Ainda em novembro de 2024 – Diário de um alagado
“Abiolô olaripô” – Somos filhos do rio.
Marcio Monzilar Corezomaé é um amigo que esteve conosco na Caravana Águas para a Vida (e não para negócios). Ele embarcou na caravana desde a cidade de Barra do Bugres até a nascente do Rio Paraguai. Este poema chamado UM RIO SECOU, apresentado por ele mesmo durante a audiência pública da Assembleia Legislativa do estado do Mato Grosso por iniciativa do deputado estadual Lúdio Cabral, no município de Alto Paraguai. Além de bonito, o texto é potente e nos atravessou já naquele momento. No dia seguinte, na aldeia dos Balatiponé-Umutina, atendendo a pedidos, o Márcio, gentil que só, leu mais uma vez seu texto. Foram momentos de muita força e beleza.
Caso alguém ainda não acredite nas mudanças climáticas, elas não estão num futuro distante. Muito pelo contrário, elas estão ai. Estamos vivendo as mudanças climáticas. Veja nesse belo texto que reproduzimos abaixo como as mudanças climáticas e o aquecimento está presente, está conosco, convivemos com essa triste realidade que estamos vivendo.
“Abiolô olaripô”
“Abiolô olaripô”
Viva os Balatiponé-Umutina.
Viva o rio Paraguai
Viva o Pantanal
Viva todos os rios.
Águas para a vida. E não para negócios.
____________________________________________________________________
Um Rio secou
Marcio Monzilar Corezomaé
Um rio secou
E não foi no deserto do Saara
Ou Sertão Nordestino
Qualquer lugar que um rio seque
É a vida que se esvai.
O rio é a artéria do mundo
Veios que fecundam produzem abundância
Matam a sede dos bichos e pássaros
Refrescam os dias quentes.
Um rio secou
Ele passava no quintal de minha casa
Não era apenas um rio
Foi meu reino encantado de infância.
Meu parque de diversão preferido
A água fria, a areia quente,
O voo das borboletas
Sorrisos, cambalhotas.
Pescava piau, peraputangas, lambari
Infinitos peixes
Faziam a vida ter mais sabor
Hoje apenas uma triste lembrança.
Por isso, essas letras, esses versos
São escritos com lágrimas
E dor no coração…
Quisera estas lágrimas
Transformassem em chuva
E por um milagre
Trouxesse meu rio de volta.
Todos os dias
Em alguma parte do mundo
Um rio seca… ninguém se importa
Mas desta vez, foi meu rio que secou.
Secou em plena Amazônia
Transição Cerrado-Pantanal
Berço das águas
Nascentes de grandes rios.
O inesperado bateu em minha porta
O meu futuro e de toda uma geração
É incerto…
Produzimos infinitas coisas
Mas não inventaram máquina de produzir água.
De que vale ir à lua
Conquistar planetas
Ter castelos de vidro
Quando a vida
Já não tem mais sentido?
De que vale plantar transgênicos
Como se fossem cápsulas de felicidade
Lucrar em dólar, tudo ilusão
Deixar apenas frutos da destruição?
O vento, a chuva não veio
Apenas calor, sequidão
A água minguando, pedindo socorro
O meu rio secou…
Foi no dia dois de setembro
Do ano da graça de dois mil e vinte e um
Em hora incerta o meu rio secou
Com ele morreu parte de mim.
(Autoria: Marcio Monzilar Corezomaé – Povo Balatiponé-Umutina/Mato Grosso/Brasil)