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Para frear o fascismo: dialogar com o diferente e construir comunidades comunicativas

Por Kauan Willian

Bolhas de sabão iluminadas flutuam sobre árvore

Se a gente conversasse com vizinhos, pessoas do trabalho e do ônibus saberíamos que a cultura política do país está guinando cada vez mais para a extrema-direita| Foto Steve Jurvetson via Flicker/ Creative Commons 2.0

Assim como nas eleições em 2018 houve certa surpresa por parte de nossas redes ativistas sobre o resultado e ascensão de candidatos de extrema-direita no cenário político. Essa frustração pode fazer com que pensemos que todas as nossas estratégias e táticas comunicativas estejam equivocadas e que as pautas de esquerda, feministas, dos direitos indígenas, anti-racistas, anticapacitistas e LGBTQIA+ não estejam sendo consideradas e absorvidas entre a maioria das pessoas. Mas não é bem assim, haja visto os importantes nomes representativos desses campos que foram eleitos no último mês. Além disso, pesquisas mostram que os ideários progressistas crescem entre os jovens, mulheres e mais pobres.

De qualquer maneira, é sempre bom reconsiderar nossas táticas, especialmente as de comunicação. A seguir, iremos refletir  como podemos pensar nisso nesse momento onde devemos estar unidos contra a iminência do fascismo

Saia da bolha e converse no ponto de ônibus

Parte desse estranhamento vem da falta de diálogo com pessoas com visões diferentes das nossas. Se a gente conversasse com vizinhos, pessoas do trabalho e do ônibus saberíamos que a cultura política do país está guinando cada vez mais para a extrema-direita e para o fundamentalismo cristão. E isso não é de hoje. 

As estratégias de comunicação na internet poucas vezes levam em consideração que 20% população brasileira com mais de 16 anos não tem internet. A falta de acesso online está entre os mais pobres e em áreas rurais. Além disso, a falta de instrução e discernimento sobre informações falsas, chamadas de fake news, ainda é um dos principais desafios para a resistência, já que a direita tem a desinformação como arma política.  

Estude e reconheça a caminhada

Aí está uma lição histórica dos antifascistas. Não se pode negligenciar o fascismo quando ele está pequeno porque seu crescimento é veloz. Também não bastam as ações individuais. É preciso criar estratégias coletivas, militantes, fortalecer organizações, movimentos sociais e pessoas que historicamente fazem esse trabalho. Conhecer, estudar, construir e reestruturar engajamento é fundamental.

Bora pra rua

Não se pode esquecer o trabalho presencial nas ruas, escolas, aldeias, quilombos, ocupações, praças públicas e outros espaços públicos e coletivos onde se faz necessária a conversa e mediação de pontos importantes. As redes sociais ajudam, mas não se encerram em si.

A bolha também é legal

As bolhas não são de todo mal, o problema está em nos limitarmos dentro delas. Como já dissemos, é importante sair e dialogar com o diferente. Ao mesmo tempo, como é bom estar entre os nossos, não é? O confronto de ideias progressistas e conservadoras, revolucionárias e reacionárias foi sempre uma constante na contemporaneidade e até dentro desses grupos, que se mostraram complexos e heterogêneos. A gente até pode excluir amigos e parentes com ideias retrógradas ou (proto)fascistas, mas a diferença sempre vai existir e o debate é constante.

A influência que as mídias e as redes sociais têm na vida das pessoas é real e isso nos faz pensar que a exposição e a criação de comunidades online com nossas posições são importantes. Nesse movimento é claro que não devemos cessar o diálogo, mas mais importante do que isso, o combate às informações falsas dentro desse exercício de comunicação não excludente e a criação de conteúdos didáticos, fáceis de ler, mas ao mesmo tempo referenciados ajudam demais.

As redes sociais ajudam, mas não se encerram em si. | Foto: Pexels

Apoie projetos coletivos e independentes

É necessário manter forte a disseminação de nossas redes ativistas e comunicadores de esquerda e de combate às desinformações, assim como de projetos educativos não formais, informais e formais. Dessa maneira, compartilharemos com nossa rede de amigos e famílias não só nossas opiniões e discussões não referenciadas, mas posições ancoradas nesses conteúdos didáticos e baseadas em pesquisas ou em projetos coletivas. Muitos tendem a achar que as informações mais veiculadas – normalmente as que mais estão atreladas às forças majoritárias econômicas e políticas – são as mais corretas, mas é urgente divulgar, impulsionar e discutir o que está sendo falado por movimentos, coletivos e organizações que lutam e constroem cotidianamente outra sociedade.             

 O MST, por exemplo, nas últimas duas décadas, mostrou como a importância de uma rede de comunicação de apoio, referenciada em sua prática, e em contato com redes ativistas e outras organizações militantes, fez com que sua demonização fosse diminuindo e expandisse não só seu projeto, mas ideários progressistas como da reforma agrária e da luta do campo (5). Estratégia parecida foi feita pelo movimento zapatista, em Chiapas, no México, no qual a criação de conteúdos, artes e vídeos, compartilhados por ativistas e organizações em todo mundo fez com que os governos do México tivessem mais cautela na repressão contra tal projeto revolucionário.

Construa para além do período eleitoral

Por último, “O fascismo não se discute, se destrói”, frase do anarquista e antifascista Buenaventura Durruti durante o processo da Revolução Espanhola, ainda é usual na medida em que legitmar o discurso fascista é colocá-lo dentro da normalidade da democracia, ao mesmo tempo que ele mesmo se aproveita desse fato para proferir discursos e políticas anti-democráticas. Não podemos confundir um núcleo fascista consciente de suas políticas com quem absorve pautas conservadoras potencializadas por anticomunismos e baseadas, muitas vezes, em informações falsas. Enquanto a denúncia e combate ao fascismo existe e é importante, o diálogo, a escuta e o combate à desinformação se fazem necessárias. 

 Precisamos  priorizar o coletivo, através do apoio e construção de movimentos sociais. Temos que nos lembrar que novas tecnologias não substituem velhas formas. Panfletagens em portas de fábricas, nas praças públicas, assim como nas portas de estações de trem e metrô e na divulgação e construção de mídias (rádios e jornais) alternativos e políticos, por exemplo, não são formas ultrapassadas, ao contrário, são tarefas importantes dentro desses coletivos de magnitude nacional ou mesmo internacional. Temos que estar presentes se comunicando também em nosso trabalho, nas ruas, nas aldeias, nos quilombos e nos espaços públicos. Essa construção principalmente se faz urgente antes e depois de um processo eleitoral ou de uma propaganda política representativa oficial. 

Uma política popular e transformadora deve fazer parte do nosso dia-dia-dia, criando uma fusão entre o nosso cotidiano e o compartilhamento de projetos sociais contínuos entre os nossos pares. Entre nossos pares políticos nos organizamos nos nossos projetos comuns, e diante de nossos pares enquanto oprimidos e trabalhadores ouvimos, compartilhamos e dialogamos sem perder a esperança de transformação e mudança, da qual “nós” e “eles” tanto precisamos.

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