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Diário de um alagado

Ivan Rubens Dário Jr da Escola de Ativismo faz um diário das preparações das comemorações do Dia do Rio Paraguai e do Pantanal

Sábado, dia 9 de novembro de 2024 – Diário de um alagado

Um dia de pouco movimento. Será?

Claro que não. Acordar cedinho, café da manhã às 6 horas, deixar o hotel e chegar à rodoviária. Tudo certo com as passagens previamente reservadas. Seguindo nosso planejamento que se produz na experiência concreta. Assim, considerando os frequentes atrasos no serviço prestado pelas companhias aéreas, vamos acompanhando os passos de nossa equipe de campo e confirmando o passo seguinte. Embarcamos no terminal rodoviário de Cuiabá com destino a Cáceres.

Ao desembarcar, o primeiro encontro, saudoso encontro. No percurso até nosso destino final, muita história recente, muita atualização. O processo de territorialização continua vigoroso. Estamos territorializando aos poucos. Este chão vai nos constituindo aos poucos. É importante passar por esse processo, chegar ao território é um processo, estar nesse chão é uma espécie de habitação. Habitamos o Mato Grosso, habitamos a luta, habitamos os Comitês Populares. Nos tornamos habitantes: habitamos essa luta e essa luta nos habita. Chegar ao Mato Grosso e sempre assim: é como se. é como um processo de deixar o nosso mundo para trás e entrar num uoutro mundo, um mundo outro que não o nosso. Claro que tem um pouquinho do nosso mundo, tem fragmentos que trazemos do nosso mundo para este, mas o nosso mundo pouco interessa aqui nessa luta pelas águas e pelo clima do Pantanal. O mundo que realmente interessa é este que estamos, aos poucos, entrando e que habitaremos até o retorno ao nosso mundo.

Nosso destino é a chácara Cururu. Na chácara rola um mutirão. Almoço coletivo, duas crianças brincam na água. O pequeno Léo gosta de cana de açúcar. Para o pequeno, quanto maior o “pau da cana”, melhor. Uma festa na água, crianças e cães se divertem. Estamos cansados, ouvidos e línguas pedem pro corpo parar um pouco.

Reunião de planejamento: entramos definitivamente no processo de organização dos 13 Comitês Populares e cerca de 30 organizações parceiras. Nesta 24a edição, o dia do rio Paraguai acontecerá em forma de Caravana. Seguiremos até a nascente do rio Paraguai. Para que tudo aconteça respeitando nossos limites de tempo e de recursos, é necessário muita organização e muita, mas muita conversa. Consequentemente muita mensagem de texto, muita mensagem de áudio, porque nem todo mundo escreve e lê. Muito cartazinho (card), muito vídeozinho, e tantas outras estratégias, tantos outros instrumentos de mobilização. Cuidamos para que a mobilização não seja nada fria, pelo contrário, experimentamos mecanismos de mobilização didática. Jeitos que as pessoas entendam o que está acontecendo por trás de cada informação, de cada recado. Cada contato é carregado de informação e de expectativa. Informação sobre o que está acontecendo, sobre o que está por acontecer e, além disso, expectativa que as pessoas compreendam que cada passo deriva de um passo já dado, que o passo seguinte depende deste, e que seguimos juntos e em caminhada. 

Parte importante da mobilização pantaneira acontece em forma de visitas. Isso mesmo: visitas. Nesta noite visitamos Maurílio e Clara. Uma hora de estrada até o sítio no Comitê Popular das Águas e do Clima do Padre Inácio. Uma alegria. A convivência talvez seja a parte mais gostosa de todo esse processo. Algumas horas de dedicação total a esse encontro. Impossível não estar por inteiro nesses encontros.

Sexta, dia 8 de novembro de 2024 – Diário de um alagado

Um dia de pouco movimento. Será?

Preparar-se para uma viagem, separar o que deve ser levado significa inevitavelmente pensar o que será essa viagem, significa pensar o que acontecerá nesses dias de atividade. Estamos partindo para mais uma temporada no Pantanal, mais especificamente na cidade de Cáceres, interior do Mato Grosso para a luta que envolve o dia do rio Paraguai. Vale lembrar que dia 14 de novembro é dia do rio Paraguai e, vivemos o mês do rio Paraguai e muitos esforços coletivos são mobilizados, muito encontros, mutirões, trabalhos em grupo, muitas expectativas são mobilizadas porque os dias do rio não são iguais. São iguais mas são diferentes.

São iguais no sentido em que são a repetição do dia 14 de novembro. E são diferentes porque cada dia do rio Paraguai tem uma programação cuidadosamente construída, são o resultado da caminhada de um ano todo de 13 Comitês Populares, da Escola de Militância Pantaneira, e das inúmeras parcerias que se fazem neste movimento em defesa das águas e do clima, em defesa do Pantanal.

Arrumar as roupas e objetos na mala, arrumar fora significa arrumar um pouco o que está dentro também. Arrumar o que está fora é também arrumar o que esta aqui dentro da gente. É lidar com as expectativas, é lidar com a memória, é preparar-se, é se ajeitas para os encontros com as pessoas que já amamos e iremos encontrar mais uma vez. Neste diário, ENCONTRO é uma palavra central, fundamental. Sempre que aparecer a palavra ENCONTRO, saiba que estamos dizendo muita coisa, uma palavra carregada de significado. Não se trata de uma palavra solta, jogada, uma palavra com um sentido estrito. Pelo contrário, ENCONTRO aqui é uma palavra densa, polissêmica, palavra povoada.

Acordei antes das 2h deste 8 de novembro. Uber, aeroporto, esperas, despacho de bagagens, voo felizmente confirmado para as 3h. Espera de 3h em Brasília, novo embarque e felizmente voo no horário. Retirada de bagagens em Cuiabá/MT, mais espera e o processo de territorialização continua. Manha para pequenos ajustes de rota e contatos, cuidar dos companheiros que virão, confirmar reservas de quem está a caminho e dos que virão nos próximos dias.

Andar pela cidade e o almoço já fazem parte do processo de territorialização. Peixe frito na dieta, banana frita, farinhas e a culinária serve de portal de acesso lento à cultura local. As músicas tocando na cidade, a circulação na capital, os sotaques, fisionomias e etc. Encontro meu companheiro de viagem no final do dia e combinamos nossos horários para a sequencia da viagem, agora em dupla.

Relógio programado para despertar às 5h30. Boa noite.

 

Quinta, dia 7 de novembro de 2024 – Diário de um alagado.

Desde o ano 2020 celebra-se, sempre no dia 14 de novembro, o rio Paraguai. Portanto, 14 de novembro é o dia do rio Paraguai. Nesse percurso anual, muita coisa já foi feita, muita luta, muito enfrentamento, muita experiência, muita alegria que anima uma luta sem fim. São pantaneiros e pantaneiras, assentados em reforma agrária, ribeirinhos e ribeirinhas, pescadores e pescadoras, quilombolas, gente da terra, gente das águas, gente da luta. Luta pela terra, luta pela água, luta pelo clima, luta pela vida. E a luta ganha vigor, ganha força, anima.

Vamos contar uma parte desta 24a edição. Uma parte porque este primeiro registro não se refere à primeira atividade desse mês do rio Paraguai. Já estamos no dia 7 de novembro que, em alguma perspectiva, está marcado por dois acontecimentos:

  1. Um momento de aprender. Ouvimos os companheiros de luta Clóvis Vailant e Oscar Rivas. O primeiro falou das ameaças que o bioma pantanal vem sofrendo, de onde vem tais ameaças, os impactos causados e as consequências sócio-ambientais de tais impactos. Já o Oscar trouxe seu conhecimento a respeito dos corredores bioculturais nas humedales.

Em seguida nos olhamos em ação. Foram imagens em fotografias e imagens em movimento. Foi um movimento em imagens. Foi o movimento popular ali na tela e o mesmo movimento popular com os olhos fixos na tela. O movimento e o movimento, tudo em movimento,

– uma rápida apresentação do que fizeram os 13 Comitês Populares de Defesa das Águas e do Clima. Os dias de rio nos Comitês, as místicas, as celebrações, o sentido de cada comitê, suas expressões culturais, suas tradições e muito mais;

– uma rápida apresentação do que fizemos na Escola de Militância Pantaneira: experimentações pedagógicas e invenções, ações diretas e produção dos próprios materiais, audiências públicas; VIVA A ESCOLA DE MILITÂNCIA PANTANEIRA!

– a ARPA e sua experiência de agroecologia: Associação Regional dos Produtores Agroecológicos localizada no assentamento Roseli Nunes. Vimos fotos lindas da cozinha das mulheres construída em forma de mutirão, fotos da agroindústria de polpa de frutas, a casa do algodão agroecológico, a aprendemos que a produção abastece o Programa Nacional de Alimentação Escolar.

– a Associação Regional das produtoras Extrativistas do Pantanal, o grupo das Margaridas, as amigas da Fronteira, as Amigas do Cerrado e o beneficiamento da castanha do barú, os viveiros de mudas para replantio do Babaçú, e soubemos que elas também abastecem o PNAE.

Entrar na área delimitada do Parque da Cidade para a maior marcha de mulheres da América Latina na manhã do dia 15 de agosto foi como se imergir num fundo mar de esperança. Afinal, lá começava, repleta de diversidade, mais uma edição da Marcha das Margaridas, organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Como frutos do sol, as mulheres do campo, da floresta e das águas que não paravam de chegar esbanjavam sorrisos no rosto e uma energia radiante para reivindicar o que já deveria ser seu.

– conhecemos um pouco mais da UNECAFES-MT e seus mais de 20 grupos que atuam em rede e em cooperação;

– A Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras e sua luta para preservar e valorizar as culturas, os conhecimentos tradicionais, para promover a biodiversidade, gerir a terra de forma comunal e o cultivo em forma de muchirum, mas também a luta por direitos e a luta pela terra;

– conhecemos mais um pouquinho do apiário do seu Neuzo e o delicioso mel e a contribuição das abelhas para a natureza, a alimentação, a saúde, a polinização etc etc etc;

– um tanto de conversa e a imensa alegria de estar juntos, mesmo que distantes, porque os comitês criaram durante o afastamento social exigido pela pandemia da covid, um jeito diferente de fazer laives: as laives populares!!

E finalizamos cantando: TRAGA A BANDEIRA DE LUTA, DEIXA BANDEIRA PASSAR, ESSA É A NOSSA CONDUTA, VAMOS SE UNIR PRA MUDAR… Assim aconteceu o segundo encontro (em forma de laive) no processo de Formação Continuada e Multiplicadora 2024. Foi muito bom e muito bonito, daqueles que enche a gente de energia.

Ah, e eu já ia me esquecendo do segundo acontecimento que torna o dia 7 de novembro tão especial. É que logo depois da laive, Silvio Munari e eu, Ivan Rubens, já começamos os preparativos para vencer nosso caminho até Cuiabá, capital do Mato Grosso, e de lá para Cáceres. A cabeça e o coração já estão com o Comitê Popular das Águas e do Clima do rio Paraguai. Nas próximas horas chegará o corpo carregando a bandeira para somar na luta pelo Pantanal Vivo.

 

TEXTO

Letícia Queiroz

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