Durante os últimos 10 anos, a repressão aos protestos continua sendo um problema para o exercício da liberdade de expressão, mas aqui nos parece importante apontar também a proliferação de projetos de lei que visam restringir o direito de protesto, trazendo sérios riscos às lutas sociais. Dentre muitos, merecem destaque aqueles que buscaram atualizar a Lei 13.260/2016, a Lei Antiterrorismo – sancionada no contexto das grandes manifestações sociais que ocorreram em junho de 2013, mas que seguiram durante a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. A tendência geral das propostas é de recrudescimento e expansão penal, ampliando o espaço para a arbitrariedade e a criminalização de manifestações políticas e da atuação dos movimentos sociais.
Dois exemplos desse fenômeno são os Projetos de Lei 272/2016, proposto pelo então senador Lasier Martins (Podemos-RS) e o Projeto de Lei 1595/2019 de autoria do então deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO). O primeiro foi uma tentativa de enquadrar no tipo penal de terrorismo atos já previstos nos tipos penais de dano (2), perigo comum (3) e incêndio (4), quando cometidos por “motivação política ou ideológica” ou com o objetivo de coagir autoridade pública a fazer ou deixar de fazer algo. A modificação ampliaria o escopo da lei de maneira tal que, se comprovada a motivação política, ela poderia incidir igualmente sobre o ato de incendiar e implodir um edifício habitado através da colisão dolosa de uma aeronave tripulada contra ele (como o trágico exemplo do atentado contra as Torres Gêmeas, nos Estados Unidos em 2001), e sobre o ato de incendiar uma lixeira numa manifestação popular.
Outro ponto crítico é a tipificação da “apologia ao terrorismo”, onde também se constata a desnecessidade frente ao já existente tipo penal de apologia de fato criminoso (5), o potencial para a aplicação arbitrária e a desproporcionalidade das penas cominadas. As proposições amplas e pouco precisas do projeto poderiam, potencialmente, resultar na arbitrária violação de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de reunião. Pode-se questionar, por exemplo, em que exatamente consiste a “apologia ao terrorismo”, uma vez que o próprio conceito de terrorismo tipificado é demasiado amplo (6). A medida e a definição da linha entre apologia, neste caso, e a manifestação legítima de opiniões é tênue e só poderá ser verdadeiramente delimitada por ocasião da aplicação da norma (7).
Já o projeto do ex-deputado Major Vitor Hugo é uma evidente afronta ao princípio da taxatividade da lei penal (8), pois busca ampliar indefinidamente o rol de atos terroristas ao estabelecer que as disposições da lei podem ser aplicadas para reprimir qualquer ato que “seja perigoso para a vida humana ou potencialmente destrutivo em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave” ou que “aparente ter a intenção de intimidar ou coagir a população civil ou de afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidação, coerção, destruição em massa, assassinatos, sequestros ou qualquer outra forma de violência”. Além de empregar expressões vagas e indeterminadas e criminalizar atos preparatórios, a lei estabelece que ações contraterroristas sejam enquadradas dentro das hipóteses de excludentes de ilicitude, oferecendo amparo legal, portanto, para quaisquer atos ilícitos que venham a ser cometidos durante as ações de repressão. A amplitude da definição do ato terrorista e, consequentemente, de ação contraterrorismo, é tão grande que abre margem para interferência policial indiscriminada em todos os atos da vida civil. Ainda, o projeto propõe através da criação do Sistema Nacional Contraterrorista e da Política Nacional Contraterrorista, ambos submetidos ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a criação de uma polícia política e secreta, que poderia coordenar o emprego das forças militares e policiais, mobilizar qualquer servidor público e cidadão e coordenar unidades de inteligência para apoiar intervenções e fornecer informações para atuação secreta das forças policiais e militares em caso de estado de defesa ou de sítio. A polícia política subordinada ao Presidente daria a ele o amplo acesso a informações privilegiadas e dados privados de toda a população, representando uma superestrutura de vigilância e infiltração nas organizações sociais e políticas (9).
Projetos orientados nesse sentido, a truculência das forças de segurança, as tentativas de silenciamento pelo judiciário e legislativo e mesmo as violências empregadas por agentes privados são amostras dos grandes desafios que enfrentamos e continuaremos enfrentando nos “próximos junhos” – estes sempre bem-vindos. Portanto, nós, organizações da sociedade civil que lutam pela liberdade de expressão, pelo direito de protesto e, sobretudo, pela justiça social, estamos cada vez mais unidas para denunciar e combater as injustiças dentro do que nos cabe.