades. Um exemplo é o plano Safra: a parte dos recursos que vai para os produtores familiares e mais vulneráveis é muito menor do que aquela que vai para os grandes produtores; a parte que vai para as práticas regenerativas é muito menor do que aquela que vai para as práticas predatórias. Por que até agora não se avançou na implementação do Cadastro Ambiental Rural? O problema maior não é criar novas leis ou programas”.
O pesquisador afirma que o Brasil precisa de uma estratégia de transição para o sistema agroalimentar com uma prioridade: superar a monotonia que hoje marca a forma como produzimos e consumimos alimentos.
“A monotonia das lavouras – cada vez mais concentrada na monocultivo de poucas espécies; a monotonia da criação animal, baseada em baixa variedade genética dos animais, criados de maneira confinada e com elevado uso de antibióticos; e a monotonia das dietas, cada vez mais baseada no consumo de ultraprocessados”, explica dizendo que essa estratégia precisa se traduzir em metas a serem monitoradas pela sociedade, que é zerar o desmatamento, diminuir progressivamente o uso de insumos químicos, substituir o consumo de ultraprocessados por uma dieta mais diversificada e baseada em alimentos frescos.
Diversidade, tecnologias ancestrais e sustentabilidade
Enquanto o agro produz pouca variedade em larga escala, a agricultura familiar produz a grande maioria de toda a diversidade de produtos que vai para a mesa do povo brasileiro. Ao mesmo tempo, os povos, comunidades tradicionais e camponesas utilizam de tecnologias ancestrais adaptadas a sua realidade.
“Os povos, comunidades tradicionais e camponesas apostam na produção em pequenas escalas, com tecnologias sociais adaptadas a sua realidade e ao meio em que vivem. Tem no seu território o espaço de vida que está interligado com os biomas e o ecossistema em que vivem. Guardam as sementes, as águas, a biodiversidade, os animais, as plantas, a terra, assim como a sua vida. Os territórios dos povos originários e comunidades tradicionais têm os maiores índices de recuperação das florestas e de proteção de nascentes. Cuidar da terra, para esses povos, não é política de governo, é expressão da própria vida”, disse Isolete Wichiniesk.
Assim como a Agro é Fogo divulga dados e informações que contrapõe as diferentes formas de produção, o MST tem pautado a questão ambiental e climática como uma frente de disputa nas batalhas das ideias com o agronegócio e defendido a garantia da reforma agrária popular, a proteção dos territórios indígenas e quilombolas e o fim do desmatamento em todos os biomas. O reflorestamento das áreas degradadas, controle rigoroso sobre a mineração e a revisão das regras que permitem a exportação de recursos naturais como petróleo, ouro e madeira sem benefícios concretos para a sociedade também são pautas do MST.
“Em nosso plano: “Plantar árvores produzir alimentos saudáveis”, nosso esforço de plantio já soma mais de 40 milhões de árvores, mas sabemos que é preciso muito mais, porém, em cada árvore estamos plantando o cuidado e o compromisso com a construção de um outro projeto de sociedade, onde os direitos de todas as pessoas e da natureza sejam garantidos”, afirmou a educadora popular Maria Divina Lopes.
O cenário é ruim e as pessoas precisam perceber o risco que estamos correndo, porque as consequências serão devastadoras. É preciso construir um futuro diferente e para isso é necessário transformar práticas.
“Hoje podemos sentir na pele as mudanças do clima. Indígenas, quilombolas, ribeirinhas, camponesas, entre outras formas de organização vivem em contato direto com a natureza e podem nos ensinar a reconectar com ela e adiar, como diz Krenak, o fim do mundo”, disse Sarah Tamioso.
As análises de especialistas apontam que temos que optar por uma agricultura não destrutiva, diversa e que produza alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos. Nesse contexto, é urgente buscar modelos mais sustentáveis que respeitem o meio ambiente e os povos que vivem nela. Assim, também será possível reduzir as doenças relacionadas à alimentação e à contaminação ambiental.
“É fundamental que a sociedade, e especialmente os representantes eleitos pelo povo, repensem o modelo de desenvolvimento vigente. Mais do que isso, é essencial que a população exerça seu voto de forma crítica, escolhendo representantes que não estejam vinculados aos lobbies do agronegócio. Esses grupos políticos, frequentemente compostos por grandes proprietários de terra e empresários do setor, legitimam práticas que aprofundam as desigualdades socioambientais, reforçando a exploração da natureza e a marginalização de povos e comunidades tradicionais. Assim, repensar o papel político e econômico do agronegócio é também um ato de resistência contra o racismo estrutural e ambiental que marca a história do Brasil”, finalizou Olavo.
Efeito estufa
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Comitê COP 30 lança guia de segurança para ativistas na COP de Belém
Comitê COP 30 lança guia de segurança para ativistas na COP de Belém
O Comitê COP30 lançou, nesta sexta-feira (24), o guia “Nossa Chance: um guia prático de segurança para ativistas na COP 30”, desenvolvido em parceria com a Escola de Ativismo. O material reúne orientações de segurança física, digital, psicossocial e coletiva para ativistas, organizações, comunicadores populares e defensoras e defensores de direitos humanos que participarão da COP 30, marcada para novembro de 2025, em Belém (PA).
Com linguagem acessível e foco no protagonismo amazônico, o guia contextualiza os riscos enfrentados por defensoras e defensores ambientais no Brasil, especialmente na Amazônia, região que concentra os maiores índices de violência contra ativistas. A publicação também apresenta recomendações práticas para deslocamento e permanência na cidade, além de mapas de contatos úteis como serviços de saúde, defensoria pública e consulados.
Pensar segurança na COP 30 é pensar sobrevivência e cuidado coletivo. Queremos que ativistas possam denunciar, se mobilizar e retornar às suas comunidades em segurança
A iniciativa reforça a segurança integral como estratégia política, conectando direitos, autocuidado, solidariedade e proteção entre movimentos.
O guia está disponível gratuitamente e será distribuído em formato digital e impresso durante atividades da sociedade civil ao longo da conferência.
Confira o conteúdo em Comitê COP30: Nossa Chance.
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Rumo à COP30: Confira 12 ferramentas para sua bagagem ativista
Rumo à COP30: Confira 12 ferramentas para sua bagagem ativista
Engaje-se com materiais importantes construídos por ativistas para ativistas sobre mudanças climáticas que poderão auxiliar nas mobilizações no Pará.
Montagem de publicações sobre resistência climática e sobre COP 30 / Escola de Ativismo
A COP 30 em Belém não será apenas um espaço de negociação entre governos. Será também um território de disputa. Um momento no qual será possível chamar a atenção do mundo para os desafios que envolvem as realidades locais, comunidades originárias e tradicionais, emergência climática, risco para ativistas, entre outras pautas urgentes. Afinal, para falar de adaptação e mitigação climática é necessário pautar os lugares que pisamos todos os dias. É preciso colocar no centro da conversa as realidades do nosso bairro, da nossa cidade, da nossa comunidade, onde o impacto da crise climática já é vivido, sentido e resistido.
É um momento crucial para destacar a urgência das transformações necessárias que representam um espaço de encontro entre diferentes povos e comunidades. Será possível compartilhar não apenas os desafios, mas também experiências, inspirações e possíveis soluções. Embora as negociações sejam, em grande parte, conduzidas por autoridades governamentais e influenciadas por interesses corporativos, os movimentos em defesa da justiça climática buscam pressionar os tomadores de decisão para assegurar a autonomia dos territórios e promover reparação.
Para quem comunica a partir dos biomas, das periferias e das vozes de povos e comunidades tradicionais, um dos desafios durante a Conferência das Partes é tornar visíveis histórias que enfrentam a lógica da destruição ambiental e da desinformação climática. Desde o anúncio da COP 30 no Brasil, ONGs, ambientalistas, ativistas, militantes, defensores/as e povos de comunidades originárias e tradicionais têm produzido e consumido materiais sobre comunicação e clima que podem ser insumos importantes para quem deve percorrer os pátios da Conferência em novembro e quer estar preparado para possíveis discussões.
Não é simples a tarefa de narrar o que os grandes projetos tentam silenciar. Mas se isso for feito de forma coletiva e organizada, a chance de alcançar os objetivos é muito maior. E foi com a ideia de colaborar nesse processo que a Escola de Ativismo resolveu reunir materiais de leitura.
São cartilhas, manifestos, NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, que são os planos de ação climática de cada país para cumprir os objetivos do Acordo de Paris), plataformas que são voltados para ativistas que se somarão às mobilizações em Belém e querem ampliar conhecimentos sobre mudanças climáticas e sobre a COP 30.
Boa leitura. Aproveite as ferramentas!
NDC Indígena
Lançado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o documento reivindica o reconhecimento específico da demarcação, regularização e proteção dos territórios indígenas como política de mitigação climática. A Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) Indígena reafirma o papel dos povos indígenas como guardiões de conhecimentos ancestrais e parceiros-chave na construção de um futuro sustentável e justo para todos.
Apesar de representarem apenas 0,8% da população brasileira, a diversidade cultural e os modos de vida ancestrais dos mais de 300 povos indígenas do país são elementos centrais para conter o ponto de não retorno da mudança do clima global.
Clique aqui para acessar o documento completo da NDC Indígena
NDC dos Quilombos do Brasil
O documento apresenta demandas dos povos quilombolas do Brasil para as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) brasileiras, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). O documento publicado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) apresenta compromissos e eixos sobre ordenamento territorial e fundiário, transição energética justa e consulta prévia e desenvolvimento sustentável com justiça social, ambiental e climática, além de incentivos e meios de implementação.
O texto afirma que “a inclusão formal da NDC Quilombola como um anexo detalhado da contribuição brasileira é uma oportunidade para o Brasil demonstrar ao mundo um compromisso com uma ação climática que é, ao mesmo tempo, ambiciosa, justa e baseada em evidências” e que as medidas propostas são “concretas, mensuráveis e diretamente alinhadas com os objetivos nacionais de redução do desmatamento e das emissões”.
Nossa chance: uma NDC ambiciosa para adiar o fim do mundo
O Comitê COP30 – uma coalizão da sociedade civil brasileira composta por organizações não governamentais, coletivos e grupos de pesquisa – divulgou materiais muito ricos.O “caderno de atividades para adiar o fim do mundo” oferece conteúdos acessíveis e atividades que incentivam o pensamento crítico, apoiam o trabalho das organizações da nossa rede e fortaleçam a capacidade de atuação das pessoas como agentes de transformação social. O material, que pode ser utilizado na sala de aula, com o seu coletivo e até, quem sabe, com a roda de amigos, reforça a necessidade de tornar mais simples e acessível a conexão entre os temas da agenda climática internacional e a nossa vida cotidiana, nossos sonhos, lutas e esperanças. Acesse aqui: “Caderno de atividades para adiar o fim do mundo”
Durante a COP30, acontecerá a terceira rodada de NDCs. Os compromissos atuais têm se mostrado tímidos diante da urgência da crise climática. Nesse sentido, outro documento do Comitê propõe recomendações a serem incorporadas na NDC do governo brasileiro.
Leia aqui: “Nossa chance: uma NDC ambiciosa para adiar o fim do mundo”.
A resposta somos nós!
A campanha “A Resposta Somos Nós” nasce do chamado dos povos indígenas da Amazônia e do Brasil como um grito global por justiça climática e defesa da vida rumo à COP30. A campanha foi criada pela COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) em junho de 2024 e nasce com o propósito de ser abrangente e inclusiva entre povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, movimentos sociais, ativistas e organizações parceiras de todas as regiões do planeta, com o objetivo de unificar e visibilizar nossas pautas comuns contra a crise climática.
Saiba mais e junte-se à campanha na luta contra a crise climática!
Eunice - plataforma do Observatório do Clima
O Espaço Unificado de Informação Climática e Engajamento (Eunice) é uma iniciativa do Observatório do Clima criada para ajudar o público a entender as mudanças climáticas. Na página você vai descobrir como e por que o planeta está esquentando, a origem dos eventos extremos, as soluções possíveis e as ações da sociedade para enfrentar a crise.
Aliança dos Povos pelo Clima
A Aliança dos Povos pelo Clima é uma rede de luta ancestral articulada a partir de uma proposta de envolvimento pela defesa da floresta, da Amazônia e da vida, em tempos de colapso climático. O manifesto lançado pela rede apresenta propostas de envolvimento pela defesa da floresta, da Amazônia e da vida.
Acesse aqui o manifesto da Aliança dos Povos Pelo Clima.
LabNarra
O Movimento Amazônia de Pé, composto por mais de 20 mil ativistas e mais de 300 organizações e coletivos de norte a sul do país, lançou o LabNarra – um material sobre como trabalhar diálogos sobre a Amazônia e o clima em diferentes regiões do país. O guia narrativo traz destaques da escuta de cada região e sugestões de argumentos, frases de mobilização e elementos visuais para mobilizar os territórios regionalmente.
Rumo à COP 30
TEXTO
Letícia Queiroz
EDIÇÃO E COLABORAÇÃO
Pedro Ribeiro Nogueira
publicado em
TEMAS
A publicação “Rumo à COP 30 – Como a sociedade civil do Sul Global pode participar das negociações climáticas e fazer história no Brasil?” é uma publicação do Fundo Casa Socioambiental que reúne informações essenciais sobre o funcionamento das COPs, o Acordo de Paris, as agendas prioritárias em disputa e dicas práticas para quem vai participar da conferência – especialmente organizações comunitárias, quilombolas, indígenas, ribeirinhas, mulheres, juventudes e outros movimentos sociais que historicamente têm pouca presença nesses espaços. Mais que um guia técnico, a publicação é um instrumento de fortalecimento da democratização da informação.
Acesse aqui o material “Como a sociedade civil do Sul Global pode participar das negociações climáticas e fazer história no Brasil?”
“Mudanças Climáticas e Conferência do Clima: qual o nosso papel?”
A cartilha “Mudanças Climáticas e Conferência do Clima: qual o nosso papel” é um material informativo e formativo voltado à mobilização da sociedade brasileira diante das emergências climáticas. O material inclui artigos, roteiros de oficinas e propostas de rodas de conversa, fomentando a construção coletiva do conhecimento e a educação popular. Além de informações didáticas sobre mudanças climáticas e sobre o processo histórico das COPs, a publicação oferece sugestões práticas de uso nos territórios.
Acesse aqui a cartilha “Mudanças Climáticas e Conferência do Clima: qual o nosso papel”
Carta da Pré-COP dos Povos e Comunidades Tradicionais ao Presidente Lula
Uma carta da Pré-COP dos Povos e Comunidades Tradicionais ao Presidente Lula assinada pela Rede de Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil – Rede PCTs do Brasil e pelo Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) tornou público um um conjunto de propostas e reivindicações para a Conferência das Partes sobre o Clima (COP30). Além de exigir que o governo garanta participação direta de povos e comunidades tradicionais nas negociações da COP30, a carta é um importante documento para deixar evidente a todas as pessoas o que querem e como pensam os povos tradicionais sobre os seguintes temas:
- Direitos territoriais
- Financiamento climático direto
- Sociobiodiversidade como política de estado
- Transição energética
Leia aqui: Carta da Pré-COP dos Povos e Comunidades Tradicionais ao Presidente Lula
“O que povos e comunidades tradicionais precisam saber sobre a política climática e a COP30?”
Ainda na biblioteca virtual da Terra de Direitos – organização de Direitos Humanos que atua na defesa, na promoção e na efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais – há disponível a cartilha “O que povos e comunidades tradicionais precisam saber sobre a política climática e a COP30?”. O material propõe reflexões importantes e busca auxiliar na formação e na participação desses povos e comunidades nos espaços de discussão climática. O objetivo é fortalecer a voz e a luta coletiva de povos e comunidades tradicionais.
Dicionário de Direito Climático - Laclima
Este é o primeiro Dicionário de Direito Climático do Brasil, elaborado por Direito Internacional sem Fronteiras, com apoio da LACLIMA e de Latinas por el Clima. O material apresenta 36 conceitos atinentes ao Direito das Mudanças Climáticas, escritos por juristas, advogados e professores, e também por pesquisadores de outras áreas do conhecimento. Assim, reconhecemos que o estudo das mudanças climáticas é inerentemente transdisciplinar. O documento tem como objetivo oferecer um guia acessível e didático para estudantes, pesquisadores e todos os interessados, contribuindo para a disseminação de informação de qualidade sobre a mudança do clima.
Acesse aqui o Dicionário de Direito Climático do Brasil
Recomendamos também a leitura de alguns de nossos textos sobre emergência climática e COP.
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Como o garimpo e a mineração agravam as mudanças climáticas? Listamos 5 fatores
O aumento do garimpo no Brasil atrapalha os objetivos do país de frear o aquecimento global e cumprir acordos internacionais.
por Nayara Almeida
Pecuária extensiva derrubando florestas. Queimadas liberando toneladas de CO2 na atmosfera. Carros queimando gasolina. Poluição industrial. Peido de vaca. Esses são alguns dos vilões costumeiros que nos vêm à cabeça quando pensamos em mudanças climáticas.
No entanto, outras atividades, que à primeira vista podem parecer de menor impacto, estão deixando uma pegada cada vez mais crítica. Esse é o caso da mineração e do garimpo, atividades econômicas que explodiram durante o governo Bolsonaro. Só em terras indígenas, o crescimento foi de 500% nos últimos dez anos.
Abaixo, listamos alguns elementos da atividade mineira mineradora que contribuem para as mudanças climáticas.
1 – Equipamentos poluem. E muito.
Na mineração é possível encontrar distintos métodos de lavra, isto é, exploração prática do minério, que podem variar de acordo com ferramentas e proporções de exploração. Geralmente há 2 formas de minerar, lavra a céu aberto, quando os minérios estão em uma parte mais superficial da terra ou em lavra subterrânea, quando estão em uma parte mais profunda do solo. Para a exploração da superfície, é necessário realizar a escavação e a terraplanagem para alcançar os minérios. Perfurar o solo significa destruir e mover pedras, terras compactas, raízes de um canto a outro.
Nesse processo, a atividade mineradora utiliza máquinas para acelerar esse processo. No entanto, estas máquinas possuem baixa eficiência energética e são alimentadas por combustível fóssil, uma das principais fontes de liberação de gases de efeito estufa na atmosfera. Alguns equipamentos podem consumir até 400 litros de diesel por hora, o que lança uma quantidade imensa de gás carbônico (CO2), principal gás do efeito estufa, na atmosfera.
“Poluir para destruir ou destruir para poluir?”
A ponto de comparação, cada uma dessas máquinas emite, em uma hora, CO2 de forma similar a uma viagem (ida e volta) de carro de Fortaleza (CE) até o Rio de Janeiro (RJ).
“Partiu Jeri?”, disse a máquina
2 – Eletricidade – a cadeia mineradora não toma banho curto
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a cadeia minero-metalúrgica consumiu 320.918.220 MWh em 2020, o equivalente a 11% do total da energia elétrica consumida no Brasil naquele ano.
Imagina se o governo te desse subsídio para tomar banho quentinho longo
Seriam necessárias mais de 675 MILHÕES de geladeiras com freezer ligadas 24h por dia durante UM ANO para consumir a mesma quantidade de energia.
A quantidade de refri e cervejinha que estamos deixando de gelar é gigantesca
3 – Desmatamento – derrubar para minerar
Antes da mineração, vem a mina. Parece óbvio, mas não é: mineração gera MUITO desmatamento. Entre 2005 e 2015 a Mineração respondeu por 9% do desmatamento na Amazônia brasileira. A derrubada das árvores se dá principalmente no processo inicial de construção das minas.
Ninguém aguenta mais ver esse tipo de imagem ou morar em territórios assim
O foco no território da Amazônia não é algo de hoje, e muito menos parece que está próximo do fim. Não à toa, cerca de 22% de todos os requerimentos da Agência Nacional de Mineração (ANM) tem como principal alvo o bioma. O território amazônico possui minerais de alto valor e isso justifica o alto interesse de exploração e pressão na Amazônia. Isso significa que tem quase 2,6 milhões de hectares a serem autorizados a atividade de mineração, ou seja, uma área comparável ao território da Argentina e 60 vezes o Estado do Rio de Janeiro.
4 – Ameaça às Terras Indígenas.
Empresas de mineração entraram com incontáveis pedidos de autorização para mineração em áreas que invadem os limites de 204 terras indígenas registradas na Amazônia Legal.
Pesquisas mostram que as terras indígenas e de ocupação tradicional são as maiores protetoras das florestas e contribuem significativamente para o enfrentamento das mudanças climáticas, visto que a mudança de uso da terra e floresta compõem a maior fonte de emissões no Brasil.
Aprecie essa galeria que mostra como as terras indígenas são as maiores protetoras da floresta 👇
A dinâmica de ocupação da mineração é diferente da do agronegócio. Enquanto o agro “come pelas beiradas”, as empresas mineradoras se orientam pela concentração dos minérios e, por isso, acabam por instalar projetos em áreas mais remotas e preservadas.
À merce dos criminosos por um governo pró-garimpo, várias comunidades tem se organizado para expulsar invasores
5 – Barragens e destruição de ecossistemas e como isso pode ser agravado pelo clima extremo
Toda mina possui uma barragem de rejeitos ao lado. O potencial destrutivo desse tipo de barragem é bem conhecido no Brasil, e com as mudanças no regime de chuvas, o nível dessas barragens pode exceder o limite e elas podem se romper com mais facilidade.
Crimes ambientais como Mariana e Brumadinho podem se tornar ainda mais comuns
Em resumo:
E é por isso que, independente do seu ativismo, você deve ser contra o afrouxamento e a liberação da mineração em terra indígena, ser contrário a #PL191Não. Os territórios indígenas, por exemplo, são os grandes responsáveis por deixar a floresta em pé no Brasil. Liberar a atividade mineradora nestes territórios, além de um absurdo antidemocrático, é ir contra a proteção do clima, é ir a caminho do colapso do planeta.
Em vez de liberar a mineração em terra indígena, é ideal que haja o aumento da fiscalização ambiental, que haja punição e regulação para reduzir o desmatamento e atividades que o promovem, como o próprio garimpo e mineração.
Como enfrentar o calor? Lutas e táticas das periferias urbanas contra o colapso ambiental
Como enfrentar o calor? Lutas e táticas das periferias urbanas contra o colapso ambiental
Ativista comenta sobre as desigualdades e o racismo ambiental e lista algumas táticas para enfrentar a crise climática de maneira coletiva e no dia-a-dia
Passagens de ar são uma sabedoria prática da arquitetura das periferias urbanas para aliviar o calor. (Foto l Ana Carolina Mello)
O Brasil, por ser um país tropical, já enfrenta naturalmente temperaturas elevadas. No entanto, nem todo mundo sofre com os efeitos de forma igual. Fatores como desmatamento, queimadas, urbanização desordenada, ausência de infraestrutura verde e a concentração de indústrias em áreas específicas intensificam as mudanças climáticas e os seus efeitos sobre determinadas populações.
O impacto da crise é mais severo em áreas periféricas urbanas, frequentemente utilizadas para a instalação de indústrias, depósitos de lixo, estações de tratamento de resíduos e outros empreendimentos que contribuem para a poluição e o aumento da temperatura local. Em geral, são regiões marginalizadas, com pouca arborização, escassez de espaços verdes e infraestrutura precária. Quando essas decisões políticas e econômicas recaem, quase exclusivamente, sobre territórios racializados — ou seja, áreas onde vive majoritariamente uma população negra, indígena ou não-branca historicamente marginalizada — e pobres, estamos diante de um caso de racismo ambiental.
A médica e ativista Jurema Werneck analisou essa realidade em seu estudo “As injustiças climáticas atingem as mulheres negras e periféricas”. Os dados revelam a desigualdade: em Belém, 75% da população residente em áreas de risco é negra, com renda domiciliar média de R$ 1.700. Em São Paulo e Recife, esse percentual é de 55% e 68%, respectivamente, com renda média de R$ 1.100 por domicílio. As mulheres negras, chefes de família e com rendimento de até um salário mínimo, são o grupo mais exposto às consequências da crise climática.
Essa exposição se traduz em insegurança alimentar, dificuldade de acesso à saúde, insalubridade e sobrecarga emocional. Em dias mais quentes, essas mulheres sofrem com o agravamento de doenças pré-existentes, dificuldades para dormir, aumento do estresse e da exaustão. A precariedade das moradias, muitas vezes construídas com materiais que absorvem e retêm calor, torna a vida doméstica ainda mais difícil, especialmente para quem precisa cuidar de crianças, idosos ou pessoas doentes.
Enquanto isso, um levantamento do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, organizado pelo Observatório do Clima, revelou que entre 2019 e 2022, o Congresso Nacional aprovou 93 propostas que ampliam as emissões de gases de efeito estufa, de um total de 165 votações consideradas relevantes para a agenda climática. O estudo mostra ainda que parlamentares ligados aos setores da agropecuária e da mineração, majoritariamente alinhados à direita, têm adotado uma postura sistemática de apoio a medidas que aumentam a degradação ambiental.
Diante desse quadro, o que podemos fazer enquanto populações afetadas e ativistas? Que saídas existem nas lutas autônomas e em nossos cotidianos? Como navegar a luta sabendo que espaços institucionais estão dominados por interesses contrários às nossas existências?
Para pensar essa questão, a Escola de Ativismo conversou com Mikael Ferreira Santos, estudante de Engenharia Mecânica na UERJ e idealizador do projeto Climatização Acessível: Estratégias para Redução do Impacto do Calor em Comunidades Periféricas, criado para o programa Jovens Cientistas da Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. O objetivo do projeto é analisar os impactos do calor extremo em comunidades periféricas e desenvolver soluções simples e acessíveis para mitigar seus efeitos.
O projeto tem dois eixos principais. O primeiro é documental. Mikael visitou comunidades periféricas e ouviu moradores sobre como enfrentam as altas temperaturas. As respostas revelaram o uso de estratégias como baldes com água em frente ao ventilador, toalhas molhadas sobre o corpo e improvisações com papelão para criar sombra. No entanto, esses mesmos relatos apontam problemas sérios como falta de água, cortes frequentes de luz e ausência de atendimento médico quando os efeitos do calor, como desmaios, dores de cabeça, queda de pressão e exaustão, se agravam.
Em depoimento para o documentário realizado por Mikael e pela produtora Osmlksfilmam , a moradora Nem, da comunidade da Mangueira, contou que já trabalhou de sutiã com quatro ventiladores ligados para tentar suportar o calor. Nesse relato, tivemos acesso a mais uma camada do problema: a conta de luz.
Nem, moradora da Mangueira, mostra sua cozinha. Por causa do calor, ela relata que a conta de luz fica cada vez mais alta. (Foto l Ana Carolina Mello)
Resistência nos territórios
Em regiões mais quentes e com menos infraestrutura, a necessidade de usar ventiladores ou aparelhos de ar condicionado aumenta, mas os moradores não têm renda suficiente para arcar com esse custo. Quem mais precisa consumir energia para manter a própria saúde é quem menos pode pagar. Ao mesmo tempo, empresas de energia e fabricantes de equipamentos continuam lucrando com a exclusão.
A proposta de emenda à Constituição que previa a redução das tarifas de energia para famílias de baixa renda segue sendo adiada no mesmo congresso apontado acima como um dos principais responsáveis pelo aumento do calor. A pauta, ainda que urgente, é negligenciada e demonstra mais um sinal de relação direta entre lucro e exclusão no cerne do racismo ambiental.
O projeto Climatização Acessível propõe um curso formativo em dois módulos. O primeiro oferece orientações sobre ventilação natural, instalação de telhados verdes, técnicas de sombreamento e uso de materiais que reduzem a absorção de calor. O segundo, é técnico e voltado à capacitação profissional. A ideia é ensinar a instalação e manutenção de equipamentos de refrigeração e climatização, o que pode gerar trabalho e renda dentro da própria comunidade. O curso estará disponível no Nave de Conhecimento, a partir de novembro de 2025.
Segundo Mikael, a atuação comunitária precisa ocupar os espaços onde o Estado não chega. “As comunidades periféricas já buscam soluções há décadas, muitas vezes por conta própria, mas essas alternativas são improvisadas e nem sempre saudáveis. O objetivo é compartilhar conhecimento técnico e acessível, capaz de gerar transformação local”, diz.
Os efeitos, da ação, longe de serem soluções individuais, fazem parte um esforço comunitário de resistência. “Quando uma moradora aprende a instalar um sistema de resfriamento com baixo custo e passa esse saber adiante, ela não está só combatendo o calor. Para o ativista, além das Ela está criando uma rede de autonomia e resistência coletiva”, finaliza.
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Climatização acessível e reduação de danos: 4 estratégias práticas
Mikael reuniu compartilhou conosco quatro das dicas práticas para combater o calor que serão disponibilizadas no curso Climatização Acessível para Comunidades Periféricas. Essas soluções foram construídas com base em saberes populares, experiências comunitárias e princípios de engenharia acessível, combinando conhecimento técnico com práticas sustentáveis e de fácil aplicação no dia a dia das periferias.
1. Balde com água e gelo na frente do ventilador
Saber tradicional transmitido pelas mais velhas da comunidade. Funciona como um “ar-condicionado caseiro”, refrescando o ar que circula. O ideal é usar blocos grandes de gelo, que derretem mais devagar.2. Tinta reflexiva no telhado ou nas paredes externas
Tintas reflexivas ou “tintas térmicas” ajudam a refletir a radiação solar, diminuindo a temperatura interna da casa. Elas reduzem em até 10 °C o calor interno, especialmente em casas com telhado de zinco ou laje exposta. Apesar do custo inicial, a durabilidade e o impacto são altos, e há mutirões e programas sociais que ajudam a aplicar.3. Sistema de colmeia para ventilação
Inspirado em técnicas naturais, esse sistema usa garrafas PET ou estruturas de barro para canalizar o vento. As “bocas” estreitas das garrafas aumentam a velocidade do ar que entra nos cômodos. É barato, sustentável e pode ser montado com reaproveitamento de materiais.Uma solução criativa e sustentável: ao cortar garrafas PET ao meio e fixá-las com o gargalo voltado para dentro da casa, o ar entra mais rápido e fresco. Isso acontece graças ao estreitamento da garrafa, que acelera o vento, uma ideia baseada no efeito Venturi. Fácil de montar, esse sistema reaproveita materiais e melhora a ventilação em cômodos quentes, sem custo.
4. Sombras inteligentes com plantas ou coberturas
Criar sombras com plantas trepadeiras, lonas ou até mesmo telhados verdes reduz a incidência direta do sol nas paredes e janelas. Árvores e plantas próximas às casas também ajudam a refrescar o ambiente ao redor.
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Por uma comunicação que construa novos mundos: a identidade como estrutura e o papel do jornalismo de causas
Ana Flor Fernades, Raquel Kariri, Cristian Góes e Rosane Borges durante a roda de conversa / Foto: Nayara Almeida
Escrever sobre o que acontece no mundo, definir que informações são importantes de serem divulgadas não é apenas reportar, mas também alterar, construir a realidade. A opção adotada pela imprensa comercial na construção da imagem do que é o Brasil, o brasileiro, chegou a um momento de colapso, tanto na questão da credibilidade como também na dificuldade de se adaptar às novas formas de se comunicar. Se a partir daí vemos uma possibilidade de construir algo novo por meio do jornalismo de causas, da comunicação ativista, há também a imensa responsabilidade de não acabar perpetuando esses antigos valores.
Porque ao falar dos problemas estruturais, o jornalismo de causas também precisa se identificar como parte dessa estrutura, e pode acabar reformulando, mas mantendo as opressões se não houver um incômodo, uma vontade de construir novas formas de pensar, ressaltaram os participantes do debate “Questões identitárias ou estruturais? O que pode o jornalismo de causas”, realizado durante o Fala! Festival de comunicação, cultura e jornalismo de causas.
Para Raquel Kariri, da Escola Livre de Ancestralidades Kariri, é necessária uma reconfiguração do jornalismo a partir do debate da ancestralidade, o debate que os povos indígenas vêm trazendo. A primeira questão, segundo ela, é a necessidade de reconhecer que o mundo, a biosfera, está em colapso.
“Ou eu falo para comunicar outro mundo, ou eu falo para reativar minha rede de magia e encantaria para fazer frente ao esvaziamento neoliberal ou não estamos fazendo nada. Ou reativamos a magia a partir do nosso território, ou então a gente vai passar pelas ruínas desse planeta de forma indigna. Que tenhamos a capacidade de nos unir, mas também para a anunciação de outros mundos, outras vidas de encantaria”, afirmou a ativista.
Dentro desse esvaziamento nada é por acaso, lembra o jornalista Cristian Góes, coordenador na Mangue Jornalismo. O projeto político de construção do Brasil precisou de uma forma de ver o mundo onde o diferente, o inimigo, foi um papel imposto a todos aqueles que não eram homens brancos.
“Tudo que não era o ‘nós’ eram os outros, os de fora, dentro dessa ideia europeia de estado nação. Os outros eram invasores nessa concepção europeia. Aqui no Brasil, onde a configuração é diferente, esse papel do outro foi colocado nas populações negra, nos povos tradicionais”, afirmou Góes, acrescentando que discutir o jornalismo de causas é discutir a questão de estrutura do Brasil.
“Pensar o jornalismo de causas sem meter o dedo na estrutura, mobiliza mas não transforma. Não é apenas trazer a cultura só pela cultura, não é só trazer as questões da identidade para cima da estrutura, mas é pensar essas questões mexendo nela. Inclusive, é preciso libertar o jornalismo aprisionado nas instituições. Esse modelo está falido, em parte pelo trabalho das mídias independentes, mas precisa ser radicalizado, para que não fiquemos numa espécie de superfície do campo jornalístico. Eu quero que façamos jornalismo identitário, com ancestralidade, mas indo a fundo, sem ficar só na superfície”.
Os caminhos da invisibilização
A comunicação hegemônica, que é parte desse projeto estrutural que vem levando o mundo ao colapso, atua de formas perversas com esses corpos que lutam por reconhecimento. No debate foram apresentados os conceitos de invisibilidade pela ausência e pela presença. A primeira é aquela que apenas ignora, que não abre espaço para essas histórias, como se elas não existissem. A outra é quando a própria representação é feita de uma forma que não está interessada na descrição, no aprofundamento dessas vidas e histórias, mas sim na construção dessas figuras como inimigos, sujeitos matáveis, como ocorre com a população negra, os sem-terra e as travestis, por exemplo.
A educadora Ana Flor Fernandes, pesquisadora de gênero, sexualidade e política, lembra quando era criança e voltava da praia com sua família em Recife e, ao passar por uma avenida que era ponto de trabalho sexual de travestis, as pessoas fechavam as janelas dos carros, havia um medo daquelas pessoas que ela também sentia. Ao escrever sobre isso, sobre ter se tornado algo que ela mesma inicialmente tinha medo, ela também começou a pesquisar sobre o papel da imprensa na construção desse sentimento.
“Meu trabalho costura de alguma forma o que o jornalismo foi capaz de fazer com essa identidade. Não foi apenas a polícia durante a ditadura militar que fez com que as travestis fossem presas. Foi também pelo o que o jornalismo é capaz de subjetivar, quando você assiste ou lê sobre aquela determinada identidade, sobre quais vidas são passíveis de luto”, citando o trabalho de jornais como a Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo, que na década de 1970 publicava manchetes como “Perigo! As travestis estão à solta”.
Ana Flor, contudo, afirma que o caminho para que o jornalismo de causas não perpetue essas mesmas práticas da mídia hegemônica é dar mais atenção e abrir espaço, lembrando que essas histórias e vidas não são apenas sobre violência e dor.
“Eu escolhi algo que é muito difícil para uma travesti negra, eu escolhi ser feliz. Hoje temos visto as travestis disputando a política, nós queremos estar nesses espaços. Nós queremos e precisamos estar em espaços como este festival falando de construir outras propostas de mundo, sobre o que é importante para o Brasil. Porque, se o país é bom para as travestis, não tenho dúvidas que será bom para quase todas as pessoas” disse Ana.
A professora Rosane Borges, que mediou a mesa, trouxe como conclusão que a luta política no jornalismo está na bandeira de defesa do que é humano. “Precisamos defender a humanidade do outro, não se trata de ser um bom ou mau jornalismo, mas que tipo de humanidade queremos construir”.
Quer ler mais? Confira a nossa cobertura do Festival Fala! no Instagram da Escola da Ativismo ou leia nossas matérias especiais sobre o encontro:
> “A história oficial do brasil é desinformação” — indo além do trauma bolsonarista para pensar sua superação
> Festival Fala! alia cultura, ancestralidade e comunicação como ação política
Línguas, grafismos, pinturas e cantos: a importância do simbolismo na resistência indígena
Línguas, grafismos, pinturas e cantos: a importância do simbolismo na resistência indígena
Além de serem expressões marcantes da cultura indígena, os simbolismos também são fortalezas para os povos que resistem enquanto cuidam dos biomas.
Pinturas corporais, grafismos, os cantos, as tradições, a língua originária… O modo de viver dos povos indígenas, com seus símbolos e simbologias, são formas potentes de resistência. Nas aldeias do Maranhão é possível perceber que, em meio à destruição dos biomas e das ameaças aos territórios, essas expressões cotidianas se transformam em atos políticos que reafirmam a luta pela vida.
“A pintura para nós traz energia, força, espiritualidade da natureza. Eu gostaria que a população não indígena entendesse que nossa pintura é nossa cultura”, disse Frederico Pereira Guajajara, que é pintor corporal, artesão, coordenador de caciques e liderança da região de Araribóia.
O cacique da etnia Tetehar Guajajara é também atual presidente da associação comunitária Zyhatyw, na Aldeia Juçaral, e articulador político da região sul do estado na Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA). A liderança explica que os grafismos pintados nos corpos com jenipapo têm ligação com espiritualidade e proteção e possuem significados diferentes.
“Eu gosto de fazer pintura de jiboia, símbolos do rios, pintura de tamanduá, pintura de guerreiros”, conta Tetehar. E explica que “os povos Guajajara usam jenipapo para pintar desde criança. Quando se completa um ano de idade, já realiza o primeiro processo de ritual. Isso diz muito sobre a transmissão de saberes dos povos indígenas”.
O Guajajara explica que as pinturas não são só estética. Elas são importantes para a proteção física e espiritual. “A pintura, para nós, traz energia, força, espiritualidade da natureza. E através dela também a gente confunde os inimigos”, disse.
Frederico Guajajara, liderança indígena do Maranhão, é pintor corporal
A cultura indígena se sustenta em práticas que atravessam gerações. Cada gesto, cada canto e cada traço no corpo carregam memórias da ancestralidade. Por isso, a liderança indígena destaca a importância da preservação cultural. “Nós valorizamos os saberes tradicionais, a língua materna, as pinturas corporais, os rituais, as tradições, como valorização da nossa cultura, festas tradicionais como festa da menina moça festa dos rapazes, ritual do mel”, disse.
Resistência nos territórios
Os povos indígenas são guardiões da natureza e, por causa da profunda conexão e conhecimento tradicional sobre a fauna e a flora, têm papel fundamental na preservação ambiental do Brasil. No entanto, a lógica do lucro e a força dos inimigos dos biomas em diferentes partes do Maranhão tem modificado as paisagens: onde antes havia coco babaçu, fonte de vida e sustento para comunidades inteiras, hoje predominam extensas plantações de eucalipto, que sufocam a biodiversidade e ameaçam práticas de subsistência ancestrais.
A aldeia de Frederico fica em Amarante, no sul do Maranhão – região muito desmatada para cultivo de eucalipto. Perto de Açailândia, os “desertos verdes” ameaçam a sobrevivência dos povos originários e tradicionais e a segurança alimentar no campo.
Entre os impactos mais graves dessa prática estão o desaparecimento de fontes de água nas áreas de plantio e a desestruturação das formas de subsistência. Instalada na região, a Suzano – fabricante de celulose e uma das maiores produtoras de papéis da América Latina – recorre ao greenwashing para sustentar um discurso de sustentabilidade que não corresponde à realidade vivida pelas comunidades locais. Para quem permanece nesses territórios, as práticas tradicionais se tornam cada vez mais inviáveis diante da perda de recursos naturais, da erosão cultural e da pressão econômica. Quando empresas como essa se instalam, tudo muda e em muitos casos, a situação é tão crítica que famílias rurais acabam sendo forçadas a migrar em busca de condições mínimas de sobrevivência.
- O termo greenwashing, em tradução livre significa “lavagem verde” ou “maquiagem verde” e é uma prática que tem como objetivo passar uma mensagem falsa sobre sustentabilidade para parecer ambientalmente responsável, mas na verdade a estratégia esconde ações graves e prejudiciais para o meio ambiente. A ação pode acontecer com ocultação de dados, informações inverídicas, construção de imagem diferente da realidade, ou dando ênfase em alguma característica que pode ser considerada sustentável no lugar de produtos ou ações que são prejudiciais. Afinal, gastar milhões nas campanhas para criar uma imagem positiva não é um peso no orçamento bilionário dos atores que praticam essa farsa.
Mas a população do Maranhão tem resistido. E dentro das aldeias. Dados do censo do IBGE apontaram que o Maranhão é o segundo estado brasileiro com maior população indígena vivendo em seus territórios. Mas, para enfrentar os inimigos, é preciso adotar estratégias que expressam resistência e poder coletivo. Para os povos indígenas, a verdadeira força está na ancestralidade. E é dessa força que brotam os cantos.
Cantos ancestrais
Daiana Bento Sansão Gavião, da etnia Gavião Pyhcop Catiji, em aldeia Nova Marajá, no Maranhão, é cantora. Para ela, os cantos são muito mais do que melodia.
“A música pra mim é força, é coragem, é resistência, além de ser alegria, união e coletividade nas nossas festas”, disse Daiana.
Daiana Gavião, da etnia Gavião Pyhcop Catiji, aprendeu cantar com a mãe
A cantora, que é técnica em enfermagem, conta que muitas dessas canções estão profundamente ligadas à natureza. Os cantos são entoados por indígenas em línguas originárias. Daiana canta na língua Jê. “Nós cantamos vários tipos de canto. Tem cantoria de beija-flor, arara, papagaio. Tem da anta, capivara, veado e também dos peixes como piranhas e arraias”.
Essas canções são muito mais que som e ritmo: carregam saberes, histórias e valores transmitidos de geração em geração. Cada melodia é um aprendizado que é compartilhado a cada geração.
“Eu aprendi com a minha mãe que é uma cantora anciã que vem me incentivando a cantar. Ela canta para mim desde os meus 15 anos. Eu pretendo aprender muito mais para poder ensinar para os jovens que vão passando de geração em geração para que nunca acabe essas cantorias que trazem a paz, alegria e a união pro nosso povo”, disse Daiana.
Língua originária como força
A manutenção da língua é mais uma das fortalezas dos povos indígenas no Maranhão. Em todo o Brasil, mesmo após séculos de duros processos de apagamento linguístico, os povos indígenas mantêm vivas e fortes diferentes línguas.
Para fortalecer a manutenção das línguas indígenas, há projetos liderados por indígenas. Mairu Hakuwi Kuady Karajá, indígena do povo Iny Karajá, é idealizador e coordenador do Projeto Inyrybé – projeto que tem a missão de garantir a manutenção permanente da língua Inyrybé para o povo Iny. Nos territórios, ele dá aulas de Inyrybé para crianças, jovens, adultos e idosos.
“É através da língua que entendemos que somos diversos. Possuindo formas de expressões próprias e sons únicos. É uma riqueza e raridade linguística que precisa ser vista como um importante patrimônio imaterial”, disse Mairu.
Procurado pela Escola de Ativismo para falar sobre a importância da manutenção da língua para os povos indígenas, ele explicou que as centenas de línguas presentes no Brasil possuem diferentes troncos e famílias linguísticas e mostram a riqueza linguística e cultural do país e também revelam a profundidade e a diversidade dos povos originários e de suas expressões.
“As línguas indígenas são a afirmação da nossa identidade e das nossas histórias. A história é essencial, pois é por meio dela que descobrimos nossas origens. E ela é contada através da nossa língua. E a língua tem papel fundamental na manutenção e no fortalecimento de nossas raízes, além de preservar a memória coletiva”, disse Mairu.
Mairu Kuady dá aulas da língua Inyrybé – foto: Marcus A. S. Wittmann
Para Mairu, a língua é muito além do que apenas uma ferramenta de comunicação. “É a transmissão do saber. Por isso, hoje reconhecemos o quão importante é mantermos nossas línguas fortalecidas e vivas. Ela faz com que tenhamos o conhecimento sobre quem somos, nossas histórias, tradições, contos, cantos e origens. É o pilar da identidade de um povo”, explicou.
O professor informou que a língua é uma fortaleza para os povos indígenas. Ela também é uma aliada quando o assunto é comunicação estratégica e segura, podendo ser usada como código estratégico quando é necessário tratar de assuntos sensíveis ou sigilosos.
A língua é um componente da identidade dos povos indígenas crucial para que a atual e a futura geração saibam da sua existência enquanto pertencentes a um povo. “Ela é a raiz da transmissão dos conhecimentos e orgulho de pertencimento étnico. Mais do que isso, é a memória daqueles que resistiram e mantiveram”, finalizou Mairu.
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