Por Danilo Mekari

Até o momento, mais de 8 mil russos foram detidos em atos contrários ao conflito. Conheça destaques históricos e personagens do movimento antiguerra

Manifestantes contra a Guerra do Vietnã no campus da Universidade de Michigan, em 1969 l Foto: The Detroit News Collection

Na primeira semana após a invasão do território ucraniano, autorizada pelo presidente Vladimir Putin na quinta-feira (24/02), o movimento contrário à guerra ganhou força na Rússia. 

Até o dia primeiro de março, cinco dias após o início das hostilidades, uma petição online criada pelo ativista de direitos humanos Lev Ponomarev e intitulada “Não à guerra” já havia colhido mais de um milhão de assinaturas. Também houve manifestações de grupos de professores da rede estatal russa, que publicou uma carta aberta a Putin, e de cientistas, que fizeram um manifesto antiguerra. Na imprensa, uma repórter do diário Kommersant perdeu a credencial para cobrir o Ministério das Relações Exteriores após organizar uma carta contra a guerra, assinada por cerca de cem jornalistas. Já o periódico The Insider reuniu opiniões de músicos, esportistas, cineastas e escritores que chamam a guerra de “loucura”.

Reforçando o sentimento antiguerra, o jornal Nova Gazeta, dirigido por um dos vencedores do Prêmio Nobel da Paz de 2021, Dmitri Mutarov, rodou uma edição especial bilíngue (em russo e ucraniano) e foi umas das principais vozes que incentivou a população a protestar contra a guerra. Em vídeo censurado pelo Ministério Público do país, Muratov afirma que “apenas um movimento de russos contra a guerra pode salvar a vida neste planeta”.

Toda essa mobilização virtual foi refletida nas ruas russas, em ações diretas que desafiaram a linha-dura do Kremlin. No início da pandemia de Covid-19, foi determinado que qualquer ato contrário ao governo deve ser reprimido. 

No primeiro dia da invasão, russos se manifestaram na capital, Moscou, e em mais de 50 cidades. Até o momento, 8.122 pessoas foram detidas nesses atos, de acordo com a OVD-Info, organização de direitos humanos que monitora a violência policial na Rússia. Uma delas é a ativista de direitos humanos Marina Litvinovich, detida ao sair de seu apartamento pouco após convocar os russos a protestar contra a guerra.

Manifestações contrárias à guerra foram registradas dentro e fora da Rússia, como na Sibéria, em Bishkek (capital do Quirguistão) e em outras diversas cidades do mundo.

Mais de 1000 russos protestam contra a guerra. l Foto: @Nat_Vasilyeva via Twitter

Mães russas se unem contra a guerra

Para além da resistência ao conflito atual, a Rússia já foi palco de importantes ativismos antiguerra. Um dos mais relevantes é o Comitê de Mães de Soldados da Rússia (CSMR), criado em 1989 com o objetivo inicial de mudar a lei de recrutamento das forças armadas do país. Desde então, o movimento expõe violações de direitos humanos que ocorrem dentro do exército e presta assistência jurídica e material às famílias de militares mortos. 

Seu ápice antiguerra foi quando protestou ativamente contra a primeira Guerra Chechena (1994-1996), organizando em março de 1995 uma marcha de Moscou à Grozny (capital da Chechênia) que denunciou as atrocidades geradas pelo conflito e buscou o apoio das mães chechenas que também se opunham à guerra. No mesmo ano, o Comitê recebeu o Prêmio da Paz Sean MacBride, laureado pelo International Peace Bureau, e foi indicado ao Nobel da Paz.

Mães de soldados russos em marcha até a Chechênia. l Foto: Divulgação/Right Livelihood Award

Rosa Luxemburgo: profundamente antimilitarista

Uma ideia que permeia os movimentos antiguerra é a de que os soldados enviados ao front são em sua maioria jovens provenientes da classe trabalhadora, justamente a que sofre o maior impacto negativo dos conflitos. Quem seguia esse raciocínio era ninguém menos do que Rosa Luxemburgo, revolucionária polonesa de profundas convicções antimilitaristas. Para ela, caso houvesse um conflito bélico entre potências capitalistas, os trabalhadores deveriam se negar a combater e, sim, convocar uma greve geral. 

Às vésperas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Partido Social Democrata (SPD) da Alemanha, do qual fazia parte, optou por apoiar o conflito. Então, Luxemburgo ajudou a fundar a Liga Espartaquista, organização socialista que exerceu forte oposição durante a guerra, convocando manifestações e espalhando conceitos antiguerra através de panfletos.

Fiel aos seus ideais, Rosa Luxemburgo defendeu o boicote à guerra e a greve geral durante um comício em Frankfurt. Por conta de seu ativismo, foi presa em junho de 1916, onde ficou até o fim do conflito, em novembro de 1918. Já libertada veria a ascensão da República de Weimar, que contou com a ajuda de grupos paramilitares na repressão ao que consideravam a “esquerda radical”. Nesse contexto, Luxemburgo foi brutalmente assassinada no início de 1919.

Rosa Luxemburgo discursa em comício l Foto: Divulgação/Fundação Rosa Luxemburgo

História semelhante é a de Jean Jaurès, político socialista francês que tentou evitar a Primeira Guerra por vias diplomáticas, buscando costurar um entendimento entre os então rivais França e Alemanha. Comprometido com o antimilitarismo, o socialista também incentivou a greve geral da classe trabalhadora, caso o conflito estourasse. Jaurès, porém, não viveu para ver: foi assassinado em julho de 1914, logo antes da guerra eclodir, por um nacionalista francês favorável ao combate.

Presente hoje em 52 países, a Liga Internacional de Mulheres pela Paz e Liberdade (WILPF) surgiu em plena Primeira Guerra, quando mais de mil sufragistas de doze países se encontraram na Holanda, em abril de 1915. O congresso decidiu pela criação da entidade, com a intenção de desenvolver estratégias de mediação para, à época, acabar com a guerra e, visando o futuro, erradicar as causas das guerras. Não à toa, em 1919 representantes da WILPF denunciaram que o Tratado de Versalhes, acordo de paz pós-Primeira Guerra, criava condições para guerras futuras.

Mulheres unidas no primeiro congresso da WILPF, em 1915. Foto l Divulgação/WILPF

“Proteste e Sobreviva”

O fim dos incontáveis horrores da Segunda Guerra Mundial ficaram marcados pelo uso das bombas nucleares em Hiroshima e Nagazaki, em 1945. O rastro de mortes e destruição no território japônes foi o impulso para a criação do movimento antinuclear. Afinal, a potência destrutiva da bomba atômica era até então inédita, e o uso de armamento nuclear em futuros conflitos gerava dúvidas como: será que se aproxima o fim do mundo?

Ações históricas pelo desarmamento nuclear foram realizadas em solo europeu e estadunidense nos anos 1950 e 1960. Em Londres, a Campanha pelo Desarmamento Nuclear (CND) organizou as Marchas de Aldermaston, que reuniram milhares de pessoas em protesto pelo fim dos testes atômicos. No auge da Guerra Fria, em 1961, ano em que foi erguido o Muro de Berlim, um enorme grupo de mulheres ativistas pela paz reuniu cerca de 50 mil pessoas em 60 cidades dos Estados Unidos para aumentar a pressão contra a corrida armamentista nuclear. É considerado o maior protesto de mulheres pela paz no século 20.

Nomes importantes como o historiador Edward Palmer Thompson, o matemático Bertrand Russell e o físico Albert Einstein também se posicionaram publicamente contra as armas nucleares. Enquanto o historiador foi um importante ativista antinuclear nos anos 1980, tendo publicado o panfleto de paródia “Protest and Survive”, em resposta aos conselhos do governo britânico sobre como sobreviver a um ataque nuclear (chamado “Protect and Survive”), o matemático e o cientista assinaram o influente Manifesto Russell-Einstein, publicado em 1955.

 Manifestantes antinucleares marcham no Reino Unido. l Foto: Divulgação/Campaing for Nuclear Disarmament

“Vietnã para os vietnamitas”

Assim que uma guerra eclode (ou está prestes a eclodir), é natural que surja um movimento local de resistência – e, a depender da importância geopolítica do conflito, pode tomar outras proporções, como no caso da Guerra do Vietnã (1955-1975). 

A partir de 1966, quando a participação estadunidense no front se intensificou, uma série de manifestações estudantis contra a guerra tomaram as ruas das grandes cidades do país. Milhares de jovens se recusaram a servir o exército e serem enviados aos campos de batalha, defendendo um “Vietnã para os vietnamitas” e iniciando uma série de ações que se espalharam pelo globo e deixaram um profundo legado à contracultura, movimento libertário e antiautoritário que, através de uma ruptura política e comportamental, dava espaço para novas visões de mundo e tinha no pacifismo um de seus pilares.

Até mesmo veteranos de guerra se organizaram para protestar contra o conflito no sudeste asiático. Além da iminente retirada das tropas estadunidenses no Vietnã, o movimento antiguerra derrubou a obrigatoriedade do serviço militar nos EUA e, tendo a juventude como a sua principal força-motora, influenciou a aprovação de uma emenda à Constituição que baixou o direito ao voto de 21 para 18 anos, em 1971.

Primeira mulher eleita para o Congresso estadunidense, em 1916, Jeannette Rankin já havia votado contra a entrada do país na Segunda Guerra Mundial e reforçou a campanha contrária à Guerra do Vietnã. Ela liderou uma marcha ao Capitólio que reuniu cinco mil mulheres, em janeiro de 1968. As protestantes vestiam preto e caminhavam em silêncio, e Rankin carregava uma placa com os dizeres “Acabe com a guerra no Vietnã e com a crise social em casa!”

Marcha ao Capitólio liderada por Jeannete Rankin. l Foto: Roz Payne Sixties Archive

Martin Luther King condenou a discriminação racial em solo americano enquanto jovens negras eram enviados para morrer no Vietnã l Foto: Wikimedia Commons

O dia que o mundo disse não à guerra

Em fevereiro de 2003, um grande protesto global foi capaz de reunir entre seis e 10 milhões de pessoas em cerca de 600 cidades de todo o mundo. O motivo para o protesto massivo e pacífico foi a alta rejeição à mais uma guerra perpetrada pelos estadunidenses no Iraque.

Uma pesquisa da Universidade de Minnesota aponta que, somadas, as manifestações de 15 de fevereiro de 2003 foram o maior evento de protesto da história da humanidade. Um retrato do dia histórico está disponível no documentário We are many (Nós somos muitos), lançado em 2014 pelo diretor iraniano Amir Amirani.

Rodeada por crianças coreanas, Elisa Branco recebe o Prêmio Lênin da Paz. l Foto: Biblioteca de Fotos Online do Comunismo Romeno

Elisa Branco: uma costureira brasileira contra a Guerra da Coreia

São raros os registros de movimentos antiguerra estritamente brasileiros. Não passa em branco, no entanto, a história de resistência de uma militante comunista nascida em Barretos, no interior de São Paulo.

Filiada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e integrante da Campanha pela Paz Mundial, a costureira Elisa Branco mudou-se para a capital paulista em 1948, quando passou a colher assinaturas a favor da paz na Praça do Patriarca. No feriado de 7 de setembro de 1950, durante o desfile da Independência que ocorria no Vale do Anhangabaú, Branco e seus colegas de partido realizaram uma ação contra o apoio do Brasil aos EUA na Guerra da Coreia (1950-1953), que separou o país em duas porções (Norte e Sul). Uma faixa dizia que “Os soldados, nossos filhos, não irão para a Coreia”. 

Por conta de suas ações, consideradas subversivas, passou um ano e oito meses detida no Presídio Tiradentes, fato que não a impediu de assinar uma carta intitulada “Não criamos nossos filhos para a guerra”. Por todo o seu ativismo antiguerra e a favor da paz, foi agraciada com o Prêmio Lênin da Paz em 1952.

uernica em exposição no Museu Reina Sofía. l Foto: Pedro Belleza

Faça arte, não guerra

Mais do que um movimento, o sentimento antiguerra possui diversas representações nas artes. Uma das obras mais cultuadas de todos os tempos, a pintura Guernica (1937), de Pablo Picasso, retrata com abstração um vilarejo dizimado após o ataque do exército fascista de Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). No mesmo contexto, outro artista bastante conhecido, Salvador Dalí, realizou o que considera uma premonição do conflito em Construção Macia com Feijão Cozido (1936).

Considerado um clássico antiguerra, o romance Matadouro Cinco (1969), do escritor estadunidense Kurt Vonnegut, constrói seu enredo a partir do bombardeio que destruiu a cidade alemã de Dresden (1945), fato que Vonnegut testemunhou quando era um prisioneiro de guerra. Outro livro muito citado quando o assunto é antiguerra é Nada de Novo no Front (1929), do alemão Erich Maria Remarque, veterano da Primeira Guerra Mundial que descreve o desgaste físico e mental que os soldados alemães enfrentaram naquele período. Exemplares da obra foram queimados pela Alemanha Nazista nos anos 1930.

O livro foi adaptado ao cinema pelo diretor Lewis Milestone e ganhou o Oscar de melhor filme em 1930. O ator e diretor Charles Chaplin também é creditado por significativas paródias de guerra, como em O Grande Ditador (1940) e Ombros, Armas! (1918). Já na música, John Lennon é sempre lembrado por ter composto aquele que muitas vezes é considerado o hino da paz, Imagine (1971), além de sucessos como Give Peace a Chance (1969) e Merry Xmas (War is Over) (1971). Também deixamos aqui a recomendação do documentário “No Vietnamese Ever Called Me a Nigger [Nenhum Vietnamita Nunca Me Chamou de Toró, na tradução de Heitor Augusto], um documentário de 1968 que retrata um protesto do movimento negro dos EUA contra a Guerra do Vietnã.

*Danilo Mekari é jornalista.

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