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Amália Garcez

Ativista do Fridays for Future

Onde estão os novos espaços de resistência? Quais e como se dão as novas formas de resistência e de luta? Essas são perguntas que, continuamente, interpelam o corpo e a imaginação de ativistas (esses seres da ação e da insistência), que sempre se impõem a tarefa de encontrar alternativas, táticas, abordagens e modos de viver mais capazes de realizar as transformações que tanto pretendem e que dão sentido à sua existência. Essas são as inquietações permanentes que animam o devir-ativista – e que atravessam a luta concreta de gente tão diversa como Amália Garcez, Carlos Augusto Ramos, Léo DCO, Sarah Marques e Tipuici Manoki, cujos depoimentos compõem as páginas seguintes, e Luciana Ferreira, em comentário-síntese ao fim desta seção.

SOBRE A GURIA

Sou Amália, nasci em 2003, sou de Porto Alegre (RS). Já morei no interior do Rio Grande do Sul, na capital, no Canadá e agora estou na Finlândia; primeiro, pelo trabalho dos meus pais e agora, por intercâmbio. Sou interessada em cultura, mas a causa ambiental me preocupa muito. Tive de escrever um artigo para a escola sobre experimentação animal e isso me levou de alguma forma ao vegetarianismo e, consequentemente, às mudanças climáticas. Já são quatro anos vegetariana, e neste período minha pesquisa só aumentou. Sempre ligada e vendo os protestos na Europa, eu me perguntava: por que ninguém faz isso no Brasil? Então uma amiga intercambista na minha escola me provocou a fazer alguma coisa, mergulhei na internet para saber do Fridays for Future (FFF)(1), da Greta Thunberg, e toda essa movimentação da juventude. Gosto de dançar, mas estava com o pé machucado, o que me deixou com uma semana inteira livre, então fui a um protesto na minha cidade e nunca mais parei. Entrei para o Fridays, conheci a menina que estava organizando os protestos e viramos uma dupla. O que fazer? Como chamar mais gente? Como convidar estudantes nas escolas? Assumimos uma espécie de coordenação dos protestos em Porto Alegre, toda sexta-feira estávamos na frente da Assembleia Legislativa. Todas as semanas estávamos lá… Assim começou minha história de ativismo. Fora isso, sou uma guria adolescente, faço coisas típicas de adolescentes, leio, vejo TV, frequento a escola, gosto de estudar. Com a pandemia, nossas ações acontecem no ambiente virtual. Postamos fotos e cartazes, textos para contextualizar nossa ação. No tempo do isolamento e com a superconexão, minhas ações se intensificaram principalmente para fora de Porto Alegre. Durante a pandemia eu desenvolvi com amigos ativistas um trabalho com o SOS Amazônia: arrecadamos mais de 900 mil reais (2) para os povos indígenas e projetos na Amazônia. Na Finlândia, eu desacelerei. Meu ritmo estava muito pesado, eram muitas ações no Brasil, e na Finlândia a vida exige outras posturas e outros comportamentos. Se, por um lado, a Finlândia já entendeu que as mudanças climáticas são reais, por outro lado, as pessoas daqui querem muito saber da Amazônia. Faz apenas um mês que estou aqui e, na medida em que vou me instalando melhor, também vou ampliando minha participação. Tenho apresentações marcadas para falar sobre o que está acontecendo na Amazônia.

SOBRE A CAMPANHA

No Brasil, o FFF Brasil tem um grupo geral com reuniões regulares. Vimos autoridades e lideranças da Amazônia mostrando as consequências da pandemia, especialmente nas comunidades indígenas sempre tão ameaçadas. Então o prefeito de Manaus fez um pedido de ajuda para a Greta. Nós, do FFF Brasil, apresentamos os detalhes da situação a ela e fizemos um vídeo pedindo ajuda aos líderes globais: “Por favor, ajudem as pessoas que estão protegendo uma biodiversidade imensa. É nossa responsabilidade, mas também é responsabilidade das lideranças globais assegurar proteção aos ativistas na Amazônia”. Inicialmente as lideranças não se manifestaram, mas muita gente ofereceu ajuda diretamente para nós. Decidimos fazer uma coisa nossa, jovem, e foi uma novidade porque corremos atrás de uma organização para fazer as ações, para viabilizar as entregas e tal. Fizemos contato com a FAS – Fundação Amazônia Sustentável (3), que prontamente topou, fizemos contato com a Weligth (4) de financiamento coletivo (nós somos um movimento social, não temos a formalidade jurídica). Papo vai, papo vem, a campanha aconteceu. Decidimos as comunidades que seriam beneficiadas, decidimos que as cestas básicas fossem adaptadas para as respectivas comunidades, obedecendo os hábitos alimentares e as necessidades de cada uma. Tem cara de ativismo ambiental porque ajudamos com energia solar e coisas assim, não ficando restrito a uma cesta básica. Nós ampliamos para energia e wi-fi numa tentativa de garantir às comunidades o acesso à telemedicina, contribuindo com o isolamento social e evitando que as pessoas das comunidades saiam ou que médicos cheguem às comunidades. Primeiro, porque demora muito mas também pelo risco de contaminação com covid-19. Estamos felizes por ajudar as pessoas que cuidam da biodiversidade, essas pessoas são muito importantes para o meio ambiente, para a nossa luta. A gente precisa delas. A campanha segue. Para quem quiser doar: <sosamazonia.fund>. Estou feliz com a campanha porque ela vai muito bem. Tudo que arrecadamos até agora (exceto a doação da Greta) foram doações individuais de pessoas que confiaram no Fridays for Future e quiseram ajudar. Isso é muito importante. Ver as fotos das entregas das cestas básicas é tipo: “gente… nós ajudamos, tem um pouquinho de mim nisso”. Veja: justiça climática é justiça social! Não dá para focar apenas nas mudanças climáticas, no meio ambiente, sem pensar nas áreas mais afetadas e, sobretudo, nas pessoas mais afetadas. Enfim, não se faz justiça climática sem justiça social, e penso que esta campanha também contribui com isso.

FRIDAYS: OS DESAFIOS DE SER JOVEM ATIVISTA NA ATUALIDADE

Ser jovem hoje é muito difícil. Num mundo ideal nós estaríamos nos preocupando com escola apenas, mas percebemos que nosso futuro corre risco, o mundo está acabando diante de nós e isso vai afetar a todos. Temos que lutar! O desafio é conseguir que as pessoas estejam conscientes disso, seja adultos ou jovens, que saibam que podem agir, que devem agir. O movimento ainda é um pouco elitizado; eu mesmo sou privilegiada, tenho tempo, tenho recursos para fazer pesquisa, para saber o que está acontecendo com o mundo, mas a maioria dos jovens não reúne essas condições e isso é um problema. Não podemos ser um movimento de elites. No Brasil, o pessoal está criando o Favelas pelo Clima que é muito legal, muito importante. Esses desafios estão aí. Inclusive com as pessoas que sabem o que é aquecimento global, que sabem o que está acontecendo mas não querem agir, não veem importância. Mais até que os negacionistas, essas pessoas são difíceis (acho). Ao mesmo tempo, percebo o nosso crescimento. Ainda vamos incomodar muita gente porque não vamos parar, não vamos nos silenciar. Não vejo cansaço no nosso movimento, pelo contrário, vejo a força, o vigor do movimento que vem da preocupação com tudo isso. Temos muito a fazer ainda.

NOVOS ESPAÇOS E NOVAS FORMAS DE RESISTÊNCIA

O que eu mais tenho visto é perceber a interseccionalidade das lutas. Acho que está presente um novo tipo de luta. Nós, por exemplo, vemos justiça climática articulada com justiça social e justiça social tem feminismos, tem a luta antifascista, tem a luta LGBTQI+, todas as lutas estão interligadas se queremos um mundo justo. Me parece que as lutas estão se aproximando cada vez mais, e as linhas que separam as lutas estão desaparecendo. Não dá para lutar isolado, não dá para falar de meio ambiente sem considerar as pessoas que serão afetadas porque estão em situação mais vulnerável. Não dá para falar de feminismos desconsiderando que tem mulheres ainda mais afetadas pelo machismo e pelo racismo. Eu, por exemplo, não posso dizer que seja a mulher mais afetada pela injustiça social, mas preciso lutar em favor das mulheres que são. Essa aproximação dos movimentos é muito poderosa, isso vai mexer com muita coisa, porque a gente não tem mais os protestos de meio ambiente apenas com ambientalistas. As pessoas vão para as ações e carregam as suas causas. É como se tudo estivesse compondo na luta pela vida.

Eu gostaria muito de ter espaços na política brasileira para discutir as coisas sem uma polêmica desnecessária e agressiva. Acho que a gente vai conquistar isso porque estamos aumentando nossos espaços de influência política. Estamos conquistando espaços desde a casa, com a ampliação do diálogo na família, nas escolas e outros espaços também. O mundo é nosso agora para discutir e, se tudo der certo, para salvar o que está ruim.

SOBRE A CAUSA ANIMAL

Penso que, idealmente, todo mundo possa ser vegano. Eu optei pelo vegetarianismo quando descobri que, para a indústria alimentícia, um animal deixou de ser um animal e passou a ser um objeto, um produto. Isso não é sustentável nem para o animal nem para o planeta, além do sofrimento desse ser vivo animal. Cada vez mais gente percebe essa lógica nefasta, o que tem provocado uma consciência do que estamos consumindo. O simples fato de reduzir o consumo de carne animal já é uma grande contribuição. Eu sei que não é tão acessível, eu sei que demanda tempo para planejar, para cozinhar, tempo e dinheiro, mas quem pode fazer esses cortes, e tem consciência disso pode agir. Agir é mudar a relação com o consumo de carne animal. Bá, o mundo está meio que acabando e a gente precisa fazer alguma coisa.

TUDO SE RELACIONA NO ATIVISMO AMBIENTAL

Eu quero muito ir para Amazônia, quero conhecer os lugares que ‘conheci’ nas conversas com a FAS. Eu gostaria muito de conhecer as pessoas com quem trabalhei para viabilizar a campanha e, sobretudo, as comunidades que foram atendidas. Essa campanha me fez aprender muita coisa sobre a Amazônia. Mas devo dizer que nunca fui para a Amazônia, nenhum dos meus colegas do ativismo no Sul foram para lá. Historicamente, o Sul fez muito ativismo ambiental. Me parece que a luta climática e ambiental no Sul foi mais interna, mais focada no desmatamento, questões mais pontuais, mas a gente começou a olhar para a Mata Atlântica… Acho que agora está se ligando, tem a interseccionalidade, não vemos mais separado em ‘a Amazônia’, ‘o Pantanal’, ‘o Cerrado’, vejo as partes e as relações porque uma coisa tem impacto na outra. É isso que eu tenho sentido  e por isso tenho feito meu ativismo, porque as lutas estão juntas independentemente das pessoas estarem distantes. Apesar da distância, estamos todas vinculadas nos ideais e nas lutas. O diálogo proporciona isso e, neste aspecto, as redes sociais ajudam. Mas eu adoraria tomar um banho no rio Negro. É necessário lutar do jeito que for possível, mas é claro que eu quero muito sentir esses lugares, tomar banho de rio para sentir com o corpo tudo o que já me encanta ao estudar, ao pesquisar, ao conversar com ativistas queridas que venho conhecendo.

Notas:

1 https://www.fridaysforfuturebrasil.org/

2 Exatamente R$ 926.322,24 (1733 doadores) conforme o site da campanha em 5/nov/2020.

3 https://fas-amazonas.org/

4 https://welight.co/

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