Por Lethicia Bueno- 28/07/2023
Baseadas nos pilares de equidade, transparência e democracia, as cooperativas aliam pessoas e produção sem visar lucro
A cooperativa Univens, no Rio Grande do Sul, reúne costureiras l Foto: Facebook/Univens
“Agir ou trabalhar junto com outro(s) para um fim comum; para produzir um efeito; com o objetivo de obter benefícios econômicos comuns”. De um simples significado no dicionário até uma filosofia de vida, o verbo “cooperar” traduz bem a ideia de que se organizar e crescer social, cultural e economicamente por meio da coletividade é um caminho possível.
Derivadas do mesmo verbo, as Cooperativas também se baseiam nos princípios do trabalho colaborativo. A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) define esse tipo de entidade como um espaço em que “pessoas se juntam em torno de um mesmo objetivo, em uma organização onde todos são donos do próprio negócio”. Pessoas que, autônoma e voluntariamente, decidem se unir pela busca de “desenvolvimento econômico e social, produtividade e sustentabilidade”, sem visar lucro.
Ao contrário de empresas, que possuem finalidade lucrativa, e associações, que não exercem função comercial, as Cooperativas têm como principal meta prestar serviços aos seus cooperados. Além disso, prevalecem nessas organizações ideais como liberdade, solidariedade, humanidade e relações justas. A OCB elenca sete princípios básicos das Cooperativas: adesão voluntária e livre; gestão democrática; participação econômica dos membros; autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação; e interesse pela comunidade.
Globalmente, as Cooperativas já somam números expressivos, representando cerca de 2,6 milhões de organizações. Ainda de acordo com a OCB, 250 milhões de empregos são gerados por meio delas e uma em cada sete pessoas no mundo são vinculadas a esse tipo de entidade. Somente no Brasil, de acordo com dados de 2019-2020, já são mais de 15,5 milhões de cooperados.
Em relação às possíveis áreas de atuação, a OCB elenca sete segmentos do cooperativismo brasileiro: Agropecuário; Crédito; Transporte; Trabalho, produção de bens e serviços; Saúde; Consumo; e Infraestrutura.
“No Brasil, as Cooperativas são regidas pela Lei nº 5.764, […] que as caracteriza como sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência”, pontua a OCB. O primeiro registro de uma organização desse tipo no país data de 1889, em Minas Gerais, com a fundação da Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto.
Conheça mais sobre a história das Cooperativas aqui.
Cooperativa na prática: mãos que tecem histórias
Venceremos (UNIVENS) pratica, há quase 27 anos, a cooperação pelas mãos de mulheres que se juntaram para fazer a diferença.
A organização, que começou timidamente no salão de uma igreja em maio de 1996, nasceu da necessidade de mulheres trabalharem para sustentar a família. “Uma de nós teve a ideia de fazer alguma coisa para as mulheres se empoderarem. A ideia era começar a fazer pão, mas alguém teve outra, a de costurar”, conta Nilza Eliane Dias, costureira da UNIVENS há 15 anos.
Após receber uma proposta para costurar lençóis, a UNIVENS foi cada vez mais tomando forma. A Cooperativa, que hoje é formalizada, recebe diversos pedidos de corte e costura de clientes particulares, escolas e igrejas, além de trabalhar com serigrafia e bordado.
Em paralelo com Organizações Não Governamentais (ONGs), a Cooperativa também oferece cursos de costura para imigrantes e aulas de música, teatro, bordado e crochê, tudo desenvolvido para a comunidade.
“Na UNIVENS, somos todas cooperadas e sócias. Não existe um setor com chefe, gerente. É muito bom trabalhar com essa liberdade. Temos reunião todo mês para ver despesas, lucros, sobras e tudo isso é dividido entre nós. Essa é a grande diferença das empresas, que tu bate o ponto, vai lá e faz o que mandam”, pontua Roselaine da Silveira, do setor de serigrafia e bordado da Cooperativa.
“E, principalmente, sabemos que não estamos sendo exploradas e temos ciência para onde está indo nosso dinheiro”, completa Eliane.
Para as duas cooperadas, o trabalho da UNIVENS não somente reaproxima as mulheres do mercado de trabalho, já que grande parte delas já estão na meia idade e aposentadas, mas também é um espaço seguro e acolhedor para que se reconheçam como cidadãs.
Mais recentemente, as criadoras da UNIVENS se uniram para a fundação da Justa Trama, cooperativa que trabalha com a comercialização de peças feitas de fibras ecológicas a partir de algodão orgânico, tudo realizado pelas mãos de cooperados de vários estados brasileiros.
Como funcionam as Cooperativas?
De acordo com a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), uma Cooperativa pode ser formada “por qualquer gênero de serviço, operação ou atividade”, uma vez que tenha como foco seus próprios cooperados e o trabalho que realizam em conjunto.
Nas Cooperativas, os cooperado assumem as principais decisões da organização por meio de mecanismos como assembleias periódicas, votações e distribuições de tarefas. Ou seja, toda pessoa é importante para o bom funcionamento de uma Cooperativa, sem exceção, e deve participar ativamente da construção diária da entidade.
As Cooperativas também são, geralmente, organizadas por núcleos, como Conselhos de Administração e Diretorias. Isso facilita o planejamento de todos os cooperados, o cumprimento das tarefas e a comunicação entre os setores produtivos.
Por isso, mesmo que exista uma hierarquia executiva dentro da entidade, todas as pessoas devem prestar contas e tudo deve ser feito com transparência máxima.
Reunião na CoopBorborema que enfrenta o latifúndio e a agricultura transgênica | Foto: Crédito: CoopBorborema/Arquivo pessoal
Cooperativa na prática: territórios sustentáveis
Liderando um grupo de agricultores e agricultoras no semiárido brasileiro, Maria Gizelda Nunes Bezerra e os cooperados da CoopBorborema enfrentam diversas lutas contra os alimentos transgênicos, o uso desenfreado de agrotóxicos e por uma agroecologia justa, participativa e saudável, há quase três anos.
Mas a história da Cooperativa começa bem antes, há 27 anos, com a criação do Polo Sindical da Borborema, um projeto de agroecologia no território da Borborema, na Paraíba. Articulado por agricultores, sindicalistas e pela assessoria AS-PTA, Maria Gizelda conta que o Polo nasceu para garantir a diversificação da produção de alimentos e a ampliação da cadeia de mercados agroecológicos na região.
Preocupado com a certificação desses alimentos e a institucionalização das atividades, o projeto deu origem a duas organizações: a associação EcoBorborema, que certifica os produtos dos trabalhadores do Polo, e a Cooperativa da Agricultura Familiar Camponesa do Polo da Borborema (CoopBorborema), que tem o papel de organizar e fortalecer os mercado agroecológicos, ampliar vendas internas e externas, gerenciar os agricultores cooperados e acessar políticas públicas.
“Nós temos hoje aqui na CoopBorborema, por exemplo, a unidade de beneficiamento de derivados de milho – flocão, xerém e fubá agroecológicos – além do algodão e de sementes no geral. Muitos agricultores já plantam o milho e o algodão sabendo que a Cooperativa vai comprar”, explica a presidente.
Para Maria Gizelda, o valor e a importância das Cooperativas estão no trabalho que realizam em rede com as comunidades e os territórios. “Cooperativas como a nossa, quando são organizadas e sérias, têm o papel de unir produção e venda, o que ajuda os agricultores e agricultoras”, finaliza.
Como criar uma cooperativa?
Em tese, qualquer grupo de pessoas que tenha interesse em montar um negócio e se unir em uma organização coletiva pode formalizar uma Cooperativa. Porém, existem alguns passos.
Primeiro Passo
O PRIMEIRO PASSO é realizar uma reunião geral com os interessados em se tornar cooperados. “Na primeira reunião, é importante que alguém explique para as pessoas o que é uma Cooperativa, como deve funcionar, os aspectos legais a serem seguidos etc.”, pontua a OCB. A própria OCB possui núcleos estaduais que dão suporte a novos cooperados.
A Organização das Cooperativas Brasileiras também recomenda que várias outras reuniões sejam conduzidas antes de o grupo, de fato, formalizar a entidade. Nesses encontros, o grupo deve definir os objetivos da Cooperativa e sua área de atuação, montar uma análise de viabilidade econômica do negócio, designar comissões, tarefas e líderes que estarão à frente de cada etapa da criação da entidade, entre outros pontos.
Segundo passo
O SEGUNDO PASSO é a criação do estatuto da Cooperativa, ou seja, o documento que estabelece o funcionamento da entidade. No estatuto devem constar, por exemplo, os direitos e deveres dos cooperados, as normas de administração e fiscalização do trabalho e informações sobre capital social e quotas. Saiba mais detalhes do estatuto aqui.
A partir da criação do estatuto, o grupo deve estudar o documento e se reunir na Assembleia Geral de Constituição da Cooperativa, para aprovar ou não a criação da entidade.
Terceiro passo
Se aprovada democraticamente, o TERCEIRO PASSO é a formalização e o registro da Cooperativa na Junta Comercial do estado de origem da organização. Na sequência, o grupo deve registrá-la no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e na Organização das Cooperativas Brasileiras, além de cadastrá-la no sistema tributário estadual para receber o alvará de funcionamento.