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Listamos 10 filmes que unem ativismo e cinema

A pesquisadora Mari Dertoni selecionou dez filmes sobre ativismo que aprofundam temáticas sociais através de imagens sensíveis e radicais

Por Mari Dertoni – 04/01/2024

 

 

A pesquisadora Mari Dertoni selecionou dez filmes sobre ativismo que aprofundam temáticas sociais através de imagens sensíveis e radicais

O Cinema é uma arte que muitas vezes esteve ligada à causas sociais e militâncias, aproximando as preocupações de um determinado local ou sociedade, de seu povo, usando da imagem e do som. É através de filmes que muitas vezes acabamos conscientizados de fatos e nos atentamos para questões que passariam despercebidas. A grande mídia: a televisão, o rádio e a internet, tendem a mostrar a superfície de certos assuntos, mas existe um tipo de Cinema que está preocupado em aprofundar questões sociais com recortes mais específicos e relevantes.

Nessa lista trago uma seleção de filmes que, em sua maioria, passa longe do interesse comercial, debruçando seu foco em contar uma história genuína, destacar um ponto de vista ativista, que nos fará questionar a ordem das coisas, ou refletir sobre situações que estão distanciadas de nossos olhos, seja pelo contexto histórico ou geográfico.

No Brasil temos nomes como Jorge Bodanzky, que percorreu a Amazônia, filmando as dificuldades da região, sendo inclusive censurado na década de 70. No mundo, temos lutas das mais diversas perspectivas representadas; como a dos Panteras Negras nos Estados Unidos, os percalços da militância transsexual e a importância de se discutir as questões de gênero hoje na França, entre outros assuntos. Acompanhe as sugestões de filmes e documentários a seguir:

 

 

O Território | 2022 | dir. Alex Pritz (Brasil/Canadá /Dinamarca) 

“Não vai ter mais nenhum quilômetro demarcado para comunidade indígena ou quilombolas”. Essa é a frase que aparece bem no começo do documentário, saídas da boca do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e que vão dar o tom da dor de um povo que se sente acuado e cada vez mais desapropriado de sua terra nativa. A narrativa se desenvolve a partir do olhar da luta da ambientalista ativista Neidinha Bandeira e de Bitaté, jovem indígena de 18 anos da tribo Uru-Eu-Wau-Wau, que passamos a acompanhar e que nos mostra mais do cotidiano de seu povo.

“O Território” sempre busca o contraponto político, anti-bolsonarista, expondo o dano violento que as medidas rígidas e as falas agressivas de Bolsonaro, que incentivam a exploração irresponsável das terras, provocaram. Fazendo com que a comunidade indígena seja tratada com violência, vista como invasores de suas próprias terras, através da disseminação de fake news e distorção midiática em prol do agronegócio. O documentário mostra como o registro das imagens se torna importante para a preservação ambiental e discute a disputa pelo controle dos territórios indígenas e as consequências do desmatamento descontrolado em um período onde a política brasileira favorecia tais práticas.

O filme está disponível na DISNEY Plus.

Iracema – Uma Transa Amazônica | 1975 | dir. Jorge Bodanzky, Orlando Senna (Brasil)

O longa, que traz nuances documentais, trata de trabalhar de forma narrativa a trajetória do caminhoneiro Tião e a vida da jovem Iracema, que se prostitui para conseguir ganhar a vida em terras amazonenses. “Iracema – Uma Transa Amazônica” é entrecortado por registros do processo de construção da Rodovia Transamazônica, primeira via oficial de acesso de veículos para comércio na Amazônia, facilitando as negociações do agronegócio e a exploração dos recursos naturais da região, inaugurada em setembro de 1972. A rodovia tem 4.000 km de extensão, tornando-se a terceira maior rodovia do Brasil. Percorre a floresta amazônica e os estados brasileiros da Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas, desde as proximidades do Saboeiro até a cidade de Lábrea.

No meio das filmagens também foram registradas situações de queimadas, grilagem de terras, miséria, nichos de prostituição e abertura de estradas clandestinas e ilegais para extração de madeira. Esses registros fizeram com que o filme de Jorge Bodanzky e Orlando Senna,  produzido para a ZDF da Alemanha, fosse censurado por seis anos no Brasil na década de 70. O longa foi premiado e considerado um marco no cinema documental por ser um dos pioneiros em denunciar a questão da devastação da floresta e do modelo equivocado de ocupação.

Os Panteras Negras | 1968 | dir. Agnès Varda (França)

 

 

Agnès Varda é uma realizadora francesa, que sempre gostou de trabalhar com documentários e com um tipo de cinema-denúncia, um cinema de luta e representatividade. “Os Panteras Negras” foi filmado durante o verão de 1968, com apenas 2 anos de existência do Partido dos Panteras Negras em Oakland, Califórnia, durante as reuniões organizadas pelo Partido para libertar o então preso político Huey Newton, um de seus líderes, e transformar seu julgamento em um debate público e político. Varda escolhe conduzir seu filme em meio a um dos períodos mais críticos do Partido, ajudando seus ideais a se popularizarem.

Varda faz questão de sublinhar como o partido está à frente de seu tempo, por colocar as mulheres nas linhas de frente, em papéis que não as separam, nem as diminuem perante aos homens, que são treinadas em pé de igualdade com eles e também colocadas em posições de liderança. Através das falas e declarações dos próprios integrantes do Partido, Varda faz seu “cinema verdade”, mostrando os fatos de um ângulo de dentro pra fora, como quem diz “olha só, é isso que está acontecendo”. Passando pelo processo de julgamento de Huey, usando declarações em púlpito, a diretora aproxima cada vez mais o filme do objeto, fazendo da obra um importante documento de registros e denúncias da violência a que os Panteras Negras foram submetidos e que precisam exercer para reagir. Eles certamente conseguiram chamar a atenção dos Estados Unidos.

O documentário está disponível na MUBI Brasil

Caros Camaradas – Trabalhadores em Luta | 2020 | dir. Andrei Konchalovsky (Rússia)

O longa se passa em uma realidade soviética preocupante, onde os cidadão estão aflitos com o aumento do preço dos alimentos pelo governo e a iminência de uma situação de fome na Rússia comunista em 1962. Com os alimentos básicos acima do poder aquisitivo dos trabalhadores, logo seriam organizadas greves e protestos. Filmado em um preto e branco que intensifica o peso do filme, pelo diretor Andrei Konchalovsky, que já trabalhou em colaboração com Andrei Tarkovski, o filme traz uma fotografia cuidadosa e belos planos onde vamos inicialmente acompanhar pela perspectiva da atuação de Julia Vysotskaya como Lyudmila. Ela é uma soviética stalinista devota e obstinada, executiva do Partido Comunista da União Soviética, que enfrenta duramente a atividade anti-soviética e rejeita qualquer um que expresse oposição aos ideais do Partido, mesmo que seja sua própria filha adolescente e crie um dilema familiar.

O drama histórico mostra as negociações que levaram ao massacre atroz na cidade russa de Novocherkassk, em 2 de Junho de 1962: um massacre contra manifestantes desarmados pelo exército soviético e por funcionários do KGB; que segundo registros oficiais, resultou na morte de 26 pessoas e em mais de 200 detenções. Um retrato dramático e duro da luta dos trabalhadores das fábricas locais da pequena cidade industrial, que resultou em tragédia com as represálias do governo diante das greves.

O filme está disponível no PRIME VÍDEO.

Nossa Voz de Terra, Memória e Futuro | 1981 | dir. Marta Rodrigues, Jorge Silva (Colômbia)

O filme de Marta Rodrigues e Jorge Silva registra uma comunidade indígena na Colômbia que foi desapropriada de suas terras, mas diante da segurança de um documento que lhes garante as propriedades, decidem lutar pela conquista do que lhes é de direito. É absurdo pensar que a terra nativa que os foram tiradas pelos latifundiários, são depois repassadas a eles parcialmente via registro. Mesmo assim, o ato de querer retomar essas terras não veio de maneira pacífica. Nessa luta os indígenas enfrentaram resistência e represálias, resultando na morte de um de seus líderes mais ativos.

Os registros são em preto e branco, com uma montagem que flerta com o cinema experimental. O tom do filme carrega seriedade, mas também uma ironia e provocação através das imagens, mesclando filmagens documentais de depoimentos e deles em direção às fazendas a serem retomadas, planos demorados dos animais, das brumas que cobrem a mata, dando um teor denso e atmosférico ao filme. Às vezes são usadas imagens aceleradas, como por exemplo, a das enxadas cavando a terra em recuperação, como um marco de uma conquista, quando eles chegam e podem finalmente tratar a terra. É uma realidade hostil e triste, de um povo resiliente e que não está disposto a ceder, mas sim a lutar! Tudo é registrado com uma boa dose de sensibilidade pela direção. Na trilha sonora ouvimos as flautas de bambú, como um sopro sombrio de uma triste realidade contra o apagamento histórico de um povo.

O filme está disponível na MUBI Brasil

Orlando, Minha Biografia Política | 2023 | dir. Paul B. Preciado (França)

O filme é uma releitura do romance histórico “Orlando: Uma Biografia” de Virginia Woolf publicado originalmente em 1928, onde ela abria discussões sobre gênero de forma pioneira e que hoje, são cada vez mais pertinentes. No livro, Orlando, que é um ser imortal, acorda de repente num corpo de mulher, Woolf trabalha as ambiguidades do feminino e do masculino através dessa experiência. Paul Preciado é um realizador trans, filósofo e escritor, e neste, que é seu primeiro longa-metragem, cuida do tema com um olhar especialmente voltado para a questão transexual.

O longa conduz em tom teatral os “Orlandos de Virginia” trazidos para a atualidade, mostrando uma realidade trans em um mundo cis. Os personagens estão cercados por limitações frustrantes na busca por duas identidades, num embate doloroso por um reconhecimento de gênero versus sexo, tão difícil de entrar na cabeça (principalmente) da sociedade heteronormativa. Há certo experimentalismo em sua forma, ora como um documentário, coletando os depoimentos com um pouco mais de formalismo; ora encenado como esquetes de teatro, bastante lúdico e criativo, usando a junção desses dois artifícios para dar personalidade a sua obra. A inclusão da trilha sonora age quase como um fator ilustrativo das camadas de urgência mais pesadas no longa, em meio às cenas somos surpreendidos com o impacto nada silencioso da música no filme.

O filme foi exibido no Festival Varilux de Cinema Francês e premiado no 25º Festival do Rio

Feministas: O que elas estavam pensando? | 2018 | dir. Johanna Demetrakas 

O filme mostra a luta de e a história de mulheres a partir do conteúdo fotográfico do livro “Emergence”, publicado pela atriz e fotógrafa americana Cynthia MacAdams nos anos 70. A obra contém retratos em preto e branco de mulheres que fizeram parte do movimento feminista nos EUA e reúne personalidades da arte e cultura, como poetisas, atrizes, artistas plásticas e escritoras que batalharam por seus direitos como mulher, por mais liberdade e voz na sociedade. O longa mostra como estão essas mulheres 40 anos depois da data das fotos.

O documentário não apresenta grandes inovações em formato, ele segue o padrão linear com depoimentos. Alguns nomes famosos fazem parte da obra, como Jane Fonda, Lily Tomlin e Michelle Phillips. Além delas, tantas outras mulheres anônimas estão presentes compartilhando suas histórias de vida e luta por direitos na maternidade, trabalho, sexualidade e casamento. Uma luta que representa a fase da chamada “segunda onda do feminismo”, nas décadas de 60 e 70. Há uma rápida citação ao movimento sufragista, que fez parte da primeira onda do feminismo, que lutou pelo direito ao voto. O longa busca fazer também um contraste geracional, ao colocar mulheres mais jovens para também darem seus relatos, usando pessoas que não estão presentes no “Emergence”, mas que vão oferecer um novo olhar e perspectiva sobre o tema.

O documentário está disponível na NETFLIX Brasil

A Hora dos Fornos: Notas e testemunhos sobre o neocolonialismo, a violência e a libertação (La Hora de los Hornos) | 1968 | Octavio Getino, Fernando Solanas (Argentina)

“A Hora dos Fornos” é um documentário dirigido por Octavio Getino e Fernando Solanas, lançado em 1968 e foi concebido como uma obra de denúncia social e política na Argentina. Dividido em três partes e com a duração de 4 horas e meia, o filme é uma análise crítica da sociedade argentina e das injustiças sociais, políticas e econômicas que ocorreram na época. O trabalho foi concebido como um ato militante, como um pretexto para dialogar, abrir a discussão, fugindo completamente de um formato convencional de documentário. O filme foi feito sob um contexto de repressão política da Argentina, de maneira independente e, obviamente, ilegal.

A primeira parte, “Notas para um Filme Sobre o Poder”, aborda a exploração econômica e social da Argentina, destacando a estrutura de poder que beneficia uma minoria privilegiada em detrimento da maioria desfavorecida. A segunda parte, “Atos para a Libertação”, concentra-se na resistência e na luta popular, destacando os movimentos sociais, greves e ações de resistência em busca de mudanças sociais e políticas. A terceira, “Violência e Libertação”, mostra a truculência da política e a repressão estatal contra aqueles que desafiavam o status quo. Examina o papel da violência na busca pela liberdade e justiça.

O documentário está disponível no YouTube, com legendas em espanhol.

Deus tem AIDS | 2021 | dir. Gustavo Vinagre, Fábio Leal

O documentário mostra de modo sensível, através de depoimentos de diversas pessoas soropositivas, aspectos de como é viver nos dias de hoje sendo portador do vírus HIV. Trazendo o prisma de uma sociedade que ainda enxerga isso com pavor, repulsa e preconceito. A obra é dirigida por Fabio Leal, que é ator e realizador queer e Gustavo Vinagre, diretor e roteirista do Rio de Janeiro.

Esclarecer como a realidade de 40 anos atrás, onde a morte era uma questão diretamente ligada ao vírus, hoje é diferente para quem convive com a doença, de fato vivendo com mais qualidade e por muito mais tempo, graças aos avanços da medicina. Esse tópico parece ser uma das missões do filme.
Com título forte e mais polêmico do que a própria obra, Deus tem AIDS não chega a chocar o espectador — exceto nas performances finais, bastante viscerais, mas faz seu papel de nos alertar da urgência do assunto para as pessoas envolvidas. A abordagem foca mais na vida do que na morte, informa e esclarece, passa perspectivas importantes sobre um assunto rejeitado e negligenciado até hoje.

O documentário está disponível na MUBI Brasil

A Greve (Strike) | 1925 | Sergei Eisenstein (Rússia)

Em “A Greve”, Eisenstein usa técnicas de montagem revolucionárias para criar tensão e adrenalina, mostrando a brutalidade da repressão policial e o poder da solidariedade entre os trabalhadores russos. O filme culmina em um confronto violento entre os grevistas e as forças de segurança do governo. O massacre imposto por soldados contra a população, é comparado, por exemplo, com a morte de bovinos. Isso se dá através de um estilo de montagem pensado pelo diretor, que faz alusões à ideias que não estão exatamente encenadas, mas expostas ao intercalar imagens distintas na tela.

O longa é conhecido por sua fotografia inovadora e pela representação poderosa da luta dos trabalhadores contra a opressão, tornando-se um marco no cinema soviético e na história do cinema mundial. Completamente mudo e em preto e branco, o filme foi financiado pelo governo soviético como parte de um esforço para promover a ideologia comunista. Esse patrocínio foi crucial para que Eisenstein expressasse suas visões artísticas e ideológicas dentro do contexto da propaganda política e social do regime soviético da época.

O filme está disponível no YouTube com texto em inglês

Mari Dertoni tem bacharelado em jornalismo, é crítica e pesquisadora de cinema. Publica suas criticas em: https://coletivocritico.com e https://criticos.com.br/ e no https://boxd.it/zXwh  

Link de uma lista com 21 filmes sobre ativismo no letterboxd https://boxd.it/qjL8a 

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