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#DefendaoSUS: como a luta pela saúde pública criou o SUS e garante sua existência

Da ditadura à redemocratização, o ativismo pelo SUS mobiliza propostas e articulações que vão das bases populares à formação de médicas e médicos, em diferentes frentes.

Por Coletivo Baru

Legendando muitas fotos e estampando diversos cartazes, a frase caiu na boca do povo: “Viva o SUS!”.  É comum, em meio à pandemia do Covid-19, vermos pessoas que venceram a doença deixando o hospital com placas em defesa do Sistema Único de Saúde, assim como cidadãos e cidadãs a caminho dos postos de vacinação com máscaras, cartazetes e blusas que compartilham dos mesmo dizeres. No meio médico, também encontramos manifestações que pautam essa luta, como o protesto realizado em maio de 2020 por enfermeiros e profissionais da saúde na porta do Palácio do Planalto, em Brasília.

O SUS nunca esteve tanto em pauta como causa, como grito, como uma bandeira a se defender. Além do contexto de polarização política e de crise sanitária, a aprovação da Emenda Constitucional 95, também conhecida como a PEC do Teto dos Gastos, em 2016, e o subsequente desmonte das instituições democráticas e públicas, fizeram com que esse enfrentamento fosse ainda mais necessário. O grito pelo SUS é um grito pela democracia, da forma mais ampla possível. 

“Os pilares do SUS são: igualdade, integralidade – que vê a saúde de forma integral; que une saúde física, mental e social e sua relação com o ambiente –, e equidade – que seria a promoção da saúde de forma prioritária para aqueles que mais precisam. Todo o pensamento do SUS se norteia na construção de políticas públicas de inclusão social”, comenta Sônia Lansky, médica, militante e ex-vereadora belorizontina.

Para Alisson Lisboa,  médico de família e comunidade, militante e diretor Sinmed/RJ,  é essencial ter a população, organizada e participativa, nas trincheiras do ativismo pela saúde. “Nesse momento eu acho que a gente precisa combinar diversas formas de luta. A luta social é extremamente importante. Em primeiro lugar, fazer trabalho de base, trazer os usuários do serviço de saúde para perto da luta em defesa do SUS”, defende Lisboa. 

“Se a gente não tiver uma base social sólida, a gente vai ter apenas grandes ideias de personagens brilhantes, mas não vai ter força social de massas para implementar essas mudanças que precisam ser feitas”, acrescenta.

Mas não é de hoje essa luta. Esse grito já ecoa há anos em movimentos e organizações que têm como base de suas ações a defesa da saúde pública no Brasil e dos fundamentos que nortearam a criação do SUS. Os movimentos que deram origem à reforma sanitária e, consequentemente, ao Sistema Único de Saúde, e as mais recentes articulações que herdaram a luta e extrapolaram suas reivindicações ainda são pouco conhecidos. Desde o movimento dos médicos sanitaristas pré-Constituinte até coletivos e associações da sociedade civil ativos em 2021, a luta pela garantia da saúde pública no Brasil possui defensores espalhados por todo o país. 

“A defesa da saúde pública ou coletiva é norteada e pautada pelo princípio da igualdade e da ação participativa”, destaca Sônia Lansky l Foto: Reprodução

Das famílias, bairros e municípios ao nacional

Eduardo Jorge, médico sanitarista, deputado constituinte e peça-chave na criação do Sistema Único de Saúde, conta que, durante a “primeira grande experiência de universalização” da saúde, entre as décadas de 1970 e 1980, as articulações comunitárias foram de grande importância tanto para o avanço de pautas relevantes quanto para a integração da população em causas que lhe diziam respeito. Em São Paulo, por exemplo, mais de 30 bairros periféricos realizaram eleições para compor conselhos comunitários naqueles anos.

Espaços de deliberação e consulta, os conselhos também cumpriam um papel significativo na formação política das comunidades, trazendo para o centro lideranças locais, em sua maioria mulheres, que encontraram nessa luta um importante espaço de participação e militância. “Queríamos fazer um investimento a longo prazo na formação política, visando a ação democrática e autônoma da população e dos trabalhadores mais pobres do Brasil”, lembra o médico.

Partindo da realidade local para pensar políticas de saúde pública, a territorialização ajudou a garantir a aderência da população aos mecanismos que começavam a ser pensados e implementados. Junto a isso, possibilita um processo de conscientização sobre os direitos sociais e uma espécie de canal direto de comunicação com os médicos sanitaristas e profissionais da saúde, horizontalizando o processo decisório.

Jorge enfatiza que a ideia era trazer a população das classes mais baixas, trabalhadores e donas de casa, como parceira naquele trabalho: “eles vão ser os líderes de seu processo de emancipação e de construção de políticas públicas. E nós entramos com os elementos técnicos, que são importantes e que nós dominamos, na área da saúde e do planejamento. Mas a decisão de como conduzir a luta é deles”.

Eduardo Jorge durante cerimônia de assinatura da nova constituição l Foto: Reprodução

A luta em defesa do sistema único de saúde hoje continua a seguir esse princípio participativo do Movimento Sanitário. “A defesa da saúde pública ou coletiva é norteada e pautada pelo princípio da igualdade e da ação participativa, isto é, a população é ativa e participa da construção das políticas públicas, protagonizando o curso do planejamento e das ações de saúde pública, de seguridade social e de direito à vida”, reforça Sônia Lansky.

A importância dessas articulações vai ainda além de seu papel comunicativo. As lideranças e conselhos locais e autônomos garantem que as ações, conquistas e aprendizados sejam mais perenes. Em primeiro lugar, não ficam à mercê de instâncias alheias à comunidade, como as secretarias, médicos e técnicos, ou as pastorais, cuja atuação varia de acordo com cada gestão.

“Assim eram mitigados os riscos de cooptação, de subordinação ao poder instituído. Eram mitigados pela união e pela amplitude do movimento”, diz Jorge.

Em segundo lugar, a orientação comunitária dessas organizações também permitiu  que a militância seja mais orgânica e móvel, mais independente de decisões puramente técnicas ou burocráticas (ainda que estas desempenhem um papel importante) e, portanto, mais colada às dinâmicas próprias de cada território.

Essa atuação local se reflete no próprio modelo do SUS, baseado no núcleo familiar e nas especificidades territoriais para dar conta de atender a população de maneira mais integrada e mais sensível às diferentes realidades do país. “A gente conseguiu expandir o cuidado de saúde para o território. A saúde da família brasileira, primeiro como um programa e depois como uma estratégia, conseguiu ter orientação territorial, uma competência cultural de cada território, de cada comunidade e população que está sendo atendida. Isso é uma característica da atenção primária à saúde brasileira muito importante, que a distingue da APS de outros sistemas universais de saúde no mundo. A orientação familiar é uma característica muito importante da atenção primária brasileira”, observa Alisson Lisboa.

Essa atuação local se reflete no próprio modelo do SUS, baseado no núcleo familiar e nas especificidades territoriais para dar conta de atender a população de maneira mais integrada e mais sensível às diferentes realidades do país. “A gente conseguiu expandir o cuidado de saúde para o território. A saúde da família brasileira, primeiro como um programa e depois como uma estratégia, conseguiu ter orientação territorial, uma competência cultural de cada território, de cada comunidade e população que está sendo atendida. Isso é uma característica da atenção primária à saúde brasileira muito importante, que a distingue da APS de outros sistemas universais de saúde no mundo. A orientação familiar é uma característica muito importante da atenção primária brasileira”, observa Alisson Lisboa.

O trabalho conjunto, envolvendo os níveis federal, estadual e municipal em torno de um grande projeto de política pública, é outro elemento central da articulação pelo SUS. Eduardo Jorge aponta que esta foi a primeira vez em que existiu a proposição de um trabalho integrado, tendo no município “o principal artista dessa unificação” – mais um reflexo do esforço de territorialização que norteia sua atuação. “A ousadia do SUS foi: primeiro, propor o trabalho conjunto das três esferas (federal, estadual e municipal, com financiamento conjunto e uma articulação em torno do programa), e, segundo, levar essa execução do serviço principalmente para os municípios”, explica.

Está na lei

LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990 – Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

A criação do SUS, lado a lado com a redemocratização

Discussões sobre a necessidade de mudanças no setor de saúde brasileiro nos levam para o início da década de 1970, em meio à Ditadura Militar, quando a ideia da Reforma Sanitária começou a tomar forma. Em um contexto de profunda insatisfação, movimentos populares e políticos se organizaram em diversas regiões do país, unindo grupos de base, médicos, funcionários públicos e integrantes de partidos, sobretudo de esquerda, para propor novos mecanismos de funcionamento da área da saúde no Brasil. 

Durante o regime militar, o sistema público de saúde era dividido, principalmente, entre medicina previdenciária, voltada para trabalhadores formais e urbanos, e saúde pública, de caráter preventivo e voltada para as zonas rurais e comunidades mais pobres. A divisão de investimentos mantinha desigualdades estruturais e favorecia as elites. “Ao longo do século XX, o Brasil concentrava a atenção a saúde em algumas categorias de trabalhadores consideradas mais importantes para o sistema econômico e deixava a grande maioria da população – entre 70% e 75%, que não tinha carteira assinada, não era servidor público civil e militar – amparada apenas pelas Santas Casas, que, apesar de importantes, faziam parte de uma rede precária”, salienta Eduardo Jorge.  

Para além do desconforto crescente com as desigualdades de oportunidades e de acesso a serviços básicos, a intensa onda de repressão e censura difundida pelo regime militar provocou inquietação em diversos setores da sociedade. 

“O que acontecia no país na década de 1970 era uma onda de insatisfação que gerou um pensamento crítico generalizado, tanto nos executivos quanto na população, e que nos levou a buscar uma solução mais universalista, sobretudo para a saúde”, conta Eduardo Jorge, que testemunhou e atuou junto nessa luta. “Esse contexto político é muito importante, porque grande parte de nós era militante de organizações revolucionárias contra a Ditadura Militar e, paralelamente, propúnhamos uma discussão do que fazer naquele momento de encruzilhada da redemocratização do país”, continua o médico.

Esses movimentos, apesar de plurais em táticas e concepções ideológicas, tinham como perspectiva central a luta contra a Ditadura e a melhoria das condições de vida da população, por meio da descentralização e universalização da saúde. Os conselhos comunitários sediados na cidade de São Paulo são exemplos do ativismo horizontal e efetivo pela transformação do sistema de saúde brasileiro. 

Por meio da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, sobretudo na gestão do secretário Walter Leser, em parceria com a Universidade de São Paulo, a formação de médicos sanitaristas e a subsequente criação dos conselhos comunitários esboçaram o processo de expansão da rede de unidades básicas e planejadas nas periferias da capital paulista. 

“Eu considero essa reforma proposta por Walter Leser como a primeira grande experiência de universalização da saúde no Brasil”, comenta Jorge, que se formou médico sanitarista nessa época e participou ativamente dos conselhos. 

Uma das principais táticas utilizadas pelos médicos vinculados à secretaria estadual foi a inserção da comunidade local nas discussões e decisões do planejamento de saúde, bem como a articulação entre bairros próximos para a criação de uma rede de políticas públicas baseadas no direito à vida. 

“Os conselhos comunitários não eram um movimento paroquial, e o elemento técnico dos médicos sanitaristas ajudava no processo. Ou seja, mostravam a importância de se conseguir uma unidade de saúde para determinado bairro, mas também salientavam que, se não houvesse uma conexão com outros bairros, um processo completo que garanta recursos de saúde mais complexos não seria possível”, reflete o médico. 

Paralelamente, em outras regiões do Brasil, o movimento da reforma sanitária se consolidava e alcançava as esferas institucionais, sobretudo na forma de alianças com parlamentares progressistas. Esse período coincide com a criação, pelos médicos sanitaristas da Universidade de São Paulo, do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e, posteriormente, da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). Ambas as entidades foram essenciais para a organização e sintetização da identidade da reforma sanitária.  

O documento aprovado no 1º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, em 1979, e veiculado pelo Cebes indicava os princípios básicos defendidos pelos reformistas, como “o reconhecimento do direito universal e inalienável, comum a todos os homens, à promoção ativa e permanente de condições que viabilizem a preservação de sua saúde” e “o reconhecimento do caráter social deste Direito e tanto da responsabilidade que cabe à coletividade e ao Estado em sua representação, pela efetiva implementação e resguardo das condições supra mencionadas”.

A organização em nível nacional, englobando diferentes setores sociais, econômicos, políticos e técnicos, fez com que a reforma sanitária se mostrasse vitoriosa mesmo antes do fim da Ditadura Militar. “A discussão da necessidade de uma transformação no sistema de saúde do país foi muito forte no período pré Constituinte. Nós tínhamos acúmulo de conhecimento e projetos para a área da saúde em todas as correntes e, quando chegamos na Assembléia de 1988, nossa proposta estava completa e articulada”, comenta Eduardo. 

Essa atuação estruturada também foi uma estratégia dos ativistas do Movimento Sanitário para garantir a participação social e a representatividade durante a Constituinte, que, juntamente com parlamentares, possibilitaram a criação de Subcomissões de Saúde para assegurar o debate junto à sociedade sobre suas propostas e reivindicações. De maneira inédita na história brasileira, emendas populares foram votadas e apresentadas para compor o texto constitucional.  

Em 1988, foi aprovado, praticamente por unanimidade, o texto da reforma sanitária, garantindo a saúde como direito fundamental e criando o Sistema Único de Saúde, o SUS. “Eu considero essa reforma revolucionária. Criar um aparelho de Estado e uma política pública desse porte no Brasil é uma jornada épica. E nós fizemos isso”, diz Eduardo. 

 

 

A luta em defesa do SUS ganhou expressão durante a pandemia do Covid-19 l Foto: Reprodução

O ativismo pelo SUS hoje

Sob a bandeira de garantir a saúde da população, a principal frente daqueles atuam em defesa do SUS —, se reúnem diversas outras causas. O enfrentamento pela manutenção dos direitos conquistados na Constituição de 1988 e a luta por mais direitos, congrega, além da categoria médica, diferentes frentes de ativismo debaixo do grande guarda-chuva das políticas públicas de saúde. 

A reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial, a redução de danos e a luta pela descriminalização e legalização das drogas, os movimentos por reforma agrária e agricultura familiar, a luta por direitos reprodutivos, a luta ambiental, a garantia de saneamento básico, o desarmamento da população, a defesa da pesquisa pública: a lista ainda pode continuar por vários parágrafos e serve para nos mostrar como o ativismo pela saúde pública é um ativismo multifacetado, heterogêneo e atrelado diretamente às pautas sociais. 

“O SUS foi criado com a proposta de fazer uma integração entre diversas esferas do cuidado, com o objetivo de conseguir coordenar ações de cura, de promoção da saúde e prevenção de doenças e de recuperação”, lembra Alisson Lisboa. Assim, o ativismo pelo SUS abrange um grande conjunto de temas, movimentos e pautas, não necessariamente relacionadas entre si, mas certamente atreladas a uma mesma causa.

Eduardo Jorge aponta esse aspecto múltiplo como uma das grandes urgências da luta pelo SUS hoje: o trabalho conjunto, orquestrado pelas diferentes instâncias de gestão, em torno da promoção da saúde. E isso só é possível se entendemos a transversalidade dessa luta. É necessário deslocar a concepção de saúde de algo restrito à medicalização ou ao tratamento hospitalar, e trazer para dentro do ativismo outras pautas que circundam a saúde da população de maneira mais ampla, desde a alimentação à prevenção de acidentes, a reabilitação para inclusão social e o atendimento longitudinal ao longo da vida, por exemplo. 

Diversos movimentos particulares do campo médico, como as associações e redes de profissionais da saúde, estabelecem relações com essas outras bandeiras aliadas. Ações educativas, a atuação dos movimentos sociais de base e a presença de grupos fortes que têm a luta antimanicomial ou a saúde popular como bandeiras, por exemplo, fazem com que existam conquistas importantes nos diferentes campos de atuação possível do sistema de saúde.

 A “desinstitucionalização do cuidado, casada com a atenção primária, com a saúde da família e os Centros de Atenção Psicossocial (Caps)”, como lembra Alisson, são algumas dessas importantes conquistas, nascidas da aliança entre diferentes frentes de trabalho ativista.

“O SUS não pode ter a pretensão de fazer isso se não for ajudado pelas outras políticas públicas”, ressalta Eduardo Jorge. O lembrete é o de que ativismo se faz conjuntamente, a partir dos territórios e das reivindicações das mais diversas, de maneira heterogênea e a partir das bases. 

 

Uma tática utilizada por ativistas em defesa e fortalecimento do SUS é a construção da consciência do valor coletivo de direito à saúde, luta que tangencia outros aspectos éticos que constituem uma vida digna. “A educação, tanto em saúde quanto de maneira geral, é uma forma das pessoas adquirirem autonomia e conhecimento sobre o uso dos recursos de forma mais potente. Por isso, é necessário que elas reconheçam que assegurar ações básicas de direito à moradia, à água limpa, ao tratamento de esgoto, à renda e ao acesso a alimentos saudáveis faz parte da luta pela saúde pública”, ressalta Sônia. 

Assim, ganha grande importância a comunicação e a aliança entre profissionais da saúde e população atendida, dois lados de uma mesma luta. Alisson Lisboa observa que nas movimentações de militância pela defesa e aprimoramento do SUS há uma grande participação das pessoas envolvidas no dia-a-dia do sistema. Segundo ele, “todos os atores da área da saúde – gestores, trabalhadores da saúde e usuários – têm um grande envolvimento nessa luta pelo fortalecimento do SUS”. 

Agentes populares de saúde fazem parte da raíz popular e democrática do SUS l Foto: Reprodução

Atuando “de dentro” da instituição do SUS, profissionais da saúde se organizam de diferentes maneiras, sem se restringir a espaços internos, e envolvendo também atividades de escuta e militância nos interiores e periferias, tanto geográficas quanto sociais. Entidades como redes e coletivos, partidos políticos, movimentos sociais de base e sindicatos “compõem a frente de articulação central para apresentar um projeto de saúde para o Brasil, tanto quanto um programa e orientações mais a curto prazo para enfrentar a pandemia, por exemplo, como foi apresentado no ano passado”, conta Alisson. 

Um exemplo é a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMP), na qual Alisson é militante. Atuando em todas as cinco regiões brasileiras desde 2015, a RNMP é composta por “médicos que atuam em diversas regiões e setores do sistema de saúde, desde o sistema público e privado até a gestão e a linha de frente, professores universitários, educadores populares de saúde, movimentos populares urbanos e do campo, médicos formados no Brasil e no exterior e médicos que atuam no movimento sindical pelo país”, explica.

Essa aliança entre atendimento de saúde, movimentos populares e educação, a RNMP utiliza-se de uma série de ferramentas políticas: assembléias, manifestações, brigadas de solidariedade, campanhas informativas, cursos de formação política e educação popular em saúde são algumas delas. Enquanto a mobilização social articula-se em conjunto com os movimentos populares, conversando diretamente com a população e construindo-se em conjunto, ações educativas cumprem um importante papel do ativismo, voltadas para a categoria responsável pelo cuidado com pacientes. 

Soma-se a essas estratégias de militância a atuação incisiva e necessária junto aos órgãos públicos, secretarias e instituições governamentais.

Um dos desafios enfrentados pelos ativistas que lutam pelo SUS é, como denomina Sônia Lansky, a “mercantilização da saúde”. Resquício da formação histórica brasileira, que sempre priorizou o direito à vida digna para uma pequena parcela da população, a concepção de saúde como mercadoria impede avanços e enfraquece o cumprimento de leis conquistadas pela reforma sanitária na Assembléia Constituinte em 1988. Mesmo que, do ponto de vista jurídico-constitucional, a saúde seja pública, universal e descentralizada, investidas de grupos civis e políticos neoliberais colocam em xeque o direito à vida. “Há uma concorrência cultural com as estratégias liberais do capitalismo que utiliza a saúde como mercadoria, como commodity, como um bem comerciável. Então, o entendimento de saúde como um produto ou bem é uma exploração nefasta que está incorporada no modo de organização da nossa sociedade”, comenta a médica.

Para além dos impactos sociais provocados pela desigualdade do acesso ao sistema privado de saúde, a exploração da “doença como negócio” leva a intervenções médicas desnecessárias e que colocam em risco o bem estar da população. Um exemplo é a discussão a respeito dos “modos de nascer”, que está pautada pela esfera do ativismo feminista pela saúde. Dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) referentes aos nascimentos em 2019 mostram que 58,8% do total de crianças nascidas vivas no país foram por cesarianas. “No sistema privado, o número é ainda mais alarmante: 83% dos partos são cesáreas. Isso interfere crucialmente na saúde da mulher e do bebê e é fruto de interesses econômicos e da ideia de comercialização da saúde”, reforça Sônia.

Dois outros aspectos que se sobressaem nas falas de ativistas pela saúde pública apontam para uma afinidade de suas táticas militantes com o próprio modelo de atuação do SUS. São a descentralização das instâncias decisórias, por meio da capilarização territorial, e o fortalecimento de agentes comunitários e autônomos, ambos fortemente conectados entre si.

Nesse sentido, Alisson sublinha que, “para avançar no sistema público de saúde, é necessário que o gasto privado caia e que a gente aumente os recursos públicos para a saúde pública”. Isso garante que ativismos importantes pela garantia da vida e da dignidade humanas, como a luta pelos direitos reprodutivos ou a luta antimanicomial, sejam pautados como políticas públicas. “E não é gasto, é o sentido social que a política pública tem que ter: de que não é gasto e sim cuidado da população brasileira. Não só os mais pobres, mas toda a população precisa ter um acesso universal e equitativo”, completa Alisson. 

Assim, dos núcleos familiares aos conselhos e lideranças comunitárias, e daí para os municípios, e então estados e federação, o ativismo pelo SUS se articula em camadas que vão do “menor” para o mais geral. Essa forma de pensar e atuar a partir dos territórios garante, de certa forma, que o sistema seja de fato “público” e “universal”, e é uma das maiores inovações da atenção à saúde no Brasil (e também no mundo).

Conheça alguns dos movimentos de ativismo pelo SUS e pela saúde pública hoje: 

 

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