Inaugurada em 2003, a academia MM Boxe em Rio Claro, interior de São Paulo, criou laços com algumas academias populares italianas a partir de 2015, quando já tinha mais de dez anos de trabalhos sociais com jovens da cidade. Ao conhecer os conceitos defendidos pelos camaradas italianos, tais como a não-mercantilização do esporte, o combate ao racismo e o machismo, o respeito pela diversidade e a autogestão, a MM Boxe “caiu em si” e entendeu que se tratava de uma “Palestra Popolare à brasileira”. Ainda que não tivesse se definido como antifascista anteriormente, a MM Boxe já realizava uma ação direta por meio do esporte há anos. A influência conceitual dos camaradas italianos fez com que a academia de Rio Claro passasse, desde então, a se definir como ela sempre foi: antifascista. Trabalhando com o boxe competitivo de alto rendimento, a MM Boxe enviou sua equipe de atletas para treinar e lutar em academias populares italianas em 2016 e 2018. Jovens negros e periféricos do interior do Brasil viajaram para a Europa, sendo recepcionados por uma rede de companheiros de esquerda em cidades como Roma, Bologna, Genova, Perugia, Napoli, entre outras. Um dos treinadores da MM Boxe, Breno Macedo, passou seis meses em Roma em 2017, dando aulas de boxe na Palestra Popolare Quarticciolo, academia que hoje (2024) se configura como a maior academia antifascista da Itália.
A primeira equipe de boxe do Brasil que nasce como antifascista, fundada como uma forma de ação direta contra o fascismo, é o Boxe Autônomo, de São Paulo. “Apadrinhada” pela MM Boxe, o projeto do Boxe Autônomo surgiu de companheiros que conheciam a cena do esporte popular em outros países e que se lamentavam de São Paulo não ter uma cena do boxe antifa. O Boxe Autônomo começou dentro da ocupação Leila Khaled, na Liberdade, que recebia famílias de imigrantes de origem palestina e migrantes de diferentes regiões do Brasil. Defendendo bandeiras como o anticapitalismo, o antimachismo e o antirracismo, o Boxe Autônomo passou e passa por diferentes espaços populares de São Paulo, como a Ocupação Mauá e a Comunidade do Moinho, até estabelecer sua sede na Casa do Povo, centro cultural da comunidade judaica no Bom Retiro.
Buscando oferecer um ambiente para a prática do boxe livre de homofobia, do machismo, da xenofobia, da intolerância religiosa e de pensamentos preconceituosos, o Boxe Autônomo atende uma demanda da cidade de São Paulo. Hoje, em janeiro de 2024, circularam pela academia popular do Boxe Autônomo na Casa do Povo pessoas atraídas por diferentes motivos: militantes de esquerda, membros da comunidade LGBTQIAPN+, população do entorno, moradores de comunidades do centro de São Paulo, estudantes universitários identificados com a causa antifascista, pessoas de baixa renda atraídos pelos preços populares, trabalhadores da região central da cidade.
Realizar trabalho social com grupos desfavorecidos economicamente não é exclusividade do Boxe Autônomo ou da MM Boxe, pelo contrário. No Brasil, a maior parte dos e das pugilistas de destaque são oriundos de projetos sociais espalhados pelo país. Entretanto, é praticamente inexistente a consciência de classe e de raça por parte destes projetos, que acabam se esvaziando ideologicamente. Não é raro encontrar academias periféricas, composta majoritariamente por pessoas negras, que ignoram o tema do racismo estrutural brasileiro; garotas que praticam boxe, esporte que excluiu historicamente as mulheres de seu meio, dizendo serem antifeministas, influenciadas por líderes religiosos ligados a extrema direita brasileira; treinadores e atletas que trabalham com boxeadoras gays, mas que propagam ideias homofóbicas em seu dia a dia. As próprias boxeadoras LGBTQIAPN+ de destaque evitam tocar no assunto, para não levantar “bandeiras polêmicas” no Brasil homofóbico. Tais situações contraditórias são fruto desse vazio político que cerca o boxe brasileiro, e é também neste ponto que o boxe antifascista se propõe a fazer a diferença.
Hoje, a MM Boxe e o Boxe Autônomo inspiram movimentos parecidos em outras localidades do Brasil. Apesar de não haver por aqui uma rede de academias esquerdistas bem estabelecida, há um grande número de praticantes de boxe de esquerda, público que admira, suporta e dá forças aos projetos já existentes. Ao participar do circuito de competições oficiais da CBBoxe (6), a MM e o Autônomo também mostram que o esporte pode ser levado à excelência e trazer resultados sem perder seu caráter político. Uma coisa não anula a outra. Muito pelo contrário, o boxe se fortalece com o antifascismo e a política se difunde através do esporte.