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Salve o Ceará do Dragão Nuclear: A luta contra a mineração de urânio e fosfato em Santa Quitéria

Os movimentos sociais e as comunidades tradicionais do sertão do Ceará estão lutando há quase 20 anos contra o Projeto Santa Quitéria, que prevê a mineração de urânio e fosfato no município de Santa Quitéria.

Por Sarah Lima, do Jovens Pelo Clima Ceará

Movimentos sociais e comunidades tradicionais do sertão do Ceará estão lutando há quase 20 anos contra projeto de morte em seus lares

Manifestantes protestam em frente à mesa diretora da audiência pública que discutiu a exploração de jazida em Santa Quitéria (CE)  l Foto: Antônio Rodrigues

“Salve o Ceará do Dragão Nuclear”, dizia uma faixa pairando sob a cabeça da mesa da audiência pública. Os movimentos sociais se fizeram presentes com indignação, faixas e gritos até a alta madrugada nas audiências realizadas nos dias 7, 8 e 9 de junho em Santa Quitéria, Itatira e Canindé, promovidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Nelas, o Consórcio Santa Quitéria, formado pelas Indústrias Nucleares do Brasil e Galvani Fertilizantes, apresentou a proposta de mineração de urânio e fosfato para as populações das regiões afetadas.

As intensas manifestações refletem a preocupação sobre o que pode vir a ser uma  das maiores tragédias socioambientais do Ceará. A mina de Itataia está prevista para ser a maior mina de urânio e fosfato do Brasil. Caso estes materiais sejam explorados, poderão deixar para trás  um rastro de contaminação e doenças para  as comunidades tradicionais, além de poluir o ar, o solo e a água com radioatividade e poeira tóxica. 

Contexto

O Projeto Santa Quitéria prevê a exploração e o enriquecimento do urânio para formar uma pasta chamada de yellowcake, que será transportada pelas rodovias do Ceará até o Porto do Pecém (CE) e, de lá, até a usina nuclear de Angra III no Rio de Janeiro. Já o fosfato será usado para a fabricação de ração animal e de fertilizantes fosfatados, que serão utilizados pelo setor do agronegócio nas regiões Norte e Nordeste do país. Os rejeitos radioativos e os efluentes líquidos contaminados serão depositados em cinco lagoas, aumentando os riscos de vazamento dos rejeitos tóxicos e de contaminação do lençol freático. 

Além dos impactos socioambientais provenientes da extração de urânio e fosfato, o Projeto Santa Quitéria vai na contramão do debate de mudanças climáticas. São previstas a queima de 195 mil toneladas de coque de petróleo – resíduo proveniente do processo de refino do petróleo – para suprir a demanda energética da mineração. A queima do coque de petróleo pode elevar as emissões de gases de efeito estufa do Ceará de 2 a 3%, contribuindo com os efeitos catastróficos da crise climática previstos para o Nordeste, como secas mais frequentes, ondas de calor, escassez hídrica e insegurança alimentar. 

O  Projeto Santa Quitéria também prevê a utilização de 855 mil litros de água por hora, ou seja, serão cerca de 20 milhões de litros destinados todos os dias para um empreendimento que está localizado no sertão do Ceará, cerca de 89 carros-pipa por hora. Para efeitos de comparação, as comunidades tradicionais da região de Santa Quitéria recebem, no melhor dos cenários, 6 carros-pipa por mês.

Ilegalidades

Apesar dos graves e nítidos impactos da mineração de urânio e fosfato sobre as populações e os ecossistemas, o EIA/RIMA do Projeto Santa Quitéria apresenta um diagnóstico social e ambiental falho e insuficiente, que não aborda a dimensão da contaminação por radioatividade proveniente da exploração do urânio, apontam os movimentos sociais e comunidades. Um outro erro grave presente no documento é o apagamento da existência das mais de 160 comunidades tradicionais que existem na área de impacto direto do empreendimento — como se os territórios fossem inabitados e improdutivos. 

Uma outra ilegalidade presente é a ausência das consultas prévias, livres, informadas e de boa-fé aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais afetados, impactados ou atingidos. As consultas prévias são asseguradas pela Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo Brasil é signatário, e devem ser realizadas bem antes da ocorrência das audiências públicas. No caso de Santa Quitéria, nenhuma foi realizada e, como consequência, no dia 2 de junho, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos emitiu uma recomendação ao Ibama para que o processo de licenciamento ambiental seja suspenso.

Protesto diz que INB mente e pede a suspensão do licenciamento. l Foto: Antônio Rodrigues

Protesto

Nos três dias de audiência pública, o debate sobre a saúde das comunidades tradicionais, a contaminação do ar, do solo e da água, além da precariedade dos empregos gerados por atividades de mineração foram centrais. 

Nas apresentações do Consórcio Santa Quitéria, muitas informações foram omitidas e outras colocadas de forma desonesta e mentirosa. Em vários momentos foi dito às populações que não é possível relacionar radiação com câncer, que o lençol freático não seria contaminado e que nenhum tipo de poeira radioativa chegaria às comunidades que moram nos arredores da mina de Itataia. E reforçaram que a mineração traria riqueza e empregos às pessoas da região, apesar de gerar apenas cerca de 500 empregos durante 20 anos de vida útil da jazida.  

Durante todo o tempo das audiências públicas, os movimentos socioambientais, representados por Jovens pelo Clima Ceará, Greenpeace Fortaleza, Instituto Verdeluz, MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração e MST – Movimento Sem Terra, bem como lideranças dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e das comunidades camponesas, manifestaram-se com faixas, cartazes e gritos de “Xô, Nuclear” e “Salve o Ceará do Dragão Nuclear”. 

No espaço destinado às manifestações orais e perguntas da sociedade civil, movimentos socioambientais, comunidades tradicionais e professores universitários se inscreveram para desmentir cada informação equivocada, exigir mais transparência sobre os dados apresentados, solicitar responsabilidade do Ibama no processo de licenciamento ambiental e reivindicar um Ceará livre de mineração de urânio e fosfato.

Apesar do direito às manifestações da sociedade civil, em todos os dias foi necessário que o público reivindicasse tempo igual de fala, já que cada pessoa tinha somente 3 minutos para falar, com risco de ter o microfone cortado, enquanto o Consórcio Santa Quitéria teve mais de 4 horas somente apresentando o empreendimento, além do tempo de respostas às manifestações orais. A ordem das falas organizada pelo Ibama, que deveria ser aleatória, apresentava um certo viés em alguns momentos, como na audiência pública em Canindé, cujo primeiro bloco de manifestações foi composto apenas por políticos da região favoráveis à mineração. 

A duração das audiências públicas também afetou a participação popular, já que os trabalhadores e os povos tradicionais não tinham condições de ficar até 3 horas da manhã participando dos debates, como foi o caso da audiência pública em Santa Quitéria.

Abaixo, o relato de uma moradora do assentamento Riacho das Pedras, localizado em Santa Quitéria, seguido do comentário do presidente nacional do Ibama, Régis Fontana. As audiências públicas estão disponíveis no YouTube e podem ser assistidas na íntegra por meio do canal Consórcio Santa Quitéria.

Outro ponto abordado em todas as audiências públicas foi a situação do município de Caetité, na Bahia. Atualmente, é a única região do Brasil que tem atividade de mineração de urânio, também conduzida pelas Indústrias Nucleares do Brasil. No lugar de riqueza e geração de emprego, os resultados são mais de 10 crimes ambientais de vazamento de licor de urânio, ácido sulfúrico e óleo combustível; poços artesianos com concentrações de urânio 7 vezes maior que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde; taxas de câncer exponencialmente maiores nas populações da região; e inúmeros processos trabalhistas por acidentes e condições precárias de proteção dos trabalhadores à radiação. 

Durante as audiências públicas, um grupo de pesquisadores e professores universitários, que também compõe a Articulação Antinuclear do Ceará juntamente com os movimentos sociais e comunidades tradicionais citados, protocolou ao Ibama um parecer técnico apresentando todas as irregularidades presentes no EIA/RIMA do Projeto Santa Quitéria, além das ilegalidades citadas anteriormente decorrentes do processo de licenciamento ambiental.

Com o fim do período das audiências públicas, a expectativa é a de que o Ibama considere todos os documentos protocolados, escute a voz das populações cearenses e não licencie o Projeto Santa Quitéria. Os movimentos sociais e as comunidades tradicionais vão continuar resistindo e lutando até que o Ceará fique livre de vez do Dragão Nuclear.

Para saber mais: PAINEL ACADÊMICO SOBRE OS RISCOS DA MINERAÇÃO DE URÂNIO E FOSFATO. Análise das omissões e das insuficiências do Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) referentes ao Projeto Santa Quitéria de mineração e fosfato. 2022. Disponível em: <https://www.renatoroseno.com.br/files/5/8/3/5830124-Parecer-T%C3%A9cnico,-Painel-Acad%C3%AAmico-2022.pdf>.

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