Plataformas online permitem aumento do alcance dos abaixo-assinados e ampla divulgação de uma causa, mas é fundamental conhecer algumas técnicas para utilizar a ferramenta de forma convincente e cativar o público
Por Marilia Parente
Em outubro de 1993, a novelista Glória Perez fez história ao entregar ao Congresso Nacional um abaixo-assinado com 1,3 milhão de assinaturas pela mudança da lei de crimes hediondos no país. A petição- que resultou na primeira emenda popular do Brasil- foi motivada pelo homicídio brutal da filha da autora, Daniela Perez, assassinada pelo colega de trabalho Guilherme de Pádua e por sua esposa, Paula Thomaz. Após comover o Brasil, a mobilização foi acolhida pelo legislativo, que resolveu incluir crimes de homicídio qualificado na relação dos crimes considerados hediondos. Quase trinta anos depois, novas plataformas digitais representaram a popularização definitiva das petições como ferramentas de transformação social. Através delas, mesmo pessoas anônimas podem alcançar boa visibilidade para uma causa. Nesse sentido, é fundamental conhecer algumas técnicas que podem ajudar a cativar e engajar o público.
De acordo com Débora Pinho, gerente de campanhas da Change.org, uma das maiores plataformas digitais voltadas para petições no mundo, a elaboração de um abaixo-assinado convincente está relacionada à clareza e objetividade com que a demanda é apresentada ao público. “Conte sua história de modo conciso, em um texto que não seja muito longo e exemplifique o que pode acontecer caso o pedido não se concretize. Também é importante deixar muito claro quem é a pessoa responsável pelo problema e que a petição seja factível, evitando pedidos muito amplos”, explica.
A Change também produz conteúdos didáticos e oferece assistência aos peticionários que escolhem a plataforma como canal de ação. “Fazemos inclusive esse meio de campo entre a pessoa que demanda e as autoridades. Mesmo assim, vale acionar tanto suas redes de contato como manter contato com quem assinou, através de atualizações ou, por exemplo, chamando essas pessoas para marcar o tomador de decisão em algum post”, acrescenta Pinho.
Os usuários da plataforma também podem atuar como financiadores das causas, através de doações em dinheiro. “A Change é uma organização não-governamental e sem fins lucrativos. Também não recebemos dinheiro de governos ou empresas. As doações, feitas por pessoas físicas, são investidas em impulsionamento da petição e na própria plataforma, para que a gente continue funcionando sem rabo preso e que nossa equipe continue dando suporte gratuito para as pessoas que nos procuram”, frisa a gerente de campanhas.
No Brasil, a plataforma é um sucesso. Segundo o Relatório de Impacto produzido pela Change em 2021, a base da organização no país é sua segunda maior no mundo, com 39 milhões de usuários. No ano passado, foram 14,9 mil abaixo-assinados criados, apoiados por um total de 33 milhões de pessoas. “A gente tem na Change mais de mil petições vitoriosas, mas nem sempre a vitória significa que ela funcionou. É preciso gerar visibilidade para sua causa, chamar atenção da imprensa e de celebridades e influenciadores se possível, além de fazer a entrega das assinaturas para algum tomador de decisão. Isso já gera um impacto para sua campanha”, completa Pinho.
Porta de entrada no ativismo
Embora conte com termos de uso bem definidos para seus usuários, algumas plataformas globais como a Change não contam com filtro ideológico que exclua de sua base abaixo-assinados que não estejam comprometidos com uma abordagem progressista. Foi diante dessa lacuna que a organização Nossas desenvolveu o Bonde, sua própria plataforma de petições, em que uma análise prévia do conteúdo de cada abaixo-assinado é realizada, com o objetivo de garantir seu alinhamento às pautas progressistas. “Quando a gente cria uma petição em uma plataforma terceirizada, não tem garantia do melhor uso de dados desses ativistas que se mobilizam nas campanhas. Existem plataformas de petição que vendem os dados de quem se mobiliza nelas”, alerta Daniela Orofino, diretora de projetos no Nossas, que lidera o projeto Amazônia de Pé, uma das muitas iniciativas da organização. .
Para Orofino, há ainda uma certa banalização da ferramenta de petições online. “Existe um milhão de campanhas, mas a gente não sabe se elas necessariamente deram em uma campanha ou chegaram ao tomador de decisão. Para o Nossas, a petição nunca termina nela mesma, é fundamental que ela chegue aos tomadores de decisão”, frisa. A diretora de projetos também ressalta que os abaixo-assinados costumam ser uma excelente porta de entrada para transformar pessoas interessadas em um tema em ativistas de uma causa. “Se uma pessoa demorou três minutos para assinar uma petição, a gente sabe que ela está interessada em um tema, então tentamos promover seu reengajamento. Ela é convidada, por exemplo, a comentar no Instagram do tomador de decisão, ligar para ele ou até a ir à prefeitura para fazer pressão direta”, acrescenta.
O Bonde, contudo, não pode ser utilizado por qualquer pessoa que deseje elaborar uma petição. “É aberto para que organizações criem suas campanhas. No momento, a gente tá fazendo uma migração de tecnologia para passar a usar a Action Network, que é uma plataforma internacional do campo progressista para campanhas. A gente vai fazer isso por entender que tecnologia tem um custo muito alto e conseguir fazer parte dessa comunidade global ajuda a diluir esses custos de manutenção”, explica Orofino.
Fundada há dez anos, a Nossas é responsável por projetos como o Meu Rio, a Minha Sampa e o Meu Recife, sendo financiada por organizações brasileiras e estrangeiras, bem como por doações de pessoas físicas que contribuem mensalmente com seus projetos. “O Nossas tem várias campanhas bem sucedidas em que a petição foi uma primeira forma de engajamento. A campanha da Restinga e Mangue teve quase 200 mil assinaturas e a gente fez outras formas de pressão para além da petição, inclusive com uma manifestação em frente ao Supremo Tribunal Federal em 2020”, ressalta Orofino.
Cultura de participação
Uma das organizações que aderiu ao Bonde como plataforma de mobilização foi o Instituto Marielle Franco, que conseguiu mobilizar ativistas de todo o país em sua petição contra a federalização da investigação policial acerca da morte da vereadora carioca e de seu motorista, Anderson Gomes, assassinados a tiros no dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. De acordo com o gestor de sustentabilidade e cuidados coletivos do Instituto, Rafael Rezende, o abaixo-assinado foi organizado no início de 2020, quando surgiram denúncias de interferências no caso, inclusive de uma tentativa do governo do presidente Jair Bolsonaro de federalizar as investigações. “Naquele momento, era um risco que o caso estivesse com autoridades federais e isso seria decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. A gente fez uma petição junto com as organizações que compõem o Comitê de Justiça por Marielle e Anderson e iniciamos essa petição. Foram mais de 150 mil assinaturas”, frisa Rezende.
Na ocasião, os peticionários imprimiram as assinaturas, que foram encaminhadas para o STJ. Após uma série de comunicações com o órgão, a campanha foi vitoriosa. “A gente sempre cuida para que as petições tenham um objetivo concreto muito bem definido, um alvo, além de um texto simples e popular, que vá direto ao ponto e explique o porquê de esse tema ser urgente”, afirma Rezende.
Segundo o gestor, que atua desde 2011 com comunicação e mobilização para causas, o Instituto também procura trabalhar, em seus abaixo-assinados, no desenvolvimento de uma identidade visual que ajude a comunicar conteúdos para as redes, bem como estratégias de divulgação na imprensa. “As petições são uma das estratégias que a gente usa para promover mudanças de políticas públicas, pressionar autoridades e construir uma cultura de participação da sociedade, principalmente das populações historicamente afastadas dos espaços de decisão”, conclui.
Dicas: criando uma petição convincente
1. Pense em um título simples e direto
Tente cativar a atenção do público com um título claro e objetivo. Ele costuma convencer ou não o público a ler a petição;
2. Faça um pedido concreto
Antes de tudo, é importante ter em mente como o problema apresentado por seu abaixo-assinado pode ser resolvido e que autoridades são capazes de solucioná-lo. Vale contar um pouco de sua história pessoal no texto, mas foque em explicar sua demanda com linguagem simples e direta, evitando textos muito longos e vocabulário complexo ou jurídico.
A Change recomenda que sua história seja contada em aproximadamente quatro parágrafos, contando com uma introdução forte explicando quem você é, quem pode resolver seu problema e quem é o tomador de decisão. Em outro parágrafo, explique sua ligação com o problema que deseja resolver. Nos dois últimos, você pode apresentar os riscos e consequências de a causa não ser acolhida pela sociedade. Quando maiores os riscos, maiores as chances de a campanha receber atenção da sociedade e da imprensa;
3. Escolha um alvo
De acordo com a Avaaz, o alvo é a pessoa que você está pedindo para agir publicamente e diretamente, portanto escolhê-lo bem é crucial para que sua petição seja notada. A plataforma recomenda que seu alvo seja alguém capaz de realmente tomar uma decisão sobre o assunto abordado. É importante que o alvo seja um indivíduo e não um grupo, o prefeito e não “a cidade”, o CEO e não a empresa.
“Eles têm emoções, objetivos profissionais, amigos, família e todas as coisas que outras pessoas têm. Considere como que essas coisas podem influenciá-los na decisão sobre seu assunto e o que isso significa para ele”, orienta a Avaaz.
4. Opte por uma boa imagem
Uma boa imagem é essencial para engajar o público e tornar a petição mais compartilhável nas redes sociais. Pode compensar utilizar a imagem de seu alvo ou algum registro que demonstre a amplitude do problema, como fotos de uma grande área devastada. Segundo a Avaaz, fotos muito violentas, a exemplo das que mostram pessoas feridas ou animais mortos, podem fazer com que as pessoas saiam da página;
5. Abuse das redes sociais
O poder da sua petição aumenta à medida que mais pessoas têm acesso à ela. Assim, é fundamental usar plataformas como o Instagram, o Facebook, Twitter, Tik-Tok, Youtube e Whatsapp. Pense seu conteúdo de divulgação de acordo com a rede social a ser trabalhada, investindo em vídeos explicativos e boas imagens;
6. Busque imprensa e apoiadores
Tente estabelecer contato com a imprensa, buscando mostrar aos jornalistas a relevância da sua demanda. A circulação nos meios de comunicação é capaz de aumentar o interesse público e a pressão de uma campanha. Também é importante cativar personalidades, influenciadores ou pessoas públicas que se sensibilizem com a mobilização e decidam apoiá-la.