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Como redes de desinformação têm destruído o meio ambiente e o que podemos fazer

Entrevistamos a pesquisadora Lori Regattieri para entender o impacto de notícias falsas e redes de desinformação na destruição da Amazônia e na formulação de políticas públicas

“A maioria das pesquisas sobre desinformação se concentra nos impactos sobre pessoas brancas”, diz Regattieri

Foto: Mídia Ninja

Em abril deste ano, o Intervozes, em parceria com outras organizações, lançou o relatório “Combate à desinformação sobre a Amazônia Legal e seus defensores”, que identificou a criação de veículos hiperpartidários disfarçados de organizações de notícias locais como uma das principais estratégias de difusão de informações falsas na região, motivadas principalmente por interesses políticos ou econômicos específicos.  

Segundo dados do relatório, existem pelo menos 70 páginas que se dedicam a espalhar fake news nas redes atuando na área da Amazônia Legal e com potencial para impactar a relação dos moradores com a floresta.

Não é de hoje que a Amazônia vem sendo palco de uma luta de narrativas: de um lado a importância da sua preservação para o ecossistema global e para os povos que nela habitam, e na outra ponta a sua exploração e consequente destruição em prol de um falso progresso a partir do discurso ruralista, de extrema-direita e do falacioso desenvolvimento econômico. 

Quem lança luz sobre esse cenário é Lori Regattieri, pesquisadora, consultora em tecnologias justas e sustentáveis e fundadora da plataforma Eco-mídia, projeto que se dedica ao desenvolvimento de pesquisa, protocolos técnicos, práticas comunitárias e à construção de tecnologias e aplicações úteis às comunidades que sempre estiveram historicamente à margem, a partir de estudos relacionados à tecnologia, plataformas de mídia e justiça ambiental e climática.

Escola de Ativismo: Como a desinformação se configura como uma questão relevante na interseção entre tecnologia, comunicação política e meio ambiente?

Lori Regattieri: Isso acontece devido à sua profunda influência na formação da opinião pública, na intensificação da desordem informacional e na manipulação de narrativas que afetam diretamente a agenda política e as políticas ambientais. 

Por exemplo, a desinformação pode ser usada para justificar políticas e flexibilizar legislações que prejudicam o meio ambiente, a floresta e as pessoas que habitam os territórios assediados pela ganância da exploração em nome da monocultura e das expulsões para instalação de grandes projetos de infraestrutura. Através da propagação de narrativas falsas, atores políticos e econômicos podem minar os esforços de conservação, restauração e de respeito aos direitos territoriais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.  

E ela não se limita apenas à comunicação de mensagens falsas: envolve a manipulação das intensidades emocionais e psicológicas das pessoas. A desinformação pode explorar o desejo, o medo e outras emoções para alcançar seus objetivos. Não é suficiente analisar a desinformação apenas do ponto de vista da lógica e da razão; é preciso entender como ela se conecta com os desejos e impulsos emocionais das pessoas. 

Precisamos formar uma aliança nesse tripé tecnologia, comunicação política e meio ambiente para fortalecer a pesquisa acadêmica sólida sobre campanhas de desinformação que visam impactar comunidades locais, ribeirinhas, extrativistas, indígenas, negras, como o ceticismo sobre a vacina e a campanhas de difamação contra organizações informando sobre propriedade coletiva da terra. 

“[A desinformação] envolve a manipulação das intensidades emocionais e psicológicas das pessoas. A desinformação pode explorar o desejo, o medo e outras emoções”

A maioria das pesquisas sobre desinformação se concentra nos impactos sobre pessoas brancas, propondo soluções enviesadas por preocupações de classe e raça projetadas na pouca diversidade de pesquisadores. Isso destaca a necessidade de uma análise mais equitativa e inclusiva de incentivos para a pesquisa em propaganda, manipulação e desinformação que leve em consideração as experiências e práticas informacionais de grupos e regiões específicos em fenômenos desinformativos que não se enquadram nos impactos tidos como universais. 

EA: De que maneira você enxerga que a disseminação de informações falsas sobre questões ambientais pode resultar em riscos significativos para os ecossistemas brasileiros, em especial a Amazônia?

LR: Isso ocorre devido à manipulação da opinião pública e à influência nas decisões políticas que afetam a conservação ambiental. Examinando casos específicos, como a campanha para instalação do projeto de Belo Monte e o negacionismo climático no Brasil, podemos identificar como essas práticas têm prejudicado o meio ambiente e a vida das pessoas.

A campanha para influenciar apoio para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, localizada no rio Xingu, no Pará, oferece um exemplo claro de como informações distorcidas podem ser usadas para justificar ações prejudiciais ao meio ambiente e às pessoas, grupos e comunidades diretamente afetadas por grandes projetos de energia e infraestrutura. Esse empreendimento enfrentou uma oposição significativa devido aos impactos ambientais que trouxe, incluindo o desmatamento, a perturbação dos ecossistemas aquáticos e ameaças às comunidades indígenas e tradicionais.. A construção de Belo Monte resultou ainda em um aumento significativo do desmatamento nas terras indígenas próximas, superando a média de desmatamento em toda a Amazônia. 

Sobre o negacionismo climático no Brasil, especialmente entre grupos ligados ao agronegócio, tenho monitorado como a propaganda desinformativa favorece a perpetuação de práticas prejudiciais ao meio ambiente e a flexibilização de mecanismos regulatórios. 

relatório “O agro não é verde”, fruto da parceria entre o observatório “De Olho nos Ruralistas” e a ONG Fase, revela detalhes dessa influência do agronegócio nas políticas ambientais do Brasil. O estudo mapeou 49 organizações do agronegócio e destacou como treze delas participam ativamente no lobby ruralista em Brasília, por meio do Instituto Pensar Agro (IPA), um dos principais braços logísticos da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Apesar das diferenças ideológicas, todas elas participam ativamente na promoção de uma agenda legalista e ideológica que muitas vezes ignora os desafios socioambientais enfrentados pelo país.

Essa influência do agronegócio nas políticas ambientais é preocupante, uma vez que o Brasil quer ser um exemplo na redução de emissões de carbono, com a agropecuária brasileira representando uma parcela significativa dessas emissões. O agronegócio, ao negar ou minimizar a importância das mudanças climáticas, contribui para agravar os desafios ambientais e sociais enfrentados na Amazônia Legal.

EA: Quem está na vanguarda do atraso das políticas ambientais no Brasil? Quem comanda esse projeto hoje?

LR: Os ruralistas estão constantemente na linha de frente do ataque aos direitos socioambientais e aos avanços civilizatórios, frequentemente em aliança com outras bancadas, como a bancada da bíblia e a bancada da bala. 

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), popularmente conhecida como bancada ruralista ou do boi, representa praticamente metade dos parlamentares com cadeiras no Congresso Nacional. Um dos principais objetivos da FPA é desmontar as políticas ambientais e indígenas prometidas pelo novo governo, ainda durante a campanha eleitoral, para combater o desmatamento e promover a demarcação de terras dos povos indígenas ameaçados de extinção no governo anterior. Essas políticas, particularmente relevantes para a proteção da Amazônia e dos territórios indígenas, são frequentemente alvo de oposição e resistência por parte dos ruralistas. 

Os ministérios mais afetados com a reformulação dos ministérios [em julho deste ano] foram o Ministério do Meio Ambiente, que no governo Lula tem atuado na preservação ambiental e na fiscalização contra o desmatamento, e o Ministério dos Povos Indígenas, responsável pela demarcação de terras indígenas e pela proteção dos direitos dos povos originários. As políticas desses ministérios costumam colocar obstáculos ao desmatamento na Amazônia, o que entra em conflito com os interesses dos ruralistas, que buscam abrir novas frentes agrícolas na região. Precisamos mencionar também a invasão das terras indígenas por frentes do crime organizado, como garimpeiros, uma questão crítica. Os ruralistas também têm interesse nisso pois veem essas terras como oportunidades para expansão da agropecuária, muitas vezes associada a atividades ilegais que causam impactos devastadores para o território e na vida dos povos indígenas. 

A desinformação socioambiental é frequentemente disseminada por interesses comerciais e políticos que negam as mudanças climáticas ou minimizam sua gravidade, cria confusão e ceticismo entre o público em geral. Isso resulta em uma divisão na sociedade, com parte da população duvidando da existência das mudanças climáticas e da necessidade de ação urgente.

EA: No contexto das mudanças climáticas e da justiça climática, como essa política da desinformação pode comprometer os esforços de mobilização e conscientização?

LR: A desinformação socioambiental é frequentemente disseminada por interesses comerciais e políticos que negam as mudanças climáticas ou minimizam sua gravidade, cria confusão e ceticismo entre o público em geral. Isso resulta em uma divisão na sociedade, com parte da população duvidando da existência das mudanças climáticas e da necessidade de ação urgente. Esse divisionismo é frequentemente explorado por grupos e líderes que têm interesses na continuação das práticas prejudiciais ao meio ambiente, como a exploração insustentável dos ecossistemas e contínuo aumento nas emissões de gases de efeito estufa (GEE). 

Isso também prejudica a mobilização da sociedade civil e a conscientização sobre a importância da justiça climática. Quando informações errôneas são disseminadas, aqueles que estão buscando criar uma mudança positiva muitas vezes têm que gastar tempo e recursos consideráveis desmentindo falsidades e educando o público sobre os fatos científicos reais. Isso desvia o foco das ações concretas necessárias para lidar com as mudanças climáticas e cria um ambiente de desconfiança em relação à informação legítima.  

As comunidades vulneráveis muitas vezes são as mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas, mas a desinformação pode fazer com que não reconheçam a gravidade desses impactos ou as ligações entre suas lutas locais e as questões climáticas globais.

 

EA: Quais são os desafios na promoção da justiça climática no Brasil hoje, em um cenário que herda uma política da desinformação já extremamente consolidada?

LR: Um dos desafios é reconhecer e abordar a desigualdade racial em relação às mudanças climáticas. No Brasil, as comunidades negras, afro-indígenas, indígenas e quilombolas são frequentemente as mais afetadas pelos impactos ambientais, como desmatamento e degradação de terras, poluição e eventos climáticos extremos. Essas comunidades, historicamente marginalizadas, têm menos recursos para se adaptar ou se recuperar desses desastres ambientais. No caso da relação entre questões raciais e classe, as políticas públicas de infraestrutura e saneamento precisam considerar esses efeitos desproporcionais em regiões urbanas, ao passo que localmente a informação também precisa ser valorizada como um dos pilares da cidadania.  

Outro desafio crítico no contexto brasileiro é o histórico de concentração midiático e a propriedade cruzada dos meios de comunicação. Ao longo dos anos, poucos grupos detiveram o controle da maior parte dos veículos de comunicação do país, o que resultou em uma narrativa muitas vezes unificada e alinhada a interesses específicos. Esse oligopólio midiático contribuiu significativamente para a disseminação da desinformação, uma vez que a diversidade de perspectivas e vozes foi suprimida, tornando mais difícil o acesso a informações precisas e equilibradas sobre questões ambientais e climáticas. 

Conectar a justiça climática à questão racial é fundamental para garantir que as respostas adequadas sejam formuladas. Uma abordagem inclusiva deve incluir a promoção do protagonismo de povos indígenas e quilombolas na busca de soluções, aproximando o debate sobre as soluções das comunidades mais afetadas no contexto das periferias urbanas.

EA: O combate à desinformação também envolve o fortalecimento da educação e conscientização da sociedade. Como a colaboração entre sociedade civil, movimentos sociais e pesquisadores pode fortalecer a luta contra o negacionismo climático e a desinformação ambiental?

LR: Nenhum ator isolado pode enfrentar eficazmente a desinformação socioambiental. Governos, organizações da sociedade civil, acadêmicos, jornalistas e empresas de tecnologia devem trabalhar juntos para compartilhar recursos, conhecimento e estratégias. 

A colaboração também pode ajudar a evitar conflitos de interesses e garantir que os esforços sejam coordenados e eficazes. A descentralização também é importante para garantir que as soluções sejam adaptadas aos contextos locais. As questões socioambientais variam amplamente em diferentes regiões do Brasil, e as soluções devem levar em consideração essas nuances. Além disso, ao descentralizar o combate à desinformação, podemos capacitar as comunidades locais a se envolverem ativamente na promoção da informação e da confiabilidade no conteúdo compartilhado.  

“Essa narrativa focava no patriotismo e no crescimento econômico, criando a ideia de que a destruição da floresta, comumente chamada de “inferno verde”, era necessária para o progresso do país.”

EA: Como podemos abordar a desinformação de maneira eficaz quando se trata de questões tão cruciais para o meio ambiente?

LR: Durante a ditadura militar no Brasil, a propaganda desempenhou um papel significativo na moldagem das percepções sobre a Amazônia, contribuindo para o fortalecimento da desinformação socioambiental que persiste até os dias atuais. A propaganda durante esse período glorificou o desmatamento, a exploração do ouro e da borracha, bem como os planos megalomaníacos dos militares para a construção de estradas, como a Transamazônica. Essa narrativa focava no patriotismo e no crescimento econômico, criando a ideia de que a destruição da floresta, comumente chamada de “inferno verde”, era necessária para o progresso do país. Além disso, as narrativas anti indígenas criaram uma imagem negativa das políticas de demarcação de terras indígenas, retratando-as como uma ameaça à soberania do Brasil.  

Essas estratégias de propaganda, desenvolvidas durante a ditadura, continuam a influenciar o debate sobre a Amazônia nos dias de hoje. Os ruralistas, agronegócio e militares mantêm uma ligação histórica com essas narrativas, buscando desmantelar as políticas ambientais, enfraquecer as leis e os órgãos de fiscalização e obter ganhos financeiros com a exploração da região.  

A disseminação da desinformação socioambiental persiste, criando uma controvérsia artificial em torno das questões ambientais. Essa estratégia é apoiada por uma “engenharia propagandística” que busca minar o consenso científico e criar incertezas sobre as mudanças climáticas e a preservação do bioma que respeite os modos de vida das populações. Além disso, as tecnologias de informação e comunicação são usadas para amplificar essas narrativas, manipulando a opinião pública e generalizando pontos de vista que muitas vezes são uma propaganda da visão mercadológica sobre a natureza e o conhecimento tradicional ligado à sociobiodiversidade. 

Para abordar essa propaganda desinformativa, é essencial considerar a regulação das plataformas de mídias sociais, controlando a disseminação de conteúdo enganoso e prejudicial em escala. É preciso considerar também que o avanço da conectividade com infraestruturas de comunicação e informação pode garantir a plena cidadania, permitindo o acesso a fontes confiáveis e diversas de informação.  

A esperança reside na capacidade de desafiar e desmantelar as narrativas já consolidadas da desinformação e propaganda, construindo uma ecossistemas de histórias com base na ciência, no respeito ao conhecimento tradicional e na promoção da justiça climática.

Quais os principais passos e como desmascarar essas narrativas e discutir os desafios reais, segundo Lori Regattieri

Regulação das Plataformas de Mídia Social: Uma medida crucial envolve a regulação das plataformas de mídia social, que frequentemente são catalisadoras da disseminação da desinformação em massa. As autoridades regulatórias devem implementar medidas rigorosas para conter a propagação de informações enganosas. Isso inclui a transparência das políticas de moderação de conteúdo, a remoção de conteúdo falso e a responsabilização das plataformas por danos causados pela desinformação. 

Valorização da Cadeia de Produção de Informação em Contextos de Desertos de Notícias: Em áreas com escassa cobertura midiática, é essencial valorizar e apoiar a produção local de informações. Isso inclui o fortalecimento de veículos de comunicação independentes e a capacitação de jornalistas locais para cobrir questões climáticas e socioambientais.

Diversidade de Vozes: Promover a diversidade de vozes e perspectivas na discussão das mudanças climáticas e questões ambientais é crucial. Isso inclui dar voz a comunidades afetadas desproporcionalmente por esses problemas, como povos indígenas, comunidades tradicionais e grupos vulnerabilizados em territórios de contextos urbanos periféricos. Pesquisadores podem apoiar a amplificação dessas vozes e histórias.

Justiça Climática e anti-racismo: A luta contra a desinformação ambiental deve estar ligada à promoção da justiça climática e equidade racial. Isso implica em abordar as disparidades socioeconômicas e raciais em relação às mudanças climáticas e garantir soluções equitativas. Pesquisadores podem contribuir com análises sobre essas disparidades, inclusive na pesquisa em comunicação, enquanto a sociedade civil pode fazer campanhas para pressionar os tomadores de decisão.

TEXTO

Luiza F. Martins

publicado em

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