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Descansa, ativista

Uma reflexão sobre as tarefas dos ativistas para 2023 após um ano exaustivo depois de quatro anos de um pesadelo terrível.

Descansemos, ativistas. 

Estamos escrevendo esse texto bastante cansados. Com satisfação pelos passos dados até esse dezembro de 2022, que marca o fim de um longo expediente de pesadelos iniciado em outubro de 2018. 

Lembramos com o título uma frase-meme que ganhou a internet de maneira indiscriminada e na maioria das vezes perversa. Toda vez que alguém questionava politicamente algum conteúdo online era só descer alguns comentários para encontrar:

“Descansa, militante”.

O chiste, usado para desqualificar intervenções muitas vezes de qualidade e outras nem tanto, nos revela algo também. Se há beleza e verdade na frase brechtiana, que aqueles que lutam a vida toda são os/as imprescindíveis, também há um fardo pesado que carregamos.

A luta, essa sim a verdadeira imprescindível e inevitável para milhões de ativistas e militantes desse país, aparece como uma terceira, quarta, quinta ou sexta jornada. Aquilo que acontece após ou durante o trabalho, os afazeres domésticos, a lida com a terra, o cuidado com as crianças, com os mais velhos, os doentes.

Viver num mundo desigual e capitalista cansa demais. Viver com o território atacado exaure. Atravessar, entre trancos e barrancos, uma pandemia no terceiro mundo, diante do esfacelamento do trabalho e dos laços comunitários, cansa. Ganhar uma eleição contra um necrogoverno mobilizando toda sua máquina pela perpetuação cansa. Racismo, machismo, LGBTfobia matam e cansam. Sofrer com o sofrimento do outro como se fosse o seu, tremer de raiva e de impotência, drenam a gente. Trabalhar cansa.

Há, também, uma moral e um elogio do militante/ativista incansável. Quantas vezes não cantamos e ouvimos em jogral, a pergunta e a resposta:

“Cansados?

– Não! Da luta do povo ninguém se cansa”

É verdade, mas também uma verdade que habita o reino das ambiguidades e contradições. Cansamos sim. É importante poder reconhecer. Mas não cansamos também: porque firmamos um compromisso com o futuro e com o mundo melhor.

Mas, para poder chegar nisso, precisamos estar inteiros.

Precisamos estar felizes. Não sempre. Mas nos permitindo às vezes. Precisamos superar uma lógica produtivista a todo custo e uma moral abnegada que desumaniza o ativismo.

E, ao fim e ao cabo, que mundo queremos? Um mundo que seja também alegria e celebração. Um mundo que seja depositário de liberdades e dignidades para a pessoa humana. Que bem-vivamos e bem-sonhamos. Que possamos trabalhar menos. Ou talvez nem trabalhar! Que possamos exercer nossas atividades, isso sim, cada um/a de acordo com suas possibilidades e habilidades. Que possamos socializar os cuidados e as tarefas do viver.

Por isso, nosso desejo de fim de ano é aquele das boas festas. Que possamos parar, olhar tudo que lutamos e contemplar o que temos pela frente. Que consigamos recarregar as energias com as pessoas, animais, matas e mares que amamos. Recuperemos então o tempo que o trabalho e o fascismo nos tolheram. Que seja um dia, que sejam dois, que sejam algumas horas. Que possamos nos curar.

Para fechar, uma última tarefa: a Defesa da alegria, do poeta uruguaio Mario Benedetti 

Defender a alegria como uma trincheira…

defendê-la do escândalo e da rotina

da miséria e dos miseráveis

das ausências transitórias

e das definitivas

defender a alegria por princípio

defendê-la do pasmo e dos pesadelos

assim dos neutrais e dos neutrões

das infâmias doces

e dos graves diagnósticos

defender a alegria como bandeira

defendê-la do raio e da melancolia

dos ingênuos e também dos canalhas

da retórica e das paragens cardíacas

das endemias e das academias

defender a alegria como um destino

defendê-la do fogo e dos bombeiros

dos suicidas e homicidas

do descanso e do cansaço

e da obrigação de estar alegre

defender a alegria como uma certeza

defendê-la do óxido e da ronha

da famigerada patina do tempo

do relento e do oportunismo

ou dos proxenetas do riso

defender a alegria como um direito

defendê-la de Deus e do Inverno

das maiúsculas e da morte

dos apelidos e dos lamentos

do azar

e também da alegria

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