A primeira atividade que fiz, depois que voltei de um exílio de 15 anos, foi trabalhar com comunidades de base, e depois com o desemprego, na grande crise de 1983, e que levou a Igreja a se ocupar muito dos desempregados. Nós criamos uma associação, que não era de desempregados, mas de solidariedade no desemprego. Uma associação que tinha católicos, protestantes e espíritas – juntos –, que organizava grupos de desempregados junto com empregados no que chamávamos de grupos de solidariedade. Mil coisas se desenvolveram a partir daí. Durante quatro anos trabalhei nesse negócio. O que era isso? No fundo, um aprendizado da cooperação, da colaboração, da ajuda mútua, o que já é, do ponto de vista educativo, a negação do princípio motor do sistema que nos domina – a competição. Substituir a competição dos desempregados por empregos ou na vida pela cooperação em grupos – esse era o princípio da comunidade eclesial de base. Formar grupos que se reúnem com objetivo comum – de resolver, todos juntos, um determinado problema. Claro, nesse processo podemos ter engajamento político, engajamento em movimentos etc. Não há uma fronteira precisa.
Quer dizer, há fronteira para quem escolhe uma ou outra posição de luta. Por exemplo, para mim houve uma fronteira. Eu fiquei na Câmara Municipal de São Paulo durante dois mandatos. Me candidatei a deputado federal no meio do segundo mandato, ainda bem que não fui eleito (virei suplente). Se eu tivesse sido eleito, eu morreria, porque a luta lá é bravíssima. O sofrimento, o que a gente tem de engolir de sapo, é uma loucura. Eu vivi um pouco isso como vereador, e fiz um balanço no final. Eu estava na hora de resolver sobre um terceiro mandato. Pelo que contam os meus amigos, eu poderia ser eleito tranquilamente. No entanto, na hora de decidir, eu fiz um balanço econômico, de custo-benefício. E concluí que o custo do trabalho na Câmara Municipal, em meio à maioria que não estava lá para pensar no bem comum – passei pelo governo de Luiza Erundina e depois pelo governo do Maluf (que mandou um recado para a bancada do PT: “quanto vocês custam?”), tive em certo momento de andar com guarda-costas por conta de uma CPI da qual fui relator –, não valia a pena.
O balanço era: esse tipo de sofrimento em relação a qual resultado? Não mudou nada, digamos; não cassamos quem deveria ter sido cassado; arrebentamos com esquemas de corrupção que estavam montados lá, mas eles depois se acertaram. Quando o Maluf ganhou [a eleição de 1992 em São Paulo], aconteceu o que está acontecendo com o [presidente da Câmara dos Deputados Arthur] Lira: acerta com ele o que deve ser aprovado e o que não deve ser aprovado, não tem discussão de nada, tem acerto prévio na hora da votação com o líder, vota e pronto. É muito desgastante. Isso me fez concluir o seguinte: como político que está preocupado com o interesse coletivo, eu não tenho lugar aqui.
Durante meus dois mandatos, fiz muita coisa do ponto de vista da formação. Havia grupos espalhados pela cidade inteira fazendo reunião, mas falei: “olha, não dá; eu vou acabar me esvaindo aqui sem resultados”. Onde estava a ação política possível? Pensei: vou voltar para os movimentos sociais, para os movimentos de que eu tinha participado antes de ser eleito vereador, como nos processos de participação popular na Constituinte (que produziu as emendas populares, um marco histórico), aquilo, sim, enchia o coração da gente. Então não me candidatei a um terceiro mandato. Também me afastei da vida partidária, porque naquele tempo, ela já tinha me dado uma porção de desgostos, e o próprio compromisso com a vida partidária se tornou impossível. Saí do partido para continuar somente no nível do ativismo – que visa o coletivo, mas trabalha de forma diferente da militância dos movimentos – e virei um militante sem partido, de causas sociais. Nessa eu me tornei literalmente ativista, na luta antinuclear, no Fórum Social Mundial (FSM); entrei em um monte de coisas que encheram a minha vida, me dando muito mais satisfação e tranquilidade para viver e fazer o que era possível.