Greenwashing no governo, nas empresas e na COP: o que é e como identificar?
Tentativa de vender uma imagem sustentável é praticada com muita frequência, até mesmo em eventos sobre meio ambiente e clima, mas farsa pode esconder ações graves e prejudiciais.
Que empresa ou governo não quer hoje um selo verde? De sustentável? Com as discussões recentes sobre as mudanças climáticas, destruição da biodiversidade e o amplo debate sobre preservação ambiental, cada vez mais ter essa “embalagem verde” vende e convence. Com isso, empresas, marcas, governos e personalidades tentam vender uma imagem sustentável, mesmo que suas práticas não sejam coerentes com a ideia. E isso tem nome: Greenwashing. E não é difícil ver exemplos disso na COP 29 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas – que acontece no Azerbaijão.
O termo greenwashing, em tradução livre significa “lavagem verde” ou “maquiagem verde” e é uma prática que tem como objetivo passar uma mensagem falsa sobre sustentabilidade para parecer ambientalmente responsável, mas na verdade a estratégia esconde ações graves e prejudiciais para o meio ambiente. A ação pode acontecer com ocultação de dados, informações inverídicas, construção de imagem diferente da realidade, ou dando ênfase em alguma característica que pode ser considerada sustentável no lugar de produtos ou ações que são prejudiciais. Afinal, gastar milhões nas campanhas para criar uma imagem positiva não é um peso no orçamento bilionário dos atores que praticam essa farsa.
Na COP do Clima, o comportamento do governo anfitrião do evento mundial se vale bastante da estratégia do greenwashing. Conhecido pela expansão da produção de combustíveis fósseis, por ter uma economia baseada na exportação de petróleo e por reprimir opositores e ativistas de direitos humanos, durante a conferência o Azerbaijão tem transmitido uma imagem de defensor e líder climático. A COP 29 começou no dia 11 e vai até 22 de novembro de 2024 com objetivo de debater a crise climática e traçar estratégias de enfrentamento ao problema.
E as preocupações sobre o risco de greenwashing para o próximo ano, em que a COP vai acontecer em Belém (PA), já começaram a se concretizar. O governador do Pará, Helder Barbalho, participou ativamente da COP 29. Com um discurso “verde” e uma tentativa de construir uma imagem sustentável que não corresponde às realidades enfrentadas no estado, ele foi acusado de greenwashing.
Uma de suas falas causou revolta na população indígena, quilombola e em ativistas. Durante a abertura de um estande, Barbalho afirmou que os povos indígenas e quilombolas dependem do mercado de carbono para garantir sustento e dignidade. Muitas organizações se manifestaram contra o governador e repudiaram a fala racista. Enquanto o governador tenta passar uma imagem de ambientalista para o resto do mundo, o Pará é o estado mais violento para repórteres na Amazônia que trabalham denunciando e dando visibilidade ao desmatamento desenfreado, às invasões de territórios indígenas, garimpo ilegal, exploração de madeira e outras irregularidades, segundo o relatório “Fronteiras da Informação” do Instituto Vladimir Herzog.
Pensando na COP 30 no Brasil, também é possível que muitas empresas possam usar o evento como uma plataforma para promover iniciativas superficiais sem compromisso verdadeiro com a sustentabilidade.
Nas discussões, painéis e acordos realizados durante as COPs também é muito comum o aparecimento do greenwashing com a clássica promoção de imagem positiva com iniciativas que parecem sustentáveis. Entre os exemplos estão projetos de compensações de carbono para justificar emissões de gases sem reverter práticas prejudiciais ao meio ambiente, desvio de atenção e foco em ações simbólicas para evitar mudanças estruturais profundas em modelos de negócios.
Durante a COP 29 o governo brasileiro apresentou sua nova meta para frear a crise climática e a apresentação da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). Ambientalistas criticam que a NDC abre margem para greenwashing. O governo definiu as novas metas como “ambiciosas”. A principal delas prevê uma redução nas emissões de gases que agravam o efeito estufa em até 67%. Mas a porcentagem é em relação com a realidade de 2005 (há quase 20 anos) comparada com 2035 (daqui 10 anos). Ambientalistas apontam que o projeto cria a falsa sensação de que muito será feito na luta contra as mudanças climáticas.
Greenwashing legislativo
Para a gestora ambiental, ativista socioambiental e militante ecossocialista, Letícia Camargo, esses exemplos de greenwashing conversam com o termo “Greenwashing Legislativo”. A ativista que já foi assessora técnica de políticas socioambientais no Congresso Nacional adotou a nomenclatura ao presenciar e entender o comportamento na Câmara dos Deputados.
“Comecei a verificar que normalmente próximo da semana do meio ambiente ou próximo de alguma COP, de algum evento internacional climático, alguma questão assim, a Câmara dos Deputados e o Senado se movimentam para dizer que estão aprovando projetos de lei da ‘agenda verde’, e com isso algumas coisas são aprovadas para ficar bonito para os parlamentares, principalmente para os presidentes da Casa, mas que se você avalia o que significa aquele projeto de lei aprovado, você entende como um greenwashing legislativo”, explica.
Alguns projetos de lei podem ser entendidos pela população como medidas importantes para a preservação da natureza, mas na verdade beneficiam quem desmata. Um exemplo é o PL do Pagamento por Serviço Ambiental (PSA). “Na versão final acabou virando um Projeto de Lei que beneficia exatamente os próprios desmatadores, podendo reverter as áreas que eles preservam obrigatórias pelo Código Florestal, como o APP, como reserva legal, em benefícios econômicos para eles e o que deveria realmente existir era um benefício para povos e comunidades tradicionais. Foi mais um greenwashing legislativo. Uma medida aprovada como uma grande agenda ambiental, verde e positiva, mas que se você avalia percebe que não entrega o que promete”, explicou.
Letícia analisa que outro exemplo recente de greenwashing legislativo é o PL do mercado de carbono que, mais uma vez, vai beneficiar o agronegócio. A bancada ruralista dá o tom da discussão mesmo quando esse grupo é o responsável pelos estragos nos biomas. O texto final do projeto permite que fazendeiros possam gerar crédito de carbono.
“A gente vai ter esse projeto de lei aprovado, mais um greenwashing legislativo, como uma super solução para a crise climática, sendo que ela não é. A medida vai beneficiar o mercado. Uma lógica econômica para se continuar poluindo com compensação que na verdade vai usar exatamente os territórios dos mesmos povos e comunidades tradicionais, sem que eles sejam beneficiados”, disse.
Greenwashing nas empresas
Para além dos governos estaduais e federal, no Brasil há vários casos de empresas com discurso que não conversam com as ações e suas consequências. A Braskem, por exemplo, utiliza o selo “I’am green” e passa a mensagem quer “estabelecer uma nova relação com nosso ecossistema e encarar as mudanças climáticas como o maior desafio do nosso planeta”. Mas a dona do discurso foi responsável por causar tremores, rachaduras e cavernas subterrâneas em Maceió com anos de mineração. Em 2023, o afundamento do solo provocado pela extração de sal-gema obrigou cerca de 60 mil pessoas a abandonarem suas casas. O colapso foi resultado de décadas de negligência ambiental.
Projetos que parecem benéficos e inofensivos têm ganhado espaço, como é o caso da energia eólica offshore – fonte de energia renovável que utiliza a força dos ventos em alto mar para a produção de eletricidade. Em julho deste ano o Ministério de Minas e Energia (MME) recebeu estudo para o desenvolvimento de eólicas offshore no Brasil. Apresentado pelas empresas como uma tecnologia capaz de “impulsionar uma trajetória energética sustentável no país” , esse modelo de fonte de energia gera impactos negativos para a natureza e para o estilo de vida e bem viver de comunidades tradicionais. Entre as consequências estão vibrações e distúrbios em organismos que habitam fundos marinhos. O modelo gira em torno do ecologicamente correto, mas deve afetar diretamente povos e comunidades que perderão suas áreas de pesca artesanal e terão seus sustentos afetados. Tudo isso com aval do Estado.
Letícia Camargo afirma que é preciso combater esse tipo de prática. Segundo ela, a população precisa ser informada sobre as verdadeiras finalidades de leis, projetos e ações nas cidades e estados brasileiros. Organizações Não Governamentais (ONGs), entidades, movimentos sociais, ativistas e lideranças podem conseguir fazer um trabalho de base informativo importante que alerte pessoas que possam ser prejudicadas. É preciso, sobretudo, questionar setores poluidores, taxá-los, enquadrá-los, argumentar empresas e combater o ecocapitalismo, que prioriza os interesses econômicos em detrimento do meio ambiente.
“Se a gente conseguir combater o ecocapitalismo, a gente consegue demonstrar que essas propostas são do ambientalismo liberal e que não questionam o sistema que está levando o mundo ao colapso”, finalizou Letícia.
TEXTO
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Está na lei!
Tudo isso é muita coisa e apresentamos muito pouco por aqui, mas a Escola de Ativismo tem três materiais que podem ajudar coletivos e indivíduos ameaçados:
Guia para fazer uma avaliação de risco e adotar medidas de segurança
A Internet Também é Nosso Território – Dicas Essenciais da Escola de Ativismo para Proteção na Rede
Guia para Desenvolvimento de uma Avaliação de Risco e Medidas de Segurança
Para isso, nos reunimos ao menos uma vez por semana no Neimfa (Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis), organização social fincada no Coque há 26 anos. Esses encontros abordam temas como “mulher negra”, práticas de cuidado, técnicas de fotografia e edição de imagens, e reflexões sobre sexualidade. Nessa perspectiva, já fizemos reflexões sobre identidade (individual e coletiva), território, raça e racismo. A discussão sobre raça, nesse caso, é permeada pela dimensão de gênero, uma vez que ser negra no Brasil traz significados específicos para as mulheres.
Como profissionais do campo da fotografia, é um processo de empoderamento — entre nós e com as mulheres com quem atuamos. Numa cena dominada por homens, o Revelar.si coloca as mulheres em outro posicionamento na fotografia. [LINK]
legenda da imagem
Foto: créditos
Sobre o autoritarismo brasileiro – Lilia Schwarcz
No texto, Schwarcz faz o exercício de derrubar o mito da cordialidade brasileira através de dados estatísticos e um exame nas origens do autoritarismo brasileiro. Ela aborda ainda nossa herança colonial, marcada pela escravidão e lógicas de dominação.
Red Pilled – O fascínio do ódio digital – Luke Munn
O livro traz um apanhado de histórias de pessoas comuns e análise de sites e redes sociais da extrema-direita, discutido por especialistas em estudos de mídia, de raça e gênero, psicologia e ciência política. O autor vai desenhando o passo a passo de como o ódio se infiltrou em corações e mentes no mundo digital.
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- Diversidade de Vozes: Promover a diversidade de vozes e perspectivas na discussão das mudanças climáticas e questões ambientais é crucial. Isso inclui dar voz a comunidades afetadas desproporcionalmente por esses problemas, como povos indígenas, comunidades tradicionais e grupos vulnerabilizados em territórios de contextos urbanos periféricos. Pesquisadores podem apoiar a amplificação dessas vozes e histórias.
- Justiça Climática e anti-racismo: A luta contra a desinformação ambiental deve estar ligada à promoção da justiça climática e equidade racial. Isso implica em abordar as disparidades socioeconômicas e raciais em relação às mudanças climáticas e garantir soluções equitativas. Pesquisadores podem contribuir com análises sobre essas disparidades, inclusive na pesquisa em comunicação, enquanto a sociedade civil pode fazer campanhas para pressionar os tomadores de decisão.