A gente não nasce negro, a gente se torna negro.
É uma conquista dura, cruel e que se desenvolve pela vida da gente afora.
Lélia Gonzalez
O dia da Consciência Negra é marcadamente um momento para realizarmos reflexões coletivas fundamentais sobre o enfrentamento constante do racismo em todos os âmbitos sociais, sobre a luta contra a opressão, desigualdades raciais e para enaltecer e reconhecer a cultura afrobrasileira, bem como os processos de luta e resistência do movimento negro.
Compreendemos que os silêncios e apagamentos históricos são muitos e que o genocídio-etnocídio nunca parou. Nunca houve trégua para os povos pretos e afroindígenas do Brasil. Então, para que ocorra uma real transformação social, nosso ativismo necessita ser antirracista, honesto e responsável para com a vida e história de tantas/os companheiras/os de luta. Compreendemos que para a construção de um país melhor e mais junto será fundamental compreender e combater o racismo e todas as desigualdades geradas a partir dele.
Para provocar uma reflexão hoje, partilhamos a canção “Marielle – Quem matou? Quem mandou matar?” de Gessica Beda, com a produção do clipe realizadas pelo grupo Força Tururu, coletivo paulistense, contemplado pelo Edital Periferias do Recife da Escola de Ativismo.
A música traz conexões e é um manifesto de uma mulher preta e periférica sobre um dos casos de assassinato e violência policial que vitimou a vereadora Marielle Franco, um trauma para todo o grupo progressista político do país. E traz a pergunta fundamental, que segue firme e forte, sem uma tomada de decisão e resolução do judiciário brasileiro: quem mandou matar Marielle Franco?
: O Coletivo Força Tururu existe há 12 anos e atua em Recife e RMR, com formações em comunicação popular, resistindo contra a violência policial e sendo importante canal para as demandas da comunidade e de acolhimento. Viva Tururu!
E assim como ocorreu com Marielle, vidas negras tem sido sistematicamente atacadas e violadas, seja pela janela do sofrimento psíquico e violências extremamente sofisticadas e cruéis. Assim o foi com o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, que teve sua vida cruelmente retirada por seguranças brancos no Carrefour, em Porto Alegre na véspera do dia da Consciência Negra. A necropolítica em seu pleno funcionamento deixou um país perplexo, mas não surpreso. Temos Claudias, Albertos e Migueis todos os dias e isso não é normal. Isso doi e revolta. Não temos piedade de vidraças, temos solidariedade com a vida de coompanheiras/os.
Com tecnologias de resistência sofisticadas o povo preto do Brasil resiste, mas isso não pode ser suficiente. É preciso que a sociedade realmente se levante pela luta antirracista, com firmeza e compromisso com políticas públicas efetivas e isso perpassa todos os graus da luta por emancipação e justiça social. Como bem afirmou Djamila Ribeiro, em entrevista ao Roda Viva, no último dia 9:
“como meu babalorixá diz, que a felicidade é uma obrigação ancestral, que apesar de tudo é importante que a gente sonhe, Candomblé trabalha mas ele também é festa, que a gente também se permita esses momentos, que a gente entenda que nós temos direito à felicidade. Entender que nós temos direito à felicidade é um movimento fundamentalmente anticolonial porque numa sociedade que nos odeia, a gente ser feliz, é praticamente uma afronta.”
Em um dia como hoje afirmamos que todos os dias devem ser de celebração, reconhecimento e fortalecimento da luta dos povos pretos do Brasil. Hoje celebramos Géssica Beda, Força Tururu, Érika Hilton, Dani Portela, Carol Dartora, Djamila Ribeiro, Blogueiras Negras, Sueli Carneiro, em nome de tantos/as que vieram antes e virão depois, porque é fundamental ser feliz para poder nos dar suporte e 2020 vem levando os limites para outros patamares de provação. Porque o caminho para a libertação se faz todos os dias com organização, fortalecimento e reconhecimento da trajetória das/os ativistas pretas/os que nos inspiram e que lutaremos para honrar não só hoje, mas sempre.