Por Arthur Dantas

Disco de vinil tocando em uma vitrola

A música sempre esteve presente como forma de denúncia e protesto | Foto: Pixabay

Ser criança não deve ser um desafio, diz o senso comum. Mas não exatamente o que mostram as estatísticas locais e globais. Diariamente, milhões de crianças são obrigadas a conviver com a pobreza, a violência e a falta de oportunidades. Há inclusive aqueles que deixaram de aprender a escrever para treinar para a guerra, substituindo o papel por armas. Outros vivem abusos domésticos, nas escolas (conhecido como bullying) e se veem obrigados a silenciar abusos e humilhações.

A música sempre apareceu como uma plataforma de denúncia e protesto.

Praticando uma paternagem punk, com uma menina de 11 anos, exercito bastante uma seleção musical um pouco voltada para minhas raízes punks esquerdistas. Ao mesmo tempo, gosto de compartilhar músicas que apresentem nossos irmãos latino-americanos, a realidade triste da guerra e um pouquinho também das minhas predileções infantis “contestatórias” de quarentão.

É isso que apresento agora pra vocês!

Garotos Podres – “Vou fazer cocô” e “Papai Noel, velho batuta”

Tendo passado infância e pré-adolescência no ABC paulista do pós-Ditadura, filho de classe operária fabril, minha porta de entrada no universo punk foi os Garotos Podres. E tem duas músicas deles que eu compartilho sempre com as crianças: “Vou Fazer Cocô”, que ensina a desconfiar dos políticos profissionais, e “Papai Noel, Velho batuta”, que é uma ótima canção pra tratar de desigualdade e consumismo numa data na qual os parentes enchem as crianças de bugigangas.

Leucopenia – “Infância”

Leucopenia foi uma banda da Baixada Santista que era trilha sonora obrigatória de todo punk anarquista dos anos 1990 na região sudeste. E eles tinham essa canção, “Infância”, que era um tema bradado a plenos pulmões nos shows pelo público, com versos marcantes como “No olhar / daquela criança está / o seu modo de viver / o seu jeito de brincar / não teve paz / só ódio e incompreensão / agora segue seu caminho / sem saber, vão lhe destruir”. Uma canção de infâncias perdidas para a brutalidade, disparadora de diversas conversas interessantes com as crianças.

Gilberto Gil – “Sítio do pica pau amarelo”

Mas nem só de música punk vive uma trilha ativista pra crianças! Sítio do pica pau amarelo, do indefensável Monteiro Lobato, movia minhas manhãs na tela da TV e essa música pra mim, é a verdadeira exortação de uma vida no campo mais feliz e abundante, o que hoje eu associo imediatamente à agroecologia. Se tinha uma utopia possível na infância, era essa!

Os Saltimbancos – “História de uma gata”

Não há refrão mais libertador do que “nós gatos já nascemos pobres / porém, já nascemos livres” cantado, a plenos pulmões, por um monte de crianças! Era redentor, era libertador, e ainda hoje tem o mesmo apelo que tinha nos anos 1980.

Titãs – “Comida”

“A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte“. A batida primal, o gingado discreto e a letra direta dessa música foi uma febre na minha infância e ainda mexe com os brios da molecada! A mensagem direta da letra cala fundo com qualquer criança que vive uma realidade modorrenta de casa – escola – casa, sem muitas brechas pra ludicidade e pra diversão desenfreada que essa canção parecia prometer.

Pink Floyd – “Another brick in the wall, pt.2”

Relembrando um tema clássico da banda britânica Pink Floyd ,  “Another Brick in the Wall, Pt.2”,  não só reuniu as crianças num coro de vozes como o complementou com um recorte visual do seu longa filme The Wall (1982); que se tornou o vídeo oficial desta música. Um protesto de Roger Waters contra suas antigas escolas e a rigidez no sistema educacional, eu ainda consigo lembrar de ouvir essa música com meu pai (muito fã da banda) e ele se esforçando pra traduzir a letra para mim. Tradição que perpassou gerações.

Mundo Bita – “Nem tudo que sobra é lixo”

Confesso que sou um pouco pé atrás com essa enorme indústria da música feita para crianças que se desenvolveu no Brasil, mas essa agradável música do Mundo Bita se faz relevante em tempos de emergência climática, onde o apelo à reciclagem e ao reuso se faz pertinente!

Juny & Tony – “Activistas del derecho de animales”

De todas as “febres” infantis midiáticas, foi com Juny & Tony que eu mais fui condescendente com minha menina, mas em sua versão em castelhano! Era uma oportunidade pra conhecer a língua de nossos vizinhos e uma válvula de escape possível. Essa canção dos ativistas dos direitos dos animais deixa antever um ativista do P.E.T.A ou do Animal Liberation Front no futuro das crianças!

Emicida & Drik Barbosa – “Sementes”

Esse rap faz parte de uma campanha mais ampla contra o trabalho infantil, uma realidade miserável para muitas crianças em nosso país, e vem embalada por rimas e versos poderosos do Emicida e da Drik Barbosa.

Aterciopelados – “Florecita rockera”

Na tentativa de aproximar minha menina da cultura dos países latino-americanos, apresentei essa música chiclete dos colombianos dos Aterciopelados, um tema fofinho ecológico.

Ana Tijoux – “Luchin”

Ainda na missão de aproximar as crianças de uma América Latina de luta, dessa vez trouxe a cantora chilena Ana Tijoux, que resgatou em 2016 uma das canções mais emocionantes de Víctor Jara, um artista-herói das lutas sociais do nosso continente, para relembrar a realidade de jovens empobrecidos que foram obrigados a fazer da rua a sua casa e para quem canta: “Se há crianças como Luchín / que comem terra e vermes / vamos abrir todas as gaiolas / para que voem como pássaros”. O tema original, escrito em 1972, reativa seu poder de denúncia em uma versão em que Tijoux transforma Luchín em uma criança afrodescendente , filho de uma família que emigrou para o Chile em busca de melhores condições de vida. Perfeito para discutir a imigração em nosso país, inclusive.

Boom boom kid – Feliz

A escolar e os meios de comunicação de massa sempre tendem a uniformizar e padronizar as crianças. Então nada melhor que essa canção pop punk dos argentinos do Boom boom kid que proclama “E não me importa o que digam / o que me importa o que dirão / não estamos loucos / não estamos sozinhos / não!”. Canção singela e potente que celebra a diferença.

Ansan – “Heartbeat”

Ansam é uma das três milhões de crianças que foram forçadas a deixar suas casas devido ao conflito militar na Síria. Com apenas 10 anos, ela se tornou a voz condutora de Hearbeat , uma música com um coro de outras 22 meninas e 18 meninos sírios que compartilham com o mundo o desejo de recuperar a infância após sete anos de guerra. Perfeito pra discutir a realidade muito triste das diversas guerras que assolam o planeta.

Ramones – “I don’t want to grow up”

O hino definitivo da insurgência infantil contra o mundo de rotina, remédios e ordem dos adultos! Definitivamente, eu também não queria crescer! A promessa de uma vida eterna sem preocupações e rotinas é o tema de mais um hino dos Ramones!

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