Os militares tomam partido de uma educação padronizadora, pela disciplinarização, pela docilização de corpos, negação do papel social da escola com ênfase numa educação bancária, nos moldes descritos por Paulo Freire, e uma pedagogia do medo. O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), instituído pelo Decreto n° 10.004, de 5 de setembro de 2019, foi publicado sem nenhum diálogo da sociedade, através de um ministério da educação que exalta as escolas cívico-militares, e vai defender uma ideia de uniformização dos estudantes, sempre em detrimento de uma educação crítica.
Essa militarização das escolas, é importante ressaltar, ele ocorre por diferentes vias, por um edital que o governo abre, mas também através de prefeituras municipais que fazem convênio e pactuação com a Secretaria de Segurança Pública para propor a militarização das escolas. A militarização das escolas é um rompimento com a educação na perspectiva dos direitos humanos, da vinculação da interculturalidade, assim uma verdadeira barbárie contra a mente e os corpos de adolescentes e jovens.
As escolas cívico-militares são salvacionistas, ou seja, elas viriam para salvar a educação pública, mas contrariam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) por não oferecerem uma educação plena para os sujeitos.
Quanto aos princípios do PECIM há três que merecem destaque. Um dos princípios é da gestão de excelência em projetos educacionais didático-pedagógicos e administrativos. Seria a melhoria nos processos de gestão. É a ideia que os diretores e gestores não sabem gerir os recursos nos processos de gestão nas escolas públicas. Quando abrimos os processos de gestão a pessoas que não tem uma formação específica na área da Pedagogia, isso fere o princípio da educação democrática, dos espaços de atuação da comunidade escolar, descaracteriza a participação, subordinando os trabalhadores da educação aos militares. Essa suposta otimização da gestão proposta no PECIM não trata em momento algum da precarização e falta de investimentos que são problemas evidentes e recorrentes da educação pública brasileira.
Um outro princípio do documento é o fortalecimento de valores humanos e cívicos. O PECIM faz uma receita de bolo a respeito do que deveria ser uma escola. O que chama atenção sobremaneira é o fortalecimento de valores cívicos, que toda escola cívico-militar deve ter um projeto de valores cívicos. Esse projeto proporciona uma estreita aproximação com as antigas disciplinas de Moral e Cívica, fruto da ditadura militar. A essência desse projeto reside na natureza reduzida e engessada de cidadania, acoplando a ideia que atitudes são incorporadas via treinamento e temas como hierarquia, civismo e apelo à ordem prevalecem sobre a ideia de democracia e direitos humanos. Se imediatiza uma forte relação com a construção de virtudes cívicas como uma das finalidades primordiais da educação, em detrimento de aspectos sócio históricos.
O terceiro aspecto seria um modelo de gestão que proporcione igualdade de oportunidades para os educandos. É cômico porque as escolas cívicas militares retiram de seu corpo estudantil os alunos com déficit de aprendizagem e deficiências físicas, interferindo no seu direito de continuidade escolar. É um modelo de escola capacitista que não trabalha com as diferenças, mas com a padronização de homens e mulheres. Essas escolas também inviabilizam o EJA (Educação de jovens e adultos). É uma escola desigual, desumanizadora, capacitista que busca a homogeneização dos processos de aprendizagem.
Quanto às diretrizes do PECIM vale destacar duas: a viabilização da contratação pelas Forças Armadas de militares inativos como prestadores de tarefa por tempo certo para atuarem nas áreas de gestão educacional didático-pedagógico-administrativa; e o emprego de oficiais e praças para atuarem na área de gestão educacional didático-pedagógico-administrativo.
Essas duas diretrizes postas no programa das escolas civil-militares são inconstitucionais, pois contrariam o artigo 61 da LDB, que diz que profissionais da educação escolar básica são os professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, e trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim.