Por Pedro Ribeiro Nogueira – 23/09/2023

 

 

Debate durante o Festival Fala! propõe a educação midiática como um olhar para a própria história e a comunicação como ação política

(Da esquerda para a direita) Ana Veloso, Catarina de Angola, Ariel Bentes e mediadora Martihene Oliveira durante a roda de conversa “Educação Midiática: caminhos para combater a desinformação e o discurso de ódio” | Foto: Pedro Ribeiro Nogueira/ Escola de Ativismo

Quando pensamos em desinformação, discurso de ódio e ascensão da extrema-direita, é inevitável que voltemos os nossos olhares para o que foi o processo do governo Bolsonaro, sua chegada ao poder e quais tentáculos permaneceram fincados no debate público e na política brasileira. Afinal, foi um período traumático, no qual a desinformação efetivamente contribuiu para uma política genocida que causou mortes em massa durante a pandemia do Covid e ataques aos biomas, povos tradicionais e populações periféricas.

Porém, para superar e ultrapassar esse estado de coisas, é necessário olhar mais longe e examinar as raízes, imaginar e inventar estratégias de formação crítica, educação de mídia e combate à desinformação.

“A gente fala da importância das pessoas checarem as informações, mas a gente só vai conseguir isso quando as pessoas conhecerem a própria história. Somos um país estruturalmente desigual e a desinformação está a serviço dessa estrutura” apontou Catarina de Angola,  jornalista pernambucana, fundadora da Angola Comunicação, durante o 4º FALA! Festival de Comunicação, Cultura e Jornalismo de Causas, que aconteceu entre os dias 21 e 23 de agosto em Recife (PE).

A fala de Catarina expandiu a noção de desinformação. Segundo a comunicadora, a história oficial do Brasil é desinformação. E a mídia, assim como a academia, sempre esteve a serviço de uma história que desumaniza existências não-brancas e transgêneras. “A educação midiática é antes de tudo a capacidade de a gente refletir criticamente sobre nossa história”, pontuou.  “A gente falava de polarização política, mas é uma disputa desigual de narrativas. E a gente disputa esse campo por existir,  por nosso corpo circular nos espaços”.

 

Comunicação enquanto ação política

 

A noção defendida pela jornalista da história brasileira como desinformação e da comunicação como elemento estruturante da mobilização popular, esteve em íntimo diálogo com a fala de Ana Veloso, professora da UFPE e coordenadora da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadoras com Visão de Gênero e Raça. 

Ela ressaltou que a mídia tradicional tentou se credibilizar durante a pandemia fazendo o que deveria ser seu dever: combater o negacionismo, a desordem informativa e o autoritarismo. “Mas, ao fazer isso, eles se colocaram como ‘o jornalismo profissional’, descredibilizando o jornalismo independente da mídia disruptiva. Parecia que a velha mídia patrocinada pelo agro e capital nunca tinha praticado desinformação”. 

De acordo com a pesquisadora, é preciso que a sociedade civil “ocupe espaços e vá pra cima” do governo federal para discutir política pública de comunicação, regulamentação democrática da mídia e das plataformas digitais. “Os movimentos sociais históricos desse país precisam parar de olhar a comunicação como instrumental, só para a divulgação das causas. Comunicação é um campo político: um campo de ação política!”, disse.

E provocou: “A gente devia ser ousada. Por que não discutir uma educação para tomar a mídia? Para construir nossas próprias plataformas? Temos que bater na porta, mas se não abrir a gente tem que arrombar e criar nossas mídias para fazer plataformização da vida contra as plataformas e os algoritmos do racismo e da morte. O povo sabe, o povo entende, não são vítimas nos territórios, são protagonistas de suas histórias e precisam se reconhecer numa mídia que reafirme isso”, concluiu.

 

Recortes

 

Mas como será uma mídia e uma educação midiática que esteja ao lado da vida, contrariando a necropolítica em cada passo? Ao contar sobre a Abaré – Escola de Jornalismo, um coletivo de educação midiática de Manaus, a co-fundadora Ariel Bentes trouxe apontamentos importantes. Segundo ela, a Abaré surge, durante a pandemia, da necessidade de um recorte das Amazônias – no plural, pois são muitas – que destoe de um jornalismo e de uma comunicação “feitas por brancos e sudestinos”.

Ela lembra que a Abaré foi criada enquanto Manaus atravessava uma crise brutal por conta da Covid 19 e da negligência do governo federal, que deixou que pessoas morressem sem oxigênio. Bentes reclama que tanto o jornalismo hegemônico, como o independente, ajudaram a reforçar a noção de uma “cepa amazônica” do Covid. “Estávamos, então, sendo duplamente massacradas”, lamentou.

Para contrabalancear isso, a Abaré se focou em produzir textos e fazer campanhas que combatiam esse preconceito e desinformação. Nos últimos tempos, o coletivo tem realizado oficinas em diversas escolas pelo Estado do Amazonas, para formar jovens que possam multiplicar leituras críticas de mídia.

“Nossa ideia é que os jovens conversem com a tia, com o avô, com os pais e ajudem a espalhar essa educação midiática. As pessoas geralmente acreditam em desinformação porque um parente enviou, tem essa relação emocional”, disse.

E não pararam por aí: durante as eleições de 2022, foram ao bairro da Compensa, em Manaus, para conversar com a população e panfletar sobre desinformação. “É o bairro mais estigmatizado pela mídia e quisemos ir lá para fazer o corpo-a-corpo. E muito da educação midiática demanda isso: de ir pra rua, de encontrar as pessoas, de colar lambe, de panfletar”, concluiu.

Quer ler mais? Confira a nossa cobertura do Festival Fala! no Instagram da Escola da Ativismo ou leia nossas matérias especiais sobre o encontro: 

> Por uma comunicação que construa novos mundos: a identidade como estrutura e o papel do jornalismo de causas
> Festival Fala! alia cultura, ancestralidade e comunicação como ação política

 

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