Por Luiza Ferreira – 29/09/2023
Realizado entre 21 e 23 de setembro, em Recife (PE), o evento debateu diversidade, jornalismo de causas, cultura popular e resistência climática
Foto: Festival Fala l Divulgação
“Os movimentos sociais históricos deste país precisam parar de olhar a comunicação como instrumental, só para a divulgação das causas. Comunicação é um campo político, um campo de ação política”, disse Ana Veloso, jornalista e professora da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE).
As palavras da professora, durante o terceiro dia do Festival FALA! 2023 de Comunicação, Cultura e Jornalismo de Causas, realizado entre os dias 21 e 23 de setembro, em Recife (PE), ilustram alguns dos atravessamentos abordados nas mesas e oficinas dos três dias de evento.
No centro das discussões, a luta pela construção de uma comunicação popular, que fuja dos velhos paradigmas e que se interesse por contar novas histórias, de outras maneiras e com novas vozes da diversidade e que esteja no centro da ação política, encarando também a necessidade da comunicação ser realizada pelos povos e por seus territórios.
Quem comanda a organização do Festival é o Instituto FALA, organização que nasceu “para promover e reverberar o encontro de novas agendas, formas e linguagens de um jornalismo baseado em causas e experiências”, juntamente com os veículos Alma Preta, Ponte Jornalismo, 1 Papo Reto e Marco Zero Conteúdo.
A noite de abertura, na quinta-feira (21/09), homenageou o poeta recifense Miró da Muribeca, que faleceu no ano passado. O poeta foi escolhido por comunicar seus anseios, sentimentos, emoções e denúncias através da poesia e da performance pelas ruas do Recife.
Narrativas ancestrais para uma nova comunicação
Mãe Beth de Oxum, que participou da mesa “Comunicação e ancestralidade: memória e linguagem para a transformação”, trouxe em sua fala a indignação com a falta de representavidade do povo negro e dos povos de terreiros na comunicação feita no Brasil. Para a Yalorixá, que comanda uma rádio em sua comunidade, é preciso abrir cada vez mais espaço para os comunicadores populares liderarem a informação em seus territórios a partir de investimento governamental na democratização dos meios de comunicação.
“A gente começou a se apropriar da comunicação e a dar oficinas quando a gente entende essa importância. Essa rádio que nós temos no nosso terreiro e na nossa comunidade é um produto de uma resistência. As rádios comunitárias foram muito perseguidas, as que sobraram foram cooptadas pelas igrejas. A gente precisa de uma mídia para formar e trazer a sociedade civil para ocupar esse espaço. Cadê a rádio do povo preto, do povo indígena?”, questionou.
Géssica Amorim, fundadora do Acauã, coletivo de jornalismo de Pernambuco, reforçou a importância de se produzir um jornalismo em que “todo mundo e todo lugar importa, independente de onde veja e onde esteja”.
Comunicar o território
A discussão sobre o protagonismo dos povos e de seus territórios esteve presente em todos os no Festival FALA!. André Fidelis, do Força Tururu, coletivo de midiativismo de favela, sempre se viu incomodado com a forma que a mídia retratava as mazelas da sua comunidade, e isso serviu de mote principal para criação do coletivo, “que trabalha a comunicação popular e comunitária para ecoar vozes e enfrentamento das desigualdades sociais”. Para André, é preciso falar na linguagem das pessoas da comunidade, uma “linguagem que gere empatia, reflexão e ative nas pessoas reflexão sobre os problemas da própria comunidade”.
Foi a mesma possibilidade de comunicar o seu próprio território que Takumã Kuikuro encontrou no cinema uma forma de perpetuar a cultura dos povos indígenas. Além de cineasta, Kuikuro é idealizador do 1º Festival de Cinema e Cultura Indígena (FeCCI).
“Estamos trabalhando dentro da nossa comunidade, estamos lutando para nos tornar protagonistas das nossas próprias histórias. Valorizando nossa cultura, nossa língua, nossos costumes através do cinema. No nosso trabalho como realizadores e documentaristas, nós nos sentimos como comunicadores da floresta”, ele disse, durante a mesa “Incidências climáticas: meio ambiente e direito à vida em pauta”.
O que pode o jornalismo de causas?
Foi durante a roda de conversa “Questões identitárias ou estruturais? O que pode o jornalismo de causas”, que Ana Flor Fernandes, Cristian Góes, Raquel Kariri e Rosane Borges debateram sobre a identidade dentro do processo comunicacional e na construção do jornalismo de causas.
Para Raquel Kariri, o debate hoje posto sobre identidade no Brasil é um debate que provoca um imenso apagamento dos povos indígenas do Brasil.
“Ou eu falo para comunicar outro mundo, ou eu falo para reativar minha rede de magia e encantaria para fazer frente ao esvaziamento neoliberal ou não estamos fazendo nada. Ou reativamos a magia a partir do nosso território, ou então a gente vai passar pelas ruínas desse planeta de forma indigna. Que tenhamos a capacidade de nos unir, mas também para a anunciação de outros mundos, outras vidas de encantaria”, afirmou a ativista.
A educadora Ana Flor Fernandes trouxe a necessidade de romper com processos violentos contra toda forma de diversidade, em especial às vidas trans e travestis no Brasil, que foram construídos por algumas instituições, entre elas o próprio jornalismo, a partir da perspectiva de uma “biopolítica da transfobia”, que constitui socialmente um modo de viver e um modo de pensar que rejeita a existência da travestilidade e de corpos trans.
“Eu tenho certeza que se a gente for capaz de construir um Brasil bom para as travestis, ele vai ser um país bom para a imensa maioria das pessoas também”, finalizou a pesquisadora de gênero, sexualidade e política.
Quer ler mais? Confira a nossa cobertura do Festival Fala! no Instagram da Escola da Ativismo ou leia nossas matérias especiais sobre o encontro:
> Por uma comunicação que construa novos mundos: a identidade como estrutura e o papel do jornalismo de causas
> “A história oficial do brasil é desinformação” — indo além do trauma bolsonarista para pensar sua superação